Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
166/2002.P1
Nº Convencional: JTRP00043688
Relator: MARIA EIRÓ
Descritores: RELAÇÃO FUNDAMENTAL
RELAÇÃO CARTULAR
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP20100309166/2002.P1
Data do Acordão: 03/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 359 FLS. 2
Área Temática: .
Sumário: I- A autora demanda os réus com base na relação fundamental, utilizando como causa de pedir a relação subjacente pondo de lado a relação cartular, exactamente porque a execução poderia estar condicionada aos prazos de prescrição e aos seus intervenientes do título, não vinculando por isso a ré mulher nem a ré “C.............”, que não tiveram intervenção nos títulos.
II- Por esta razão a autora “C.............” dispondo de títulos com manifesta força executiva, veio usar o processo de declaração.
III- Este crédito emergente da relação fundamental está sujeito aos prazos de prescrição regulamentados no C. Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº166.2002.P1
Relatora: Maria Eiró
Adjuntos: João Proença e Graça Mira
Acordam no Tribunal da relação do Porto

A autora "B………….., Ld.ª", com sede no Lugar ……, freguesia de ……, concelho de Lamego, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra "C………….", sociedade civil de D…………., e E…………. e F……………., pedindo acondenação deste a pagar-lhe a quantia total de €14.000,00, correspondente ao capital de Esc.l.562.200$00, ou seja, €7.792,22, acrescido de juros vencidos à taxa legal de 12%, e vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento, bem assim, em custas e procuradoria.
Alega para tanto, em síntese, que no âmbito da sua actividade comercial forneceu aos Réus, ao longo de vários anos, garrafões de vinho, que foram entregues nas instalações da "C…………", em Ermesinde, a pedido dos Réus D……….., de E………… e de F…………., que representavam aquela sociedade meramente civil. Os fornecimentos eram logo pagos, mas a partir de determinada altura, a C…………. começou a atrasar os pagamentos, acumulando, assim, uma dívida no total de €7.792,22, que os Réus pretenderam pagar faseadamente através dos cheques descriminados na p.i., que não obtiveram pagamento, tendo até motivado a apresentação de uma queixa crime. Apesar de instados, por diversas vezes, para pagar o montante em divida, os Réus não o fizeram até à presente data.
Os Réus D………., E………… e F………….. contestaram a presente acção. Excepcionando, esgrimiram pela ilegitimidade dos Réus E………….. e F…………, porquanto nunca tiveram qualquer ligação à “C………..”, pertencente unicamente à ré D…………. Por impugnação, negaram qualquer dívida da “C………….” perante a autora, alegando ainda que aquela encerrou a sua actividade em 1996.
Concluíram pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.
Posteriormente foi apresentada uma segunda contestação nos autos, mediante a qual a ré “C…………”, representada por D……….., e esta (!) vieram defender a preclusão do direito de a autora exigir-lhes qualquer indemnização civil, porquanto tendo esta optado pela instauração de processo crime, que veio a ser arquivado por se concluir que os cheques em causa eram pós-datados, o que levou a autora a desistir da queixa, tinha esta de instaurar a acção cível no prazo de l ano conforme dispõe o art. 3°, do Dec. Lei n° 396/97, pelo que ao ter intentado a acção só em 21.03.2002, portanto quase quatro anos depois, precludiu tal direito. Mais invocaram que a “C………….” encerrou a sua actividade em 1996 e as contas apresentadas pela autora diziam respeito a garrafões vazios e a vinho estragado que a autora ou os seus motoristas costumavam deixar em Ermesinde para não terem o trabalho de andar a transportá-los para Lamego. Acresce que a ré “C………….” nada deve porque em 1996 acertou todas as contas com a autora.
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Oportunamente foi proferida sentença em que julgou:
Improcedente a excepção de prescrição invocada;
A acção parcialmente procedente e condenou os réus “C………….”, sociedade civil de D…………, e E…………. e F………….., a pagar, a titulo solidário, à autora “B…………, Lda” a quantia de €7792,22, a que acrescem juros, à taxa legal, desde a citação para contestar a acção, à taxa dos juros comerciais, com sucessivas variações, até integral e efectivo pagamento, e absolvei os réus do demais peticionado.
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Desta sentença apelou a ré “C………….” concluindo nas suas alegações:
A) A., ora recorrida apresentou queixa-crime por emissão de cheques sem provisão contra o Réu E……………., e não contra os legais representantes da C…………..

B) O procedimento criminal foi declarado extinto por descriminalização dos cheques pré-datados, tendo a Autora instaurado a presente acção após a declaração de extinção do procedimento criminal.

C) O art. 3º nº 1 do Decreto-Lei 316/97, estabelece que a acção cível por falta de pagamento pode ser instaurada no prazo de um ano a contar da datada declaração judicial de extinção do procedimento criminal quando esta resulte da descriminalização dos cheques pré-datados operada em razão do disposto nesse diploma

D) Esta acção foi intentada só em 21 de Março de 2002, ou seja, estava largamente ultrapassado o prazo de um ano para o efeito, encontrando-se, por isso, precludido tal direito.

E) O ónus da prova no âmbito da excepção invocada - caducidade – que recaía sobre os Réus, aqui recorrentes foi feito, aliás, resulta inequivocamente dos autos, nomeadamente da data da entrada da Petição inicial em Juízo e do documento nº 10 junto com a Autora com esse articulado.

F) Face ao que vem de referir-se, e que está assente nos autos, dúvidas não restam que se encontra precludido o direito da recorrida de intentar esta acção;

G) A matéria de facto a que se refere o quesito 4º e 8º da matéria dada como provada, corresponde a uma incorrecta interpretação e apreciação da prova produzida em Audiência de Julgamento;

H) Da prova feita e devidamente gravada e da documentação existente nos autos, resulta clara desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão sobre a matéria de facto, nos concretos pontos questionados devendo ser alterada de acordo com o supra alegado e requerido;

I) Salvo melhor opinião, e tendo até em conta a impugnação da decisão da matéria de facto, a douta sentença recorrida fez também uma incorrecta interpretação e aplicação da lei ao caso “sub Júdice”.

J) Face ao que vem de referir-se, e que está assente nos autos, dúvidas não restam que o Tribunal a quo não fez boa aplicação do direito á matéria de facto dada como provada, pelo que proferiu decisão injusta e violadora das normas jurídicas, devendo a sentença recorrida ser substituída por outra que declare a acção improcedente, absolvendo-se os apelantes do pedido, com o que se fará a esperada justiça.
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Factos provados:
A) A autora é uma firma ligada ao mundo do vinho, armazenista e distribuidora.
B) A ré “C………..” é um negócio familiar de comercialização de bebidas.
C) A autora forneceu á ré “C…………..”, ao longo dos anos, garrafões de vinho.
D) A partir de certa altura, a ré “C……………” começou a atrasar-se nos pagamentos dos garrafões de vinho que a autora ia fornecendo, através dos seus assalariados, àquela, nas suas instalações em Ermesinde, e conforme as encomendas feitas, sendo a mesma representada, nos contactos com o exterior, clientes e fornecedores, pêlos Réus D…………, E………….. e F…………….
E) No ano de 1995, para pagamento dos fornecimentos de garrafões de vinho, a Ré F………….. emitiu a favor da autora, preencheu e assinou os cheques do Banco ……..: com o número ……..3109 no montante de 334.400$00; com o n° ……3108 no montante de 296.200$00; o cheque n° ……3112 no montante de 296.200$00; o cheque n° …….3111 no montante de 322.800SOO.
F) Os cheques eram todos da conta ……001.
G), Também para pagamento de fornecimentos efectuados pela autora à “C………..”, a ré F…………. emitiu a favor da autora, preencheu e assinou o cheque do Banco …….. n° …….754Q no montante de 312.600$00.
H) Todos os cheques emitidos destinaram-se ao pagamento de fornecimentos de garrafões de vinho pela autora à “C………….”.
I) As datas apostas nos cheques foram rasuradas.
J) A ré F………… emitiu a favor da autora e preencheu o cheque n° …….07540 do B…. - conta n° …….318 saldada e sem movimento desde 1994.
K) Não tendo os cheques supra referidos cobertura, a Ré F…………, em nome da “C…………”, em 25.08.1995 enviou à autora uma carta com dois cheques do B….. da conta n° ……318 com os n°s ……7539 e ……7537, ambos no montante de 625.800$00.
L) Quer a carta e quer os cheques também têm as datas rasuradas.
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O recurso.
I. A recorrente atribui ao tribunal de 1ª instância erro de julgamento na apreciação das provas.
Entende que o Mmº Juiz de 1ª instância não poderia ter proferido nos termos em que o fez, à matéria dos factos nºs 4º e 8º da base instrutória face aos depoimentos das testemunhas G………….. e H…………..
Analisemos os factos em causa.
Ao quesito nº 4 foi decidido o seguinte: “a partir de certa altura, a ré “C…………..” começou a atrasar-se nos pagamentos dos garrafões de vinho que a autora ia fornecendo, através dos seus assalariados, àquela nas suas instalações sitas em Ermesinde, e conforme as encomendas feitas, sendo a mesma representada, nos contactos com o exterior, clientes e fornecedores, sendo a mesma representada pelos réus D…………, E…………. e F……………”.
Ao quesito 8º decidiu-se “todos os cheques emitidos destinaram-se ao pagamento de fornecimentos de garrafões de vinho pela autora à “C…………..”.
A este propósito cabe lembrar, que se vem entendendo que o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto limita-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados – AC. STJ de 20.05.95.
No depoimento de parte os réus D………….. e E…………, reduzido a escrito na acta de julgamento, declararam que a “C…………..” era um negócio do pai e sogro dos réus e que após a morte deste passou a ser gerido pela sua mãe D………….; que a autora lhe vendeu e entregou a mercadoria – garrafões de vinho; que os cheques se destinaram ao pagamento das mercadorias.
Assim tais factos encontram-se, só por si provados por confissão ao abrigo do disposto nos arts. 352º do CC, relativamente aos depoentes F…………… e E………….., sendo que no que respeita à D……………. proprietária da “C……………”, a prova está sujeita à livre apreciação do julgador.
A esta prova acresce a Declaração de Cessação do estabelecimento em questão, em 17.10.2002, dirigida aos serviços competentes Ministério das Finanças, Direcção Geral de Impostos, subscrita pela própria D…………. - fls. 222.
Os fornecimentos em questão reportam-se aos anos de 94 e 95, portanto nesta altura, o estabelecimento era sua propriedade e por conseguinte por ela representada.
Acresce que as testemunhas indicadas G…………… e H…………… não contradizem estes factos. Desconhecendo quem se encontrava à frente do estabelecimento.
Toda a prova aponta para o facto de os cheques se destinarem ao pagamento dos fornecimentos.
Podemos concluir que a decisão recorrida ponderou toda a prova produzida, não resultando na sua apreciação manifesto erro, nem flagrante desconformidade entre os elementos probatórios e a decisão.

II. Em face da factualidade apurada verifica-se que a autora B………….., Lda, nesta acção que intentou contra “C………….”, sociedade civil de D……………. e E…………… e esposa F…………… estribando a sua pretensão no contrato de compra e venda (fornecimentos) celebrado entre si e a “C………….” referente a mercadoria que comercializam (vinho), sendo que para pagamento do preço foram emitidos pelos réus, na qualidade de compradores e seus representantes, cheques que foram devolvidos por falta de provisão.
Invoca a ré a prescrição da acção cambiária baseada nos cheques, pretendendo com tal excepção a extinção do direito invocado.
Mas não tem razão.
A autora não invoca as obrigações cambiárias contraídas pela ré, mas apenas a relação subjacente ou fundamental, aqui residindo a causa de pedir da acção.
A autora demanda os réus com base na relação fundamental, utilizando como causa de pedir a relação subjacente pondo de lado a relação cartular, exactamente porque a execução poderia estar condicionada aos prazos de prescrição e aos seus intervenientes do título, não vinculando por isso a ré mulher nem a ré “C………….”, que não tiveram intervenção nos títulos.
Por esta razão a autora “C…………” dispondo de títulos com manifesta força executiva, veio usar o processo de declaração.
Este crédito, emergente da relação fundamental está sujeito aos prazos de prescrição regulamentados no C. Civil, que não foram invocados, sendo certo que seu conhecimento desta excepção não é oficioso, (nem mesmo existem mesmo elementos para nos pronunciarmos sobre ela).
Assim, estando em causa como está, o contrato de fornecimentos e não a relação cambiária baseada nos cheques, é totalmente despiciendo saber se ocorreu a prescrição excepcionada pela autora.
Na improcedência das alegações de recurso confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

P. 2010.03.09
Maria das Dores Eiró de Araújo
João Carlos Proença de Oliveira Costa
Maria da Graça Pereira Marques Mira