Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6/22.9T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PROENÇA
Descritores: INQUÉRITO JUDICIAL À SOCIEDADE
LEGITIMIDADE ATIVA
SÓCIO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
Nº do Documento: RP202410086/22.9T8STS.P1
Data do Acordão: 10/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Cabe ao requerente de inquérito judicial à sociedade alegar a factualidade concreta constitutiva do direito invocado, designadamente o motivo justificativo do pedido de consulta de elementos através do recurso ao inquérito judicial - recusa de informação, falsidade ou insuficiência da informação prestada -, devendo concretizar os pontos de facto a averiguar e requerer as providência que repute convenientes.
II - Incumbindo à sociedade provar a factualidade que possa fundamentar a licitude da recusa (art. 342º nº 2 do CC; art. 215º do CSC).
III - Não provando o autor a sua qualidade de sócio de algumas das sociedades demandadas, mas apenas de sócio de outras sociedades que detém participações no capital social daquelas, não pode requerer inquérito judicial às mesmas sociedades.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 6/22.9T8STS.P1





Acordam no Tribunal da Relação do Porto:




Sumário:
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AA propôs contra BB, CC, DD, “A..., S.A.”, “B..., Lda.”, “C..., LDA.” e D..., LDA.”, todos com os sinais dos autos, acção especial de inquérito judicial a sociedade, pedindo se ordene a realização de inquérito judicial às sociedade requeridas, pretendendo através deles sejam averiguados os pontos de facto que elenca.
Para tanto alegou em síntese que em ../../2016 faleceu EE, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros, o cônjuge, aqui autor, e dois filhos, FF e GG. Os réus BB, CC e DD são gerentes da Sociedade "D..., Lda.", sendo também o réu DD gerente da sociedade - B..., Lda, Lda” e administrador único da sociedade anónima "A..., S.A.". E sendo ainda, os réus BB, CC e DD, também gerentes da sociedade "C... Lda.". O autor é titular de uma quota no capital social da sociedade “D...” e de uma quota no capital social da sociedade “B..., Lda”, e de uma participação no capital social da sociedade “A..., S.A.”. Esta sociedade anónima, por sua vez, era detentora de participação social em várias sociedades comerciais, nomeadamente "C..., D..., Lda." e "B..., Lda, Lda.", pelo que, também relativamente àquelas sociedades supra aludidas o autor dispõe de uma participação social "indirecta". Desde pelo menos, a data do óbito de EE desconhece o autor quais os actos societários e comerciais praticados pelos gerentes e administrador único das sociedades rés, porquanto, desde essa altura, têm sido rejeitados os seus pedidos de esclarecimento sobre o património, actividade e funcionamento daquelas. Os réus gerentes têm impedido o acesso do autor à relação societária das Sociedades, recusando-se a fornecer qualquer elemento contabilístico ou relacionado com a gestão e vida das sociedades, nem sequer a mera consulta na sede das sociedades lhe é permitida. Desde aquele momento não prestam os réus quaisquer contas da sua administração, ao autor, pelo que, desconhece, assim, quais as eventuais receitas/despesas do exercício de cada uma das sociedades supra identificadas, mais desconhecendo, se houve a distribuição de lucros ou de perdas pelos sócios, sendo certo que, pelo menos, no que à sua pessoa diz respeito, nada foi distribuído. Chegou ao conhecimento do autor que, aquelas sociedades através dos seus gerentes, terão, ao longo destes últimos anos, procedido à venda de património móvel e imóvel, que concretiza, por valores muito inferiores aos reais, sem que de tais factos tenham informado e/ou prestado quaisquer contas ao autor.
Citados os réus, excepcionando a ilegitimidade passiva da Ré, C..., LDA., porquanto o A., seja por si, seja na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de EE, em nada se relaciona com esta Ré, não tendo sido sócios fundadores da mesma ou adquirido posteriormente qualquer participação no capital social da mesma. Mais invocam o erro na forma de processo, sustentando que ao caso caberia a acção de prestação de contas, prevista nos artigos 941° e ss. do CPC. Impugnam a matéria alegada pelo A., e alegam que este após a morte da esposa, usando a sua filha, FF, que na altura, era estudante, como ainda o é, constituiu uma sociedade unipessoal por quotas, denominada “E..., UNIPESSOAL LDA.”, sendo o autor o gerente de facto da E.... Tendo abandonado, de livre vontade e de forma inesperada, o vínculo laboral com a 5a Ré, o autor procedeu ao necessário aumento de capital da sociedade E... de forma a desenvolver em pleno a actividade daquela sociedade em concorrencia com a B..., Lda, e desviado para a E... contratos celebrados com aquela sociedade. Nunca lhe foi recusado o acesso às instalações nem qualquer informação por ele solicitada. Conclui pela procedência das excepções ou, caso assim não se entenda pela improcedência da acção e condenação do autor como litigante de má fé.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente, por não provada, e, em consequência, não se determinando a realização de inquérito judicial às sociedades A..., S.A., B..., Lda., C..., LDA. e D..., LDA.., absolvendo-se os Réus dos pedidos.
Mais julgou improcedente os pedidos de condenação por litigância de má fé, deles se absolvendo autor e réus.
Inconformado com o assim decidido, dele apelou o autor, terminando pelas seguintes conclusões:
A. O aqui Apelante, pelas razões que a seguir se aduzirão, de maneira alguma pode conformar-se com a decisão que encerra a douta sentença ora recorrida. Em face do que, são as seguintes as questões a debater no presente recurso:
Do erro de julgamento – (re)apreciação da prova à luz do artigo 640.º do CPC
B. Entende o ora Apelante que o Dign.º Tribunal “a quo” deu como provada factualidade, que deveria ter merecido resposta diferente, e, por isso, impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, concretamente, as alíneas g), h), j), k) e n) dos factos não provados e supra transcritos, havendo que reapreciar a prova produzida nos autos.
C. Assim, em obediência ao disposto no artigo 640.º do C.P.C., importa trazer a este propósito as passagens dos depoimentos que se revelaram importantes para que a decisão sobre a matéria de facto apontada fosse apreciada e proferida de modo diferente, designadamente:
1) Depoimento prestado pela Testemunha AA
(Cfr. ata de audiência de julgamento do dia 14-06-2023, encontrando-se o seu depoimento gravado no sistema H@bilus Media Studio), referiu, designadamente,
- ao Minuto 05:30 a 06:15 - Referiu que em 2017 foi com o primo AA à empresa D..., quando ele pediu contas. A empresa é em ..., Rua .... Há 17 anos atrás não foi naquele local que trabalhou.
- ao Minuto 11:00 a 14:30 - Refere que foi pedido às empresas a informação em causa, inclusive, foram à D... - era o local onde ficava os escritórios de todas as empresas -, em 2017, duas vezes. Acompanhou o AA para ele pedir contas às empresas e fomos atendidos pela D.ª HH, empregada de escritório, ele disse que precisava de falar com o Sr. DD. Ele veio e disse que não tinha nada para falar com ele, nem nada para lhe mostrar. O AA queria ver as contas e nada lhe foi dito pelo Sr. DD.
- ao Minuto 14:43 a 15:30 – Ficaram à porta. Nem sequer os deixaram entrar. As palavras dele, Sr. DD, foram «não tens nada aqui para te ver», «não temos nada para te mostrar».
- ao Minuto 30:18 a 31:45 - Quando questionado se tinha conhecimento do envio de cartas pelo Autor às sociedades a pedir contas, referiu a existência de mails e cartas registadas. Afirmou ter visto as cartas, mas não leu o seu teor. Sendo que até ao dia de hoje não foram prestadas quaisquer contas.
- ao Minuto 38:00 a 46:47 - Quando questionado para concretizar as suas idas à empresa, referiu que estava com o primo e ele pediu-lhe para ir lá com ele. Terá sido no final do Verão de 2017, e foram 2 vezes, entre Julho e Setembro. Mais precisamente não consegue identificar datas. Chegaram à porta e o AA tocou à campainha, desceu a menina do escritório e pediu para falar com o Sr. DD. Não passaram da soleira da porta, porque não deixaram. O primo pediu contas das empresas ao Sr. DD, pediu satisfações das contas das empresas.
2) Depoimento prestado pela Testemunha II (Cfr. ata de audiência de julgamento do dia 14-06-2023, encontrando-se o seu depoimento gravado no sistema H@bilus Media Studio), referiu, designadamente,
- ao Minuto 02:00 a 05:30 – Referiu-se aos comentários da FF, filha do Autor, relativamente às empresas, quando estavam em família, posterior a 2016.
- ao Minuto 13:00 a 20:20 – Refere a testemunha que a cunhada faleceu em 2016, e, que em 2017 o irmão começou a entrar em conflitos com o sogro. A FF estava em casa dos avós e trazia informações para o pai, nomeadamente, relativamente a um terreno de herança dos seus avós, com 5000m2, que foi vendido à empresa “A...” e depois a FF disse que foi vendido ao tio dela, por um preço irrisório -500€, até me ri, pensei que estavam a brincar.
- ao Minuto 22:00 a 25:20 – Das conversas tidas pela FF, em casa dos pais, ela mostrava-se preocupada – dizia que o avô já vendeu isto, já vendeu aquilo – pois afectava a sua herança.
- ao Minuto 25:30 a 26:15 – Referiu que o irmão comentava que queria saber das contas, ele chegou a mostrar mails e cartas, mas não focou no seu teor.
3) Depoimento de parte do Réu DD (Cfr. ata de audiência de julgamento do dia 02-06-2023, encontrando-se o seu depoimento gravado no sistema H@bilus Media Studio), referiu, designadamente,
- ao Minuto 04:00 a 04:48 – Referiu que ele criou as empresas todas, sendo que a empresa B..., Lda, Lda. foi criada por causa do AA, que percebe de tornearia e fresagem de ferro. Ele próprio não percebe nada daquilo, a sua área é a electricidade.
- ao Minuto 11:10 a 34:50 – Referiu que a única vez que falou com ele foi pelo telefone, Março ou Abril de 2017, a partir daí nunca mais o viu. Depois apareceu nas instalações da Rua ... e também foi à R. ..., onde estava a B..., Lda buscar ferramentas. “E a partir daí troquei as fechaduras e acabou”. Admitiu ter recebido umas cartas em 2021. Não forneceu, nem fornece, desde 2017, qualquer elemento destas sociedades, nem permite o acesso às mesmas. Mais refere ter a certeza que nunca forneceu atas destas sociedades.
D. DESTARTE, salvo o devido respeito, parece-nos que mal andou o Dign.º Tribunal ao não ter considerado tudo quanto referido pelas testemunhas supra indicadas, e pela própria confissão decorrente das declarações de parte do Réu DD, no que concerne às interpelações que foram efectuadas para obtenção das informações pretendidas pelo aqui Autor.
E. Razão pela qual, não se pode aceitar a redacção conferida aos factos não provados sob as alíneas g), h), j), k) e n) dos factos provados, entendendo-se, assim, que o Dign.º Tribunal deveria ter dado como provado tais factos.
F. Donde, no modesto entender da aqui Apelante, e salvo melhor opinião, conclui-se que o Digníssimo Tribunal “a quo” não ponderou devidamente a matéria de facto que lhe foi apresentada, tendo, por isso, feito uma incorrecta valoração dos meios de prova que lhe foram apresentados, violando, pois, o espírito subjacente ao disposto nos artigos 362.º, 371.º, 388.º e 389.º, 392.º e 396.º, todos do C.C. e, bem assim, nos artigos 410.º, 411.º, 413.º e 414.º do CPC.
G. Razão pela qual se entende que deverá ser feita uma correcção da matéria de facto, em primeira instância, tendo por referência tudo quanto se disse supra, sendo assim decisivo o respectivo controlo através desta sindicância, de modo a que a matéria factual supra referida seja levada à matéria de facto provada.
H. Assim, atenta a alteração que deverá ocorrer na decisão a proferir sobre a matéria factual, sempre será de alterar, por conseguinte, a decisão proferida no que respeita ao aspecto jurídico da causa.
I. O que assim, por tudo o exposto, e consequentemente, se requer seja devidamente reequacionado por este Venerando Tribunal no uso dos poderes de cognição que lhe são conferidos.
SEM PRESCINDIR,
> Da decisão de direito - errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 21.º, e 214.º a 216.º do Código das Sociedades Comerciais
J. Ainda que não se conceda nos termos supra expostos, o que não se admite mas por mero dever legal de patrocínio se equaciona, sempre temos por certo que, a douta sentença ora em crise não considerou devidamente a matéria de facto que lhe foi apresentada, incorrendo em vício de direito.
K. É que, como vimos supra, preceitua o artigo 21º do Código das Sociedades Comerciais, “todo o sócio tem direito a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato”.
L. No caso das sociedades por quotas, como é o caso de três das sociedades Requeridas, mostram-se relevantes os artigos 214º a 216º do Código das Sociedades Comerciais, estatuindo o n.º 1 do art. 214º que “os gerentes devem prestar a qualquer sócio que o requeira informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade e, bem assim, facultar-lhe na sede social a consulta da respectiva escrituração, livros e documentos. A informação será dada por escrito, se assim for solicitado”.
M. O direito à informação é um direito essencial para garantir o direito de outros direitos sociais, nomeadamente o direito aos lucros, de voto, de impugnação de deliberações sociais, de acção de responsabilidade contra os administradores, etc..
N. No caso dos autos, entendeu o Dign.º Tribunal a quo que «apurou-se que as sociedades indicadas não prestam, desde 2017, qualquer esclarecimento sobre o respectivo património, atividade e funcionamento, mormente através de relatórios de gestão, livros, documentos de prestação de contas, escrituras de compra e venda, atas, relações de créditos, documentos bancários, contratos (facto provado 17). E impedem o Autor de aceder às suas sedes / instalações (facto provado 18), o que necessariamente inviabiliza o seu direito de consulta da respectiva escrituração, livros e documentos. Podemos daqui concluir que ainda que o Autor tivesse dirigido às indicadas sociedades pedido concreto de informação sobre a respectiva actividade, património e funcionamento, ou a consulta, na respectiva sede, dos elementos de escrituração, livros e documento, obteria a mesma resposta de recusa.
Ora, o pedido de inquérito judicial, como supra se referiu, tem por base o direito à informação do sócio não satisfeito, por a informação ter sido negada, não ter sido suficiente ou quando seja de presumir que o não será. E considera-se, do modo acabado de descrever, que ao Autor se mostra recusada a informação, ou seja, considera-se que as sociedades Requeridas B..., Lda. e D..., Lda. recusaram o pedido de informação / consulta.
Tais sociedades alegaram, nesta acção, que tal assim sucedeu por força da actuação do Autor, que se desvinculou da sociedade B..., Lda., constituindo a sociedade E..., para onde “levou” trabalhadores daquela e conhecimentos adquiridos ao seu serviço, aí passando a desenvolver a mesma actividade (ou parte dela), concorrendo dessa forma e de forma directa, com a mesma. A propósito, apuraram-se os factos supra referidos como provados nos pontos 32 a 44 e 48, que aqui se dão por reproduzidos, acrescendo ainda o facto provado 6. Temos, assim, por válida a recusa da prestação de informações, pela sociedade B..., Lda..»
O. O que, de todo, se pode aceitar!
P. Desde logo, porque, na verdade, a sociedade E... nunca poderia ser concorrente da B..., Lda, na medida em que esta sociedade, nas palavras do seu sócio gerente, o Réu DD, apenas foi criada para o aqui Autor aí desenvolver a sua actividade, aquela em que ele é especialista. De modo que, aquela empresa só existia em função do trabalho desenvolvido pelo Autor, e do seu know how, e não ao contrário. Assim, saindo o Autor daquela empresa, facilmente se percebe alguns trabalhadores daquela tenham antecipado que previsivelmente a mesma não “sobreviveria” sem o Autor e como tal tenham pretendido assegurar os seus postos de trabalho, na E....
Q. De modo que, esta questão da “concorrência” é uma falsa questão, levantada pelos aqui Réus, e indevidamente validada pelo Dign.º Tribunal a quo. Tanto mais que, quanto à sociedade D..., Lda. não se pode sequer falar de concorrência, por ser o objeto social desta sociedade distinto do objeto social da sociedade E..., Unipessoal, Lda. (cfr. factos provados 5 e 34). Por outro lado, não se demonstrou – nem tal foi alegado – que o Autor desviou clientes daquela e/ou aliciou trabalhadores da mesma, que incluiu na mão de obra da sociedade E....
R. Outrossim, descurou o Dign.º Tribunal de todos os actos praticados pelo Réu DD, na qualidade de legal representante das sociedades sub judice, em clara dissipação de património e sonegação de informações ao aqui Autor:
- mudança de fechaduras – acesso vedado às instalações;
- cartas a pedir informações /documento - sem resposta;
- não convocação de Assembleias;
- não prestação e registo de contas; e,
- venda de quotas e bens societários.
S. Perante tal factualidade dada como provada decidiu o Dign.º Tribunal a quo “premiar” os Réus, concedendo-lhes a faculdade de recusar a prestação da requerida informação, nos termos do n.º 2 do art.º 215.º do CSC, em detrimento do direito do aqui Autor em obtê-la - o que, sublinhe-se, com o devido respeito, não se aceita.
T. Decorre claro e evidente que desde pelo menos, a data do óbito de EE, ocorrido a ../../2016, desconhece o Autor quais os actos societários e comerciais praticados pelos Gerentes e Administrador único das Sociedades ora em causa, e nessa medida, a gestão do património das Sociedades;
U. Pois, desde essa altura, têm sido rejeitados os seus pedidos de esclarecimento sobre o património, actividade e funcionamento daquelas.
V. Na realidade, tem sido impedido o acesso do aqui Autor à relação societária das Sociedades, recusando-se o seu legal representante a fornecer qualquer elemento contabilístico ou relacionado com a gestão e vida das Sociedades, nem sequer a mera consulta na sede das sociedades lhe é permitida. Desconhecendo, por essa razão, quaisquer actos societários e comerciais praticados pelos gerentes.
W. Com efeito, desde aquele momento, não prestam os Réus quaisquer contas da sua administração, ao aqui Autor, não sendo convocadas quaisquer Assembleias, pelo que, desconhece, assim, quais as eventuais receitas/despesas do exercício de cada uma das sociedades supra identificadas, mais, desconhecendo, se houve a distribuição de lucros ou de perdas pelos sócios,
X. O que se releva, aliás, imprescindível para efeitos do exercício do cargo de Cabeça de Casal para o qual foi investido, nos autos de processo n.º 789/20.0T8GDM, a correr os seus termos no Juiz 2 – Juízo Local Cível de Gondomar – o que foi totalmente ignorado pelo Tribunal recorrido.
Y. Pois, apesar da abertura da herança ter ocorrido há algum tempo considerável, o certo é que, os Réus não ofereceram, nem prestaram até hoje quaisquer contas da sua administração.
Z. Não obstante, terem sido interpeladas pelo aqui Autor, enquanto cabeça de casal da herança aberta e indivisa por óbito de EE para esse efeito (Cfr. Documentos 8 a 11 ao diante juntos).
AA. Perseguindo, assim, o escopo de impedir o acesso do aqui Autor à relação societária das Sociedades supra identificadas, e dessa forma, impedir que aquele conheça e acompanhe o património, actividade e funcionamento daquelas, e bem assim, também as contas de gestão das sociedades e contas bancárias, de forma a coarctar o exercício daquele dos seus direitos enquanto sócio/accionista das mesmas, e, a final, lograrem o desiderato de delapidar, inclusive, o património destas, em total detrimento dos direitos do aqui Autor e da Herança supra identificada.
BB. Tanto assim é que, aliás, pela simples consulta do registo comercial, verifica-se que procedeu a “A..., SA”, corria o ano de 2020 e sem que o aqui Autor tenha sido auscultado para o efeito, ou sequer conhecedor dos termos da dita cessão, à transmissão de quotas daquela, nas sociedades “D...” e “C...” a favor da “F... – SGPS LDA.”, NIPC ...36, sociedade de que são únicos sócios BB, CC e DD, aqui Réus.
CC. Além do mais, a sociedade anónima “A..., S.A.”, no dia 22-06-2018, vendeu ao seu sócio e aqui também Réu, CC, a fracção autónoma designada pela Letra “C”, composta por estabelecimento comercial no rés-do-chão, com entrada pela Rua ..., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, descrito na conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o número ...21, da freguesia ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o n.º ...24, e ainda, o prédio urbano, sito na Rua ..., freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º ...9, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...78, tudo suposta e simuladamente, pelo preço global de €: 120.961,53 (Cento e Vinte Mil, Novecentos e Sessenta e Um Euros e Cinquenta e Três Cêntimos).
DD. E, a sociedade anónima “A..., S.A.” vendeu, no dia 06-08-2018, à sociedade “F... – SGPS LDA.”, o prédio urbano, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho da Maia, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º ...76, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...79, pelo preço de €:138.000,00 (Cento e Trinta e Oito Mil Euros), tudo, conforme melhor resulta dos factos provados.
EE. Estranhamente, tais vendas foram efectuadas, por preços consideravelmente inferiores ao seu valor real; sendo ainda mais peculiar, o facto de os bens terem sido vendidos, quer a um accionista da própria Sociedade Anónima (CC), quer ainda à Sociedade “F... – SGPS LDA.” cujos únicos sócios são BB, CC e DD, aqui Réus.
FF. Deste modo, perante tais actos – indiciadores de má administração das empresas em causa – só com acesso à total informação/documentação das sociedades em causa poderá o aqui Autor ficar com total conhecimento instaurar eventual acção de responsabilidade dos gerentes/administrador das sociedades em causa.
GG. Sendo que, só mediante o deferimento do presente inquérito judicial assim poderá suceder, senão como poderá o aqui Autor exercer cabalmente os seus direitos.
HH. Assim, tendo-se por, de forma absolutamente inadmissível, coarctado o direito à informação do aqui Autor, sobre a vida, a gestão e as contas das respectivas Sociedades, não restaria senão pela procedência da presente lide.
II. Destarte, salvo o devido respeito, entende-se que a douta sentença aqui recorrida, pelas razões apontadas, sempre se mostra contrária à correta interpretação e aplicação dos pressupostos enunciados nos art.º 21.º, 214.º a 216.º todos do Código das Sociedades Comerciais.
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Não foi apresentada resposta ao recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo objecto do recurso a reapreciação da prova, com vista à alteração da decisão sobre matéria de facto, e saber se há fundamento de recusa da informação pretendida através do inquérito judicial.
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A 1.a instância fixou nos seguintes termos os factos provados e não provados:
Factos Provados
1. No dia ../../2016, na freguesia ... e ..., concelho ..., faleceu EE, no estado de casada, sob o regime de comunhão de adquiridos com o aqui Autor, AA.
2. Tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros, o cônjuge, aqui Autor, e dois filhos, FF e GG.
3. A falecida não deixou testamento ou qualquer outra disposição de última vontade.
4. O cargo de cabeça de casal na herança aberta por óbito de EE compete ao ora Autor.
5. Os Réus BB, CC e DD são gerentes da Sociedade “D..., Lda.”, NIPC ...09, com sede na Rua ..., freguesia ..., concelho da Maia, cujo objecto social é “automação, instrumentação, importação, exportação de material eléctrico e electrónico e sua comercialização. Montagens metalo-mecânicas. Instalações eléctricas, cablagens para telecomunicações e computadores; sistema de detecção de incêndios, extinção e segurança; instalações de canalizações; instalações de climatização; outras instalações em construções”.
6. O Réu DD é gerente da sociedade “B..., Lda.”, NIPC ...76, com sede na Rua ..., freguesia ..., concelho da Maia, cujo objecto social é “reparação e rectificação de motores e máquinas industriais, comércio e prestação de serviços publicitários”.
7. O Réu DD é administrador único da sociedade anónima “A..., S.A.”, NIPC ...69, com sede na Rua ..., freguesia ..., concelho da Maia, cujo objecto social é compra e venda e construção de imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim, administração de imóveis próprios e alheios, arrendamento de imóveis e prestação de serviços conexos e gestão de activos.
8. Os Réus BB, CC e DD são gerentes da sociedade “C... Lda.”, NIPC ...87, com sede na Rua ..., ... Maia, cujo objecto social é armazenista e retalhista de materiais e equipamentos eléctricos e electrónicos, importação e exportação.
9. O Réu DD assegura o controlo bancário e a gestão de facto e de direito das sociedades demandadas.
10. O Autor é titular de uma quota, no valor de €1.500,00, no capital social da sociedade “D..., Lda.”, NIPC ...09, com sede na Rua ..., freguesia ..., concelho da Maia, o qual ascende a €15.000,00.
11. O Autor é titular de uma quota, no valor de €725,00, no capital social da sociedade “B..., Lda.”, NIPC ...76, com sede na Rua ..., freguesia ..., concelho da Maia, o qual ascende a €7.500,00.
12. O Autor é titular de 4007 acções, no valor nominal de €0,01 cada, no capital social da sociedade anónima “A..., S.A.”, NIPC ...69, com sede na Rua ..., freguesia ..., concelho da Maia, o qual ascende a €50.000,00, distribuído por 5.000.000 de acções de €0,01.
13. A sociedade “A..., S.A.” foi titular de uma participação social, no valor de €10.500,00, no capital social de “D..., Lda.” NIPC ...09.
14. A sociedade “A..., S.A.” foi titular de uma participação social, no valor de €24.000,00, no capital social de “C..., Lda.”, NIPC ...87, que ascende a €30.000,00, conforme certidão junta como documento 7 com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos.
15. A sociedade “A..., S.A.” é titular de uma participação social, no valor de €5.225,00, no capital social de “B..., Lda., NIPC ...76.
16. Desde 2017 desconhece o Autor quais os actos societários e comerciais praticados pelo Gerente e Administrador único das sociedades demandadas, a gestão do património dessas sociedades, eventuais receitas / despesas do exercício de cada uma delas, eventual distribuição de lucros ou perdas pelos sócios, créditos e débitos das sociedades, se são mantidos registos actualizados, com as informações sobre os créditos e débitos das sociedades, etc..
17. Desde 2017, as sociedades demandadas, na pessoa de DD, não prestam ao Autor qualquer esclarecimento sobre o respectivo património, actividade e funcionamento, nomeadamente através dos relatórios de gestão, livros, documentos de prestação de contas, escrituras de compra e venda, actas, relações de créditos, documentos bancários, contratos.
18. Desde 2017, as sociedades demandadas, representadas por DD, não permitem ao Autor aceder às respectivas sedes / instalações.
19. O Autor ocupa o cargo de Cabeça de Casal nos autos de processo de inventário obrigatório n.º 789/20.0T8GDM, a correr os seus termos no Juiz 2 – Juízo Local Cível de Gondomar.
20. Em 2021, o Autor enviou as cartas registadas juntas por cópia como documentos 8 a 11 com a petição inicial, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os legais efeitos.
21. As sociedades demandadas não enviaram ao Autor qualquer resposta às cartas referidas em 20.
22. No ano 2020, a sociedade “A..., SA” transmitiu a quota que detinha na sociedade D..., Lda., no valor de €10.500,00, referida em 13, a “F... – Holding, Lda.”, NIPC ...36.
23. No ano 2020, a sociedade “A..., SA” transmitiu a quota que detinha na sociedade C..., Lda., no valor de €24.000,00, referida em 14, a “F... – Holding, Lda.”, NIPC ...36.
24. A sociedade anónima “A..., S.A.”, no dia 22.06.2018, vendeu ao Réu CC a fração autónoma designada pela Letra “C”, composta por estabelecimento comercial no rés-do-chão, com entrada pela Rua ..., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, descrito na conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o número ...21, da freguesia ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o n.º ...24, e ainda, o prédio urbano, sito na Rua ..., freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º ...9, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...78, tudo pelo preço global de €120.961,53 (Cento e Vinte Mil, Novecentos e Sessenta e Um Euros e Cinquenta e Três Cêntimos).
25. A sociedade anónima “A..., S.A.” vendeu, no dia 06.08.2018, à sociedade “F... – SGPS LDA.”, o prédio urbano, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho da Maia, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º ...76, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...79, pelo preço de €:138.000,00 (Cento e Trinta e Oito Mil Euros).
26. A Sociedade “F... – SGPS LDA.” apresenta como únicos sócios BB, CC e DD.
27. O Autor não recebeu qualquer valor das vendas referidas em 24 e 25.
28. Nas atas juntas como documentos 12 a 14 com a petição inicial, EE figura como accionista na “A..., S.A.”.
29. Os Réus BB e CC não estiveram presentes em nenhuma assembleia de sócios das sociedades demandadas.
30. O Autor apresentou Queixa-Crime, a qual foi distribuída à 1.ª Secção do D.I.A.P. da Maia, com o n.º .../17.2T9MAI.
31. As sociedades demandadas procederam ao registo de contas até ao exercício de 2020 (D...), 2017 (B..., Lda), 2020 (A..., SA) e 2020 (C...).
32. O Autor foi funcionário da sociedade B..., Lda., onde teve o cargo de chefe de oficina.
33. Nas suas funções, o Autor contactava com clientes e fornecedores e orientava o trabalho dos demais funcionários.
34. Em Dezembro de 2016, foi constituída a sociedade E..., Unipessoal, Lda., NIPC ...79, com sede na Rua ..., Loja ..., ..., com uma única quota de 5000€, atribuída a FF, filha do Autor.
35. O objecto social da sociedade indicada em 34 é “maquinação de peças metálicas, torneamento, fresagem, rectificação de motores, engrenagens, soldadura, corte e quinagem de chapa. Fabrico, comércio, representações, importação e exportação de máquinas, consumíveis para a indústria e material elétrico. Manutenção industrial”.
36. No ato de constituição da sociedade referida em 34, a gerência foi atribuída a FF.
37. FF era, à data referida em 34, estudante, e quem sempre tomou as decisões, contactou clientes e fornecedores, orientou os trabalhos e trabalhadores, celebrou contratos, procedeu a pagamentos, geriu a actividade da sociedade E..., foi o ora Autor.
38. A FF e o seu irmão, vivem com os avós maternos, em casa destes.
39. O Autor não trabalha, actualmente, para a sociedade B..., Lda..
40. O Autor convenceu os trabalhadores da sociedade B..., Lda., JJ, KK, LL, MM e NN, a irem trabalhar para a sociedade indicada em 34.
41. Com a saída dos trabalhadores referidos em 40, a sociedade B..., Lda. perdeu a sua capacidade produtiva, mormente na área de torneamento.
42. O Autor contactou clientes da sociedade B..., Lda. e passou a fornecer-lhe bens / serviços através da sociedade E..., referida em 34.
43. Em Outubro de 2017, o Réu DD foi interpelado pelo cliente G..., Lda. para proceder a acerto de contas referente a um serviço efectuado, em 26.1.2017, num veículo automóvel propriedade da E..., referida em 34.
44. O Autor utilizou os conhecimentos que adquiriu ao serviço da sociedade B..., Lda. e transmitidos por DD para iniciar e desenvolver actividade em nome da sociedade referida em 34, similar à desenvolvida por aquela.
45. O Autor intentou acção laboral contra a sociedade B..., Lda., com fundamento na falta de pagamentos de salários e outros créditos salariais, a qual correu termos sob o n.º 2388/17.5T8VLG, Comarca do Porto – Juízo de Trabalho de Valongo – Juiz 1.
46. A acção referida em 45 não mereceu provimento.
47. Com igual fundamento, o Autor requereu a insolvência da B..., Lda., o que foi indeferido.
48. A B..., Lda. por força do referido em 34 em diante, mormente em 40, 41 e 42, encerrou a sua actividade, em IVA e IRC, a 31.12.2017.
49. O Autor e os seus filhos FF e GG intentaram procedimento cautelar de arresto contra os ora Réus e respectivas esposas, e ainda contra A..., SA e F..., LDA., que correu termos sob o n.º 5757/19.2T8PRT e foi julgado improcedente, após recurso da decisão proferida na primeira instância.
50. No âmbito do processo referido em 30 foi proferido despacho de arquivamento, não tendo sido requerida a abertura de instrução.
51. O Autor transferiu, em 23.2.2018, a quantia de €67.315,93, de uma conta domiciliada no Banco 1..., SA, titulada pelos 1º e 2ºs Réus e pela falecida esposa, para uma conta titulada por si próprio.
Factos provados aditados por esta Relação:
52. O autor solicitou que na sede da Sociedade lhe fosse permitido o acesso e consulta de elementos contabilísticos e documentos relacionados com a gestão e vida da sociedade A..., SA,, pedido que não logrou obter sucesso.
53 Pelo menos em data não apurada do Verão de 2017, o Autor deslocou-se à sede das Sociedades demandadas, tendo-lhe sido impedido que o Autor entrasse nas instalações, e recusado esclarecer qualquer questão relacionada com o património, actividade e funcionamento das Sociedades.
Factos não provados
a) A herança aberta por óbito de EE ainda se encontra indivisa.
b) Os Réus BB e CC asseguram o controlo bancário e a gestão de facto e de direito das sociedades demandadas.
c) O Autor tornou-se titular de uma quota no capital social da sociedade anónima “A..., S.A.”, NIPC ...69, com sede na Rua ..., freguesia ..., concelho da Maia, na constância do seu matrimónio com EE.
d) Em resultado do regime de casamento (comunhão de adquiridos) também a EE se tornou titular de uma quota no capital social da sociedade anónima “A..., S.A.”, todavia, sem ser acionista da mesma.
e) O desconhecimento referido em 16 ocorre desde o falecimento de EE, em ../../2016.
f) No âmbito dos pedidos formulados pelo Autor, os Réus entregaram-lhe, apenas, três atas, juntas com a petição inicial sob os n.º 12 a 14.
g) Logo após o falecimento da sua mulher e até à interposição da presente acção, o aqui Autor efectuou verbalmente vários pedidos de esclarecimento aos aqui Réus BB, CC e DD, com uma regularidade quase mensal, quer directamente, quer ainda por interposição dos seus filhos, em particular a sua filha, FF.
h) Com excepção do referido em 17 e 18, os Réus referidos em g) sempre declinaram a prestação de qualquer esclarecimento, chegando ao cúmulo de impedir o aqui Autor de entrar na sede daquelas sociedades.
i) Por referência ao referido em 16, no que à pessoa do Autor diz respeito, nada foi distribuído.
j) Na qualidade de sócio da sociedade A..., SA, o Autor solicitou que na sede da Sociedade lhe fosse permitido o acesso e consulta de elementos contabilísticos e documentos relacionados com a gestão e vida da sociedade, pedido que não logrou obter sucesso (Transitou, em parte para o ponto 52 considerado provado).
k) Logo após o falecimento da sua esposa, em 2016, bem como, nos anos subsequentes, o Autor, por diversas vezes (quase mensalmente), solicitou verbalmente e directamente aos aqui Réus (seus cunhados e sogro) que, na sede da Sociedade, lhe fosse permitido o acesso e consulta dos elementos contabilísticos e documentos relacionados com a gestão e vida da sociedade, pedido esse que não logrou obter sucesso.
l) O Autor nunca assinou qualquer documento de cessão da sua posição social na sociedade A..., SA nem cedeu as suas acções à sua falecida mulher, factos perfeitamente conhecidos pelo Administrador Único daquela Sociedade.
m) A queixa crime referida em 29 foi apresentada por o Autor desconfiar, entre outras coisas, da falsidade e manipulação das atas, bem como, da legitimidade dos negócios duvidosos que têm sido celebrados.
n) Sem prejuízo dos factos provados 17 e 18, desde ../../2016, o Autor deslocou-se à sede das Sociedades demandadas, o que fez com uma regularidade quase mensal, desde o óbito da sua esposa, os aqui Réus BB e CC impediram que o Autor entrasse nas instalações, bloqueando o seu acesso às mesmas, além de se recusarem a esclarecer qualquer questão relacionada com o património, actividade e funcionamento das Sociedades, quer quando questionados verbalmente e directamente pelo Autor, quer quando questionados directamente ou por chamada telefónica pelos seus sobrinhos (filhos do Autor), quer ainda quando interpelados através de cartas para o efeito (Transitou, em parte para o ponto 53 considerado provado)..
o) Para além do que resulta dos documentos 8 a 11 juntos com a petição inicial, o Autor sugeriu que a consulta da documentação das sociedades demandadas fosse efectuada, presencialmente na própria sede, sozinho ou devidamente acompanhado por qualquer um dos Réus, ou ainda de forma digital, ou através do envio da documentação.
p) O Autor procedeu ao aumento do capital social da sociedade E....
q) O referido em 39 sucede desde maio de 2017, altura em que o Autor abandonou o seu local de trabalho e não mais nele compareceu.
r) A Ré B..., Lda. executou vários serviços ao cliente H..., Lda. e quem os facturou, a mando do Autor, foi a E..., referida em 34, que igualmente recebeu o correspondente preço.
s) A empresa I..., S.A., cliente da Ré D..., foi contactada pelo Autor.
***

A presente apelação tem como escopo a alteração da decisão sobre matéria de facto, no sentido da inversão para “provada” da matéria dos pontos g), h), j), k) e n) da factualidade considerada não provada, tal como pretendido pelo autor, ora recorrente:
g) Logo após o falecimento da sua mulher e até à interposição da presente acção, o aqui Autor efectuou verbalmente vários pedidos de esclarecimento aos aqui Réus BB, CC e DD, com uma regularidade quase mensal, quer directamente, quer ainda por interposição dos seus filhos, em particular a sua filha, FF.
h) Com excepção do referido em 17 e 18, os Réus referidos em g) sempre declinaram a prestação de qualquer esclarecimento, chegando ao cúmulo de impedir o aqui Autor de entrar na sede daquelas sociedades.
j) Na qualidade de sócio da sociedade A..., SA, o Autor solicitou que na sede da Sociedade lhe fosse permitido o acesso e consulta de elementos contabilísticos e documentos relacionados com a gestão e vida da sociedade, pedido que não logrou obter sucesso.
k) Logo após o falecimento da sua esposa, em 2016, bem como, nos anos subsequentes, o Autor, por diversas vezes (quase mensalmente), solicitou verbalmente e directamente aos aqui Réus (seus cunhados e sogro) que, na sede da Sociedade, lhe fosse permitido o acesso e consulta dos elementos contabilísticos e documentos relacionados com a gestão e vida da sociedade, pedido esse que não logrou obter sucesso.
n) Sem prejuízo dos factos provados 17 e 18, desde ../../2016, o Autor deslocou-se à sede das Sociedades demandadas, o que fez com uma regularidade quase mensal, desde o óbito da sua esposa, os aqui Réus BB e CC impediram que o Autor entrasse nas instalações, bloqueando o seu acesso às mesmas, além de se recusarem a esclarecer qualquer questão relacionada com o património, actividade e funcionamento das Sociedades, quer quando questionados verbalmente e directamente pelo Autor, quer quando questionados directamente ou por chamada telefónica pelos seus sobrinhos (filhos do Autor), quer ainda quando interpelados através de cartas para o efeito.
O recorrente cumpre os pressupostos de ordem formal para se proceder à reapreciação da decisão da matéria de facto, tendo transcrito os excertos que, no seu entender, apoiam a sua tese. Em conformidade, e nos termos do art. 662º, n.º 1 CPC, a Relação reaprecia a prova, tendo, para tal, procedido à audição integral dos registos fonográficos.
As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (artigo 341.º do CCivil). A prova em processo comum não pressupõe uma certeza absoluta ou ontológica, mas, por outro lado, também não se pode quedar na mera probabilidade de verificação de um facto. Assenta no alto grau de probabilidade do facto suficiente para as necessidades práticas da vida (Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, p. 191). A livre apreciação da prova, consagrada no art.º 396.º do C. Civil, é uma liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves, da «liberdade para a objectividade» (Rev. Min. Pub. 19º, 40).
Assim, em todo os pontos não provado sob impugnação está em questão a interpelação verbal das sociedades rés para prestar ao autor informação sobre as contas de administração daquelas sociedades e sobre o património, actividade e funcionamento, das mesmas, sendo que a interpelação formal demonstrada nos autos, por via postal, é a que resulta dos documentos a que alude o ponto 20) dos factos considerados provados. A Mma. Juíza desvalorizou, ou descredibilizou, a tal respeito, o depoimento da testemunha AA aduzindo que “referiu ser primo do Autor e que este lhe contou o que se passava, relativamente à não prestação de informações relativas às sociedades; acrescentou que o seu primo era “gerente de uma das sociedades e também era sócio… penso que era”, “tinha autonomia para mandar”, “como patrão”; acrescentou que em 2017 (mais à frente acrescentou no “final do verão”) foi com o AA, “duas vezes”, às instalações da D... (Rua ...), “pensando que ali estavam também as outras sociedades”, pedir informações (que não soube concretizar de forma correta, dizendo apenas que “pediu contas”, “pediu satisfações das empresas”), e que “foi-lhe tudo negado”; confirmou que o Autor constituiu a sociedade E..., “não sabendo bem” se esta “fazia concorrência a alguma” das sociedades demandadas, mas estas (a D...) “até lhe faziam pedidos de cotação”; referiu em seguida que “O Sr. AA” deu trabalho nessa sociedade a trabalhadores provenientes das sociedades demandadas, acrescentando de imediato “eles quiseram sair daquelas empresas, da D..., A...… com o corte de relações entre o Sr. AA e os Réus, o ambiente ficou mau e eles quiseram sair”; questionado sobre quem “gere” a sociedade E..., referiu ser a filha do Autor, que vive com os avós (DD e mulher); questionado sobre a compra de um terreno, disse que o mesmo era do seu pai e “achar que o mesmo foi vendido agora ao BB” “por um preço muito baixo”, “acho que quatrocentos e tal euros… e tinha lá uma casa aí de um milhão ou mais de euros, com dois pisos, com muita pedra, inox, tendo o terreno mais de 5000m2”; acrescentou “achar” que “todas as empresas pertencem à A..., SA” e que o DD era o dono de tudo, “não se fazia nada sem ele”; questionado sobre se o Autor enviou cartas às sociedades Rés, referiu saber de e-mails e cartas registadas (mas não sabia o seu conteúdo); questionado de imediato sobre se “essas cartas, informações nunca foram prestadas?”, respondeu que não; esclareceu que o AA “levou” para a E... “4 ou 5” funcionários da B..., Lda (que tinha aí uns 7 ou 8, à data), sociedade onde se desenvolvia a mesma actividade; por fim disse que esta sociedade, a E..., já “está extinta” e que “os funcionários foram para outros lados, no final de 2022”.
Esta testemunha revelou-se parcial e pouco conhecedora da matéria em causa nestes autos, já que, com excepção do momento em que acompanhou o Autor numa visita às instalações da “D...” (sem lograr explicar adequada e convincentemente o que ali fora fazer) e dos funcionários que com este foram trabalhar na E..., nenhum conhecimento directo demonstrou possuir, respondendo da forma como acredita ser favorável ao Autor, que o arrolou, às perguntas colocadas (veja-se, por exemplo, as suas respostas sobre o valor da casa / terreno vendidos, sobre a não prestação de informações na sequência das cartas, quando antes disse não saber o seu teor, sobre a constituição da sociedade E..., dizendo que o fora pelo Autor e assim confirmando as afirmações da testemunha HH, para depois inflectir e afirmar que a gerência desta sociedade pertencia à filha do Autor, FF, eventualmente por ter percebido que aquela primeira afirmação poderia prejudicar a pretensão deste nesta acção, etc.).
Assim e com excepção daqueles factos, entendeu o Tribunal não poder fundamentar a sua convicção no depoimento desta testemunha”.
Ora, procurando conjugar as declarações de parte do autor e o depoimento da testemunha (primo do autor), não é absolutamente exacto que o autor tenha afirmado categoricamente que só tivesse ido uma única vez aos escritórios das sociedades demandadas, e que a testemunha tivesse referido que o tivesse feito com o autor duas vezes ao certo, nem menos, nem mais (“penso que foram duas vezes”). Afigurando-se normal que não conhecesse em todos os pormenores os dissídios entre o autor e o seu ex-sogro e cunhados. E o que o autor referiu foi que foi às instalações da Rua ... com o primo, foi atendido primeiro pela empregada do escritório HH e que depois desceu o réu DD. Podendo ficar-se com que tal aconteceu uma única vez, essa não é necessariamente a única leitura das suas declarações. Mas o aspecto mais relevante é que a versão comum das declarações de parte do autor e do depoimento de AA condiz perfeitamente com a atitude em relação ao autor admitida pelo próprio DD em depoimento de parte. Podendo dele inferir-se que a presença do autor era indesejável em todas as empresas nas empresas que controlava, de tal sorte que seria convidado a retirar-se e que não seriam dadas quaisquer informações nem facultados documentos para consultar, na eventualidade de o autor se apresentar com tal propósito. Neste contexto probatório, ainda que nem toda a matéria sob impugnação deva considerar-se provada, é substancialmente mais provável a realidade do relatado no depoimento da testemunha AA, que confere com o depoimento de parte de DD, por um lado, e com as declarações de parte do autor. Quanto à suposta parcialidade da testemunha, de que a Relação não teve acesso a registo de imagens, ela não se revela por qualquer falta de coerência do discurso ou de alteração do tom de voz. Devendo em conformidade julgar-se provada a matéria das alíneas j) e n) dos factos julgados não provados na parte em que se refere:
Fazendo-se as necessárias alterações no local próprio supra.
Assim alterada, parcialmente, a factualidade considerada provada pela 1.ª instância, cabe agora aferir das respectivas consequências em sede de aplicação do direito aos factos.
O processo especial de inquérito judicial à sociedade é um processo de jurisdição voluntária, que visa o exercício por um interessado do direito social à informação sobre o modo de gestão e actos da vida da sociedade, que deverá ter a qualidade de sócio, a quem está reservado o aludido direito a obter informações, nos termos dos art.ºs 21.º, al. c), e 214.º a 216.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC). E desdobra-se, nos termos do art. 214.º do CSC, num direito de obter informações sobre a gestão da sociedade, num direito de consulta da escrituração, livros e documentos (art. 214.º, n.º 1 e n.º 4) e num direito de inspecção dos bens sociais (art. 214.º, n.º 5).
Uma das situações previstas no CSC que poderá dar lugar a inquérito à sociedade por quotas está contemplada no art. 216º do CSC e traduz-se na violação do dever de informação por recusa, incompletude, falta de elucidação ou falsidade da informação. Conforme decorre do art. 1048º do CPC, cabe ao requerente de inquérito judicial à sociedade, alegar a factualidade concreta constitutiva do direito invocado, designadamente o motivo justificativo do pedido de consulta de elementos através do recurso ao inquérito judicial - recusa de informação, falsidade ou insuficiência da informação prestada -, devendo concretizar os pontos de facto a averiguar e requerer as providência que repute convenientes, por forma a que o tribunal possa aferir se há ou não motivos para proceder ao inquérito, e se a informação pretendida pelo requerente foi ou não recusada ilicitamente pela sociedade deve abranger (art. 1049º, nºs 1 e 2 do CPC).
“ O direito à informação dos accionistas não é ilimitado. Este direito tem limites extrínsecos, que resultam da restrição subjectiva dos sócios que podem solicitar as informações, e intrínsecos, que visam acautelar os riscos de uma utilização abusiva da informação para a sociedade ou para algum dos accionistas. (cfr. Ac. STJ de 06-03-2024, Proc.º 1144/21.0T8AVR.P1.S1, in dgsi.pt). Conforme defendem A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pires de Sousa, citados pelo Ac. desta Relação e Secção de 30-01-2024 (Proc. 575/23.6T8VNG.P1, rel. Des. Maria da Luz Seabra) “Tal direito de informação é de grande amplitude nas sociedades em nome colectivo (181º, nº 6) e sofre maiores restrições nas sociedades por quotas (art. 214º do CSC), deixando-se aliás, aos sócios alguma liberdade de autorregulação da matéria no pacto social. Ainda assim, as restrições não podem ser injustificadas (nº 2 do mesmo preceito legal), de modo que, em caso de recusa, o sócio pode provocar deliberação dos sócios para a obtenção da informação recusada, incompleta ou falseada (art. 215º do CSC). Tal direito envolve: informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade; consulta de escrituração, livros e documentos; inspeção de bens sociais. (…) Relativamente às sociedades por quotas, o art. 216º do CSC prevê o recurso ao inquérito judicial quando ao sócio tenha sido recusada informação a que tenha direito ou quando a informação prestada seja presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa”.
Cabe ao requerente o ónus de prova da sua qualidade de sócio, bem como do impedimento ou desvirtuamento da informação previamente solicitada à gerência, enquanto à sociedade incumbe provar a factualidade que possa fundamentar a licitude da recusa (art. 342º nº 2 do CC; art. 215º do CSC). Ora, no caso dos autos, o autor só prova a qualidade de sócio relativamente às sociedades “D..., Lda.”, “B..., Lda.”, e “A..., S.A.”. Quanto à sociedade “C..., Lda.”, não se demonstra que o autor seja seu sócio, detendo apenas uma participação de 4007 acções, no valor nominal de €0,01 cada, no capital social da “A..., S.A.”, distribuído por 5.000.000 de acções de €0,01, que por sua vez foi titular de uma participação no valor de €24.000,00, no capital social de “C..., Lda.”. Correspondendo a participação de ao autor no capital social da “A..., S.A.” a 0,08014% do total, está aquém do mínimo de 1% do capital social exigido pelo n.º 1 do art.º 288.º do CSC, pelo que, independentemente do motivo justificativo alegado, não lhe assiste o direito de requerer inquérito judicial a esta sociedade, como muito acertadamente entendeu a Mma. Juíza a quo. E por maioria de razão não pode requerer inquérito judicial à “C..., Lda.”, cujos direitos societários só a “A..., S.A.” poderia exercer.
Resta aferir do direito do autor a obter informações no confronto das sociedades “D..., Lda.” e “B..., Lda.”, de que demonstra a sua qualidade de sócio. E quanto a esta última, vem provado que:
. O autor foi funcionário da sociedade B..., Lda., onde teve o cargo de chefe de oficina;
- Nas suas funções, o Autor contactava com clientes e fornecedores e orientava o trabalho dos demais funcionários;
- Em Dezembro de 2016, foi constituída a sociedade E..., Unipessoal, Lda., NIPC ...79, com sede na Rua ..., Loja ..., ..., com uma única quota de 5000€, atribuída a FF, filha do Autor;
- O objecto social da sociedade “E...” é “maquinação de peças metálicas, torneamento, fresagem, rectificação de motores, engrenagens, soldadura, corte e quinagem de chapa. Fabrico, comércio, representações, importação e exportação de máquinas, consumíveis para a indústria e material eléctrico. Manutenção industrial”:
- No acto de constituição da sociedade “E...”, a gerência foi atribuída a FF.
- FF era, em Dezembro de 2016, estudante, e quem sempre tomou as decisões, contactou clientes e fornecedores, orientou os trabalhos e trabalhadores, celebrou contratos, procedeu a pagamentos, geriu a actividade da sociedade E..., foi o ora autor.
- O autor não trabalha, actualmente, para a sociedade B..., Lda..
- O autor convenceu os trabalhadores da sociedade B..., Lda., JJ, KK, LL, MM e NN, a irem trabalhar para a sociedade E....
- Com a saída dos trabalhadores referidos em 40, a sociedade B..., Lda. perdeu a sua capacidade produtiva, mormente na área de torneamento
- O autor contactou clientes da sociedade B..., Lda. e passou a fornecer-lhe bens / serviços através da sociedade E..., referida em 34
- O autor utilizou os conhecimentos que adquiriu ao serviço da sociedade B..., Lda. e transmitidos por DD para iniciar e desenvolver actividade em nome da sociedade E..., similar à desenvolvida por aquela.
Ora, e como se frisou no Ac. da Relação de Guimarães de 21-01-2021 (Proc.º 7343/18.3VCT.G2 in dgsi.pt), “Há, contudo, casos em que a recusa da prestação de informação é admitida, ainda que a sua solicitação se tenha contido nos limites legais e contratuais aplicáveis. São os casos de recusa lícita de informação. Essa recusa fundamenta-se, em termos gerais, numa espécie de cláusula de salvaguarda ou de protecção assente na tutela do interesse da sociedade e visando permitir ao órgão de administração recusar a informação quando haja receio de que a sua prestação pudesse atentar contra qualquer daquele interesse. Relativamente às sociedades anónimas, as circunstâncias que tornam lícita a recusa de informação vêm previstas, para a informação solicitada em assembleia geral, no artigo 290º do Código das Sociedades Comerciais, e para a informação requerida fora da assembleia geral, no artigo 291º do mesmo Código. No nº 2 deste artigo 291º estabelece-se uma regra importante: a recusa de prestação de informação é ilícita se no pedido de informação for mencionado que se destina a apurar responsabilidades de membros do órgão de administração (conselho de administração ou direcção) do conselho fiscal ou do conselho geral – salvo se resultar do conteúdo do pedido ou de outras circunstâncias ser patente não ser esse o fim visado pelo pedido de informação. Para além dessa situação, a recusa de informação só será lícita nos casos previstos no nº4 do mesmo artigo 291º. Em primeiro lugar, quando for de recear que o accionista utilize a informação para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta ou de algum accionista. Aqui, o elemento marcante é o receio de utilização da informação para fins estranhos à sociedade, desde que ocorram simultaneamente prejuízos para esta ou para algum accionista. Em segundo lugar, a recusa é lícita quando a divulgação da informação, embora sem fins estranhos à sociedade, seja susceptível de prejudicar relevantemente a sociedade ou os accionistas. Aqui o elemento preponderante é o prejuízo (relevante) da sociedade ou dos accionistas, uma vez que pressupõe que a divulgação não visa fins estranhos à sociedade. Em terceiro lugar, a recusa é lícita quando sua prestação ocasione violação de segredo imposto por lei. O interesse da sociedade em confronto com o interesse do accionista deve ser aferido em concreto e deve prevalecer sobre o direito à informação quando for de concluir que a prestação da informação prejudica mais a sociedade do que favorece o accionista que a requereu”.
No caso vertente, o autor constituiu uma sociedade com actividade em concorrência com a “B..., Lda”, a que deixou de prestar trabalho; convenceu trabalhadores desta sociedade a irem trabalhar para a sociedade E...; utilizou os conhecimentos que adquiriu ao serviço da sociedade B..., Lda desenvolver actividade em nome da sociedade E..., de que era gerente de facto, mediante a interposição fictícia de uma filha em idade escolar, tudo em frontal ofensa dos interesses económicos e do escopo social da sociedade B..., Lda. Neste contexto, há receio justificado de que a informação pretendida seja utilizada para fins estranhos à sociedade B..., Lda, em prejuízo dos seus interesses e em benefício da sociedade E..., ocorrendo fundamento de recusa lícita de informação subsumível ao disposto nos art.ºs 215.º, n.º 1, e 291.º, n.º 4, al. a), ambos do CSC. Não colhendo o argumento esgrimido pelo autor, de que a B..., Lda apenas foi criada para o autor aí desenvolver a sua actividade, de modo que, aquela empresa só existia em função do trabalho desenvolvido pelo autor, e do seu know how. A participação do autor no seu capital social era inferior a 10%, não podendo concluir-se que a sua exploração se destinasse ao proveito exclusivo do autor.
No tocante à sociedade “D..., Lda.”, demonstra-se que o direito à informação do sócio não foi satisfeito, e que a informação foi efectivamente recusada, sem que se tivessem demonstrado factos integradores da licitude da recusa, que à sociedade incumbia provar, nos termos do art. 342º, nº 2, do CCivil e 215.º do CCivil. Pelo que nessa parte deverá o procedimento proceder, determinando-se o inquérito judicial requerido, para averiguação dos pontos de facto elencados no item 70.º respeitantes à sociedade “D..., Lda.”, e apenas a esta.




Decisão.
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação interposta relativamente à ré “D..., Lda.”, em função do que determinam a realização de inquérito judicial a esta ré, para averiguação dos pontos de facto indicados no item 70.º da petição inicial respeitantes a esta ré; e em julgar improcedente a apelação quanto às demais sociedades, mantendo-se quanto a elas a sentença recorrida

Custas pelo autor e pela ré “D...”, na proporção de ¾ e ¼, respectivamente.






Porto, 8/10/2024
João Proença
Márcia Portela
Alberto Taveira