Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
532/19.7T8PVZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PRESCRIÇÃO
CRIME
INTERRUPÇÃO
RECONHECIMENTO
Nº do Documento: RP20200924532/19.7T8PVZ-A.P1
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O nº 3 do artº 498º do Código Civil que estabelece um prazo prescricional mais longo, faz apenas depender o mesmo da natureza criminal do ilícito cometido.
II - A aplicação do alargamento do prazo prescricional, não está dependente de, previamente, ter corrido processo-crime ou da existência de condenação penal, assim como não impede a ação cível, o facto de o processo-crime ter sido arquivado ou amnistiado.
III - O que releva, para efeitos de interrupção da prescrição, é o reconhecimento do direito de indemnização, como princípio de ressarcibilidade dos danos causados pelo acidente, independentemente da questão de saber quais os danos reparáveis e quais as quantias em concreto apuráveis, pelo que a declaração da seguradora ao não se reportar a todos os danos não retira àquele ato recognitivo o efeito interruptivo do prazo prescricional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 532/19.7T8PVZ-A.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 5

SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes que compõem o Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO
B…, intentou contra C… – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A ACÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO, COMUM, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 99 428,88,acrescida de juros, à taxa legal, desde a data do sinistro até efetivo e integral pagamento.
Para tanto alegou ter sofrido danos, nomeadamente no seu corpo e saúde, em consequência do acidente de viação ocorrido no dia 19 de março de 2014, cerca das 18 horas e 30 minutos, na Rua …, em Santo Tirso, em que foram intervenientes o veículo motociclo, matrícula ..-CF-.. por si conduzido e o veículo seguro na ré, de matrícula ..-GM-.., o qual foi o responsável pela ocorrência do acidente.
Contestou a Ré, defendendo-se por impugnação e invocando a exceção de prescrição alegando em suma que o acidente ocorreu a 19 de Março de 2014, tendo sido citada em 21 de Março de 2019, pelo que se mostra decorrido o prazo prescricional.
O Autor tomou posição argumentando que foi instaurado processo-crime que foi arquivado por despacho proferido em 8 de Abril de 2014, data em que se iniciou a contagem do prazo, que é de cinco anos, mais acrescentando que a Ré assumiu a responsabilidade pela produção do acidente em 31 de Março de 2014, tendo encaminhado o autor para os seus serviços clínicos, que avaliaram a sua incapacidade em 17 de Janeiro de 2017 tendo em 24 de Janeiro de 2017 quantificado e apresentado proposta para ressarcimento dos danos.
Foi dispensada a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, tendo o tribunal apreciado e decidido a exceção da prescrição que julgou improcedente, determinando o prosseguimento da ação, procedendo á identificação do objeto do litígio e á enunciação dos temas de prova.
Inconformada, a Ré C… – COMPANHIA DE SEGUROS, pretendendo a revogação da decisão que recaiu sobre a prescrição, e sua absolvição do pedido ou então a remessa para final a decisão sobre a exceção de prescrição, veio interpor o presente recurso de Apelação, formulando as seguintes conclusões:
I. Pese embora tenha tido oportunidade para o fazer, o autor optou por não apresentar a competente queixa-crime pelos factos que alega na presente ação, com o que tudo renunciou ao seu direito de o fazer e, com tal, ao prazo de prescrição alargado de 5 anos, não podendo agora, sem mais, pretender beneficiar do mesmo.
II. O tribunal recorrido errou ao considerar que o prazo de prescrição a aplicar nos presentes autos é o de 5 anos em vez do de 3 anos previsto no art. 498º, nº 1 do Código Civil, devendo, nessa medida a decisão recorrida ser revogada e substituída por uma outra que assim o considere e declare prescrito, desde 20.03.2017 (3 anos após o acidente) ou, pelo menos desde 08.04.2017 (3 anos após o despacho de arquivamento) o direito aqui reclamado pelo autor, com a consequente procedência da exceção invocada e a absolvição da ré do pedido contra ela formulado pelo autor.
III. Mesmo que assim não se considere, a decisão quanto à prescrição alegada sempre terá de ser relegada para final porquanto a matéria relativa à dinâmica do acidente (e às lesões resultantes do mesmo para autor), porque controvertida, será objeto de prova tendo sempre o autor de provar a mesma, mas também que aquela constitui ilícito criminal para poder beneficiar do prazo de prescrição de 5 anos, não bastando, para o efeito, a mera alegação da mesma.
IV. Errou também o tribunal recorrido ao considerar interrompido o prazo de prescrição do direito do autor por reconhecimento do mesmo pela ré.
V. Na verdade, para que ocorra a interrupção da prescrição é necessária a prática, por parte do devedor, de um ato do qual se infira, sem qualquer margem para dúvida, a assunção de uma responsabilidade e – são requisitos cumulativos - no qual se balize ou quantifique em concreto a obrigação que se pretende assumir, o que tudo não ocorre em nenhum dos documentos juntos aos autos pelo autor.
VI. Caso assim não se entenda, sempre se deverá considerar que pelo menos, quanto a qualquer valor superior a € 21.401,47 ocorreu a prescrição do direito do autor, não podendo qualquer eventual condenação da ré ultrapassar este montante.
VII. Por outro lado, responsabilidade da ré apenas opera se verificada, e na medida, da responsabilidade do seu segurado, neste caso o proprietário e condutor do veículo seguro, não tendo ocorrido quanto a este – nem mesmo o autor o alegou – qualquer facto interruptivo da prescrição, o que tudo leva à necessária desoneração da ré de qualquer responsabilidade e a sua consequente absolvição do pedido.”
Não houve resposta ao recurso.
Admitido este, cumpre decidir.

II-OBJETO DO RECURSO:
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.
As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes:
-determinar qual o prazo de prescrição aplicável;
-saber se o conhecimento da exceção da prescrição devia ter sido relegado para final;
-saber se não ocorre causa de interrupção da prescrição.

III-FUNDAMENTAÇÃO
Resulta dos autos, com interesse para a decisão, a seguinte factualidade:
-O acidente em discussão nos autos ocorreu no dia 19 de Março de 2014;
-A Ré foi citada par a apresente ação em 21 de Março de 2019;
-Em 7.4.2014 foi proferido despacho de arquivamento no P428/14.9TASTS da 2ª secção da Procuradoria da Republica de Santo Tirso, por se entender que não obstante os factos se mostrarem suscetíveis de integrar, em abstrato a prática de um crime de ofensa física negligente, p.p. pelo art. 148º nº 4 do C.Penal, o Ministério Público carecia de legitimidade, para por si só prosseguir a ação penal, visto que não fora apresentada queixa pelo ofendido;
-De acordo com a alegação do Autor, o acidente redundou em lesões na perna, mão e braço que determinaram a realização de cirurgias de encavilhamento do fémur com vareta aparafusada, osteossíntese dos ossos do antebraço com placa e parafusos, bloqueio da prono- supinação do punho, colocação de enxerto do ilíaco, tendo alta pelos serviços clínicos da Ré a 17 de Janeiro de 2017, com atribuição de défice funcional permanente de 12 pontos, quantum doloris de 6/7; alude, também, a exame clínico que concluiu por atrofia do braço em 1 cm, dor e rigidez do punho com limitação da pronação e supinação, da flexão palmar e dorsal, desvio radial e cubital com diminuição da força muscular da mão direita e no membro inferior direita em rotação externa o pé roda mais para fora, joelho em valgo superior ao esquerdo, pé esquerdo com ângulo externo de 10º e o direito superior a 50º, edema da perna direita, anca e joelho com dor na extensão e flexão máxima, dor mais localizada na zona da fratura do fémur, com claudicação da marcha, com défice funcional permanente de 29 pontos, quantum doloris 6/7, dano estético 3/7.
-Consta a fls. 18 vº dos autos principais documento, não impugnado, que consiste no relatório do exame de avaliação do dano corporal, realizado no contexto de consulta realizada pelos serviços clínicos da Ré a 10 de Janeiro de 2017, que indica 17 de Janeiro de 2017 como data da consolidação, alude a períodos de ITA e ITP anteriormente atribuídos, quantum doloris de 6/7, dano estético de 2/7, dano biológico de 12 pontos e 28 dias de internamento hospitalar.
Dos e-mails juntos a fls. 39º vº e 50 dos autos principais resulta ainda que:
- em 31 de Março de 2014, o funcionário da Ré D…, comunicou a E…, tia do Autor “a C… encontra-se a assumir a responsabilidade pelo sinistro ocorrido no passado dia 19/03/2014. () não poderá prestar qualquer assistência ao sinistrado até o mesmo receber alta dos serviços clínicos hospitalares onde se encontra internado. A C… não possui serviços clínicos de urgência ou internamento necessários à estabilização das lesões do sinistrado. Assim, apenas quando ao Sr. B… for atribuída alta com transferência para o domicílio, poderá a C… marcar consulta para acompanhamento das lesões sofridas”;
- em 24 de Janeiro de 2017 a funcionária da Ré F… remeteu ao Autor comunicação com o seguinte conteúdo: “V/Exª teve alta dos serviços clínicos desta Companhia no passado dia 17 de Janeiro de 2017. Assim, com base na avaliação do dano corporal que resultou do acompanhamento clínico de V/Exª () cabe apresentar a seguinte proposta, com base na Portaria 679/2009 de 25 de Junho para regularização destes danos: dano biológico: 12 pontos - € 18.137,16; dano estético: 2 em 7 - € 882,58; quantum doloris: 6 em 7 - € 1.765,17; dias com incapacidade temporária com internamento: 28 dias - € 616,56. () Face ao exposto, informamos que nos encontramos disponíveis para indemnizar V/Exª pela quantia total global de € 21.401,47, por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente ocorrido em 19/03/2014.”.

IV-APLICAÇÃO DO DIREITO
4.1 O prazo aplicável
Defende a aqui Apelante que o prazo de prescrição aplicável é de três anos e não os cinco anos que foram considerados no despacho sob recurso.
Diz a Apelante que o tribunal recorrido errou ao considerar que o prazo de prescrição a aplicar nos presentes autos é o de 5 anos em vez do prazo de 3 anos previsto no art. 498º, nº 1 do Código Civil, devendo, nessa medida a decisão recorrida ser revogada e substituída por uma outra que assim o considere e declare prescrito, desde 20.03.2017 (3 anos após o acidente) ou, pelo menos desde 08.04.2017 (3 anos após o despacho de arquivamento) o direito aqui reclamado pelo autor, com a consequente procedência da exceção invocada e a absolvição da ré do pedido contra ela formulado pelo autor.
Afirma ainda que o autor, ao não apresentar queixa - crime renunciou ao prazo de prescrição mais longo de 5 anos.
Vejamos se é assim.
A prescrição constitui um mecanismo legal que impede o normal exercício do direito, transformando obrigações jurídicas em meras obrigações naturais.
Ela representa o sacrifício do valor da justiça em favor do valor da certeza e segurança, na medida em que impede o credor de exigir o cumprimento do seu direito para além de um certo período de tempo.
Conforme refere Antunes Varela in Obrigações em Geral, 2ª ed., Vol II, pg. 133, a prescrição não é uma verdadeira causa de extinção das obrigações, mas apenas um meio, para além das causas extintivas propriamente ditas, de o credor se livrar da obrigação.
"Estão sujeitos a prescrição - diz-nos o art.º 298º, nº 1 do CC pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição".
A prescrição consiste na faculdade de o beneficiário recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício de um direito decorrido certo prazo- art.º 304º nº 1.
O fundamento do instituto reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o prazo; a negligência faz presumir que ele tenha querido renunciar ao direito ou, pelo menos, o torna não merecedor da tutela jurídica.
A razão da lei é a adaptação da situação de direito à situação de facto de não exercício do direito durante certo tempo pelo seu titular.
A prescrição, é como diz o Professor Vaz Serra temperada por razões de negligência do credor ou sujeito ativo do direito e a disponibilidade da outra parte quanto a valer-se dela. A prescrição é determinada no interesse do devedor ou do sujeito passivo da relação jurídica e supõe a negligência ou a inércia do titular do direito, o que inculca a sua renúncia e o torna por isso indigno de proteção jurídica. (ver A Caducidade na Doutrina, na Lei e na Jurisprudência de Aníbal de Castro, 3ºa edição pg 43).
A lei visa essencialmente duas finalidades complementares, com o regime prescricional: proteger a segurança jurídica e sancionar a negligência do titular do direito.
Estatui o artigo 498°nº1 do Código Civil o seguinte: "O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete… sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”, salvo, como prevê o nº3 do mesmo artº., “se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, caso em que é esse o aplicável”.
Constituindo crime o facto ilícito causador do dano, tal como se prevê neste último dispositivo, e se estiver previsto prazo de prescrição mais longo, é este que se aplica. “Desde que se admite a possibilidade de o facto, para efeito de responsabilidade penal, ser apreciado em juízo para além dos três anos transcorridos sobre a data da sua verificação, nada justifica que análoga possibilidade se não ofereça à apreciação da responsabilidade civil”, conforme refere Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Vol. I, 8a edição, pág. 640).
Este alongamento do prazo de prescrição depende apenas de o facto ilícito constituir, em abstrato, crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, isto é, basta para o efeito que a factualidade alegada geradora de responsabilidade civil e da respetiva obrigação de indemnizar preencha os elementos de um tipo legal de crime, e não também que tenha sido ou seja efetivamente instaurado procedimento criminal. Também não impede a aplicação desse prazo a circunstância de o procedimento criminal ter sido arquivado, de o crime ter sido amnistiado ou de não ter sido tempestivamente exercido o direito de queixa, conforme tem sido entendimento da jurisprudência (vide, entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-05-2003, proc. n.º 03A430; 02-12-2004, 04B3724; 23-10-2012, proc. n.º 198/06.4TBFAL.E1.S1; 09-07-2014, proc. n.º 369/11.1TBMNC.G1.S1 e mais recentemente de 5 de maio de 2020, proc. nº 1414/18.5T8CHV.G1.S1).
Com efeito o preceito em análise não contém quaisquer referências a elementos condicionantes para o alongamento do prazo, que não seja o da natureza do ilícito, exigindo-se tão-só que “se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo”.
A razão de ser do alargamento do prazo assenta apenas na especial qualidade e gravidade do facto ilícito e do dano.
Como se pode ler no Acórdão do STJ de 13-05-2003 (proc. n.º 03A430), «I - A eventual extinção do direito de queixa, pelo seu não exercício, é indiferente ao aproveitamento do prazo mais longo de prescrição do direito à indemnização, previsto no n.º 3 do artigo 498º do C. Civil. II - A razão de ser desse alargamento assenta apenas na especial qualidade e gravidade do facto ilícito e do dano».
Assim sendo e pelo exposto mostram-se destituídas de fundamento as razões de discordância do despacho sob recurso invocadas pelo Apelante.
4.2 Conhecimento da exceção a final
Defende ainda o Apelante que a exceção de prescrição deva ser relegada para final, porquanto a matéria relativa à dinâmica do acidente (e às lesões resultantes do mesmo para autor), porque controvertida, será objeto de prova tendo sempre o autor de provar a mesma, mas também que aquela constitui ilícito criminal para poder beneficiar do prazo de prescrição de 5 anos, não bastando, para o efeito, a mera alegação da mesma.
Dispõe o art. 595º nº1 al. b) CPC que o despacho saneador destina-se a:
“(…) b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória“.
Como refere Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, 3ª edição revista e ampliada, Almedina, 2000, pag. 138 Enquadram-se na previsão da norma as situações em que toda a matéria de facto se encontre provada por confissão expressa ou tácita por acordo ou documento; quando seja indiferente, para qualquer das soluções plausíveis, a prova dos factos que permanecem controvertidos, por serem manifestamente insuficientes ou inócuos para apreciar a pretensão do autor ou a exceção deduzida pelo réu; quando todos os factos controvertidos careçam de prova documental.
Contudo, naquelas situações limite, em que concluída a fase dos articulados, o juiz conclui, com recurso aos dispositivos de direito probatório material ou formal, pela existência de um leque de factos que ainda permanecem controvertidos e que, de acordo com as diversas soluções plausíveis, mostram algum relevo para a decisão cumpre atender ao critério do art. 596º nº 1 CPC, ou seja, deve orientar a decisão segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Ora, no caso em apreço, em face do que ficou dito supra a propósito do prazo de prescrição aplicável, basta para a contagem do prazo, que a factualidade abstrata alegada geradora de responsabilidade civil e da respetiva obrigação de indemnizar preencha os elementos de um tipo legal de crime. Não se exige a prova das circunstâncias concretas da ocorrência do acidente para se aferir se á aplicável o prazo mais curto ou mais longo da prescrição, pelo que carece de fundamento, também este segmento do recurso.
Acresce que, no caso em apreço, uma particular circunstância torna ainda “mais” inútil o prosseguimento da causa para julgamento.
É que, mesmo a ser contado o prazo mais curto de três anos, por força da interrupção do prazo de prescrição que se verifica em dois momentos - 31.3.2014 e em 24.1.2017 - e que a seguir se analisará mais detalhadamente, também não ocorreria o decurso do prazo aquando da citação da ré para esta ação.
Com efeito, sempre o prazo de 3 anos, iniciado na data do acidente – 19-3-2014, ficaria interrompido em 24.1.2017, com a assunção de responsabilidade pela ré, iniciando-se novo prazo, que estaria em curso no momento da citação da Ré.
Daí que também por esta razão, o tribunal a quo, decidiu bem em conhecer da exceção em faz anterior á do julgamento, em estrita observância do que dispõe o art. 595º nº1 al. b) CPC.
4.3 Da interrupção do prazo
A Apelante põe ainda em causa que tenha ocorrido interrupção do prazo da prescrição.
Defende a Apelante o tribunal recorrido errou também ao considerar interrompido o prazo de prescrição do direito do autor por reconhecimento do mesmo pela ré. Diz que para que ocorra a interrupção da prescrição é necessária a prática, por parte do devedor, de um ato do qual se infira, sem qualquer margem para dúvida, a assunção de uma responsabilidade e – são requisitos cumulativos - no qual se balize ou quantifique em concreto a obrigação que se pretende assumir, o que tudo não ocorre em nenhum dos documentos juntos aos autos pelo autor.
E caso assim não se entenda, sempre se deverá considerar que pelo menos, quanto a qualquer valor superior a € 21.401,47 ocorreu a prescrição do direito do autor, não podendo qualquer eventual condenação da ré ultrapassar este montante.
E que por outro lado, responsabilidade da ré apenas opera se verificada, e na medida, da responsabilidade do seu segurado, neste caso o proprietário e condutor do veículo seguro, não tendo ocorrido quanto a este – nem mesmo o autor o alegou – qualquer facto interruptivo da prescrição, o que tudo leva à necessária desoneração da ré de qualquer responsabilidade e a sua consequente absolvição do pedido.
Vejamos.
Conforme Lopes do Rego, in “Responsabilidade Civil. Acidente de viação – Prescrição”, RMP, ano 8.º, n.º 32,1987, pp. 159-160, ao prazo mais longo – cinco anos – de prescrição criminal que como vimos é o aplicável á situação em apreço, continua a aplicar-se o regime civil da prescrição, desde logo as causas de interrupção e de suspensão do prazo previstas na lei civil.
O regime específico da interrupção da prescrição é o enunciado no n.º 1 do artigo 326.º do Código Civil, segundo o qual a interrupção elimina todo e qualquer valor para efeitos prescricionais ao período já decorrido, iniciando-se ex novo o prazo prescricional.
O artigo 323º do Código Civil estatui que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o Tribunal seja incompetente; o nº 2 clarifica que se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
O artigo 325º do Código Civil prevê que a prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido, sendo o reconhecimento tácito relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam.
A Ré foi citada em 22 de Março de 2019, em momento posterior à completude do prazo de cinco anos.
O Tribunal a quo considerou o prazo de prescrição de cinco anos, contado desde a data do acidente interrompido por força das comunicações que a ré enviou ao autor supra mencionadas, datadas de 31 de Março de 2014 e de 24 de Janeiro de 2017, afirmando o seguinte: “Na primeira comunicação, a Ré reconheceu implicitamente estar obrigada a prestar assistência ao Autor em consequência do acidente, ao passo que na segunda existe um claro reconhecimento do direito do demandante a uma indemnização por via do acidente de viação em apreço, procedendo à sua quantificação.
Ambas as comunicações têm valor para efeitos de interrupção da prescrição.”
Esta conclusão parece-nos irrefutável.
Com efeito, das mesmas resulta que durante o lapso temporal em que estava em curso o prazo de prescrição de cinco anos, a seguradora estabeleceu uma relação jurídica com o autor, tendo nalguns momentos proferido declarações ou adotado comportamentos concludentes, suscetíveis de significar o reconhecimento do direito do autor, assim interrompendo o prazo de prescrição.
Nas missivas em causa, a ora Apelante reconheceu expressamente, por escrito, perante o lesado, na primeira que “a C… encontra-se a assumir a responsabilidade pelo sinistro ocorrido no passado dia 19/03/2014” e na segunda, chega mesmo a quantificar o valor indemnizatório que se dispõe a pagar ao autor para ressarcir os danos sofridos, procedendo á quantificação da indemnização relativamente aos dos danos patrimoniais e não patrimoniais.
Daí que concordemos com a afirmação do tribunal no sentido que: “Ambas as comunicações têm valor para efeitos de interrupção da prescrição”.
Salvo o devido respeito não faz sentido a posição ora defendida pelo Apelante no sentido que, então neste caso deve considerar-se prescrita a indemnização quanto a qualquer valor superior a € 21.401,47, não podendo qualquer eventual condenação da ré ultrapassar este montante.
Esta é uma ação baseada na responsabilidade civil emergente de acidente de viação.
O que está em causa é o exercício do direito por parte do autor de ser indemnizado pelos danos que sofreu em consequência do acidente de viação, verificados que sejam os requisitos da responsabilidade civil estabelecidos no art. 483º do CC.
Assim, o que releva, para efeitos de prescrição, é o reconhecimento do direito de indemnização, como princípio de ressarcibilidade dos danos causados pelo acidente, independentemente da questão de saber quais os danos reparáveis e quais as quantias em concreto apuráveis.
O facto de a declaração da seguradora não se reportar a todos os danos não retira àquele ato recognitivo o efeito interruptivo do prazo prescricional relacionado com o direito de indemnização em toda a sua amplitude. (Ver neste sentido o AC STJ de 5 de maio de 2020 supra citado).
Também não colhe o argumento que também foi esgrimido pela Apelante que a responsabilidade da ré apenas opera se verificada, e na medida, da responsabilidade do seu segurado, neste caso o proprietário e condutor do veículo seguro, não tendo ocorrido quanto a este – nem mesmo o autor o alegou – qualquer facto interruptivo da prescrição, dizendo que tal conduz à necessária desoneração da ré de qualquer responsabilidade e a sua consequente absolvição do pedido, uma vez que o responsável perante o lesado é a segurada do veiculo causal do acidente, por força do contrato do seguro e nos limites daquele.
Quanto a esta última questão, porque o texto do n. 3 do art. 498 C. Civil não se refere ao autor do facto ilícito criminal, e tão só alude ao facto constitutivo de crime, o pressuposto da sua aplicação a todos os responsáveis, quer criminais quer civis, é apenas o de ter havido crime sujeito a prescrição de prazo mais longo, daí que se tem admitido a extensão do regime do n.º 3 do artigo 498.º do C.Civil à obrigação de indemnizar da seguradora por facto ilícito e criminal praticado pelo segurado (ver por todos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 03-12-1998, proc. n.º 98B432).
Improcedem pelo exposto todos os fundamentos do recurso invocados pela Recorrente.

V-DECISÃO
Pelo exposto e em concussão, acordam os juízes que compõem esta Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.

Porto, 24 de Setembro de 2020
Alexandra Pelayo
Vieira e Cunha
Maria Eiró