Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA DA LUZ SEABRA | ||
Descritores: | CONTRATO DE EMPREITADA EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE | ||
Nº do Documento: | RP2024061856365/22.9YIPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/18/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2.ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - A invocação da excepção de não cumprimento supõe a existência de uma tripla relação entre o incumprimento de um dos contraentes e a recusa de cumprir por parte do outro contraente: relação de sucessão, de causalidade e de proporcionalidade entre uma e outra. II - Ainda que o dono de obra prove o cumprimento parcialmente defeituoso da empreitada, a invocação da excepção de não cumprimento será ilegítima se não respeitar o princípio da equivalência ou proporcionalidade, não tendo a virtualidade de legitimar a recusa do dono da obra de pagar à empreiteira a totalidade dos trabalhos relativamente aos quais nunca reclamou de qualquer defeito. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 56365/22.9YIPRT.P1- APELAÇÃO ** Sumário (elaborado pela Relatora): …………………………………….. …………………………………….. …………………………………….. ** I. RELATÓRIO: 1. A... Unipessoal, Lda intentou procedimento de Injunção, por obrigação emergente de transação comercial do DL nº 32/2003 de 17.02, contra B..., Lda peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €15.077,34, acrescida de €1.014,80 a título de juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a data de vencimento das facturas e outras quantias de €500,00 e taxa de justiça de €153,00, tendo alegado em síntese que no exercício da actividade de construção civil prestou à Ré serviços da sua especialidade entre 12.05.2021 e 28.08.2021, que importaram naquela importância que a Ré não pagou. 2. A Ré deduziu oposição, impugnando os factos alegados pela Autora, alegando a execução defeituosa da empreitada, designadamente danos nos amortecedores da escadaria, sem que a Autora se tenha prestado a eliminar os defeitos apesar das solicitações da Autora ao abrigo da garantia, tendo a Ré deixado de receber os montantes que lhe eram devidos por parte do dono da obra mercê dos referidos defeitos, o que fundamentou a sua recusa de pagamento, para além de que as facturas não observaram a retenção correspondente à garantia conforme fora acordado e por isso foram devolvidas.
3. A Autora respondeu à matéria de excepção suscitada na contestação, sustentando que nunca foi interpelada sobre qualquer defeito existente na empreitada e que a Ré se limita a invocar defeitos sem alegar uma única anomalia concreta. CONCLUSÕES a) O tribunal a quo julgou totalmente procedente o pedido formulado pela autora e nesta medida condenando a Recorrente a pagar ao autor a quantia de € 15.077,34 euros (quinze mil e setenta e sete euros e trinta e quatro cêntimos) acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a data de vencimento das faturas e até integral cumprimento, incluindo também a taxa de justiça despendida no valor de € 153 euros (cento e cinquenta e três euros) e, outras quantias, no valor de € 500 euros (quinhentos euros);b) No entendimento do tribunal “nenhum outro facto se provou, designadamente, os arts 2 a 13 da oposição, isto é, que as faturas emitidas o tenham sito em inobservância de uma retenção acordada a favor da requerida (arts. 12 e 13); que existissem mais amortecedores noutras moradias sem desempenharem a sua função e que a requerente se tenha esquivado a substituir (arts. 8 e 9 da oposição).” c) Contudo, isso não resulta da prova testemunhal; d) Na verdade, resulta do depoimento do legal representante da C... que após saída da obra, os defeitos tinham sido todos reparados; e) O funcionário da C..., AA, também refere a reparação de um dos amortecedores antes da data da saída da obra, 21/06/2021, mas de que não teve conhecimento de defeitos após essa data; f) Sucede que, a carta da Ré a denunciar os defeitos é posterior à data de saída da obra, a carta é 15/09/2021 e a Autora saiu da obra a 21/06/2021; g) O que significa que, a Autora nem sequer deu conhecimento à C... da existência de defeitos após a conclusão da obra; h) Pelo que, os mesmos não foram devidamente reparados até à data de hoje; i) Motivo pelo qual, o montante em dívida ainda não se encontra pago, pois foi retido até integralmente cumprimento das obrigações da Autora; j) Dessa forma, o facto número 5) dado como provado com a redação “A requerida efectuou uma reclamação no tocante aos amortecedores das escadas de uma moradia que estavam inoperacionais, tendo a requerente procedido à sua substituição.” Deve passar a ter a seguinte redação, A requerida efectuou uma reclamação no tocante aos amortecedores das escadas de uma moradia que estavam inoperacionais, em 15.09.2021, após a conclusão dos trabalhados em 21.06.2021, data a partir da qual não houve mais nenhuma intervenção por parte da Autora ou da subempreiteira, C..., permanecendo por reparar.” k) Desta forma, verificou-se validamente a exceção do não cumprimento da obrigação da Ré perante a não reparação dos defeitos denunciados pela Ré, nos termos do artigo 428.º do Código Civil. Concluiu, pedindo que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que, alterando a decisão da matéria de facto provada nos termos supra descritos, julgue a oposição procedente, absolvendo a R do pagamento até à reparação integral dos defeitos ou declarando lícita a retenção que a R fez por conta dos defeitos não reparados. 6. Não foram apresentadas contra-alegações. 7. Foram observados os vistos legais. * II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO: O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC. Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. [1] * As questões a decidir no presente recurso são as seguintes: 1ª Questão- Se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto; 2ª Questão- Se pode ser invocada a excepção de não cumprimento do contrato por ter havido cumprimento defeituoso da empreitada. ** III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: 1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: 1- A requerente “A... Unipessoal, Lda.” é uma empresa de serralharia que se dedica ao fabrico de portas, janelas e elementos similares em metal e instalações elétricas. 2- No exercício da sua actividade, em Maio de 2021 a requerente acordou com a requerida “B..., Lda.”, a pedido desta, para a edificação de umas moradias em ..., fornecer-lhe crespa, nos termos que constam na factura n.º 64 de 12/05/2021; proceder ao fornecimento e montagem de escada metálica em barra 180 x 10 mm, incluindo patamar com tratamento a metalização e pintura, referente ao lote nº 19, nos termos que constam na factura nº 100 de 08/07/2021; fornecimento e montagem de escada metálica em barra 180 x 10 mm, incluindo patamar com tratamento a metalização e pintura, referente ao lote nº 20, nos termos que constam na factura nº 101 de 08/07/2021; e, para fornecimento e montagem de escada metálica, referente ao lote nº 21, nos termos que constam na factura nº 124 de 07/09/2021, no valor total de € 15.077,34 euros. 3- Em deslocações, telefonemas e recurso aos serviços de advogado, a requerente despendeu € 500 euros. 4- A requerente despendeu a título de taxa de justiça pela injunção, a quantia de 153 euros. 5- A requerida efectuou uma reclamação no tocante aos amortecedores das escadas de uma moradia que estavam inoperacionais, tendo a requerente procedido à sua substituição. 2. O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos: -que as facturas emitidas o tenham sito em inobservância de uma retenção acordada a favor da requerida (arts. 12 e 13); -que existissem mais amortecedores noutras moradias sem desempenharem a sua função e que a requerente se tenha esquivado a substituir (arts. 8 e 9 da oposição). ** IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA. 1ª Questão- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[2] São as conclusões das alegações de recurso que estabelecem os limites do objecto da apelação e, consequentemente, do poder de cognição do Tribunal de 2ª instância, de modo que, na impugnação da matéria de facto devem constar das conclusões de recurso necessariamente os concretos pontos de facto impugnados, enquanto que a decisão alternativa que o recorrente propõe para cada um dos factos impugnados (AUJ nº 12/2023 de 14.11), bem como a análise pormenorizada dos concretos meios probatórios pode constar apenas do corpo das alegações ou motivação propriamente dita, tal como as concretas passagens das gravações ou transcrições dos depoimentos de que o recorrente se socorra. Analisadas as conclusões deste recurso concluímos que tais ónus de impugnação da decisão da matéria de facto foram minimamente cumpridos pela Apelante, uma vez que constam das respectivas conclusões de recurso o concreto ponto de facto impugnado e a decisão alternativa pretendida, tendo sido feita menção aos meios de prova que, no entender da Apelante, impunham decisão diversa da proferida no corpo das alegações. Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Por conseguinte, não basta para a procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que tenha sido produzido um qualquer meio de prova sobre o facto impugnado, é preciso que os concretos meios probatórios invocados pela Apelante imponham decisão diversa da que foi tomada pelo tribunal a quo. No âmbito do recurso de impugnação da decisão de facto, o Tribunal da Relação pode e deve realizar uma efectiva reapreciação da prova produzida, levando em consideração, não só os meios de prova indicados no recurso, como outros que relevem para a decisão relativa aos pontos da matéria de facto impugnada, com vista a formar a sua própria convicção, reapreciando a fundamentação vertida na sentença recorrida em função da prova produzida e à luz das regras de experiência ou de prova vinculada. A Apelante, sob a Conclusão 10, requer a alteração da redação dada ao ponto 5 dos factos provados, nos seguinte moldes: Está dado como provado sob esse ponto de facto impugnado que “a requerida efectuou uma reclamação no tocante aos amortecedores das escadas de uma moradia que estavam inoperacionais, tendo a requerente procedido à sua substituição”. Pretende a Apelante que passe a ter a seguinte redação: ““a requerida efectuou uma reclamação no tocante aos amortecedores das escadas de uma moradia que estavam inoperacionais, em 15.09.2021, após a conclusão dos trabalhos em 21.06.2021, data a partir da qual não houve mais nenhuma intervenção por parte da Autora ou da subempreiteira C..., permanecendo por reparar.” É fácil perceber que a alteração de redação pretendida não passa de uma reversão total daquilo que foi dado como provado naquele ponto de facto, não se tratando de uma mera modificação do texto, querendo a Apelante com essa alteração que se dê como provado que houve reclamações quanto a outros amortecedores de escadas que não foram reparados. Tal pretensão entra desde logo em colisão com o segundo ponto dos factos não provados, que a Apelante não impugnou, nos termos do qual foi dado como não provado “que existissem mais amortecedores noutras moradias sem desempenharem a sua função e que a requerente se tenha esquivado a substituir (arts. 8 e 9 da oposição)”. Sobre essa matéria convém trazer à colação a fundamentação vertida na sentença recorrida, da qual se pode ler que, “O tribunal fundou a sua convicção no teor dos documentos insertos, designadamente nas facturas e na carta de 15 de Setembro de 2021, para dar como provados os factos supra-referidos. Relativamente à carta de denúncia de anomalias, o certo é que nenhum contributo de ordem pessoal ecoou o seu teor, pelo contrário, as testemunhas admitiram uma anomalia no amortecedor de uma escadaria, mas que foi solucionada, sendo de realçar que a própria carta que concede que a requerente se prontificou a rectificar uma escadaria, não sendo verosímil que a sua prestação global fosse resvalar a propósito de uma só peça de amortecedor, que o próprio fornecedor da requerente substituiria. Foram ainda relevantes os seguintes depoimentos: - Depoimento de parte do gerente da requerente, BB, o qual, nada confessou e que, aduziu, de forma estrénua que tudo o que era anomalia nos amortecedores, foi reparado e resolvido. Explicou que a crespa é uma madeira sintéctica que aplicaram na obra da ré. Considera que a carta de 15 de Setembro de 2021, por a ré ainda se conservar em obra e em trabalhos, quando o natural seria uma abordagem meramente verbal, foi o esboço de um pretexto para não pagar. Percutiu que colocaram muitos amortecedores e só um deles acusou defeito, o qual, foi reparado. TESTEMUNHAS: - CC, sócio-gerente e engenheiro civil na empresa “C..., Lda.”, que forneceu à autora as escadas metálicas. Montaram as escadas metálicas, mas só em 6 moradias em ..., uma sequência de casas. Fabricaram as escadas e aplicaram-nas no local. Cada escada tinha 2 lanços e 1 patamar. A crespa já tinha sido aplicada pela autora. Confirmou o teor das facturas, com o valor total de € 8.725 euros em escadas e o valor de € 6.352,34 euros em crespa. A C... ainda não recebeu uma parte do valor das escadarias, na cifra de € 7.525 euros. Em 21 de Julho de 2021 terminaram os trabalhos e saíram da obra. Depois de saírem da obra não tiveram qualquer reclamação, desconhece a carta de 15 de Setembro de 2021. - AA, serralheiro na C..., a qual, como se disse, forneceu as escadas nas moradias de .... Eram de ferro e, montaram 18 escadas em 9 casas, não sabendo, porém, se eram todas para a subempreitada da A.... Substituíram amortecedores, mas tal ocorreu numa só moradia. Análise Crítica da Prova: Em síntese, efectuada a resenha do probatório ficámos com a convicção que a ré, reconhecendo a efectiva prestação dos serviços, não se desincumbiu do seu ónus da prova, de firmar anomalias não reparadas quanto aos amortecedores das escadas e um valor diverso para os serviços prestados por as facturas deverem contemplar uma retenção a seu favor, porquanto nenhuma prova cabal desse circunstancialismo assomou, ressalvando a carta enviada pela requerida. Assim, não custa reconhecer que a nossa decisão, não poderia ser outra. De facto, sem prova documental ou testemunhal das avarias dos amortecedores não rectificados ou substituídos e da estipulação das retenções, sem rigorosamente nada de consistente ou assertivo, não se pode asseverar que os mesmos tenham ocorrido.” Sustentou a Apelante que como o legal representante da C... (testemunha CC) afirmou no seu depoimento que após a saída da obra os defeitos tinham sido todos reparados, corroborado pela testemunha AA, funcionário da C... que também referiu que foi feita uma reparação de um dos amortecedores antes da saída da obra, não tendo tido conhecimento de defeitos após essa data (Junho de 2021), sendo a carta a denunciar defeitos de 15.09.2021 posterior à data da saída da obra deve-se concluir que a Apelada nem sequer deu conhecimento à C... da existência de defeitos após a conclusão da obra, retirando a Apelante dessas premissas que os defeitos existiam só não foram devidamente reparados até hoje e por isso não pagou o montante em dívida. A Apelante parte de premissas que não demonstrou, conforme lhe competia, porque a ela competia provar, por testemunhas e/ou documentos que a Apelada quando saiu da obra deixou-a com defeitos, isto é, com amortecedores alegadamente danificados, identificando quantos e em que lotes isso ocorreu, bem como que solicitara à Apelada a sua reparação ou substituição e aquela se recusou a fazer, estando os defeitos por reparar até hoje, o que manifestamente não logrou provar, sendo manifestamente insuficiente o envio de uma carta a reclamar a rectificação de um amortecedor de uma escadaria do lote 22 (que nem sequer está aqui em causa) para se dar como provado que esse ou outros defeitos existissem naquela data. Era preciso que estivesse provado o defeito e a falta de reparação do mesmo no que respeita aos trabalhos mencionados nas facturas que foram enviadas à Apelante que esta não pagou, e essa prova não foi produzida até porque como a própria Apelante acaba por admitir, nenhuma das referidas testemunhas afirmou terem sido reclamados outros defeitos para além de um amortecedor que repararam quando ainda estavam em obra. Reapreciada a prova por declarações de parte e depoimentos testemunhais, gravados, articulados quer com as facturas juntas aos autos, quer com o teor da mencionada carta de 15.09.2021, a análise crítica da prova efectuada pelo tribunal a quo não nos merece qualquer reparo, pelo contrário, corresponde à convicção com que ficamos da análise daquela prova, sendo que a Apelante não invocou qualquer outro meio de prova que impusesse decisão diferente da proferida pelo tribunal a quo. Podemos afirmar de forma segura que a Apelante não produziu qualquer meio de prova consistente sobre as desconformidades que reclamou existirem para se recusar a pagar os serviços que havia adjudicado à Apelada, sendo sintomático verificar que na carta de 15.09.2021 a que fez alusão e cujo teor o tribunal a quo também apreciou, devolveu três das quatro facturas cujo pagamento foi reclamado nestes autos, não tendo pago a factura relativa ao fornecimento de crespa (factura 64) sem que tenha invocado qualquer justificação para o não pagamento da mesma, e relativamente às facturas devolvidas nº 100, 121 e 124 as duas primeiras dizem respeito ao fornecimento e montagem de escadas metálicas nos lotes 19 e 20, relativamente aos quais nenhuma desconformidade nos amortecedores alegou para justificar a sua devolução e não pagamento, tendo feito referência ao lote 21 mas somente para se queixar do tempo que terá estado sem ser rectificado, pelo que até relativamente a essa factura acabou por admitir que houve rectificação, sendo que o único amortecedor danificado reclamado na mencionada carta dizia respeito ao lote 22 cujo pagamento dos serviços não está peticionado nestes autos. Não podemos deixar de salientar que inferimos do texto daquela carta que a razão essencial que esteve na base da devolução das facturas terá sido o facto assumido pela Apelante de não ter liquidez para efectuar o pagamento das mesmas, porquanto nela concluiu do seguinte modo: “desta forma, realizaremos pagamentos de forma faseada, uma vez que não recebemos e neste momento não temos liquidez para suportar o valor das faturas.” Em suma, a Apelante lançou mão da carta junta aos autos e ao depoimento das testemunhas CC e AA para requerer a alteração da redação dada ao ponto 5 dos factos provados, porém, como vimos, nenhum desses meios de prova impõe que se altere a redação desse ponto de facto, nem foi produzida qualquer prova consistente de que relativamente à reclamação feita na carta de 15.09.2021 tal defeito existisse naquela data e permaneça por reparar. Improcede, pois, este segmento recursivo, mantendo-se incólume a decisão sobre a matéria de facto. ** 2ª Questão- Excepção de não cumprimento do contrato por cumprimento defeituoso da empreitada. Resulta inegável que perante a improcedência da alteração da matéria de facto poder-nos-íamos limitar a julgar improcedente também este segmento recursivo por não estar demonstrado qualquer cumprimento defeituoso do contrato de empreitada que permita à Apelante recusar-se a pagar as facturas cujo pagamento está aqui a ser reclamado judicialmente. No entanto, não podemos deixar de realçar que mesmo que assim não fosse, a pretensão da invocação desta excepção para paralisar o direito da Apelada a exigir o pagamento das facturas aqui reclamadas sempre estaria, salvo o devido respeito, em grande medida, senão na sua totalidade, votada ao fracasso. Senão vejamos, ainda que de forma breve. “O cumprimento defeituoso do contrato de empreitada funda-se na ideia de que o empreiteiro está adstrito a uma obrigação de resultado. Ele está obrigado a realizar a obra conforme o acordado e segundo os usos e regras da arte. Se a obra apresenta defeitos, não foi alcançado o resultado prometido.”[3] Na empreitada, o cumprimento ter-se-á por defeituoso quando a obra tenha sido realizada com deformidades ou com vícios, sendo as deformidades as discordâncias relativamente ao plano convencionado (art. 1214º nº 2 CC) e os vícios as imperfeições que excluem ou reduzem o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou o previsto no contrato (art. 1208º CC). A noção de defeito implica, assim, a existência de um vício que desvalorize ou impeça a realização do fim a que a coisa se destina, independentemente de esse vício se manifestar posteriormente à celebração do contrato, desde que, nessa altura, já existisse em potência. Como refere João Cura Mariano,”a determinação de anomalias na realização da obra, devem considerar-se quer as regras da arte respectiva, quer as regras impostas pelos poderes públicos relativas à segurança ou qualidade de determinadas obras (…). As deficiências podem ocorrer quer nos materiais utilizados pelo empreiteiro, quer nas operações de aplicação destes, seja pelo método utilizado, seja pela deficiente execução. Os vícios da obra devem ter origem em acto ocorrido em momento anterior à entrega daquela, mesmo que só se manifestem em momento posterior, estando incluída na presunção de culpa do art. 799º nº 1 do CC a presunção dessa anterioridade. Como ao dono da obra basta provar a existência do defeito, não lhe competindo provar a sua origem, consequentemente também não lhe pode ser atribuído o ónus de demonstrar a anterioridade desta, relativamente à entrega da obra, cabendo ao empreiteiro ilidir essa presunção, provando que o defeito tem uma origem posterior à entrega, tal como lhe cabe demonstrar as causas.”[4] Provado o defeito e a sua gravidade, que incumbe ao dono da obra (art. 342º nº 1 do CC), presume-se que o cumprimento defeituoso é imputável ao empreiteiro ( art. 799º nº 1 do CC). A responsabilidade contratual do empreiteiro também exige um nexo de imputação da existência do defeito a um comportamento censurável daquele (juízo de culpa), no entanto o dono da obra beneficia da presunção de culpa, nos termos do art. 799º nº 1 do CC. Relativamente aos trabalhos defeituosos, refere o art. 1219º nºs 1 e 2 CC que, o empreiteiro não responde pelos defeitos da obra, se o dono a aceitou sem reserva, com conhecimento deles, presumindo-se conhecidos os defeitos aparentes, tenha ou não havido verificação da obra. Devem considerar-se vícios aparentes quando se revelam por sinais visíveis, isto é, quando podiam e deviam ser reconhecidos por um homem médio, com inteligência média, pelo que serão aqueles de que o dono da obra se deveria ter apercebido, usando da normal diligência. Verificado o cumprimento defeituoso do contrato por parte da empreiteira, cabe à dona de obra o exercício de uma série de direitos, a exercer sequencialmente, regulados nos arts. 1221º a 1225º do CC: - o direito de recusa da obra; - o direito à eliminação dos defeitos; -o direito à realização de nova obra; - o direito à redução do preço; -o direito de resolução do contrato; -o direito de indemnização nos termos gerais. Na presente ação, a Apelante invocou a excepção de não cumprimento do contrato, visando com isso obstar ao pagamento exigido pela empreiteira e compeli-la a reparar alegados defeitos, defeitos esses que como vimos não provou, conforme lhe competia. Também não seria qualquer vício que permitiria concluir pelo cumprimento defeituoso da empreitada, porquanto, conforme já referimos, a noção de defeito implica a existência de um vício que desvalorize ou impeça a realização do fim a que a coisa se destina, sendo que a Apelante apenas fez alusão a amortecedores das escadas danificados, que no cômputo global da empreitada assumem muito pouca relevância e nada disse sobre o alegado vício impedir a utilização das escadas ou desvalorizar a obra no seu todo. Não obstante, ainda que tivesse provado os defeitos reclamados na carta de 15.09.2021 - porquanto nenhuma outra interpelação pretendeu fosse dada como provada em sede deste recurso-, certo é que peticionou no final deste recurso que fosse absolvida do pagamento até à reparação integral dos defeitos ou que fosse declarada lícita a retenção que fez por conta dos defeitos não reparados, afigurando-se-nos destituída de fundamento qualquer uma das referidas pretensões recursivas porquanto não há absolvição do pagamento mesmo nos casos em que a excepção de não cumprimento seja julgada procedente, nem a retenção total que fez do valor de todos os trabalhos executados e sobre os quais não efectuou qualquer reclamação por execução defeituosa poderia ser declarada lícita ou legítima. Senão vejamos. Sobre a noção de excepção de não cumprimento do contrato rege o art. 428º do CC, o qual refere que, se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo. A exceptio non adimplenti contractus é, no essencial, um meio de conservação do equilíbrio sinalagmático que deverá existir na génese e no próprio desenvolvimento dos contratos bilaterais, maxime no seu cumprimento, justificando-se essa exceptio quando ocorra uma ausência de correspondência ou de reciprocidade entre as obrigações que, no âmbito dos contratos bilaterais, emergem para ambas as partes.(Vide, neste sentido, J. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 329/330 e A. Varela, CCivil Anotado, Vol. I, pág. 362 a 365). A exceptio é de admitir sempre que, existindo um nexo de causalidade ou de correspectividade entre as prestações, ocorra um desequilíbrio, injustificado e contrário às regras da boa-fé, nas prestações a cargo das partes, configurando-se a exceptio como o meio de repôr o dito equilíbrio contratual entre as prestações das partes. A excepção não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral. (…) desde que a sua invocação não contrarie o principio geral da boa fé consagrado nos arts. 227º e 762º nº 2 do CC.( neste sentido, P. Lima e A. Varela, Ob. Cit., vol. I, p. 406). Assim, na esteira da doutrina Italiana, citada por José João Abrantes[5], dir-se-á, em resumo, que a invocação da excepção de não cumprimento supõe a existência de uma tripla relação entre o incumprimento do outro contraente e a recusa de cumprir por parte do devedor/excipiens: relação de sucessão, de causalidade e de proporcionalidade entre uma e outra. Segundo a dita relação de sucessão, não poderá recusar a sua prestação, invocando a exceptio, o contraente que se encontre, ele próprio, numa situação de incumprimento/mora; a recusa de cumprir do excipiens deve ser posterior à inexecução da obrigação da contraparte, deve seguir-se-lhe e não precedê-la. Por sua vez, segundo aquela relação de causalidade, a exceptio supõe a existência de um nexo de causalidade ou de interdependência causal entre o incumprimento da outra parte e a suspensão da prestação pelo excipiens, ou seja, a exceptio deve ser alegada tendo em vista compelir à execução da obrigação o outro contraente; se o comportamento objectivamente manifestado pelo excipiens indicia não ser esse efectivamente o motivo da sua recusa em prestar, a dita excepção será ilegítima. Finalmente, por força do princípio da equivalência ou proporcionalidade, a recusa do excipiens deve ser equivalente ou proporcionada à inexecução da contraparte que reclama o cumprimento, de modo que, se a falta desta for de leve importância no contexto da utilidade económica da prestação, o recurso à exceptio poderá também ser ilegítima. Referindo-se especificamente à exceptio em caso de cumprimento parcial ou defeituoso, caso em que a mesma se assume como exceptio non rite adimpleti contractus, salienta José João Abrantes que “normalmente ela apenas poderá encontrar-se justificada em termos meramente parciais, os bastantes para a repristinação do equilíbrio sinalagmático, concluindo que, no cumprimento parcial ou defeituoso, “ o devedor apenas poderá recusar a prestação na parte proporcional ao incumprimento do outro contraente. É um dos aspectos da relevância do princípio da boa-fé.”[6] De facto, como adverte Almeida Costa, no âmbito do cumprimento parcial ou defeituoso, releva o princípio da boa-fé no cumprimento dos contratos, consagrado no artigo 762º, n.º 2, e a possibilidade de recurso ao abuso do direito, nos termos do artigo 334º, donde “resulta a exigência de uma apreciação da gravidade da falta, que não pode mostrar-se insignificante, bem como se impõe a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do exceptiens e o exercício da excepção. (…) seria contrário à boa-fé que um dos contraentes recusasse a sua inteira prestação, só porque a do outro enferma de uma falta mínima ou sem suficiente relevo. Na mesma linha, surge a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da excepção. Uma prestação significativamente incompleta ou viciada justifica que o outro obrigado reduza a contraprestação a que está adstrito. Mas, em tal caso, só é razoável que recuse quanto se torna necessário para garantir o seu direito”. Ora no caso sub judice resultava já evidente dos autos que a excepção invocada pela Apelante, mesmo que tivesse logrado provar o cumprimento defeituoso da empreitada nos moldes por si alegados, não respeitaria o princípio da equivalência ou proporcionalidade e como tal a sua invocação sempre seria ilegítima, não tendo a virtualidade de legitimar a recusa da Apelante em pagar à Apelada a totalidade dos trabalhos que para ela haviam sido executados e os materiais que havia fornecido e instalado, relativamente aos quais a Apelante nunca reclamou de qualquer defeito. Estamos a falar, como já havíamos adiantado em sede de apreciação da decisão sobre a matéria de facto, de praticamente todos os trabalhos e fornecimento de material constante das 4 facturas cujo pagamento a Apelada aqui reclama da Apelante. Pormenorizemos: Nestes autos a Apelada peticiona que a Apelante proceda ao pagamento de 4 facturas que totalizam a importância global de €15.077,34 correspondentes a serviços que lhe prestou e que estão descritos nas facturas que lhe enviou e que aquela devolveu recusando o pagamento da integralidade do facturado, não sendo tal matéria controvertida. Está peticionado o pagamento das seguintes facturas: i. factura nº 64, datada de 12.05.2021, com igual data de vencimento, que se reporta ao fornecimento de crespa, no total de €6.352,34; ii. factura nº 100, datada de 8.07.2021, com igual data de vencimento, que se reporta ao fornecimento e montagem de escada metálica em barra 180/10 mm, incluindo patamar c/tratamento a metalização e pintura, na obra de ... referente ao lote 19, no valor de €3.490,00; iii. factura nº 101, datada de 8.07.2021, com igual data de vencimento, que se reporta ao fornecimento e montagem de escada metálica em barra 180/10 mm, incluindo patamar c/tratamento a metalização e pintura, na obra de ... referente ao lote 20, no valor de €3.490,00; iv. factura nº 124, datada de 7.09.2021, com igual data de vencimento, que se reporta ao fornecimento e montagem de escada metálica em barra 180/10 mm, incluindo patamar c/tratamento a metalização e pintura, na obra de ... referente ao lote 21, no valor de €1.745,00. Relativamente aos serviços prestados e facturados nas três primeiras facturas a Apelante foi incapaz de apontar qualquer incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato por parte da Apelada que lhe permitisse recusar validamente o seu pagamento, o que totaliza a importância de € 13.332,34, importância que não pagou até agora, sem qualquer justificação, estando a Apelante, ela sim, em manifesto incumprimento de pagamento do preço acordado pelos serviços prestados, os quais nem sequer questiona, não estando demonstrada qualquer reclamação de desconformidades no que se refere àqueles trabalhos. Relativamente à última factura, aquela de menor valor, a reclamação efectuada pela Apelante na referida carta de 15.09.2021, caso a mesma tivesse a virtualidade de demonstrar a existência dos alegados defeitos na execução desses trabalhos (lote 21), o que não concedemos, mesmo nas palavras da Apelante estariam já rectificados, como a própria afirmou nessa carta quando devolveu as facturas (só se queixando do tempo que terá demorado tal rectificação). De todo o modo, o que foi apontado como defeito restringia-se a “um amortecedor danificado”, o qual, depois de visualizada a foto junta com aquela carta, é inegável ser uma peça de diminuta importância no global do trabalho de fornecimento e montagem de escada metálica em barra 180/10 mm, incluindo patamar c/tratamento a metalização e pintura que foi executado pela Apelada nesse lote, não assumindo tal eventual falha gravidade bastante em face da globalidade dos serviços prestados, para legitimar a invocação da excepção de não cumprimento do contrato e recusar a totalidade do pagamento que lhe está a ser exigido. Se tal falha existiu a Apelante só tinha é que reclamar a sua reparação e substituição, extrajudicialmente ou judicialmente e, em caso de recusa da parte da Apelada, lançar mão sequencialmente das faculdades previstas nos arts. 1221º a 1225º do CC, não podendo actuar como actuou, recusando o pagamento da totalidade dos serviços que lhe foram prestados pela Apelada, sob pena de violação do princípio da boa-fé, o qual a impediria de invocar com êxito a referida excepção.[7] Por todas estas razões, resta-nos concluir que a sentença recorrida nenhuma censura nos merece, sendo manifestamente improcedentes os argumentos recursivos. ** V. DECISÃO: Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida. Custas a cargo da Apelante, que ficou vencida. Notifique. Porto, 18 de Junho de 2024 Maria da Luz Teles Meneses de Seabra (Relatora) Artur Dionísio Oliveira (1º Adjunto) João Proença (2º Adjunto) (O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico) _______________________ [1] F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 147 e A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, pág. 92-93. [2] Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência [3]Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, p. 437 [4] Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, p. 59 [5] A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português, Almedina, pág. 124 [6] Ob. cit., pág. 115-116 [7] Sobre esta problemática veja-se o Ac RP de 30.05.2023, Proc. Nº 19494/21.4T8PRT.P1 www.dgsi.pt |