Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
865/21.2T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LUZIA CARVALHO
Descritores: ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
COMISSÕES SOBRE VENDAS
FÉRIAS
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
Nº do Documento: RP20241211865/21.2T8VLG.P1
Data do Acordão: 12/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE. ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Não cumpre o ónus de impugnação da matéria de facto previsto pelo art.º 640.º, n.º 1, al. b) do CPC a mera alegação de que tendo em conta toda a prova produzida deveria o tribunal a quo dar determinados factos como provados ou não provados, sem que se faça qualquer análise concatenada entre os meios de prova indicados e os fundamentos invocados pelo tribunal na motivação da decisão de facto.
II - As comissões sobre vendas, ainda que sejam contrapartida do trabalho, não são contrapartida do modo específico da prestação de trabalho, pelo que não integram o subsídio de férias.
III - O pagamento no mês de férias das comissões por vendas realizadas em meses anteriores, não se confunde com o pagamento da retribuição de férias calculada com base na média das comissões pagas nos últimos doze meses.
IV - O trabalhador tem direito à integração na retribuição de férias, da média das comissões aferidas nos últimos doze meses, desde que as mesmas sejam pagas de forma regular e periódica, isto é, pelo menos, onze meses no ano.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 865/21.2T8VLG.P1

Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Valongo - Juiz 1

Acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

AA intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra A... Lda, pedindo, na procedência da ação, a condenação desta a pagar-lhe, a título de remuneração de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal a média das comissões relativas às vendas auferidas nos 12 meses antecedentes ao mês do gozo de férias, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de juro civil, desde a data de vencimento de cada obrigação e até efectivo e integral pagamento, perfazendo a quantia total de €25 559,52.

Alegou, em síntese, que foi admitido ao serviço da ré para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de vendedor e distribuidor, com início a 01 de julho de 2007.

A Retribuição mensal, inicialmente, correspondia à quantia ilíquida de €800,00 e o subsídio de refeição ao valor de €6,00, passando, a partir de janeiro de 2008 para €850,00 e, a partir de setembro de 2008 para €1.000,00, acrescendo uma parte variável constituída por comissões calculadas sobre os valores pagos pelos cliente da ré, em resultado das vendas realizadas pelo autor, as quais eram pagas no mês seguinte àquele em que os clientes da ré liquidavam as respetivas faturas.

Mais alegou que a ré, nunca, até à cessação do contrato de trabalho por denuncia, em 20 de julho de 2020, incluiu os valores médios das comissões auferidas pelo autor no cálculo e no pagamento da retribuição e subsídio de férias.

Frustrada a conciliação na audiência de partes, a ré contestou, alegando, em síntese (tendo em conta apenas a parte que releva no âmbito do recurso) que interpôs, que para além do salário, pagou ao autor valores indexados à sua performance e desempenho e que foram pensados fora dos parâmetros diretos da execução do trabalho e a que a Ré, no recibo de vencimento que processou, denominou genericamente de “comissões”; que para a determinação da referida contrapartida concorreriam diversos fatores que permitiam avaliar a performance e desempenho do trabalhador entre os quais, a assiduidade, o tempo e efetivo pagamento das vendas realizadas, a eficácia na distribuição/recebimento e relação com os clientes; que o autor sempre recebeu ao longo de todos os meses em que vigorou o contrato quantias a título de comissão, sendo que apenas em Agosto de 2009, Agosto de 2012, Julho de 2019 e Maio de 2020 tal não terá ocorrido; que, durante os períodos em que se encontrou a gozar férias a ré pagou ao autor valores a títulos de comissões; que nos termos do disposto no art.º 260, n.º 1 c) do CT as prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador não se consideram retribuição; que o CT abandonou o princípio da coincidência entre a retribuição das férias e do respetivo subsídio, pelo que sendo a parte variável da retribuição do autor relativa a comissões sobre as vendas e pela performance do trabalhador as mesmas não são relevantes para o cálculo do subsídio de férias, seja qual for o seu valor, já que não podem ser consideradas contrapartidas do modo específico da execução do contrato.

Findos os articulados, foi realizada audiência prévia e proferido despacho saneador onde foi fixado o valor da causa em €49 635,71, foram fixados os factos assentes, foi identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova.

Realizada aa audiência de julgamento foi proferida sentença, que concluiu nos seguintes termos:

“I-julgo a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência:

a) condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia total de €14.959,62, a título de remuneração de férias e de subsídio de férias ainda em falta, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das quantias até efectivo e integral pagamento;

b) Absolvo a Ré do demais contra si peticionado pelo Autor na presente acção;

(…)”.

Inconformada a ré interpôs o presente recurso, apresentando alegações que concluiu nos seguintes termos:

«A - Decidiu o digníssimo Tribunal a quo, por sentença datada de 09.05.2024 que: “I - julgo a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência: a) condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia total de € 14.959,62, a título de remuneração de férias e de subsídio de férias ainda em falta, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das quantias até efectivo e integral pagamento.”

B - Considera a Recorrente que mal andou o Tribunal a quo e a sentença ora em crise, que procedeu a uma errónea aplicação do direito e dos factos controvertidos.

C – Entende o Recorrente que:

I)As comissões pagas ao Recorrido não integram o conceito de retribuição para efeitos de cálculo da remuneração de férias e do subsídio de férias.

II) O Tribunal a quo fez uma incorrecta valoração da prova produzida e, consequentemente, dos factos dados como provados e não provados, uma vez que, as comissões pagas ao Recorrido constituem prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho e/ou mérito profissionais bem como da assiduidade do trabalhador.

III) A sentença a quo fez uma errónea aplicação do direito, porquanto ignorou o facto de o Recorrido ter recebido as comissões peticionadas durante 12 meses do ano e não apenas 11 meses, conforme refere a sentença ora recorrida.

Senão vejamos,

D - Nos termos do disposto no Art.º 260, n.º 1 c) do CT as prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador não se consideram retribuição.

E - 2 - O Código do Trabalho em vigor – Lei 7/2009 - dispõe no seu art. 264º que: 1. A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo. 2. Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico de execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias (…).

F - O montante do subsídio de férias deixa de ser igual ao da retribuição de férias (conforme afirmava o art. 6º, nº 2 da LFFF), pois passa a compreender somente a retribuição base «e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho»

G - Já no que diz respeito à delimitação do sentido e alcance da expressão «demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho» afigura-se-nos que ela comporta uma opção, de entre os diferentes nexos de correspectividade que caracterizam as várias componentes da retribuição, por aqueles que se referem à própria prestação de trabalho, isto é, às específicas contingências que a rodeiam ou, por outras palavras, às "condições extrínsecas" da prestação convencionada (como sejam, a perigosidade, a penosidade, o isolamento, a toxicidade, o trabalho nocturno, turnos rotativos, entre outros), em detrimento daqueles que pressuponham a efectiva prestação de actividade - "condições intrínsecas" -, quer respeitem ao próprio trabalhador e ao seu desempenho (como prémios, gratificações, comissões) ou que consistam na assunção pelo empregador de despesas em que incorreria o trabalhador por causa da prestação de trabalho, quando devam considerar-se retribuição (subsídios de refeição, de transporte).

H - Embora constituíam um modo de determinar o quantum retributivo devido ao trabalhador, as prestações retributivas que não se projectem num qualquer modo específico de execução da actividade laboral por parte do trabalhador, nem visem compensar qualquer especificidade atinente às circunstâncias objectivas (temporais, espaciais, ambientais, etc.) em que se desenvolve a prestação laboral deste trabalhador, não serão repercutidas no subsídio de férias.

I - A parte variável da retribuição do Recorrido relativa a comissões sobre as vendas e pela performance do trabalhador não são relevantes para o cálculo do subsídio de férias, seja qual for o seu valor, já que não podem ser consideradas contrapartidas do modo específico da execução do contrato como exige o art. 264º, nº 2 do C.T.

J - “O legislador determina, agora, que apenas devem ser incluídos no subsídio de férias os complementos (…) que se referem à própria prestação do trabalho, i.e., às específicas contingências que a rodeiam (…), ao seu condicionalismo externo, em detrimento daqueles que pressupunham a efectiva prestação de actividade (...)”.

K- A propósito das comissões, conclui-se (no seguimento do que agora se vem dizendo) no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/05/2023, disponível em www.dgsi.pt que as mesmas “são contrapartida do trabalho, mas não contrapartida do modo específico da prestação de trabalho, não integrando, por isso, por imperativo legal, o subsídio de férias”. Neste circunstancialismo, acresce ainda que,

L - Tendo em conta toda a prova produzida deveria o Tribunal a quo ter dados como provados os seguintes factos: - para além do salário, a Ré tenha pago ao Autor valores indexados à sua performance e desempenho e que foram pensados fora dos parâmetros directos da execução do trabalho e a que a Ré, no recibo de vencimento que processou denominou genericamente de “comissões”, (cfr. tema da prova B9); - para a determinação da referida contrapartida concorressem diversos factores que permitiam avaliar a performance e desempenho do trabalhador, entre os quais, a assiduidade e a eficácia na distribuição/recebimento e relação com os clientes, (cfr. tema da prova B10);

M – Do conjunto da prova produzida, revela-se inequívoco que o Tribunal deveria ter dados tais factos como provados, designadamente dos seguintes elementos probatórios: I - depoimento da testemunha BB, registado no sistema citius por gravação consignada em 27.10.0222, entre os minutos 10.00.05 e 11.32.52; II - depoimento da testemunha CC, vendedor da Recorrente e com depoimento registado no sistema citius em 27.10.2022 entre os minutos 14.11.43 e 15.01.27; III - Do documento junto aos autos a fls. 264v e 270v., denominado “nota informativa” assinada pelo Recorrido e todos os demais vendedores, que expressamente refere que o direito ao recebimento de comissões por parte dos vendedores está dependente de: - recebimento pelo vendedor do valor relativo aos bens vendidos até 90 dias; - os contratos de comodato sejam entregues pelo vendedor responsável pelo cliente assinado e carimbado pelo cliente - o comportamento dos vendedores para com o cliente não evidencie qualquer incorrecção.

N - Do conjunto da prova supra aludida, consideramos que mal andou o Tribunal recorrido na decisão que proferiu, devendo a mesma ser revoada e substituída por outra que dê como provado que: - para além do salário, a Ré tenha pago ao Autor valores indexados à sua performance e desempenho e que foram pensados fora dos parâmetros directos da execução do trabalho e a que a Ré, no recibo de vencimento que processou denominou genericamente de “comissões”, (cfr. tema da prova B9); - para a determinação da referida contrapartida concorressem diversos factores que permitiam avaliar a performance e desempenho do trabalhador, entre os quais, a assiduidade e a eficácia na distribuição/recebimento e relação com os clientes, (cfr. tema da prova B10);

O - Dado como provados tais factos, dever-se-á igual e subsequentemente revogar a decisão recorrida e substituir a mesma por outra cuja bondade decisória leve em linha de conta os factos ora dados como provados e, consequentemente, considere que as comissões pagas pela Recorrente ao Recorrido não deverão integrar o pagamento da remuneração de férias e do subsídio de férias, revogando-se a decisão ora em crise.

P- Do conjunto da prova produzida, considera a Recorrente que o Tribunal não deveria ter dado como provado: Ponto 18. – Durante 11 meses no ano civil, o Autor auferiu este valor relativo a comissões (tema da prova B50) Ponto 23. – A Ré, nunca, até à cessação do contrato de trabalho por denuncia em 20 de julho de 2020, incluiu os valores médios das comissões auferidas pelo Autor sobre as vendas dos produtos, isto é, a média do valor variável da remuneração,no cálculo e no pagamento da retribuição dos períodos de férias (tema da prova B4).

Q - Concomitantemente, deveria o Tribunal a quo, ter dado como provado que: - o Autor sempre tenha recebido, mensalmente, o valor variável subjacente às comissões, (cfr. tema da prova B7).

R – Resulta, aliás, que a sentença recorrida padece de vício de contradição quanto aos factos dados como provados.

S – No ponto 17 dos factos dados como provados, a Sentença ora recorrida assentou as comissões efectivamente pagas pela Recorrente ao Recorrido entre junho de 2007 e 2020.

T – Ou seja, dos factos dados como provados, resulta, com inequívoca clareza que ao Recorrido foram pagas comissões 12 meses por ano, com excepção dos meses de Agosto de 2009, Agosto de 2012, Julho de 2019 e Maio de 2020 (ano cessação contrato).

U – Não pode a sentença em crise, por um lado considerar como provado e assente que o Recorrido recebeu comissões 12 vezes no ano e, por outro, afirmar que no mês de férias as comissões não foram pagas.

V - Relativamente aos anos civis de 2007, 2008, 2010, 2011, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2020, provado ficou que o Recorrido recebeu o pagamento das comissões 12 vezes ao ano, ou seja, foram também processadas no mês de férias. Acresce ainda que,

X – Para computo da média das comissões a pagar no mês de férias, a sentença ora em crise considerou as comissões pagas nos 12 meses e não de 11, conforme sustenta o douto acórdão em que funda a sua bondade.

Z – Ficou por provar quais os efectivos períodos de férias gozados pelo Recorrido. AA -– Concluindo-se que, relativamente aos anos civis de 2007, 2008, 2010, 2011, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2020 a Recorrente nada deverá pagar ao Recorrido, relativamente a remuneração de férias

AA -– Concluindo-se que, relativamente aos anos civis de 2007, 2008, 2010, 2011, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2020 a Recorrente nada deverá pagar ao Recorrido, relativamente a remuneração de férias.

AB – Deve a sentença de fls. ser revogada quanto à condenação ao pagamento da remuneração de férias nos anos civis de 2007, 2008, 2010, 2011, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2020

Subsidiariamente,

AC – Caso assim não se considere, sempre teremos que considerar nos mesmos anos civis de 2007, 2008, 2010, 2011, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2020 deverá o Tribunal a quo apurar quais os meses em que o Recorrido gozou suas férias e – nesses mesmos períodos – deduzir os valores que ao Requerente foram pagos a título de comissões.

AD – Deve, por isso, a sentença ora em crise ser revogada e a Recorrente absolvida do pagamento ao Recorrido da remuneração de férias nos anos civis de 2007, 2008, 2010, 2011, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2020.»


*

O autor apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso, formulando as seguintes conclusões:

I - Apesar de ter elencado os pontos da matéria de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, a Recorrente limita-se a «despejar», para o seu recurso, as transcrições dos depoimentos, sem nenhum critério, enquadramento, análise ou conclusão.

II. Ademais, a Recorrente não indicou (menos ainda com exactidão) as passagens relevantes da gravação dos depoimentos.

III. A Recorrente também não estabelece nenhuma relação entre concretos meios de prova e concretos pontos de facto, acabando, por isso, por não deixar consignada nenhuma posição expressa por referência aos factos que consideram incorrectamente julgados.

IV. Em face de tal, verifica-se que a Recorrente incumpriu o ónus impugnatório quanto à decisão relativa à matéria de facto, devendo o recurso, nessa parte, ser, sem mais, rejeitado.

V. Na parte em que se insurge contra o facto de o Tribunal a quo ter concluído que as comissões pagas ao Recorrido integram o conceito de retribuição para o efeito do cálculo da retribuição do período de férias e do subsídio de férias, a Recorrente limita-se a discordar, tão-só, dos fundamentos de Direito da sentença revidenda, sem indicar as normas jurídicas violadas, o sentido em que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas ou a norma que deveria ter sido aplicada.

VI. Assim, uma vez que as conclusões do recurso interposto, em incumprimento do ónus imposto pelo n.º 2 do artigo 639.º do CPC, não se mostram idóneas a delimitar de forma clara o objecto do recurso, nomeadamente as questões de Direito que a Recorrente pretendeu suscitar, deverá, também nessa parte, o recurso ser rejeitado.

VII. As conclusões do recurso interposto não reduzem a complexidade nem a inteligibilidade das alegações, mostrando-se prolixas e, em grande parte, inócuas, não permitindo a cabal identificação das questões invocadas.

VIII. Uma vez que as conclusões do recurso interposto não constituem, salvo melhor entendimento, verdadeiras conclusões para os efeitos do artigo 639.º, n.º 1, do CPC, deverá o recurso ser rejeitado.

IX. Resulta dos factos provados, e aceites pela Recorrente, que o Recorrido auferia uma remuneração mensal composta de uma parte fixa e de uma parte variável, esta constituída por comissões calculadas sobre os valores pagos pelos clientes da Recorrente, como resultado das vendas realizadas pelo Recorrido (cf., além do mais, os pontos 11 a 15 dos factos dados como provados).

X. «Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho» […] [compreendendo] a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie» e «[presumindo-se] constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador» (cf. artigos 258.º do Código do Trabalho de 2009 e 249.º do Código do Trabalho de 2003).

XI. Ademais, «[a] retribuição pode ser certa, variável ou mista, sendo esta constituída por uma parte certa e outra variável» (cf. artigos 261.º do Código do Trabalho de 2009 e 251.º e 252.º do Código do Trabalho de 2003).

XII. Está-se perante um caso de retribuição mista, composta por uma parte certa e outra variável, composta por comissões, na situação do Recorrido, vendedor, em que este além da retribuição mensal fixa, aufere um acréscimo remuneratório variável, correspondente a uma percentagem sobre o valor das vendas realizadas.

XIII. A retribuição do período de férias não poderá ser inferior a que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo, daquela se excluindo, assim, por exemplo, o subsídio de alimentação (cf. artigos 264.º do Código do Trabalho de 2009 e 255.º do Código do Trabalho de 2003)

XIV. No caso de haver uma parte variável, como é o caso das comissões, o valor correspondente da retribuição, para o efeito, por exemplo, da retribuição do período de férias, é apurado a partir da média das prestações correspondentes aos últimos 12 meses (cf. artigos 261.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2009 e 252.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003).

XV. A parte variável da retribuição do Recorrido – parte considerável da totalidade da sua retribuição – consubstancia uma contrapartida do modo específico da execução do trabalho, devendo, portanto, integrar o cálculo do subsídio de férias, tanto mais que as funções do Recorrido eram precisamente as de angariar vendas, sendo em função das mesmas remunerado, distinguindo-se, nessa medida, por exemplo, dos prémios de desempenho, desvinculados, por regra, das concretas funções do trabalhador.

XVI. Nenhum reparo merecerá a decisão revidenda, na parte de Direito, tanto mais que a Recorrente nem impugnou matéria de facto de forma que seja susceptível de abalar a decisão de que recorre.

XVII. A Recorrente não pode, razoavelmente, impugnar os factos constantes do segundo e terceiro parágrafo do rol de factos dados como não provados.

XVIII. O Recorrido, a quem o Tribunal a quo atribuiu credibilidade, esclareceu que, de acordo com a prática da Recorrente e segundo o acordado com a Recorrente, as comissões estavam exclusivamente dependentes das vendas realizadas, sem interferência de outros factores ou critérios como sejam o da entrega dos contratos de comodato ou o da qualidade da assistência prestada (cf. minutos 00:10:10 a 00:10:16, 00:18:45 a 00:20:13, 00:33:00 a 00:33:05 e 00:37:30 a 00:39:25 do depoimento prestado em Audiência de Julgamento, em 24/10/2022, entre as 10:31 e as 11:16).

XIX. A testemunha DD, a quem o Tribunal a quo também atribuiu credibilidade, confirmou que as comissões recebidas pelos vendedores da Recorrente não tinham qualquer relação com a assiduidade, com a «qualidade do trabalho» ou com a qualidade da assistência prestada aos clientes (cf. minutos 00:09:30 a 00:09:56 e 00:21:30 a 00:23:00 do depoimento prestado em Audiência de Julgamento, em 24/10/2022, entre as 11:17 e as 12:04).

XX. E a testemunha EE, a quem o Tribunal a quo igualmente atribuiu credibilidade, explicou que as comissões estavam, simplesmente, associadas às vendas, sem que eventuais deveres, como os de entregar contratos de comodato, de assiduidade ou de prestação de assistência, tivesse qualquer interferência (cf. minutos 00:04:20 a 00:04:30, 00:06:20 a 00:06:59 e 00:16:20 a 00:16:59 do depoimento prestado em Audiência de Julgamento, em 24/10/2022, entre as 14:38 e as 15:03).

XXI. Era sobre a Recorrente que impenderia o ónus de demonstrar a genuinidade do documento em que pretende apoiar-se (o junto a folhas 264 verso dos autos), sendo que, de acordo com a prova produzida em audiência de Julgamento, o que resultou é que os dizeres de tal documento terão sido apostos após a aposição das respectivas assinaturas.

XXII. A questão da credibilidade das testemunhas e das partes (em sede de declarações) insere-se no âmbito da livre apreciação do Julgador, razão por que, atentos os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, a sindicabilidade da credibilidade que o Tribunal a quo atribuiu aos depoimentos das testemunhas bem como a alteração da decisão sobre a matéria de facto, em recurso, só é possível quando existam erros manifestos na apreciação e valoração da prova, nomeadamente quando se verifique que a convicção do Tribunal assentou em pressupostos que contrariam directamente as regras da lógica e da experiência.

XXIII. O recurso interposto mais não é do que uma tentativa da Recorrente de sobrepor a sua própria convicção à do Tribunal a quo, procurando impor, como mais válidos, elementos probatórios (ou a interpretação que deles fazem), constatando-se, porém, que a prova invocada pela Recorrente foi criteriosamente apreciada e interpretada pelo Tribunal a quo, da forma que, simplesmente, se afigura mais plausível e mais consentânea com as regras da experiência comum, ou, in casu, a única correcta.

XXIV. Deve, em face do exposto, manter-se inalterada a decisão quanto aos aludidos pontos da matéria de facto.

XXV. Quanto à invocada «errónea aplicação do direito» e ao alegado «vício de contradição» no que refere ao número de meses considerado para a contabilização da média das comissões, cumprirá, apenas, salientar que a Recorrente não pode aproveitar o valor de comissões efectivamente devidas para delas pagar a retribuição pelo período de férias, posto que, independentemente do momento de pagamento dessas comissões, as mesmas teriam, aritmeticamente, a mesma ponderação para o efeito do cálculo que deve ser realizado. XXVI. Não merecerá a decisão revidenda, também neste conspecto, nenhum reparo.»


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O recurso foi admitido regularmente e neste tribunal, os autos foram ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto do art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT), tendo sido emitido parecer no sentido da improcedência do recurso quer de facto.

Nenhuma das partes se pronunciou sobre o parecer do Ministério Público.


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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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Delimitação do objeto do recurso

Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT) e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).

Assim, são as seguintes as questões a decidir:

1 – nulidade da sentença;

2 - alteração da decisão da matéria de facto;

3 – se a média das comissões não é devida no subsídio de férias;

4 – se a média das comissões não é devida na retribuição de férias;

5 – se a média das comissões devida nas retribuição de férias está paga;

6 – se a média das comissões deve ser calculada por referência a 11 meses;

7 - se devem ser deduzidas as comissões pagas no mês do gozo de férias.


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Fundamentação de facto

Foram os seguintes os factos dados como provados em 1.ª instância:

«1. A Ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica ao comércio por grosso de produtos de higiene, de limpeza e de produtos alimentares, à prestação de serviços de limpeza industrial e doméstica, à comercialização de produtos e soluções de limpeza, ao comercio por grosso e a retalho de produtos farmacêuticos e importação e exportação, (facto assente 1- fls.205).

2. Por contrato de trabalho a termo certo, o Autor foi contratado pela Ré, para, sob as ordens e direção desta, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de vendedor e distribuidor, com início a 01 de julho de 2007, vide cláusula 1.a do Contrato de Trabalho a Termo Certo, junto como Doc.1 com a P.I., (facto assente 2- fls.205 v.).

3. O trabalho do Autor era prestado de segunda a sexta-feira, com descanso semanal complementar e descanso semanal obrigatório ao sábado e domingo, vide cláusula 2.ª do Contrato de Trabalho a Termo Certo, (facto assente 3-fls.205 v.).

4. O horário de trabalho do Autor, de acordo com as instruções da Ré, era de 40 horas semanais, a saber: 9h00 às 19h00, com intervalo para almoço das 12h30 às 14h30, vide cláusula 2.ª do Contrato de Trabalho a Termo Certo, (facto assente 4- fls.205 v.).

5. O local de trabalho do Autor, correspondeu, sempre, à sede da Ré - Rua ... - Pq. Industrial de ..., ... ..., Valongo, vide cláusula 2.ª do Contrato de Trabalho a Termo Certo, (tema da prova B1).

6. O Autor para executar o seu trabalho tem de vender, (tema da prova B8).

7. Quando o trabalhador iniciou funções na Ré foram-lhe atribuídas as zonas onde iriam desempenhas as funções inerentes à sua categoria profissional, (tema da prova B51).

8. O Autor tinha uma carteira de clientes atribuída e respeitantes a toda uma zona geográfica, (cfr. tema da prova B13).

9. Estes mesmos clientes eram exclusivamente tratados e acompanhados pelo Autor, ora Reconvindo, (cfr. tema da prova B14).

10. O Autor era o único vendedor da empresa com contacto com os mesmos clientes, (cfr. tema da prova B15).

11. A Retribuição mensal, inicialmente, correspondia à quantia ilíquida de 800,00 € e o subsídio de refeição ao valor de 6,00 €, vide cláusula 5.a do Contrato de Trabalho a Termo Certo e recibos de vencimento de 2007, (facto assente 5- fls.205 v.).

12. A partir de janeiro de 2008 a retribuição mensal do Autor foi aumentada para 850,00 € e em setembro de 2008 a retribuição mensal do Autor foi aumentada para 1 000,00 €, conforme resulta dos recibos de vencimentos de 2008, (tema da prova B2).

13. O Autor auferia uma remuneração mensal composta uma parte fixa, como já descrita nos artigos anteriores, e uma parte variável, (facto assente 6-fls.205 v.).

14. A parte variável era constituída por comissões calculadas sobre os valores pagos pelos cliente da Ré, em resultado das vendas realizadas pelo Autor, (tema da prova B3) e cfr. tema da prova B46).

15. Aquando do início da relação laboral, ficou verbalmente acordado entre as partes de que para a determinação das comissões era relevante o tempo e efectivo pagamento das vendas realizadas, pois o autor tinha direito a uma comissão de 4% por cada venda que fizesse se o cliente pagasse no prazo máximo de 40 dias; se o cliente pagasse entre 41 e 55 dias o autor já só recebia 2% de comissão e se o cliente pagasse entre 56 dias e 180 dias o autor já só recebia 1% de comissão, (cfr. temas da prova B10) e B45).

16. As comissões eram pagas ao Autor no mês seguinte àquele em que os clientes da Ré liquidavam as respetivas faturas, (facto assente 7- fls.205 v.).

17. Entre junho de 2007 e 2020, a Ré pagou ao Autor os valores a título de comissões:

a. Ano de 2007: 2.830,00

Junho 702,60

€ Julho 355,50

€ Agosto 250,00

€ Setembro 262,38

€ Outubro 512,00

€ Novembro 392,55 €

Dezembro 355,00 €

Total 2.830,03 €

b. Ano de 2008: 5.854,81

€ Janeiro 555,00

€ Fevereiro 418,00

€ Março 483,00

€ Abril 589,00 €

Maio 539,00 €

Junho 333,00

€ Julho 568,00

€ Agosto 240,12

€ Setembro 505,59

€ Outubro 597,82

€ Novembro 583,59

€ Dezembro 442,69 €

Total 5.854,81 €

c. Ano de 2009: 6.757,96

€ Janeiro 551,82

€ Fevereiro 567,58

€ Março 670,40

€ Abril 641,93

€ Maio 554,00

€ Junho 465,00

€ Julho 640,50

€ Agosto 000,00

€ Setembro 547,33

€ Outubro 820,95

€ Novembro 547,33

€ Dezembro 751,12 €

Total 6.757,96 €

d. Ano de 2010: 7.707,93 €

Janeiro 580,94 €

Fevereiro 635,43 €

Março 657,53 €

Abril 592,09 €

Maio 774,92 €

Junho 620,46 €

Julho 694,95 €

Agosto 574,52 €

Setembro 547,33 €

Outubro 735,17 €

Novembro 602,82 €

Dezembro 691,77 €

Total 7.707,93 €

e. Ano 2011: 7.152,06

Janeiro 500,13 €

Fevereiro 582,30 €

Março 641,40 €

Abril 536,99 €

Maio 658,85 €

Junho 676,22 €

Julho 603,69 €

Agosto 549,77 €

Setembro 507,22 €

Outubro 753,56 €

Novembro 610,00 €

Dezembro 531,93 €

Total 7.152,06 €

f. Ano de 2012: 6.896,01 €

Janeiro 622,17 €

Fevereiro 510,44 €

Março 552,50 €

Abril 558,39 €

Maio 620,00 €

Junho 650,58 €

Julho 603,69 €

Agosto 000,00 €

Setembro 955,00 €

Outubro 645,50 €

Novembro 672,94 €

Dezembro 504,80 €

Total 6.896,01 €

g. Ano de 2013: 7.310,57 €

Janeiro 581,95 €

Fevereiro 641,23 €

Março 574,39 €

Abril 569,43 €

Maio 671,71 €

Junho 586,99 €

Julho 494,90 €

Agosto 550,28 €

Setembro 616,88 €

Outubro 647,00 €

Novembro 643,88 €

Dezembro 731,93 €

Total 7.310,57 €

h. Ano de 2014: 7.280,35 €

Janeiro 586,94 €

Fevereiro 543,02 €

Março 512,64 €

Abril 738,37 €

Maio 656,06 €

Junho 608,58 €

Julho 601,80 €

Agosto 663,80 €

Setembro 521,80 €

Outubro 675,81 €

Novembro 554,17 €

Dezembro 617,36 €

Total 7.280,35 €

i. Ano de 2015: 7.128,86 €

Janeiro 734,52 €

Fevereiro 543,73 €

Março 515,26 €

Abril 774,45 €

Maio 548,25 €

Junho 501,86 €

Julho 700,24 €

Agosto 561,37 €

Setembro 603,25 €

Outubro 562,62 €

Novembro 660,15 €

Dezembro 423,16 €

Total 7.128,86 €

j. Ano de 2016: 6.799,04 €

Janeiro 549,59 €

Fevereiro 588,54 €

Março 510,22 €

Abril 498,26 €

Maio 630,59 €

Junho 517,25 €

Julho 643,23 €

Agosto 542,56 €

Setembro 639,79 €

Outubro 561,58 €

Novembro 648,66 €

Dezembro 468,77 €

Total 6.799,04

k. Ano de 2017: 6.935,73 €

Janeiro 585,30 €

Fevereiro 502,82 €

Março 732,14 €

Abril 527,68 €

Maio 580,12 €

Junho 654,97 €

Julho 603,65 €

Agosto 519,04 €

Setembro 532,78 €

Outubro 529,81€

Novembro 619,53 €

Dezembro 547,89 €

Total 6.935,73€

l. Ano de 2018: 8.040,27 €

Janeiro 592,87€

Fevereiro 606,31€

Março 571,50€

Abril 648,50€

Maio 784,50€

Junho 634,10€

Julho 724,76€

Agosto 732,65€

Setembro 640,04€

Outubro 676,71€

Novembro 682,77€

Dezembro 745,56€

Total 8.040,27€

m. Ano de 2019: 6.907,88 €

Janeiro 671,35€

Fevereiro 681,87€

Março 781,46€

Abril 699,71€

Maio 794,67€

Junho 528,67€

Julho 0,00€

Agosto 547,87€

Setembro 449,92€

Outubro 589,41€

Novembro 583,60€

Dezembro 579,35€

Total 6.907,88€

n. Ano de 2020: 2.863,70 €

Janeiro 579,80€

Fevereiro 684,02€

Março 671,56€

Abril 378,18€

Maio 0,00€

Junho 336,77€

Julho 213,37€

Total 2.863,70,

(facto assente 8- fls.205 v. a 209).

18. Durante 11 meses no ano civil, o Autor auferia este valor relativo a comissões, (tema da prova B50).

19. O Autor sempre recebeu, mensalmente, o valor variável subjacente às comissões, à excepção dos meses de Agosto de 2009, Agosto de 2012, Julho de 2019 e Maio de 2020, em que tal não ocorreu (cfr. temas da prova B7, B11) e B12).

20. Junto com o recibo de vencimento de Agosto de 2017 foi anexado o mapa de comissões, (cfr. tema da prova B47).

21. Quanto à retribuição dos períodos de férias, a Ré sempre pagou ao Autor apenas a remuneração base, e se o houvesse, o valor de comissões sobre vendas que o Autor tivesse angariado em meses anteriores, (facto assente 9- fls.209 e cfr. tema da prova B49).

22. No período das suas férias do Autor continuava a receber comissões por valores pagos pelos clientes da Ré durante as mesmas férias, nos exatos termos em que as recebia nos restantes meses do ano, (facto assente 10-fls.209).

23. A Ré, nunca, até à cessação do contrato de trabalho por denuncia, em 20 de julho de 2020, incluiu os valores médios das comissões auferidas pelo Autor sobre as vendas dos produtos, isto é, a média do valor variável da remuneração, no cálculo e no pagamento da retribuição dos períodos de férias, (tema da prova B4).

24. Relativamente ao subsídio de férias e ao subsídio de natal a Ré nunca efetuou tal cálculo nem os respetivos pagamentos, (tema da prova B5).

25. O Autor foi trabalhador da Ré durante 14 anos, período em que desempenhou as funções de vendedor, (facto assente 11-fls.209).

26. Dos recibos de vencimento do Autor consta a parcela "Comissões" e, também, sendo caso disso a parcela "Prémio de Produção", (facto assente 12- fls.209).

27. A angariação de novos clientes constituía um dos elementos determinativos do valor das comissões auferidas pelo Autor, (facto assente 15- fls.209 v.).

28. O serviço prestado pela Ré aos seus clientes, funda-se numa relação de proximidade entre cliente e vendedor, (tema da prova B16).

29. Constitui parte essencial das funções do Autor e demais vendedores da Ré, deslocarem-se periódica e directamente aos clientes, a fim de aferirem das necessidades do mesmo (cliente) e tomar conta/recepcionar a encomenda, (tema da prova B17).

30. Bem como, faz ainda parte das funções dos vendedores, contactarem os responsáveis de compras dos mesmos clientes a fim de verificarem de eventuais necessidades não contempladas nas visitas, (tema da prova B18).

31. Fruto desta dinâmica, a maioria dos clientes da Ré, quando tem necessidade de material e/ou de serviços da Ré, contacta directamente os seus vendedores, (tema da prova B19).

32. Os referidos clientes estavam habituados a esta dinâmica, organizando também as encomendas já contando com as visitas do Autor e/ou a disponibilidade do mesmo, (tema da prova B20).

33. Sempre que pretendiam fazer uma encomenda contactavam com o Autor e/ou o mesmo deslocava-se directamente ao cliente a fim de aferir das necessidades do mesmo (cliente) e tomar conta/recepcionar a encomenda, (tema da prova B21).

34. Os "clientes" continuavam a contactar diretamente com o aqui Autor durante o período em que o mesmo se encontrava em período de férias, (tema da prova B6).

35. A maioria dos clientes constantes da carteira que o Autor detinha foi angariada por si, como bem sabe a Ré, (tema da prova B48).

36. Do recibo de vencimento do autor datado de 31-07-2020 e emitido pela Ré consta o desconto da "indemni p/falta Aviso Prévio" no montante de €2.000,00, (cfr. fls.166), (facto assente 16- fls.209 v.).

37. O Autor promoveu a cessação do contrato de trabalho, por denúncia, sem cumprimento do respetivo pré-aviso e que atendendo ao facto de a antiguidade do trabalhador à data da cessação do contrato de trabalho ser superior a 2 anos, seria de 60 dias, (facto assente 13- fls.209).

38. O Autor pura e simplesmente deixou de comparecer ao serviço e deu conhecimento da rescisão do seu contrato de trabalho através de carta que dirigiu à Ré, em que comunicou a cessação do contrato, (tema da prova B28).

39. E não mais compareceu ao serviço, (tema da prova B29).

40. O Autor cessou o seu contrato com a Ré e começou de imediato a trabalhar numa empresa concorrente - "B..." - que se dedica exactamente à mesma actividade mercantil e à venda de produtos equivalentes aos comercializados pela Ré/Reconvinte, operando no mesmo mercado, (tema da prova B39).

41. O Autor, após cessar o contrato de trabalho com a Ré, visitou alguns dos clientes referidos no tema da prova B37), já a trabalhar em nome da sua nova entidade patronal para fazer negócio em nome da nova empresa, (cfr. tema da prova B40).

42. Cerca de 90 % dos clientes enumerados no tema da prova B37) foram angariados pelo Autor, (tema da prova B52).

43. Tais clientes não estavam vinculados à Ré, por nenhuma forma, (tema da prova B53).

44. O grosso dos clientes que a Ré discrimina no tema da prova B37) dedicam-se à restauração e similares, (tema da prova B56).

45. Com a violação do prazo de aviso prévio, a Autora viu-se impedida de contratar um outro vendedor que pudesse ter formação durante o período do aviso prévio, (tema da prova B33).

46. Quando algum vendedor deixava de desempenhar funções na Ré, as zonas que eram da competência desse vendedor eram atribuídas a um novo comercial ou na falta eram redistribuídas pelos restantes colegas/vendedores, (tema da prova B54).

47. Os contactos dos clientes não foram pedidos ao Autor pela Ré, (tema da prova B58).

48. A Ré tem acesso aos mesmos, pois constam das fichas de clientes, assim como os restantes dados, (tema da prova B59).

49. No dia em que cessou funções, o Autor chegado às instalações da Ré entregou à Administrativa FF todos os instrumentos de trabalho, a saber:

a. Tablet e carregador;

b. Telemóvel e carregador;

c. Livro de ordem de serviço;

d. Bata;

e. Pasta com os recibos de cobrança;

f. TPA

g. Chaves da viatura, (tema da prova B60).

50. No telemóvel constava todos os números de telefone dos clientes, (tema da prova B61).

51. É um facto notório e de conhecimento geral que o sector da restauração e similares foi dos sectores mais afetados pela pandemia Covid-19, que desde Fevereiro/Março de 2020 assolou o nosso País, (facto assente 14-fls.209).»

E foi considerado não provado o seguinte facto:

«- o Autor sempre tenha recebido, mensalmente, o valor variável subjacente às comissões, (cfr. tema da prova B7);

- para além do salário, a Ré tenha pago ao Autor valores indexados à sua performance e desempenho e que foram pensados fora dos parâmetros directos da execução do trabalho e a que a Ré, no recibo de vencimento que processou denominou genericamente de "comissões", (cfr. tema da prova B9);

- para a determinação da referida contrapartida concorressem diversos factores que permitiam avaliar a performance e desempenho do trabalhador, entre os quais, a assiduidade e a eficácia na distribuição/recebimento e relação com os clientes, (cfr. tema da prova B10);

- era o Autor que conhecia e lidava com as pessoas responsáveis pelas compras e pagamentos nos Clientes que lhe estavam atribuídos, bem como era o Autor que detinha os respectivos números de telefone e horários/datas para realização de encomendas e conhecia os rituais próprios de cada Cliente, (cfr. tema da prova B22);

- o Autor tenha feito cessar o contrato de trabalho sem passar à Ré os contactos dos clientes que lhe estavam adstritos, designadamente, sem indicar ou identificar quais os responsáveis de compras dos clientes, (cfr. tema da prova B23);

- escusando-se, inclusive, a fornecer os números de telemóvel e outros contactos dos mesmos responsáveis ou qualquer encomenda pendente, (cfr. tema da prova B24);

- o Autor tenha feito cessar o contrato de trabalho sem passar qualquer informação à Ré, sem permitir que a Ré atribuísse a outro vendedor a carteira de clientes que lhe estava adstrita, (cfr. tema da prova B25);

- Impedindo que o contacto e ponte com os mesmos Clientes fosse preparada e estabelecida, por forma a manter o vínculo entre a Ré e a sua clientela, (cfr. tema da prova B26);

- o Autor ao não cumprir o aviso prévio a que se encontrava adstrito (60 dias), tenha impedido a Ré de preparar a transicção dos clientes atribuídos ao Autor para um outro vendedor, (cfr. tema da prova B27);

- do dia para a noite os clientes que eram acompanhados pelo Autor tenham ficado sem qualquer trabalhador da Ré que os acompanhasse, (cfr. tema da prova B30);

-tenha havido recusa em fornecer à Ré os contactos, a identificação e os hábitos dos responsáveis pelas compras dos clientes nem que tal tenha determinado que a Ré se visse impedida de assegurar os fornecimentos os seus clientes, (cfr. tema da prova B31).

- Bem como tenha sido impedida de manter os padrões de qualidade a que habituou os seus clientes, (cfr. tema da prova B32);

- e de fazer a transição dos clientes do Autor para um novo vendedor, bem como de atribuir a outro vendedor a carteira de clientes que lhe estava adstrita, (cfr. tema da prova B34);

-e, inclusive, de contactar os responsáveis de compras dos clientes para aferir das necessidades dos mesmos, visto de não dispor dos mesmos contactos, (cfr. tema da prova B35);

- que tal tenha determinado que um conjunto significativo de Clientes ficasse sem qualquer tipo de assistência por parte da Ré e, por isso, deixassem de fazer encomendas ou reduzissem o mesmo volume, por estarem a aguardar a suposta visita do Autor para realizarem a encomenda, (cfr. tema da prova B34);

- os seguintes Clientes fossem acompanhados exclusivamente pelo Autor e tenham ficado sem qualquer tipo de assistência após a rescisão contratual do mesmo:

- C...

- D..., LDA.

- ASSOCIAÇÃO ...

- E...

- F...

- G...

- CENTRO SOCIAL ...

- CENTRO SOCIAL PAROQUIAL ...

- CERVEJARIA, REST. E SNACK-BAR H...

- CHURRASCARIA I..., LDA.

- CHURRASQUEIRA J...

- CHURRASQUEIRA K...

- CONFEITARIA L...

- CONFEITARIA M...

- CONFEITARIA N...

- CONFEITARIA O..., LDA.

- L1...

- L2...

- L3...

- P..., LDA.

- HOTEL ...

- Q..., LDA.

- R...

- LAR ...

- S...

- MISSIONÁRIO ...

- T...

- U...

- RESIDENCIAL ...

- RESTAURANTE V...

- RESTAURANTE W...

- RESTAURANTE X...

- RESTAURANTE Y...

- RESTAURANTE Z...

- RESTAURANTE Aa...

- RESTAURANTE Ab...

- Ac..., LDA, (cfr. tema da prova B37);

- de 20-07-2020 a 20-09-2020 tenha havido quebras abruptas na facturação e a perda irremediável e definitiva de clientes, (cfr. tema da prova B38);

- o Autor tenha usado a carteira de clientes da Ré para fazer negócio em nome da nova empresa (cfr. tema da prova B40);

- o incumprimento do aviso prévio e a recusa pelo Autor em fornecer as informações dos clientes à Ré, tenham tido como mote exclusivo a intenção de desviar os clientes da Ré para a nova entidade patronal (B...), (cfr. tema da prova B41);

- com a consciente intenção de sabotar a possibilidade da Ré fazer a passagem dos clientes que se lhe encontravam adstritos para um outro vendedor, (cfr. tema da prova B42);

- a conduta do Autor e a omissão de aviso prévio tenham determinado uma diminuição de facturação da Ré/Reconvinte de pelo menos € 89.377,31 (€ 97.201,94 - € 7.824,63), verificada num período de 9 meses após a cessação do contrato, por contraponto a igual período (9 meses) antes da cessação do contrato de trabalho por parte do Autor/reconvindo, ), (cfr. tema da prova B43);

- como resultado da conduta do Autor a Ré/Reconvinte tenha tido um prejuízo de, pelo menos, € 22.076,19 [= €89.377,31 x 24,7% - margem bruta (= vendas - custos variáveis: receita total) em percentagem de rendimentos fixada pelo Banco de Portugal para o ano de 2019] ), (cfr. tema da prova B44);

- junto com todos os recibos de vencimento fossem anexados os mapas de comissões, (cfr. tema da prova B47);

- após a denuncia do Contrato de Trabalho do Autor, a Ré não tenha nomeado um novo comercial ou novos comerciais para que acompanhassem os clientes referidos em B37), (cfr. tema da prova B55);

- a diminuição da compra de produtos comercializados pela Ré por parte do grosso dos clientes que a Ré discrimina em B37), e consequente quebra de faturação que sofreu, se tenha ficado a dever à pandemia Covid-19, (cfr. tema da prova B57);

- após o contrato de trabalho cessar o Autor tenha praticado junto dos clientes da Ré

a) Atos suscetíveis de criar confusão nos clientes, designadamente entre a Ré e a nova empresa para que o autor passou a trabalhar, bem como quanto aos produtos comercializados por ambas.

b) tenha feito falsas afirmações juntos clientes quanto à Ré, seus gerentes e funcionarios, tendentes a desacredita-los enquanto concorrentes da sua nova entidade patronal;

c) tenha utilizado a tabela de preços, os segredos comerciais e as condições de venda dos produtos da Ré, por forma a ganhar vantagem competitiva e apresentar preços iniciais inferiores junto dos clientes da mesma e assim desvia-los para a sua nova entidade patronal, (cfr. tema da prova B62);

- a data em que o Autor fez cessar o contrato tenha sido precisamente o momento da retoma económica da crise provocada pela pandemia do Covid 19, (cfr. tema da prova B63).»


*

Apreciação

Na conclusão R. a recorrente alega que a sentença recorrida padece de vício de contradição quanto aos factos dados como provados, dizendo na conclusão U. que a sentença não pode por um lado considerar como provado e assente que o recorrido recebeu comissões 12 vezes no ano e, por outro, afirmar que no mês de férias as comissões não foram pagas.

Ainda que a recorrente não qualifique tal vício como de nulidade, certo é que, o alegado é suscetível de se subsumir ao disposto pelo art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, pelo que importa que este tribunal se pronuncie.

Dispõe o artigo 615.º n.º 1 al. c) do CPC que é nula a sentença quando, “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”

Sobre esta causa de nulidade da sentença escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[1]: “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez, de a tirar, decidir noutro sentido oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.

Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora de ineptidão da petição inicial (art.186-2-b).”

Importante é ainda realçar que a contradição a que se refere o art.º 615.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, há-de ser aferida entre as premissas e a decisão e que tais premissas são, como refere Manuel Tomé Soares Gomes[2], a base da “facti species”, simples ou complexa, plasmada no quadro normativo aplicável (premissa maior) e a factualidade dada como provada (premissa menor), sendo a decisão a conclusão sustentada na estatuição legal correspondente ao referido quadro normativo.

A recorrente alega existir contradição entre os factos provados em 17., isto é, os pagamentos mensalmente efetuados ao recorrido a título de comissões nos anos de 2007 a 2020, dos quais resulta que, com exceção dos anos de 2009, 2012, 2019 e 2020, as comissões foram pagas 12 meses por ano e a conclusão extraída na sentença de que as comissões não foram pagas no mês de férias.

Da fundamentação da sentença resulta que o tribunal “a quo” conclui que face aos factos provados, a recorrente pagou ao recorrido a retribuição de férias apenas tendo em conta a retribuição base nunca tendo sido incluído os valores médios das comissões auferidas pelo recorrido sobre as vendas dos produtos, isto é, a média do valor variável da remuneração.

Esta conclusão da sentença não assentou, contudo, apenas no que ficou provado em 17, do que resulta efetivamente o pagamento de comissões 12 meses por ano, com exceção dos anos de 2009, 2012, 2019 e 2020, tendo sido considerado ainda o que resultou provado em 21 e 22, ou seja, que nos períodos de férias as comissões que a ré pagava ao autor eram as comissões sobre vendas que o Autor tivesse angariado em meses anteriores, continuando o autor nesse período a receber comissões por valores pagos pelos clientes da ré durante as suas férias, nos exatos termos em que as recebia nos restantes meses do ano.

Significa isto que o que era pago ao autor nos meses de gozo de férias não era a média das comissões recebidas nos meses anteriores, mas as comissões efetivamente devidas por vendas nos meses anteriores.

Não existe, assim, qualquer contradição entre os fundamentos de facto e a decisão.

Questão diferente é a de saber se tais premissas conduzem a decisão diversa, o que, a verificar-se, nos coloca no âmbito do erro de julgamento, não da nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão.

Por conseguinte, a sentença não padece do vício que a recorrente lhe imputou, improcedendo nulidade da sentença com fundamento na al. c) do n.º 1, do art.º 615.º do Código de Processo Civil.


*

A segunda questão a apreciar é relativa à impugnação da decisão da matéria de facto, importando antes de mais, decidir se tal impugnação deve ser rejeitada por incumprimento dos ónus previstos pelo art. 640.º do CPC, com pretende o recorrido, no que é acompanhado pelo parecer do Ministério Público.

Nos termos do já mencionado art.º 662.º, n.º 1 CPC «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»

A Relação tem efetivamente poderes de reapreciação da decisão da matéria de facto decidida pela 1ª instância, impondo-se-lhe no que respeita à prova sujeita à livre apreciação do julgado, a (re)análise dos meios de prova produzidos em 1ª instância, desde que o recorrente cumpra os ónus definidos pelo art.º 640.º do CPC.

Na verdade, quando estão em causa meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, decorre da conjugação dos art.º 635.º, nº 4, 639.º, nº 1 e 640.º, nº 1 e 2, todos do CPC, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que considera errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respetiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão.

Como refere António Santos Abrantes Geraldes[3], quanto às funções atribuídas à Relação em sede de intervenção na decisão da matéria de facto, «foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas e relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.»

A modificação da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que for declarado pela 1.ª instância. Porém, como também sublinha António Santos Abrantes Geraldes[4] «(...) a reapreciação da matéria de facto pela Relação no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.° não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente, de forma concludente, as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que impliquem decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter».

Nos termos do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, impõe-se, pois, ao recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição:

“a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

E nos termos do n.º 2 da mesma disposição legal, no caso da alínea b) deve ser observado o seguinte:

“a) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”

Apesar de apenas ter sido fixada jurisprudência a respeito da alínea c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, o certo é que a fundamentação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 12/2023[5] contém um conjunto de considerações com importância determinante quanto à interpretação dos ónus a que se referem as demais alíneas, que, pela sua relevância, a seguir se transcrevem (sem menção das notas de rodapé, por desnecessária):

«(...) Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso.

(…)

5 - Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.(...).»

Assim, e como se mostra sintetizado no Acórdão desta Secção Social de 20/05/2024[6], «[d]o que nos afigura também resultar da citada fundamentação, entendemos como adequado, em face do que resulta da lei, o entendimento de que, para cumprir os ónus legais aqui analisados, o recorrente sempre terá de alegar e levar para as conclusões, sob pena de rejeição do recurso, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, como estabelecido na alínea a) do n.º 1 do preceito citado, enquanto definição do objeto do recurso, sendo que, noutros termos, já quando ao cumprimento do disposto nas alíneas b) e c) do mesmo número, desde que vertido no corpo das alegações, a respetiva não inclusão nas conclusões não determina tal rejeição do recurso».

Neste mesmo sentido, se pronuncia António Santos Abrantes Geraldes[7], quando elenca as situações de rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto.

Assim, nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, é imprescindível ao recebimento e apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, a indicação nas alegações e respetivas conclusões dos concretos pontos impugnados.

Quanto ao ónus previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 640.° do CPC, e como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5-09-2018[8], essa alínea, «ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens da gravação de cada um dos depoimentos», sendo que «não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto em três "blocos distintos de factos" e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna».

No recente Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 28/06/2024[9], assinala-se o seguinte:

«Decorre do exposto que a parte recorrente deverá também (a par da indicação dos concretos pontos de facto e concretos meios probatórios), relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna.

Em conformidade, diz-se no acórdão desta Secção Social do TRP de 23/11/2020[10], que na indicação dos meios probatórios [sejam eles documentais ou pessoais] que sustentariam diferente decisão [art.º 640°, n° 1, al. b) do Código de Processo Civil], deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto.

Na verdade, só assim será possível ao tribunal “ad quem” perceber e saber quais são os concretos meios de prova que, segundo o recorrente, levariam a que determinado facto devesse ter resposta diferente da que foi dada. (…)

Quer isto dizer que não obedece ao estipulado pelo legislador indicar depoimentos (mesmo que transcrevendo/indicando excertos deles) e apenas dizer que com base neles a decisão sobre certos pontos de facto devia ser diferente, impondo-se que em relação a cada ponto (ou grupo de pontos que a parte recorrente mostre que têm apoio nos mesmos concretos meios de prova, ou estejam relacionados entre si) seja feita a conexão com o meio de prova que suporta a decisão diferente da tomada pelo tribunal a quo.

É que, de outra forma cairíamos na realização de um segundo julgamento (ainda que parcial), isto é, traduzir-se-ia em pedir simplesmente ao tribunal ad quem que faça uma reapreciação dos meios de prova, o que não corresponde claramente ao consagrado pelo legislador.».

Quanto ao cumprimento do ónus previstos pelo art.º 640.º, n.º 1, al. c) do CPC, importa ter presente o Acórdão do STJ n.º 12/2023, supra identificado, que uniformizou a jurisprudência nos seguintes moldes:

«Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.° do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.».

No mesmo sentido, se pronunciaram ainda, ente outros, os Acórdãos desta Secção Social 29-01-2024[11], e de 10-07-2024[12].

Importa também referir que, no que toca ao recurso da decisão da matéria de facto, como vem sendo entendimento do STJ[13], que se perfilha, não é possível despacho de aperfeiçoamento[14].

Vejamos a situação dos autos.

A recorrente pretende que sejam considerados provados os factos a que se reportavam os temas de prova B9 e B10, o que fundamenta transcrevendo parte do depoimento da testemunha BB, indicando os minutos da gravação em que o mesmo ficou registado, parte do depoimento da testemunha CC, com indicação dos minutos da gravação em que o mesmo se encontra registado e invoca ainda o documento de fls. 264v e 270v, alegando que o recorrido não pôs em causa a genuinidade da sua assinatura.

O mesmo consta das conclusões L a O do recurso.

No que respeita à indicação dos concretos pontos impugnados, a recorrente optou por transcrever os factos que, constando da decisão da matéria de facto não provada, entende que devem ser dados provados

E, na nossa perspetiva, tanto basta para, no caso concreto, se poder concluir pelo cumprimento do ónus previsto pelo art. 640.º, n.º 1, al. a) CPC.

Na verdade, o Mm.º Juiz “a quo”, não numerou ou identificou de qualquer forma individualizada, que não fosse a indicação do correspondente tema de prova, os factos que considerou não provados.

A mesma indicação foi feita pela recorrente na transcrição que fez. O recorrido, nas contra-alegações, apesar de pretender a rejeição da impugnação, revelou ter compreendido quais os factos que a recorrente pretendia impugnar.

Nessa medida, considera-se cumprido o ónus de indicação dos concretos pontos da matéria de facto impugnados.

No que respeita à indicação dos concretos meios probatórios que impõem decisão diferente da proferida pelo tribunal, já não podemos concluir do mesmo modo, pois, ainda que, na alegação, a recorrente tenha feito referência ao depoimento de testemunhas transcrevendo excertos da gravação dos mesmos, não vem feita a imprescindível conexão entre aqueles meios de prova e os concretos pontos dos factos que pretenda que sejam considerados provados.

De resto, a Recorrente limita-se a alegar que “Tendo em conta toda a prova produzida deveria o Tribunal a quo ter dados como provados os seguintes factos:”, sem fazer qualquer análise concatenada entre tais depoimentos e os fundamentos invocados pelo tribunal na motivação da decisão de facto.

Assim, e tal como se concluiu no Acórdão desta Secção Social de 28/06/2024, identificado supra, «sem ser feita a conexão entre os concretos meios de prova e factos a considerar provados, não fornece a Recorrente a este tribunal ad quem os elementos necessários para que pudesse uma impugnação sobre a decisão da matéria de facto ser apreciada, impondo-se a rejeição da impugnação sobre a decisão sobre a matéria de facto que a Recorrente diz apresentar.».

Nesta medida, decide-se não conhecer da impugnação, rejeitando-a, na parte em que vinha fundamentada no depoimento das supra identificadas testemunhas.

A recorrente invoca também, em abono da sua pretensão o documento de fls. 264v e 270v, considerando que, não tendo o recorrido impugnado a sua assinatura dele constante, face ao conteúdo do mesmo, deveria a matéria em causa nesta parte da impugnação ser dada como provada.

Está em causa a aplicação de uma regra de direito probatório material (arts. 374.º e 376.º do Código Civil), podendo a alteração da decisão da matéria de facto nela fundada, ser da iniciativa do tribunal, e pode ser suscitada pelo recorrente, o qual pode impugnar a decisão da matéria de facto quando os elementos fornecidos pelo processo possam determinar uma decisão diversa insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas[15].

A este respeito, consta da sentença, na motivação da decisão de facto, o seguinte:

“O Tribunal não formou a sua convicção:

(…)

- no documento junto a fls.264 v. (= fls.270 v.) pois tendo sido impugnada a sua autenticidade e genuinidade, a Ré, parte que apresentou o documento, não fez a prova da sua veracidade, conforme exigido pelo artigo 374°, n°2, do Código Civil, para além da genuinidade do aludido documento de fls. 264 v. (= fls.270 v.) resultar posta em causa pelo documento junto a fls.493, pelas declarações de parte, credíveis e convincentes, do Autor AA, que referiu que apesar da assinatura aí constante ser sua e que assinava folhas em branco a solicitação da Sra GG da Ré, tal documento não lhe foi apresentado, não tendo o Autor assinado tal documento, desconhecendo o Autor como é que a sua assinatura foi aposta em tal documento nem que apôs a sua assinatura, tendo o autor visto o aludido documento pela primeira vez no presente processo, com a parte do depoimento que mereceu credibilidade ao tribunal da testemunha CC, em que este referiu que confirma que a assinatura aí aposta é sua mas que não se recorda desse documento nem quando foi, com o depoimento credível e convincente da testemunha DD, que confirmou a sua assinatura mas que refere não se recordar de ter assinado esse documento e que "isso não foi nada explicado" (sic) e que foi pedido á testemunha que assinasse folhas em branco o que a testemunha fez e com o depoimento credível e convincente da testemunha EE que foi peremptório ao dizer que nunca assinou esse documento e que esse documento não é verdade. "Alguém escreveu o texto por cima das assinaturas" (sic).”

A motivação que antecede, tem respaldo nos elementos fornecidos pelo processo, designadamente, no que respeita à impugnação da autenticidade e genuinidade da assinatura do recorrido, pelo que, ao contrário do afirmado pela recorrente, à mesma cabia o ónus da prova da sua veracidade, o que, não logrou fazer, nem tão pouco alega ter feito. Por isso, não tendo a autoria do documento sido reconhecida pelo recorrido, o mesmo não faz prova plena quanto às declarações dele constantes (cfr. art.º 376.º, n.º 1 do Código Civil).

Improcede, pois, nesta parte, a impugnação da decisão da matéria de facto.

A recorrente pretende, também, que sejam considerados não provados os factos provados com os números 18 e 23 e que seja considerado provada a matéria do tema de prova ponto B7 que o tribunal considerou não provada.

Ainda que a recorrente identifique os concretos pontos que impugna, bem como a decisão que sobre eles entende que deveria ter sido tomada e que requer, a impugnação é totalmente omissa quanto à indicação dos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa. De facto, a recorrente limita-se a alegar que “Do conjunto da prova produzida, considera a Recorrente que o Tribunal não deveria ter dado como provado” a matéria dos pontos 18 e 23 e que concomitantemente devia ter dado como provada a matéria do tema de prova B7.

Consequentemente, face ao manifesto incumprimento do ónus a que respeita a al. b) do n.º 1, do art.º 640.º do CPC, decide-se rejeitar a impugnação, nesta parte.


*

Fixada a matéria de facto, importa decidir se a média das comissões não é devida no subsídio de férias, ao contrário do decidido na sentença recorrida.

Antes de mais, considerando o período temporal abrangido nos autos, importa afirmar que os efeitos de factos ocorridos a partir de 01/12/2003 regem-se pelo Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (doravante CT de 2003), e a partir de 17/02/2009 pelo Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009 de 12/02 (doravante CT de 2009).

O CT de 2003 dispunha no seu art.º 255.º que: ««1. A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo. 2. Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho.»

Por sua vez, sem alterações relevantes para o caso em apreço, o CT de 2009 dispõe no seu art.º 264.º que: «1. A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo. 2. Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico de execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias (…).»

Assim, o período de inatividade produtiva correspondente às férias não deverá ter qualquer impacto negativo sobre a retribuição a pagar ao trabalhador.

Por isso, na justa medida em que os complementos remuneratórios possuam carácter retributivo, dada a sua regularidade e periodicidade e não sendo feita prova do contrário, eles não poderão deixar de relevar para efeito do cálculo da retribuição de férias, devendo para tanto ser apurado o valor médio de tais complementos.

Os citados diplomas legais abandonaram, porém, o princípio da coincidência entre a retribuição das férias e do respetivo subsídio quando estabelecem que, além da retribuição correspondente à que receberia se estivesse em serviço efetivo, «o trabalhador tem direito a um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho». Como refere Pedro Romano Martinez e Outros, in Código do Trabalho Anotado, 4.ª ed., 2006, págs. 460, a propósito do Código do Trabalho de 2003, com o regime estabelecido no n.º 2 do art.º 255.º do Código do Trabalho o montante do subsídio de férias deixa de ser igual ao da retribuição de férias (conforme afirmava o art.º 6.º, n.º 2 da LFFF), pois passa a compreender somente a retribuição base «e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho».

A definição de retribuição base consta do art.º 250.º, n.º 2, al. a) do CT de 2003 e do art.º 262.º, n.º 2, al. a) do CT de 2009.

A delimitação do sentido e alcance da expressão «demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho», comporta uma opção, de entre os diferentes nexos de correspetividade que caracterizam as várias componentes da retribuição, por aqueles que se referem à própria prestação de trabalho, isto é, às específicas contingências que a rodeiam ou, por outras palavras, às "condições extrínsecas" da prestação convencionada (como sejam, a perigosidade, a penosidade, o isolamento, a toxicidade, o trabalho noturno, turnos rotativos, entre outros), em detrimento daqueles que pressuponham a efetiva prestação de atividade - "condições intrínsecas" -, quer respeitem ao próprio trabalhador e ao seu desempenho (como prémios, gratificações, comissões) ou que consistam na assunção pelo empregador de despesas em que incorreria o trabalhador por causa da prestação de trabalho, quando devam considerar-se retribuição (subsídios de refeição, de transporte)- neste sentido, Manuel Ferreira da Costa, in A Retribuição e Outras Atribuições Patrimoniais, in A Reforma do Código do Trabalho, pág. 401 a 412; Jorge Costa, in A Retribuição e Outras Prestações Patrimoniais no Código do Trabalho, in A Reforma do Código do Trabalho, pág. 381 a 400; Pedro Romano Martinez e Outros, in Código do Trabalho Anotado, 4.ª ed., 2006, págs. 460 e 461; Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 3.ª ed., págs. 581 e 582.

A dita expressão – «as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho» – pretendeu, pois, abranger as atribuições patrimoniais que são correspetivo do condicionalismo externo da prestação do trabalho, como são exemplos a perigosidade, a penosidade, o isolamento, a toxicidade, o trabalho noturno, turnos rotativos, entre outros.

Na verdade, embora constituíam um modo de determinar o quantum retributivo devido ao trabalhador, as prestações retributivas que não se projetem num qualquer modo específico de execução da atividade laboral por parte do trabalhador, nem visem compensar qualquer especificidade atinente às circunstâncias objetivas (temporais, espaciais, ambientais, etc.) em que se desenvolve a prestação laboral deste trabalhador, não serão repercutidas no subsídio de férias[16].

As comissões constituem prestações variáveis que se traduzem na atribuição ao trabalhador de uma parte, normalmente definida em percentagem, do valor das transações por ele realizadas, em nome e proveito do empregador, pelo que não visam compensar qualquer especificidade da prestação do trabalho, mas, no caso, como o dos autos, em que o trabalhador exerce as funções de vendedor, compensá-lo pelo trabalho prestado.

Transpondo este entendimento, que perfilhamos, e que tem sido também aceite pelo Supremo Tribunal de Justiça[17], para o caso dos autos verifica-se que sendo a parte variável da retribuição do autor relativa a comissões sobre as vendas as mesmas não são relevantes para o cálculo do subsídio de férias, seja qual for o seu valor, já que não podem ser consideradas contrapartida do modo específico da execução do contrato como exigem os arts. 255.º, n.º 2 do CT de 2003 e 264.º, n.º 2 do CT de 2009.

A esta conclusão não obsta o regime convencional que o tribunal “ a quo” considerou ser aplicável à relação laboral vigente entre as partes[18], já que o mesmo é mera reprodução dos preceitos aplicáveis do Código do Trabalho.

Na verdade prevê a sua cláusula 62.ª, sob a epígrafe “Subsídio de férias”

“1- A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo.

2- Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho.

3- Para o efeito dos cálculos quer da retribuição do período de férias quer do respectivo subsídio, dos trabalhadores que aufiram retribuição mista, isto é, composta de uma parte fixa e uma parte variável, deverá considerar-se a média da parte variável do trabalho efectivo nos últimos 12 meses acrescida da parte fixa auferida no momento.

4- O subsídio de férias deve ser pago antes do início do período de férias e proporcionalmente nos casos em que as férias são gozadas de forma interpolada.

5- O aumento da duração das férias em função da assiduidade do trabalhador, não acarreta o aumento do subsídio de férias.”

Significa isto, que o subsídio de férias apenas compreende a retribuição base e as prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, sejam elas fixas ou variáveis e que havendo parte variável da retribuição que seja relevante para o cálculo do subsídio de férias ela será calculada em função da média dos últimos 12 meses, não que toda e qualquer prestação variável deva integrar o subsídio de férias.

Conclui-se, pois, pela procedência do recurso, nesta parte, sendo de absolver a ré no que respeita ao pagamento do subsídio de férias com base na média das comissões auferidas pelo recorrido.


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A recorrente pretende ainda que a média das comissões não deve relevar na retribuição das férias.

Nesta parte, porém, como resulta da conclusão O. do recurso, a única argumentação aduzida pela recorrente, assentava na alteração da decisão da matéria de facto, que não foi deferida.

Assim, e inexistindo qualquer outro motivo para a alteração do decidido na sentença recorrida, improcede, nesta parte, a pretensão da recorrente.

Sendo assim, importa decidir as demais questões suscitadas pela recorrente quanto à retribuição de férias, começando pelo invocado pagamento das comissões.

A recorrente fundamenta a sua posição na circunstância de ter pago comissões ao recorrido 12 vezes por ano, com exceção dos anos de 2009, 2012, 2019 e 2020.

Com relevo, ficou provado o seguinte:

O autor auferia uma remuneração mensal composta uma parte fixa, como já descrita nos artigos anteriores, e uma parte variável. Esta era constituída por comissões calculadas sobre os valores pagos pelos cliente da ré, em resultado das vendas realizadas pelo autor

As comissões eram pagas ao autor no mês seguinte àquele em que os clientes da ré liquidavam as respetivas faturas.

Quanto à retribuição dos períodos de férias, a ré sempre pagou ao autor apenas a remuneração base, e se o houvesse, o valor de comissões sobre vendas que o Autor tivesse angariado em meses anteriores.

No período das suas férias do autor continuava a receber comissões por valores pagos pelos clientes da ré durante as mesmas férias, nos exatos termos em que as recebia nos restantes meses do ano.

A ré, nunca, até à cessação do contrato de trabalho por denuncia, em 20 de julho de 2020, incluiu os valores médios das comissões auferidas pelo autor sobre as vendas dos produtos, isto é, a média do valor variável da remuneração, no cálculo e no pagamento da retribuição dos períodos de férias.

Consequentemente e, como já afirmámos supra, o que era pago ao autor nos meses de gozo de férias não era a média das comissões recebidas nos meses anteriores, mas as comissões efetivamente devidas por vendas realizadas nos meses anteriores. E o pagamento destas não se confunde, nem dispensa o pagamento daquelas.

Isso mesmo foi considerado pelo STJ no Ac. de 23/01/2019[19], no qual se pode ler que «o pagamento da retribuição durante as férias é o resultado da aplicação de uma norma (proveniente inicialmente da contratação coletiva e, depois, consagrada na lei), que a torna distinta na sua fonte da retribuição por assim dizer “normal”. Com efeito, na ausência de uma norma a impor o pagamento da retribuição durante as férias, esta não seria devida porque nas férias não há prestação de trabalho. A retribuição durante as férias – e o mesmo se diga das comissões que integram a retribuição – não se confunde, pois, com a retribuição paga durante a execução do contrato por força do trabalho prestado. Trata-se, antes, de uma retribuição que acresce a esta última. Há, pois, que reconhecer que, como se refere, no Acórdão deste Tribunal de 24/01/2007, que o pagamento das comissões pelo trabalho efetivamente prestado “nada tem a ver” com o pagamento das comissões na retribuição durante as férias, pelo que não há que operar qualquer dedução.»

A ser assim, como consideramos ser, nem a parte retribuição das férias calculada com base na média das comissões se pode considerar paga, nem, como também pretendia a recorrente, subsidiariamente, na quantia devida a esse título devem ser descontadas as comissões cujo pagamento ocorreu no mês do gozo de férias.

Finalmente, a recorrente contesta a formula de cálculo da média das comissões, por entender que o tribunal deveria ter considerado a média dos 11 meses anteriores, como sustentado no acórdão citado na sentença e não a média dos 12 meses.

Não concordamos com a recorrente.

Na verdade, a questão tem resposta nos arts. 252.º, n.º 2 do CT de 2003 e 261.º, n.º 3 do CT de 2009, dos quais resulta que, para determinar o valor da retribuição variável, considera-se a média dos montantes das prestações correspondentes aos últimos 12 meses, ou ao tempo de execução de contrato que tenha durado menos tempo. Não sendo este processo praticável o cálculo faz-se segundo o disposto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, ou, na sua falta, segundo o pudente arbítrio do julgador.

O pagamento da retribuição variável durante 11 meses, releva para se aferir da regularidade e periodicidade da prestação, com vista à sua qualificação como retribuição atento o disposto pelos arts. 249.º do CT de 2003 e 258.º CT do CT de 2009[20]. Concluindo-se que determinada prestação, cujo valor seja variável mensalmente, reveste aquelas características de regularidade e periodicidade, se a mesma for relevante para o cálculo do valor devido a título de retribuição de férias, atento o disposto pelos citados arts. 252.º, n.º 2 do CT de 2003 e 261.º, n.º 3 do CT de 2009, o valor a considerar é o resultante da média do valor das prestações correspondentes aos últimos 12 meses.

Isto é, o trabalhador tem direito à integração na retribuição de férias, da média das comissões auferidas nos últimos 12 meses, desde que as mesmas sejam pagas pelo menos 11 meses no ano.

Por isso, nenhum reparo há que fazer ao decido nesta matéria pelo tribunal “a quo”, uma vez que, resultando da matéria de facto provada que o recorrido recebeu efetivamente comissões 11 meses por ano, concluiu ser devida ao autor a título de retribuição de férias, a média das comissões auferidas nos últimos 12 meses.

Uma última nota para salientar que à mesma conclusão se chegaria por aplicação a cláusula 62.ª da CCT aplicável e identificada supra, cujo n.º 3 prevê o seguinte: “3- Para o efeito dos cálculos quer da retribuição do período de férias quer do respectivo subsídio, dos trabalhadores que aufiram retribuição mista, isto é, composta de uma parte fixa e uma parte variável, deverá considerar-se a média da parte variável do trabalho efectivo nos últimos 12 meses acrescida da parte fixa auferida no momento.”

O recurso improcede nesta parte.


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Atenta a procedência parcial do recurso, impende sobre ambas as partes, na proporção dos respetivos decaimentos, a responsabilidade pelo pagamento das custas, nos ermos do disposto pelo art.º 527.º do CPC.

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Decisão

Pelo exposto, acorda-se julgar o recurso parcialmente procedente, revogando-se a sentença na parte relativa ao subsídio de férias e, em consequência, condena-se a recorrente a pagar ao recorrido a quantia de € 7 479,81 (sete mil quatrocentos e setenta e nove euros e oitenta e um cêntimos), a título de diferenças relativas à retribuição de férias respeitante aos anos de 2008 a 2020, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das quantias até efetivo e integral pagamento, absolvendo-a quanto ao ais em que havia sido condenada.

Custas em ambas as instâncias pela recorrente e pelo recorrido na proporção dos respetivos decaimentos.


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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.

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Notifique.

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Porto, 11/12/2024
Maria Luzia Carvalho
Nelson Fernandes
António Luís Carvalhão

(assinaturas eletrónicas nos termos dos arts. 132º, n.º 2, 153.º, n.º 1, ambos do CPC e do art.º 19º da Portaria n.º 280/2013 de 26/08)
___________________
[1] Código de Processo Civil Anotado, volume II, págs. 736 e 737.
[2] “Da sentença cível”, in “O novo processo civil”, caderno V, e-book publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, jan. 2014, p. 39, disponível em
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/CadernoV_NCPC_Textos_Jurisprudencia.pdf.
[3] In "Recursos em Processo Civil - Recursos nos Processos Especiais, Recursos no Processo do Trabalho", Almedina, 7a edição atualizada, 2022, pág. 195.
[4] Ob. cit., pág. 350.
[5] Publicado no DR, Série I, n.º 220/2023, de 14-11-2023 - cujo sumário foi retificado pela Declaração de Retificação n.º 35/2023, de 28 de novembro, publicado no DR, Série I, de 28-11-2023.
[6] Processo n.º 14580/21.3T8PRT.P1, ao que se julga não publicado, mas disponível no registo de acórdãos.
[7] Ob. cit., págs. 200 e 201.
[8] Processo n.º 15787/15.T8PRT.P1.S2, acessível em www.dgsi.pt.
[9] 9Processo n.º 1472/23.0.T8AVR.P1, ao que se julga não publicado, mas disponível no registo de acórdãos.
[10] Nota de rodapé do Acórdão (7) com o seguinte teor: Consultável em www.dgsi.pt, processo n° 607/18.0T8MTS.P1.
[11] Processo n.º 16293/23.2T8PRT.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[12] Processo n.º 4199/23.0T8VLG.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[13] Entre outros, veja-se o Ac. do STJ de 06/02/2024, Processo n.º 18321/21.7T8PRT.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[14] António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 199.
[15] António Abrantes Geral e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 823.
[16] Cfr. Manuel Ferreira da Costa, in obra citada, pág. 404, Bernardo da Gama Lobo Xavier, in Iniciação ao Direito do Trabalho, 3.ª edição, 2005, pág. 376, Leal Amado, Comissões, subsídio de Natal e férias (breve apontamento à luz do Código do Trabalho, Prontuário n.º 76, 77, 78, pág. 239 a 242), Joana Vasconcelos, Código do Trabalho Anotado, 4ª ed., 2006, pág. 460, Bernardo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, pág. 376, Romano Martinez, Direito do Trabalho, obra citada, págs. 581-582, e Júlio Gomes, Direito do Trabalho, volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, págs. 780-781.
[17] Acs. do STJ de 12/01/2011, de 19/05/2021, processo n.º 27885/17.9T8LSB.L1 e de 24/05/2023, processo n.º 3002/19.0T8MAI.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[18] CCT entre a Associação dos Comerciantes do Porto e outras e o CESP – Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal e outro, publicado no BTE nº 30, de 18/08/2014, por força da Portaria de Extensão nº31/2020.
[19] Processo n.º 4568/13.3TTLSB.L2.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[20] Entre muitos, veja-se o Ac. STJ de 21/09/20117, processo n.º 393/16.8T8VIS.C1.S1 e a jurisprudência nele citada.