Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1360/18.2T9AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ELSA PAIXÃO
Descritores: CONTRAORDENAÇÕES MUITO GRAVES
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA ACESSÓRIA
CONSTITUCIONALIDADE DA PROIBIÇÃO DE SUSPENSÃO DA PENA ACESSÓRIA
Nº do Documento: RP201810241360/18.2T9AVR.P1
Data do Acordão: 10/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 775, FLS 127-138)
Área Temática: .
Sumário: I - A norma do artigo 141º, n.º 1, do Código da Estrada, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, interpretada no sentido de a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir abranger apenas as contra-ordenações graves, não é organicamente inconstitucional.
II - O momento relevante para se apurar da caducidade da autorização legislativa para o Governo legislar é o da aprovação do Diploma Legal em Conselho de Ministros, sendo irrelevantes a promulgação, a referenda e posterior publicação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1360/18.2T9AVR.P1
Juízo Local Criminal de Aveiro – Juiz 3 - do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro

Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
No processo de impugnação judicial de decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), do Juízo Local Criminal de Aveiro – Juiz 3 - do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, em que é arguido B..., foi proferida sentença, em 05.06.2017, e depositada no mesmo dia, com o seguinte dispositivo:
Pelas razões expostas, julgando improcedente a impugnação, decide-se manter a condenação de B... em sanção acessória de inibição de conduzir, pelo período de trinta dias, devendo o arguido entregar o seu título de condução no prazo máximo de quinze dias úteis após termo do prazo de recurso da presente decisão (que é de dez dias seguidos a contar desde a data da notificação da presente sentença – artigo 74º do RGCC; artigo 186º do Código da Estrada), sob pena de incorrer na prática de crime de desobediência e ser ordenada a apreensão (artigos 160º, n.ºs 1, 3 e 4, e 182º, n.º 3, al. a), do Código da Estrada).
Por força do disposto no artigo 93º, n.º3, e 94º, n.º3, do RGCC e no artigo 185º, n.º3, al. a), e n.º 6, do Código da Estrada, é devido pelo arguido o pagamento de custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em uma unidade de conta (artigo 8º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais).
Deposite-se.
Após trânsito, remeta-se cópia da presente decisão à ANSR (artigo 70º, n.º4, do RGCC e também para registo nos termos do Dec.-Lei n.º 317/94).
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Inconformado com tal decisão, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1. Existe nulidade da decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária uma vez que:
a. O Arguido não foi notificado no âmbito procedimento da contraordenação para se pronunciar em sede de Audição e Defesa;
b. A notificação da Decisão não continha a enunciação dos meios de prova que permitiam condenar o Arguido na prática da infração;
c. Na notificação da decisão não existia um exame crítico das provas;
d. Pelo que, a decisão de condenar o arguido na prática da infração, não estava devidamente fundamentada pela ANRS.
2. O procedimento de contraordenação é formalmente ilegal porque a ANSR não notificou devidamente o Arguido para este exercer o seu direito de Audição e Defesa, o que actuou de forma negligente.
3. Razão pela qual, a ANRS não estava legitimada para decidir sem este supra referido pressuposto legal e por seguinte, o procedimento encontra- se eivado do vício da nulidade da acusação.
4. Atendendo que a nossa Constituição impõe que seja dado a qualquer cidadão a possibilidade do contraditório e da audiência, expressos no art. 32°, n° 10 da CRP, podemos verificar que esta ideia está plasmada no corpo na legislação ordinária do art. 50° do RGCO.
5. Pois, não compete ao arguido provar a sua inocência, antes pelo contrário, compete à administração o poder/dever de descobrir a verdade.
6. Ora, o facto do Tribunal "a quo não ter "detetado" que o arguido não se defendeu no procedimento contraordenacional, a Sentença recorrida enferma dos vícios prevenidos no art. 410.° do CPP, porque não sanou o vício de forma no procedimento contraordenacional que padecia.
7. Por essa razão, o arguido quando apresentou a sua impugnação, pugnou pela sua absolvição e solicitou algumas informações para se poder defender dignamente, conforme consta nos itens 3 e 4 da impugnação judicial.
8. Na verdade, o Arguido só teve conhecimento dos factos, da infração e da contraordenação através da notificação da decisão final de condenação por parte da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária,
9. Razão pela qual, o Arguido para se defender dignamente e apresentar uma boa defesa, necessitava de obter as informações, mais fundamentos sobre a prática que vinha sendo acusado.
10. Não tendo o Arguido apresentado Defesa no procedimento contraordenacional, e tendo o Tribunal "a quo" continuado com o julgamento fez com que esta nulidade persistiu até à Sentença, razão pela qual se deve inquinar todo o processado, declarando-se a nulidade da sentença recorrida nos termos dos Arts. 41.° do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27.10, e 379.° do CPP.
11. Impetrante será dizer que, a falta de acesso por parte do arguido a toda informação, o mesmo não se defendeu dignamente.
12. Relativamente á prescrição, deve se aplicar a regra do mais favorável nos termos do n° 3 do artigo 28.° do RGCO, quer dizer que, o início da contagem da prescrição começou em 16-06-2015, data dos factos da infração, tendo o prazo de prescrição sido interrompido, nos termos da alínea c) do artigo 27.° do RGCO, com a notificação ao arguido da decisão condenatória da ANSR, tendo o prazo de prescrição sido aumentado para mais um ano. O que quer dizer, que a prescrição ocorreu no dia 16-06-2018.
13. O tribunal "a quo" condenou o arguido na sanção acessória de inibição de conduzir, todavia pela matéria dada como prova o Arguido é um condutor atento, cuidadoso, prudente e sensato, nunca dando origem a situações ou manobras perigosas,
14. Por essa razão, este douto Tribunal podia ter aplicado ao Arguido a suspensão da sanção acessória, condicionada à prestação de caução de boa conduta ou à imposição do cumprimento do dever de frequência de acções de formação profissional, sem violar contudo a lei, fundamentando a sua decisão no princípio da Justiça.
15. O art.° 141.° do Código da Estrada ao instituir a não aplicação da suspensão da execução da sanção acessória nas contra-ordenações muito graves, encontra-se ferido de inconstitucionalidade orgânica, por extravasar a lei de autorização.
16. Ainda, este artigo 141.° do C.E mete na mesma balança o arguido que violou uma disposição de mera ordenação social e o arguido que violou um tipo legal de crime, o que não deve a Justiça permitir.
17. Assim sendo, deverá ser declarada inconstitucional a norma do artigo 141°, n.° 1 do C.E por violação do direito de defesa do arguido previsto no artigo 32.°, n.°10 da CRP.
Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve a Sentença do Tribunal de 1ª Instância ser revogada e, em consequência, ser ordenado o arquivamento dos autos por manifesta falta de prova, assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA.
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O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu conforme fls. 79 a 81, pugnando que “deverá o recurso interposto pelo arguido ser julgado improcedente e mantida a sentença recorrida”. Formulou as seguintes conclusões:
1.º - Contrariamente às teses do recorrente, nem o processo, nem a sentença recorrida enfermam de qualquer nulidade – designadamente as nulidades previstas no art.º no art.º41.º do RGCO e no art.º 379.º do CPP;
2.º O recorrente teve conhecimento do auto de contra-ordenação que originou o processo, e até pagou voluntariamente a coima correspondente à contraordenação que lhe foi imputada nesse auto; e se não o impugnou ou não apresentou a sua defesa é porque não a tinha para apresentar, ou não quis fazê-lo;
3.º De igual modo, o recorrente teve conhecimento da decisão condenatória da autoridade administrativa (ANSR), e até a impugnou judicialmente, sem sequer indicar provas ou invocar os vícios que agora decidiu invocar em sede de recurso judicial;
4.º Por isso, não tem sentido vir agora invocar – ainda que genericamente - que isso determinou “nulidade do processo – art.º 410.º do do CPP”; “nulidade dos autos”; “nulidade da sentença recorrida nos termos dos art.ºs 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, e 379.º do CPP”; e ainda por cima a violação “do contraditório e da audiência”, expressos nos art.ºs 32.º, n.º10 da CRP e no art.º 50.º do RGCO;
5.º Se alguma das outras alegadas “nulidades”, ou irregularidade houvesse – e não há -, estas estariam sanadas nos termos dos art.ºs 121.º ou 123.º, n.º1, do CPP.
6.º Quanto à alegada prescrição do procedimento contra-ordenacional também é manifesto que a mesma não ocorreu – pelas razões constantes da 2.ª parte da douta sentença recorrida, que bem decidiu tal questão.
7.º Em todo o caso, não deixaremos de frisar que o prazo de prescrição se manterá suspenso até ao dia 25/11/2018, nos termos do art.º 27.º- A, n.º 1, al. c) e n.º 2, do RGCC, “ex-vi do art.º 188.º, n.º 2, do Código da Estrada.
8.º Quanto à alegada questão da inconstitucionalidade do art.º141.º, n.º1, do Código da Estrada, quando interpretado no sentido de que não admite a suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir em relação a contraordenações “muito graves”, temos de admitir que a questão é controversa – e até já foi suscitada e decidida, não só ao nível da 1.ª instância como nos tribunais superiores – como consta dos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 604/2006, de 14/11/2006, e da Relação de Évora, de 04/07/2006 – também citados na douta sentença recorrida.
9.º Embora a letra do citado n.º 1 do art.º 141.º do Código da Estrada não exclua a aplicação da suspensão daquela sanção acessória a todas as contraordenações apelidadas de “muito graves”, o certo é que a jurisprudência tem tido entendimento contrário O pelo que se aceita a tese seguida pela douta sentença recorrida.
10.º Em todo o caso, e salvo melhor opinião, parece-nos que é extemporânea a alegação da referida inconstitucionalidade só em sede de recurso da decisão da 1.ª instância – quando o recorrente já o poderia e deveria ter feito, designadamente, em sede de recurso de impugnação; de contestação; quando requereu a prescrição do procedimento contra-ordenacional; ou mesmo no decurso do julgamento.
11.º Por isso, deverá ser indeferida a alegada inconstitucionalidade orgânica do art.º 141.º, n.º1, do Código da Estrada.
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Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral adjunto subscrevendo a resposta do Ministério Público na primeira instância, emitiu parecer no sentido de que “o recurso não merece provimento”.
Foi dado cumprimento ao disposto artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar.
Há que dizer que o presente recurso é restrito à matéria de direito, visto o disposto nos artigos. 75º, n.º 1 e 41º, n.º 1, ambos do DL n.º 433/82, de 27 de outubro, sucessivamente alterado (alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 356/89, de 17 de outubro, e 244/95, de 14 de setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro - RGCOC), salvo verificação de qualquer dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal.
Questões a decidir.
Vistas as conclusões apresentadas, o objeto do presente recurso, resume-se às seguintes questões:
a) Da falta de audição e defesa do arguido/violação do disposto do artigo 175.° do Código da Estrada; nulidade do processo; nulidade dos autos/arts. 379º e 410.° do Código de Processo Penal e art. 41º do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27.10;
b) Da prescrição do procedimento contraordenacional;
c) Da suspensão da sanção acessória, condicionada à prestação de caução de boa conduta ou à imposição do cumprimento do dever de frequência de acções de formação profissional;
d) Da inconstitucionalidade orgânica da norma do art.° 141.° do Código da Estrada,
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Decisão recorrida – transcrição
“B... (melhor identificado nos autos), impugnou, nos termos de fl.s 14 e seg.s, a decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) proferida em 30.03.2016 (fl.s 3 e 4), de que foi notificado em 04.06.2016 (fl.s 7 e 8) mediante a qual foi condenado, pela prática em 16.06.2015 de contra-ordenação (transposição de linha longitudinal contínua) na sanção acessória de inibição de conduzir (especialmente atenuada) pelo período de trinta dias, em suma alegando que não praticou a infracção imputada e que deverá ser absolvido.
A decisão foi sustentada pela ANSR em 20.03.2018, nos termos de fl. 29, e os autos remetidos em 29.03.2018 ao Ministério Público, que os apresentou a Juízo em 04.04.2018.
Recebida a impugnação em Juízo (do que o arguido foi notificado em data não posterior a 25.05.2018 – fl.s 36 e 46), veio o arguido, antes da audiência, alegar estar prescrito o procedimento, excepção que o Ministério Público alegou improceder (a fl. 48).
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Considerando os marcos temporais já referidos e o previsto nos artigos 188º do Código da Estrada e 5º, 27º-A, n.º1, al. c) e 28º, n.ºs 3 e 1, al.s a) e d), do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas (RGCC), conclui-se que o curso do prazo, de dois anos, de prescrição se iniciou em 16.06.2015, porém antes de 16.06.2017 interrompeu-se (começando a correr novo prazo: artigo 121º, n.º2, do Código Penal, artigo 32º do RGCC e artigo 132º do Código da Estrada) em 30.03.2016, em 04.06.2016 e em 25.05.2018, estando desde esta última data suspenso (suspensão que poderá perdurar até 25.11.2018, eventualmente então retomando o curso do prazo de prescrição do procedimento: artigo 27º-A, n.º2, do RGCC).
Improcede, pelo exposto, a arguição de prescrição.
Não se verificam outras excepções ou questões prévias susceptíveis de obstar à decisão de mérito.
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Com relevância para a decisão, importa considerar os seguintes factos provados:
I.
No dia 16.06.2015, pelas 01:10 horas, o arguido conduziu o automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ..-PU-.. na Rua ..., em Aveiro.
II.
Nessa ocasião, transpôs uma linha longitudinal contínua (marca M1), separadora de sentidos de trânsito.
III.
O arguido agiu livre e conscientemente, sabendo que a descrita conduta era proibida, porém actuando descuidada, desatenta e irreflectidamente.
IV.
Na data referida em I., o arguido pagou a coima voluntariamente, pelo valor mínimo legal de quarenta e nove euros e oitenta e oito cêntimos.
V.
De registo de condutor do arguido emitido em Maio de 2018 não constam condenações por contra-ordenações graves ou muito graves.
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Não foram alegados nem resultam das provas apresentadas outros factos relevantes para a decisão.
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Motivação:
A prova dos factos enunciados resulta da análise do auto de notícia de fl. 1, cuja força probatória, nos termos do artigo 170º, n.º3, do Código da Estrada, não foi abalada ou sequer posta em questão.
Ao invés, tal força probatória foi antes expressamente corroborada pela confirmação da correspondência do constante do auto com a percepção dos factos pela testemunha seu autor, bem como pelas declarações prestadas pelo arguido em audiência, designadamente esclarecendo que as fotografias que apresentou com a impugnação (juntas a fl.s 23 e seg.s) respeitam à rua em causa, mas não ao local da mesma onde passou o automóvel de um para outro sentido, aí existindo à data linha contínua, embora com nitidez semelhante à das linhas descontínuas visíveis nas aludidas fotografias (o que também foi referido pela testemunha indicada pelo arguido, C...).
Nada suscitando dúvida acerca da normalidade de discernimento e diligência do arguido, não se vislumbra outra explicação para a acção do arguido que não atitude precipitada, descuidada e desatenta do mesmo, na ocasião da prática dos factos em causa.
O pagamento da coima está registado a fl.s 1 e 30 e o mencionado registo individual de condutor foi junto a fl. 49.
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Como resulta da análise dos factos provados, o arguido no dia 16.06.2015 conduziu um automóvel ligeiro por via pública e no exercício dessa condução transpôs uma linha longitudinal contínua, acção do arguido essa que foi livre e consciente, tendo o arguido agido descuidada e irreflectidamente (sendo a negligência punível, nos termos do artigo 133º do Código da Estrada).
Infringiu, assim, a proibição que estatui o n.º 1 – M1 do artigo 60º do Regulamento de Sinalização do Trânsito (aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro), nos termos do qual “As marcas longitudinais (…) são linhas apostas na faixa de rodagem, separando sentidos ou vias de trânsito e com os significados seguintes: M1 — linha contínua: significa para o condutor proibição de a pisar ou transpor e, bem assim, o dever de transitar à sua direita, quando aquela fizer a separação de sentidos de trânsito (…)”.
A transposição de linha longitudinal contínua constitui contra-ordenação punível com coima, por força do previsto na al. a) do artigo 65º do Regulamento de Sinalização do Trânsito, sendo classificada como contra-ordenação muito grave, nos termos do disposto no artigo 146º, al. o), do Código da Estrada e sendo portanto punível não só com sanção pecuniária (no presente caso paga voluntariamente, pelo valor mínimo legal), mas também com sanção acessória de inibição de conduzir por período a fixar entre dois meses e dois anos, nos termos dos artigos 136º, n.º3, 138º, n.º1, e 147º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada.
Não obstante, na decisão impugnada a sanção acessória foi fixada em apenas trinta dias, em razão de atenuação especial ao abrigo do disposto no artigo 140º do Código da Estrada (que estabelece que “os limites mínimo e máximo da sanção acessória cominada para as contra-ordenações muito graves podem ser reduzidos para metade tendo em conta as circunstâncias da infracção, se o infractor não tiver praticado, nos últimos cinco anos, qualquer contra-ordenação grave ou muito grave ou facto sancionado com proibição ou inibição de conduzir e na condição de se encontrar paga a coima”).
A possibilidade de suspensão da execução da sanção acessória está prevista no artigo 141º, n.º1, do Código da Estrada relativamente, apenas, às sanções acessórias aplicadas em razão da prática de contra-ordenações graves, que não também relativamente às muito graves, como a em causa, pelo que não há que apelar ao previsto na Lei Penal Geral (concretamente, no artigo 50º do Código Penal) para indagação da eventual verificação de pressupostos de suspensão, que não é legalmente admissível relativamente à contra-ordenação muito grave praticada.
Não é também legalmente admissível eventual dispensa da sanção acessória, nos termos do artigo 74º do Código Penal, aplicável (apenas) subsidiariamente às contra-ordenações rodoviárias por remissão sucessiva pelo artigo 132º do Código da Estrada e artigo 32º do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas.
Com efeito, o artigo 32º do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas é (apenas) subsidiariamente aplicável relativamente a contra-ordenações rodoviárias por remissão pelo artigo 132º do Código da Estrada.
Ora, prevendo o Código da Estrada expressa e detalhadamente acerca de pressupostos de eventual redução (possível por atenuação especial, de que, aliás, o arguido já beneficiou, ao abrigo do já mencionado artigo 140º) ou substituição da sanção acessória (legalmente admissível – se verificados os demais pressupostos – apenas relativamente a contra-ordenações graves e não também em relação a muito graves, como é a em causa), não é admissível o recurso a legislação subsidiária para sustentar hipotética substituição da sanção acessória de inibição de conduzir por medida não expressamente prevista no Código da Estrada (constituindo, aliás, a consagração da possibilidade de suspensão das sanções acessórios “um desvio” relativamente ao Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas: cfr., Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 604/2006, de 14.11.2006 – esp. 3.3. e 3.4. – que pode ler-se em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos).
Note-se que no Código da Estrada anterior ao actualmente (e desde 2005) vigente – que era o aprovado pelo Dec.-Lei n.º 265-A/2001 e que veio a ser revogado pelo Dec.-Lei n.º 4/2005 – previa-se expressamente a possibilidade de dispensa da inibição de conduzir, bem como a de suspensão de tal sanção mesmo relativamente a contra-ordenações muito graves, possibilidades essas que foram expressamente eliminadas no Código da Estrada agora em vigor, perante o qual “(…) não pode deixar de se entender que o que o legislador pretendeu foi, de facto, não permitir a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir relativamente às infracções muito graves. Isto resulta da letra da lei, mas também do pensamento legislativo que se retira das circunstâncias em que a mesma foi elaborada e do preâmbulo da mesma, onde se explicitam as razões que a determinaram e os objectivos que se visam alcançar (…) – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 04.07.2006, proferido no âmbito do processo n.º 941/06-1 e que pode ler-se em www.dgsi.pt.”

D..., melhor identificado nos autos, impugnou (nos termos de f1s. 47 e seg.s) a decisão proferida em 23.09.2015 pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), de f1.s 13, mediante a qual foi condenado (pela prática em 31.07.2014 de uma contra-ordenação relativa a utilização de telemóvel durante a condução) em coima fixada no valor de cento e oitenta euros e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de sessenta dias.
Concluindo requerendo a absolvição, alegou o arguido, em suma:
- que arrolou testemunhas que não foram inquiridas na fase administrativa do procedimento, não sendo então informado de tal omissão, do que decorre nulidade do procedimento;
- que a decisão impugnada não deverá valer como acusação, por ser omissa relativamente a factos de que possa resultar a afirmação de actuação culposa;
- que a serem verdadeiros os factos descritos na decisão impugnada, não se compreenderia que no momento em que ocorreu a fiscalização o Agente Policial não tivesse elaborado o respectivo auto;
- que não usou nem usaria telemóvel, já que o veículo dispunha de equipamento de "alta voz", e que apenas tirou os óculos de sol que levava na cabeça, gesto que poderá ser parecido com o retirar do telemóvel;
- que a referência a anteriores procedimentos (autos) por contra-ordenações rodoviárias não basta para concluir que não é infractor primário;
- que se verificam, assim, os pressupostos para a suspensão da execução da sanção acessória.
A decisão foi sustentada pela ANSR, nos termos de fl. 59.
Remetidos os autos ao Ministério Público em 26.06.2017 (fls. 3), o Ministério Público apresentou-os a Juízo em 29.06.2017 (fls. 2), pronunciando-se acerca das alegadas invalidades, concluindo pela sua improcedência (nos termos de fl.s 63 e 64).
Arguido e Ministério Público concordaram que a decisão fosse proferida por despacho, nos termos do artigo 64° do RGCC (Regime-Geral das Contra-ordenações e Coimas - Dec.-Lei n.º 433/82), como resulta de fl.s 63 e 69 (o arguido na sequência de expressa notificação para o efeito, bem como do despacho liminar, notificação essa realizada em 11.07.2017: fl.s 67 e 70).
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Estabelece o artigo 132° do Código da Estrada que “as contra-ordenações rodoviárias são reguladas pelo disposto no presente diploma, pela legislação rodoviária complementar ou especial que as preveja e, subsidiariamente, pelo regime geral das contra-ordenações”.
Com a alegação defensiva apresentada na fase administrativa do processo, o arguido requereu a inquirição de testemunha com domicílio no Canadá (fls. 9), “por meio de carta rogatória a autoridade judiciária”.
Resulta de fls. 16 e seg.s que a Guarda Nacional Republicana, colaborando com a ANSR, tentou realizar a inquirição da testemunha que o arguido indicara, por carta recebida em 21.01.2015 (fi. 24), foi o arguido notificado para apresentar a testemunha em data (06.02.2015), hora e local determinados, a fim de a mesma ser inquirida, sendo ainda advertido das consequências por lei previstas para a ausência injustificada, bem como dos prazos para apresentação de eventual justificação (fl. 23).
Na sequência da mencionada notificação recebida em 21.01.2014 pelo arguido, este apenas em 05.02.2015 enviou comunicação electrónica em nome da testemunha que indicara, informando que não se encontrava em Portugal e apresentando o que alega ser cópia de passaporte da testemunha com carimbo de entrada no Canadá (fl.s 26 e 27).
Apesar de não ter sido apresentada a justificação para ausência da testemunha nem no prazo estabelecido por lei, nem acompanhada de prova do alegado motivo (a fl. 27 não é perceptível qualquer inscrição na mancha que aparenta ser uma marca de carimbo, sendo certo que, a tratar-se de um passaporte, não se descortina a que pessoa respeitará), foi designada nova data para inquirição e o arguido novamente notificado em 26.03.2015 para apresentar a testemunha (fl.s 28 e 29).
Novamente não apresentou a testemunha e, desta vez, omitiu também qualquer eventual justificação (sequer extemporânea e não comprovada, como sucedera relativamente à primeira data) - fl.s 30.
Estabelece o artigo 177° do Código da Estrada:
I - As testemunhas. peritos ou consultores técnicos indicados pelo arguido na defesa devem por ele ser apresentados na data. hora e local indicados pela entidade instrutora do processo.
2 - Excetuam-se do disposto no número anterior os peritos dos estabelecimentos, laboratórios ou serviços oficiais, bem como os agentes de autoridade, ainda que arrolados pelo arguido, que devem ser notificados pela autoridade administrativa.
3 - O arguido, as testemunhas, peritos e consultores técnicos podem ser ouvidos por videoconferência, devendo constar da ata o inicio e termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento.
4 - Os depoimentos ou esclarecimentos recolhidos por videoconferência não são reduzidos a escrito, nem sendo necessária a sua transcrição para efeitos de recurso, devendo ser junta ao processo cópia das gravações.
5 - Os depoimentos ou esclarecimentos prestados presencialmente podem ser documentados em meios técnicos audiovisuais.
E prescreve o artigo 178° do mesmo Código:
1- A diligência de inquirição de testemunhas, de peritos ou de consultores técnicos, apenas pode ser adiada uma única vez, se a falta à primeira marcação tiver sido considerada justificada.
2 - Considera-se justificada a falta motivada por facto não imputável ao faltoso que o impeça de comparecer no ato processual.
3 - A impossibilidade de comparecimento deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e até ao terceiro dia posterior ao dia designado para a prática do ato, se for imprevisível, constando da comunicação a indicação do respetivo motivo e da duração previsível do impedimento, sob pena de não justificação da falta.
4 - Os elementos de prova da impossibilidade de comparecimento devem ser apresentados com a comunicação referida no número anterior.
Foi observado o estabelecido nas citadas disposições legais, sendo ainda concedido ao arguido benefício de poder apresentar a testemunha em segunda data, apesar de a falta na primeira não ter sido justificada de modo atendível.
No que respeita às alegadas invalidade da decisão impugnada (por alegada omissão de factos que consubstanciem culpa) ou sua insuficiência (no que respeita à indicação de anteriores infracções), importa recordar o que determina o artigo 181 ° do Código da Estrada:
I - A decisão que aplica a coima ou a sanção acessória deve conter:
a) A identificação do infractor;
b) A descrição sumária dos factos, das provas e das circunstâncias relevantes para a decisão;
c) A indicação das normas violadas;
d) A coima e a sanção acessória;
E) A condenação em custas.
2 - Da decisão deve ainda constar que:
a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for Judicialmente impugnada por escrito, constando de alegações e conclusões, no prazo de 15 dias úteis após o seu conhecimento e junto da autoridade administrativa que aplicou a coima;
b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.
3 - A decisão deve conter ainda:
a) A ordem de pagamento da coima e das custas no prazo máximo de 15 dias úteis após a decisão se tornar definitiva;
b) A indicação de que, no prazo referido na alínea anterior, pode requerer o pagamento da coima em prestações, nos termos do disposto no artigo 183.º
4 - Não tendo o arguido exercido o direito de defesa, a fundamentação a que se refere a alínea b) do n.º 1 pode ser feita por simples remissão para o auto de notícia.
A decisão de fl. 13 observa de forma suficiente os indicados requisitos legais, designadamente no que respeita aos factos subjectivos, mais que sumariamente enunciados sob o n.º 7 (fls. 13, verso).
O mesmo sucede relativamente à indicação, também de modo mais que sumário, de antecedente contra-ordenacional, como consta da enunciado em 8 na decisão impugnada.
A disciplina legal própria do conteúdo e forma das decisões administrativas que aplicam coimas (e concretamente coimas em razão de contra-ordenações rodoviárias) não permite sujeitá-las a requisitos idênticos aos previstos para as sentenças proferidas em processos criminais, ou sequer para as acusações criminais (cfr., a propósito, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.06.2016, proferido no âmbito do processo n.º 22650/15.0T8PRT.P1, que pode ler-se em www.dgsi.pt).
Todavia, não pode ignorar-se que decisão administrativa que aplique coima, “(…) embora não se trate de uma sentença, está no mesmo plano na medida em que é a decisão que culmina o processo de contra-ordenação na fase administrativa, impondo sanções” (Acórdão da Relação do Porto de 25.02.1998, cujo sumário pode ler-se em www.dgsi.pt.com o n.º convencional JTRP00022828).
Tal como não poderá ignorar-se que, nos termos do n.º 2 do artigo 41 ° do RGCC, no processo de aplicação da coima e das sanções acessórias, as autoridades administrativas (...) estão submetidas aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal.
Como refere COSTA ANDRADE (Contributo Para o Conceito de Contraordenação, RDE, 6/7 - 1980-81, página 86), não obstante a menor relevância ética da ilicitude de mera ordenação social relativamente à ilicitude criminal, essa zona de ilicitude não deixa de constituir um “espaço jurídico-repressivo”, por isso inevitavelmente sujeito ao princípio da legalidade (cfr. artigo 2° do RGCC) e revestido o respectivo processamento de garantias próximas das consagradas no processo criminal, como constitucionalmente consagrado no artigo 32°, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa, já citado e nos termos do qual “nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, selo assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa”.
Ora, revendo as notificações dirigidas ao arguido na fase administrativa do procedimento, notando que apenas ao próprio é imputável a não inquirição da testemunha que nessa fase indicou e lendo atentamente a decisão impugnada, bem como a defesa que o arguido apresentou na fase administrativa e o que alegou no recurso, é ostensivo que foram realizadas todas as diligências pertinentes e viáveis e que foi proporcionada ao arguido toda a informação necessária para adequadamente se defender.
Improcede, portanto, a arguição de invalidades do procedimento e da decisão impugnada.
Não se verificam outras excepções que obstem à decisão de mérito nem subsistem questões que cumpra apreciar com precedência relativamente a tal decisão.
*
Relevando para a decisão, importa considerar os seguintes factos provados:
I.
O arguido no dia 31 de Julho de 2014, às 17:35 horas, na Rua ..., em ..., Aveiro, conduzia o automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-NV-...
II.
Fazia então uso de telemóvel.
III.
O arguido agiu livre e conscientemente, sem observar o cuidado a que estava obrigado na condução do veículo nas circunstâncias indicadas em 1.
IV.
Do registo individual de condutor do arguido consta registo de:
i. condenação por contra-ordenação praticada em 28.05.2009, referente a excesso de velocidade (condução de ligeiro fora de localidade excedendo em mais de 30 km/h e menos de 60 km/h o limite legal), sendo por decisão notificada ao arguido em 23.08.2010 aplicada sanção acessória de inibição de conduzir por 60 dias (auto 268.824.800) e
ii. condenação por contra-ordenação praticada em 20.01.2011, também referente a excesso de velocidade (condução de ligeiro fora de localidade excedendo em mais de 30 km/h e menos de 60 km/h o limite legal), sendo por decisão notificada ao arguido em 10.12.2012 aplicada sanção acessória de inibição de conduzir por 45 dias (auto 958.558.248).
V.
A coima não foi paga.
Motivação:
Nos termos do artigo 170°, n.ºs 1,2 e 3, do Código da Estrada,
“1- Quando qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar contraordenação rodoviária, levanta ou manda levantar auto de noticia, o qual deve mencionar:
a) Os factos que constituem a infração, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade ou agente de autoridade que a presenciou, a identificação dos agentes da infração e, quando possível, de, pelo menos, uma testemunha que possa depor sobre os factos:
b) O valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infração for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares.
2 - O auto de notícia é assinado pela autoridade ou agente de autoridade que o levantou ou mandou levantar e, quando for possível, pelas testemunhas.
3 – O auto de notícia levantado e assinado nos termos dos números anteriores faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário.”
Resulta da análise do teor do auto de notícia de fl. 5 que o mesmo foi elaborado com adequada observância dos indicados requisitos legais, sendo que em nada foi abalada a força probatória de tal auto (nos termos do citado artigo 170º, n.º 3, do Código da Estrada e também dos artigos 363°, 369° e 371° do Código Civil), do que decorre a demonstração do enunciado em I e II.
Nada suscitando dúvida quanto à normalidade da aptidão, discernimento e capacidade de decisão do arguido enquanto condutor, outra explicação não se vislumbra para a acção descrita que não a atitude descuidada indicada em III.
As condenações referidas em IV constam do registo individual de condutor, a fl. 12.
O não pagamento da coima está documentado a fl.s 60 e 61.
*
Da consideração dos factos provados resulta que o arguido praticou a contra­ordenação prevista e punida pelo artigo 84° do Código da Estrada (proibição de utilização durante a marcha do veículo de qualquer aparelho susceptível de prejudicar a condução, nomeadamente aparelhos radiotelefónicos).
Estabelece tal disposição legal (na versão já vigente à data da prática dos factos - cfr. artigo 12°, n.º 1, da Lei n.º 72/2013, de 03.09) que
“1 - É proibida ao condutor, durante a marcha do veículo, a utilização ou o manuseamento deforma continuada de qualquer tipo de equipamento ou aparelho suscetível de prejudicar a condução, designadamente auscultadores sonoros e aparelhos radiotelefónicos.
(...)
4 - Quem infringir o disposto no n.º 1 é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600.
(…)”
Sublinha-se, no n.º 1, que é proibida a utilização ou o manuseamento de forma continuada de qualquer tipo de equipamento ou aparelho susceptível de prejudicar a condução.
Demonstrou-se que o arguido utilizou telemóvel enquanto conduzia.
É evidente e consabido que prejudica a condução a indisponibilidade de uma das mãos para accionar os mecanismos do automóvel, bem como a limitação da capacidade de audição e a dispersão da atenção (consequentes ao uso de telemóvel).
A demonstrada conduta do arguido consubstancia, portanto, a previsão objectiva da contra-ordenação imputada.
Tal contra-ordenação é punível a título de negligência, por força do disposto no artigo 133°, classificada como grave nos termos do artigo 145°, al. n), punível com sanção acessória de um mês a um ano de inibição de conduzir, por força do disposto no artigo 147°, sendo no presente caso o limite mínimo elevado para o dobro, dois meses, atenta a condenação referida em IV-ii e o disposto no artigo 143°, n.ºs 1 e 3, do Código da Estrada (para este efeito não releva a condenação indicada em i. - que não foi considerada na decisão impugnada - uma vez que entre 28.05.2009 e 31.07.2014 decorreram cinco anos e dois meses).
Na decisão impugnada, como já referido, foi a coima fixada em €180,00 (correspondente a um oitavo da moldura legal já indicada, de 120 a 600 euros) e sanção acessória fixada em 60 dias (portanto coincidente com o limite mínimo legal - e muito aquém do limite máximo de 365 dias).
Considerando os critérios estabelecidos no artigo 139° do Código da Estrada e o princípio estabelecido no artigo 72º-A do RGCC (proibição da reformatio in pejus), mantêm-se o valor da coima e a duração do período de inibição fixados na decisão administrativa.
Prevê o artigo 141 ° do Cód. da Estrada a possibilidade de suspensão da execução da sanção acessória relativamente a infracções graves (como é ocaso), mediante a verificação dos seguintes pressupostos:
a) verificação dos pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas (previstos no artigo 50° do Código Penal, por referência ao artigo 40° do mesmo Código: poder concluir-se - atendendo a personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior à infracção e às circunstâncias desta - que a simples censura do facto e a ameaça da sanção realizam de forma adequada e suficiente os objectivos de alertar a comunidade em geral para a necessidade de observância das disposições legais violadas e demover o arguido da prática de novas infracções);
b) pagamento da coima;
c)
1. O infractor não ter sofrido nos últimos cinco anos condenação por crime rodoviário ou qualquer contra-ordenação grave ou muito grave (neste caso podendo a suspensão ser determinada pelo período de seis meses a um ano);
2. O infractor nos últimos cinco anos ter praticado apenas uma contra-ordenação grave, neste caso podendo a suspensão ser determinada pelo período de um a dois anos e sendo condicionada a suspensão, designadamente, ao cumprimento do dever de frequência de acções de formação (com encargos a suportar pelo infractor: n.º 5 do artigo 141°).
Como resulta da consideração dos factos provados, verifica-se a hipótese referida em c)-2.
Todavia, não se verificam os demais pressupostos de que dependeria a pretendida suspensão da execução da sanção de inibição que conduzir: nem foi paga a coima (facto indicado e V), nem as duas condenações indicadas em IV e as muito acentuadas as necessidades de prevenção geral suscitadas perante a prática de infracções relacionadas com a condução rodoviária (atentos os elevadíssimos valores da sinistralidade rodoviária e suas incomensuráveis consequências pessoais, sociais e económicas) permitem concluir pela previsão favorável referida em a).
Não poderá portanto ser suspensa na sua execução a sanção de inibição de conduzir, ainda que condicionada.”
***
Decidindo.
Primeira questão supra elencada:
O Arguido vem alegar que “só teve conhecimento dos factos e da infração em 04-06-2016, pelo que, inconformado, solicitou mais informações e impugnou a contraordenação”.
E defende que “não teve oportunidade de exercer o seu direito de audição e defesa nos termos do art. 175.° do Código da Estrada”.
É evidente a sua falta de razão.
Na verdade, contrariamente ao que alega, o recorrente teve conhecimento do auto de contraordenação que originou o processo, e até pagou voluntariamente a coima correspondente à contraordenação que lhe foi imputada nesse auto.
Com efeito, basta atentar no auto de contraordenação de fls. 1 para se perceber que o mesmo se encontra assinado pelo arguido que recebeu “a notificação por meio do duplicado deste auto (frente e verso) em 16.06.2015”, ou seja, aquando da autuação. Quer dizer, o arguido foi logo notificado no ato de autuação, conforme permite o artigo 176º do Código da Estrada (nº 1, al, a) e nº 2).
E conforme conta do verso do mesmo auto (onde estão perfeitamente identificados os “Termos da notificação”, o arguido, no ato da autuação, foi notificado para “apresentar defesa ou requerimento, no prazo de 15 (quinze) dias úteis após a presente notificação”. Ou seja, a notificação em causa foi efectuada nos termos do artigo 175º do Código da Estrada.
Neste contexto, em que foi cumprido escrupulosamente o dispositivo legal invocado pelo recorrente, em que o mesmo teve oportunidade de exercer o seu direito de audição e defesa nos termos do art. 175.° do Código da Estrada, a falta de impugnação ou apresentação de defesa só ao arguido é imputável.
Ademais, o auto de notícia da infracção, presenciada pelo polícia que o subscreveu, faz fé em juízo, até prova em contrário – prova esta que o recorrente não apresentou.
De igual modo, o recorrente teve conhecimento da decisão condenatória da autoridade administrativa (ANSR), e até a impugnou judicialmente, sem sequer indicar provas ou invocar os vícios que agora decidiu invocar em sede de recurso judicial.
Na verdade, conforme resulta de fls. 5 a 8 dos autos o arguido foi notificado da decisão administrativa proferida nos autos, o que é perfeitamente reconhecido pelo mesmo na impugnação que apresentou, constante de fls. 9 a 22 dos autos (aí se refere “tendo sido notificado da decisão que antecede”). Importa ainda referir que a notificação em causa foi dirigida para a morada constante do auto de contraordenação.
Pelo que foi cumprido o exercício do contraditório, podendo o arguido, em pleno, sem quaisquer limitações (não se verificando qualquer “vício de forma”, conforme alega o recorrente), exercer o seu direito de audição e defesa, nos termos conferidos pela Constituição da República Portuguesa.
Do que decorre que não tem qualquer fundamento a invocação de que “a decisão em causa enferma dos vícios prevenidos no art. 410.° do CPP, porque nomeadamente existe um vício de forma no procedimento contraordenacional que o Tribunal "a quo não detectou" que o arguido não se defendeu no procedimento contra-ordenacional”.
Em suma, é perfeitamente descabido alegar que “o facto do Tribunal "a quo não ter "detetado" que o arguido não se defendeu no procedimento contraordenacional, a Sentença recorrida enferma dos vícios prevenidos no art. 410.° do CPP, porque não sanou o vício de forma no procedimento contraordenacional que padecia”, assim como invocar que “Não tendo o Arguido apresentado Defesa no procedimento contraordenacional, e tendo o Tribunal "a quo" continuado com o julgamento fez com que esta nulidade persistiu até à Sentença, razão pela qual se deve inquinar todo o processado, declarando-se a nulidade da sentença recorrida nos termos dos Arts. 41.° do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27.10, e 379.° do CPP.”
Em conclusão, perante a notificação do arguido, nos moldes já referidos e em consonância com os dispositivos legais e princípios constitucionais invocados pelo arguido, revela-se de todo despiciendo a invocação - ainda que genérica - que isso determinou “nulidade do processo – art.º 410.º do CPP”; “nulidade dos autos”; “nulidade da sentença recorrida nos termos dos art.ºs 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, e 379.º do CPP”; e ainda por cima a violação “do contraditório e da audiência”, expressos nos art.ºs 32.º, n.º10 da CRP e no art.º 50.º do RGCOC – cfr. conclusões 4.ª e 10.ª.
Defende também o recorrente que na descrição sumária dos factos constante no auto de notícia, não está discriminado como foi detectada a infracção, quem foi o agente e testemunha que presenciou a infração cometida pelo arguido, conforme prevê o n.° 4 do artigo 170° do Código da Estrada.
Por outro lado alega que “a notificação da Decisão não continha a enunciação dos meios de prova que permitiam condenar o Arguido na prática da infração; Na notificação da decisão não existia um exame crítico das provas”, concluindo que “a decisão de condenar o arguido na prática da infração, não estava devidamente fundamentada pela ANRS”.
Vejamos.
O Código da Estrada contém específica regulamentação, estabelecendo os requisitos do auto de notícia pela prática de contraordenação rodoviária (artigo 170º).
Nos termos do art. 58º, nº 1 do RGCOC, a decisão administrativa que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter, a) a identificação dos arguidos, b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão, d) a coima e as sanções acessórias.
E nos termos do nº 1 do artigo 62º do RGCOC “ Recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa enviar os autos ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação”.
Por sua vez, o artigo 181 ° do Código da Estrada estabelece sobre os requisitos da decisão condenatória (neste caso, a decisão da autoridade nacional de segurança rodoviária).
O auto de contraordenação de fls. 1 observa integralmente os requisitos previstos no art. 170º, nº 1 (dele constam os factos que constituem a infração, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade ou agente de autoridade que a presenciou), encontrando-se assinado pelo agente da autoridade que o levantou (cfr. nº 2).
Por outro lado, revertendo para a decisão de fls. 13 verifica-se que dela constam de forma suficiente os indicados requisitos legais, designadamente os meios de prova e o exame das mesmas, ainda que sumariamente enunciados sob o n.º 1, 4, 5, 6 e 7.
Na verdade, ainda que se possa admitir que a decisão da autoridade administrativa pudesse ser mais concretizante, dela constam os factos que integram os elementos típicos (objectivo e subjectivo) da infracção em causa, bem como as provas que lhe serviram de suporte, ainda fundamentando sumariamente a sua decisão.
Pelo que, face ao exposto, não se vislumbra que tenha sido postergado qualquer direito de defesa do arguido, sendo que o auto de contraordenação, bem como a decisão administrativa da ANSR em causa contêm todos os elementos exigidos, respectivamente, pelos arts. 170º e 181º do Código da Estrada, e, especificamente, os mencionados pelo recorrente, não padecendo, pois, de qualquer invalidade, mormente a invocada pelo recorrente.

Segunda questão supra elencada.
Da prescrição do procedimento contraordenacional
Defende o recorrente que a prescrição ocorreu no dia 16-06-2018.
Pugna pela aplicação da “regra do mais favorável nos termos do n° 3 do artigo 28.° do RGCO”, alegando que o início da contagem da prescrição começou em 16-06-2015, data dos factos da infração, prazo de prescrição que foi interrompido, nos termos da alínea c) do artigo 27.° do RGCOC, com a notificação ao arguido da decisão condenatória da ANSR, e que foi aumentado para mais um ano.
Vejamos.
Dispõe o artigo 188º do Código da Estrada, na redação resultante da Lei nº. 72/2013, de 03/09, em vigor à data da prática dos factos e aplicável ao caso em apreço, que:
1 - O procedimento por contraordenação rodoviária extingue-se por efeito da prescrição logo que, sobre a prática da contraordenação, tenham decorrido dois anos.
2 - Sem prejuízo da aplicação do regime de suspensão e de interrupção previsto no regime geral do ilícito de mera ordenação social, a prescrição do procedimento por contraordenação rodoviária interrompe-se também com a notificação ao arguido da decisão condenatória.
E o artigo 189º do mesmo Código, relativo à prescrição das sanções (coimas e sanções acessórias) estipula que “As coimas e as sanções acessórias prescrevem no prazo de dois anos contados a partir do carácter definitivo da decisão condenatória ou do trânsito em julgado da sentença.”.
Há ainda que considerar que decorre expressamente do disposto no art. 132º do Código da Estrada que “As contraordenações rodoviárias são reguladas pelo disposto no presente diploma, pela legislação rodoviária complementar e, subsidiariamente, pelo regime geral das contra ordenações.”
Assim, o regime jurídico aplicável ao presente caso é o que resulta do Código da Estrada e, em tudo o que ali não estiver expressamente regulado, o regime que decorre dos artigos 27º-A (suspensão da prescrição) e 28º (interrupção da prescrição) do Dec. Lei n.º 433/82, de 27.10.
Revertendo para o caso em apreço.
Os factos foram cometidos em 16.06.2015; a decisão da autoridade de segurança rodoviária que aplicou a coima foi proferida em 30.03.2016; o arguido foi notificado dessa decisão em 04.06.2016; a decisão foi sustentada pela ANSR em 20.03.2018; os autos remetidos em 29.03.2018 ao Ministério Público, que os apresentou a Juízo em 04.04.2018; a impugnação judicial foi admitida em 17.04.2018 e designada data para a realização da audiência (do que o arguido foi notificado em data não posterior a 25.05.2018).
Antes da audiência veio o arguido alegar estar prescrito o procedimento, excepção que o Ministério Público alegou improceder (a fl. 48).
Em 05.06.2018 foi proferida a sentença recorrida, devidamente notificada ao arguido na mesma data.
Ocorreram assim factos suspensivos da prescrição, desde a notificação do despacho que admitiu a impugnação judicial/recurso (em 25.05.2018), até ao máximo de 6 meses - art. 27º-A, n.º 1 al. c) e nº. 2 do RGCOC.
E ocorreram factos interruptivos da prescrição, tendo o último deles sido a decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima, em 30.03.2016 (art. 28º, nº 1, alínea d) do RGCOC). Assim, em 30.03.2016 ainda não tinha decorrido todo o tempo da prescrição (o referido prazo de dois anos) e, a partir dessa data, começou a correr um novo prazo de dois anos.
Pelo que, da aplicação do regime previsto no art. 28º, nº 3 do RGCOC resulta que não ocorreu a prescrição, pois mesmo inutilizando todos os prazos de interrupção e ressalvado o tempo de suspensão, nos termos ali previstos, a prescrição só ocorre 3 anos e 6 meses depois da data do facto [2 anos do prazo normal + 1 ano, correspondente a metade do prazo normal + 6 meses, suspensão do prazo nos termos do art. 27º-A, nº 1, c) do RGCOC].
Assim, tendo a infração ocorrido em 16.06.2015, o prazo máximo da prescrição do procedimento contraordenacional termina em 16.12.2018.
Do que resulta que, quer na data em que foi proferida a sentença em 1ª instância, quer na presente data, não se encontra prescrito o procedimento contraordenacional.
Improcede, assim, este fundamento do recurso.

Terceira questão supra elencada:
Defende o recorrente que o “Tribunal podia ter aplicado ao Arguido a suspensão da sanção acessória, condicionada à prestação de caução de boa conduta ou à imposição do cumprimento do dever de frequência de acções de formação profissional, sem violar contudo a lei, fundamentando a sua decisão no princípio da Justiça”.
O tribunal a quo entendeu que a possibilidade de suspensão da execução da sanção acessória aludida no artigo 141º, n.º1, do Código da Estrada apenas está prevista no caso de contra-ordenações graves e não relativamente às contraordenações muito graves. O mesmo acontecendo quanto à dispensa da sanção acessória, nos termos do artigo 74º do Código Penal.
Vejamos.
Comecemos por dizer que o arguido incorreu na prática de uma contraordenação classificada como muito grave (cfr. artigo 146º do Código da Estrada).
Na verdade, a transposição de linha longitudinal contínua constitui contraordenação punível com coima, por força do previsto na al. a) do artigo 65º do Regulamento de Sinalização do Trânsito, é classificada como contraordenação muito grave, nos termos do disposto no artigo 146º, al. o), do Código da Estrada, sendo punível não só com sanção pecuniária, mas também com sanção acessória de inibição de conduzir por período a fixar entre dois meses e dois anos, nos termos dos artigos 136º, n.º3, 138º, n.º1, e 147º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada.
Neste contexto, não pode proceder a pretensão do recorrente no sentido da suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir por uma qualquer outra medida que não colida com o uso do veículo pelo arguido (fixação de caução; trabalho a favor da comunidade; frequência de aulas de formação ou de ações de formação profissional), por manifesta inadmissibilidade legal.
Com efeito, as alterações introduzidas ao Código da Estrada pelo DL 44/05, de 23-2, limitaram a suspensão da execução da pena acessória de inibição de conduzir aos casos de prática de contraordenações graves (art. 141º do Código da Estrada), com exclusão da possibilidade de suspensão nos casos de contraordenações muito graves.
Não cabe avocação do direito subsidiário (no caso, do artigo 50º, do Código Penal), pois o Código da Estrada contém um regime próprio no que se refere à suspensão da execução das sanções acessórias que prevê.
Neste sentido, entre outros, vejam-se os acórdãos, do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13/06/2007 (processo n.º 346/06.4TBGVA.C1), e de 21/11/2007 (processo n.º 3974/06.4TBVIS.C1), deste Tribunal da Relação do Porto, de 19/9/2007 (processo n.º 0742214), do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18/12/2007 (processo n.º 9345/2007-5), e do Tribunal da Relação de Évora, de 8/9/2008 (processo n.º 1713/08-1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Pelo que, face ao exposto, concordando na íntegra com as considerações tecidas pelo tribunal a quo a este respeito, que acolhemos, entendemos, talqualmente, que a pena acessória de proibição de conduzir aplicada nestes autos não pode ser suspensa na sua execução, ainda que condicionada ao cumprimento do dever de frequência de ações de formação profissional ou a prestação de caução, conforme pretende o arguido.

Quarta questão supra elencada.
Defende ainda o recorrente que o art.° 141.° do Código da Estrada ao instituir a não aplicação da suspensão da execução da sanção acessória nas contra-ordenações muito graves, encontra-se ferido de inconstitucionalidade orgânica, por extravasar a lei de autorização.
Não assiste razão ao recorrente.
Comecemos por acentuar que a questão da alegada inconstitucionalidade só em sede de recurso para este Tribunal da Relação foi suscitada – não em sede de recurso de impugnação; de contestação ou aquando da arguição da prescrição do procedimento contraordenacional; ou mesmo no decurso do julgamento.
Sabemos que a questão em causa é controversa e já foi suscitada e decidida, não só ao nível da 1.ª instância como nos tribunais superiores – como consta dos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 604/2006, de 14/11/2006, e da Relação de Évora, de 04/07/2006 – também citados na douta sentença recorrida.
Com efeito, a jurisprudência dos Tribunais das Relações e do Tribunal Constitucional já se debruçou sobre a questão da inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei nº 44/2005, de 23.02, emitido ao abrigo da Lei de Autorização Legislativa n.º 53/2004, de 04.11, bem como a inconstitucionalidade por excesso do sentido e âmbito da respectiva autorização legislativa, no sentido de inexistirem tais vícios, sendo que, no caso em apreço, atenta a data da prática dos factos, é aplicável a redacção actualmente em vigor do Código da Estrada (vd. Ac. da RC de 10.10.2007, Gabriel Catarino, www.dgsi.pt/jtrc; Ac. da RC de 27.11.2007, Alberto Mira, www.dgsi.pt/jtrc; Ac. da RP de 19.09.2007, António Gama, www.dgsi.pt/jtrp; Ac. da RE de 09.09.2008, Ribeiro Cardoso, www.dgsi.pt/jtre; Ac. da RC de 12.12.2012, Eduardo Martins, www.dgsi.pt/jtrc, Ac. já citado do TC n.º 604/2006, Bravo Serra, de 14.11.2006, DR II-S, n.º 249, de 29-12-2006 (… “deste modo, e pela dupla ordem de razões apontadas - radicando a primeira na competência concorrente do Governo e da Assembleia para a edição da norma em causa e, a outra, na constatação de que, em qualquer caso, o Governo legislou a coberto de autorização legislativa concedida na Lei n.º 53/2004 -, não padece o art. 141.º do Código da Estrada, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23-02, do vício de inconstitucionalidade orgânica (…), pelo que também não padece desse vício o art. 1.º desse DL n.º 44/2005,por ter alterado os artigos 141.º e 142.º do CE…”; e “... na edição do Decreto-Lei nº 44/2005, o legislador governamental, não interferindo na definição da natureza dos ilícitos, no tipo de sanções e seus limites, tão somente desenhou um modo de facultar o cumprimento de certa espécie de sanções (a sanção acessória de inibição de conduzir) com reporte a dado tipo de infracções, ao abrigo de uma possibilidade que lhe estava «aberta» pela «consagração especial» decorrente da Lei nº 53/2004 (e que já se encontrava especificamente prevista desde a Lei nº 6/93 e do Código da Estrada aprovado pelo Decreto-Lei nº 114/94), e isto, claro está, mesmo não se perfilhando o entendimento segundo o qual a suspensão de execução de uma pena, verdadeiramente, se posta, não como uma forma direccionada à sua execução, mas sim como uma pena de substituição em sentido próprio (…) Haverá, desta arte, que concluir que o legislador governamental, ao editar a norma sub iudicio, não desbordou a sua competência legislativa, pelo que se não divisa enfermar a norma em apreço do vício de inconstitucionalidade orgânica (…).
Fundamentos com os quais concordamos e reafirmamos.
Para melhor compreensão, transcrevemos o seguinte trecho do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29 de Janeiro de 2014:
“É por demais consabido que em 4 de Novembro de 2004 foi publicada a Lei n.º 53/2004 (Lei de autorização legislativa) através da qual a Assembleia da República, no uso das prerrogativas previstas no artigo 161º alínea d) da Constituição da República Portuguesa, conferiu ao Governo autorização legislativa para proceder à revisão do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, com as alterações introduzidas pelos Decretos-lei nºs 2/98, de 3 de Janeiro, e 265-A/2001, de 28 de Setembro, e pela Lei n.º 20/2002, de 21 de Agosto, e ainda a criar um regime especial de processo para as contra-ordenações emergentes de infracções ao Código da Estrada, seus regulamentos e legislação complementar (cfr. artigo 1º de tal Lei). E tal autorização com o sentido fixado no seu artigo 2º (que aqui se dá por reproduzido), tinha, entre outras características a seguinte extensão fixada no seu artigo 3º (transcrição):
“Artigo 3.º
Extensão
A autorização referida no artigo 1.º contempla:
(…)
m) A previsão de atenuação especial e de suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir condicionadas ao prévio pagamento da coima e ao facto de o infractor não ter praticado outras infracções no período fixado;
n) A consagração do princípio de que a suspensão da execução da sanção acessória possa ser condicionada, além da prestação de caução de boa conduta, à frequência de acções de formação ou ao cumprimento de deveres específicos previstos em legislação própria;
(…)
p) O alargamento para cinco anos do período relevante para efeitos de reincidência;
(…)”
E estabelecia tal Lei, no seu artigo 4º, respeitante ao “Prazo” que “A autorização legislativa concedida pela presente lei tem a duração de 180 dias.”
Resulta também, da leitura do Diário da República, que em 13 de Dezembro de 2004, através do seu Decreto nº 100-A/2004, o Presidente da República decretou a demissão do Governo, constando, textualmente, de tal Decreto do Presidente da República nº 100-A/2004, de 13 de Dezembro: “É demitido o Governo por efeito do pedido de demissão apresentado pelo Primeiro Ministro Santana Lopes”.
Decorre do artigo 165º nº 4 da Constituição da República Portuguesa que “As autorizações caducam com a demissão do Governo a que tiverem sido concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissolução da Assembleia da República.
Em anotação ao nº 4 de tal artigo 165º da Constituição da República Portuguesa, Gomes Canotilho e Vital Moreia referem o seguinte: “A caducidade da autorização decorre automaticamente da demissão do Governo a que houver sido concedida (o qual só continua em funções para a prática dos actos estritamente necessários à gestão dos negócios públicos) ou da dissolução da AR ou termo da legislatura (nº 4).
A solução é perfeitamente coerente, pois que, as autorizações são dadas por uma determinada AR a um determinado Governo, caducando portanto quando aquela deixar de poder dá-las, ou quando este deixa de poder utilizá-las” (cfr. citados autores, in Constituição da República Portuguesa Anotada, II Vol, Coimbra Editora, 4ª Ed, Agosto de 2010, pag. 339).
Não havendo dúvidas que, a par das outras situações elencadas naquele nº 4 do artigo 165º, a demissão do Governo implica a caducidade da autorização legislativa que havia sido concedida pela AR, a questão que agora se coloca é a de saber até quando pode ser validamente aproveitada uma autorização legislativa.
E a esta questão, a Jurisprudência do Tribunal Constitucional tem, de forma unânime, enveredado por considerar a data da aprovação em Conselho de Ministros (cfr. entre outros os seguintes Acórdãos do Tribunal Constitucional: Acórdão n.º 150/92, de 8 de Abril, in Diário da República, 2: série, n.º 172, de 28 de Julho de 1992; Acórdão nº 121/93, de 14 de Janeiro, in Diário da República, 2ª série, n.º 83, de 8 de Abril de 1993; Acórdão nº 206/94, de 2 de Março, in Diário da República, 2ª série, n.º 160, de 13 de Julho de 1994; Acórdão n.º 461/99, de 13 de Julho, Diário da República, 2ª série, n.º 62, de 14 de Março).
De entre estes acórdãos acabados de referir, destacamos o Ac nº 206/94, de 2 de Março que a dado passo diz textualmente o seguinte: “O momento relevante para saber se foi utilizada uma autorização legislativa durante o prazo de vigência da mesma é o da aprovação em Conselho de Ministros do diploma autorizado”. E este mesmo acórdão encontra-se também sumariado na base de dados do ITIJ, sendo de destacar parte do respectivo sumário que tem o seguinte teor” “III - O Tribunal Constitucional firmou já jurisprudência, em ambas as suas secções de forma unânime, sobre o momento relevante a que há-de atender-se para saber se o diploma autorizado foi elaborado durante o prazo de vigência da autorização legislativa correspondente. Sendo em abstracto sustentável que o momento relevante pudesse ser o de aprovação em Conselho de Ministros, o de envio ao Presidente da Republica para promulgação, o da promulgação, o de referenda ou o da publicação, o Tribunal considerou que o momento atendível havia de ser o de aprovação em Conselho de Ministros do diploma autorizado.
Também no Acórdão do mesmo Tribunal de 21.03.1996 é dito expressamente: “O Tribunal Constitucional tem entendido, em jurisprudência constante, que o momento relevante é o da aprovação do diploma autorizado em Conselho de Ministros, sendo irrelevante a circunstância de a promulgação, referenda e subsequente publicação do diploma ocorrerem após a caducidade da autorização legislativa”.
Sendo, pois, pacífico o entendimento do Tribunal Constitucional de que a aprovação em Conselho de Ministros constituiu o momento relevante do iter legislativo do diploma autorizado, pela análise/leitura do sindicado Decreto-Lei nº 44/2005 constamos que o mesmo foi “Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 7 de Dezembro de 2004” (cfr. fls. 1585 do Diário da República nº 38, I Série - A, de 23 de Fevereiro de 2005).
Ora, quando a 07.12.2004, em Conselho de Ministros, aprovou o mencionado Decreto-Lei, o Governo estava em plenitude do exercício das suas funções. A demissão do Governo apenas veio a ocorrer já depois, mais concretamente em 13.12.2004.
Por isso, o Decreto-Lei em causa não enferma de qualquer inconstitucionalidade, designadamente a invocada pelo recorrente.”
O Tribunal Constitucional tem afirmado, sem votos discordantes, que a norma do artigo 141º, n.º 1, do Código da Estrada, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, interpretada no sentido de a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir abranger apenas as contra-ordenações graves, não é organicamente inconstitucional (cfr. acórdãos n.ºs 603/2006, 604/2006 – já citado, 629/2006, 6/2007 e 32/2007, disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc) nem materialmente inconstitucional (cfr. acórdão n.º 424/2007, disponível também em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc)).
É este também o entendimento que propugnamos.
Improcede, assim, este fundamento do recurso.
Pelo que, não merece censura a decisão recorrida, proferida ser violar qualquer preceito legal ou princípio constitucional, mormente os invocados pelo recorrente, nem coartar qualquer garantia constitucional de defesa, impondo-se declarar improcedente o recurso.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B..., mantendo integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC’s.
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Porto, 24 de outubro de 2018
Elsa Paixão
Maria dos Prazeres Silva