Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
76/22.0T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DUARTE TEIXEIRA
Descritores: CONSUMIDOR
CONTRATOS À DISTÂNCIA
DEVER DE INFORMAÇÃO
INFORMAÇÃO PRÉ-CONTRATUAL
PRÁTICAS COMERCIAIS DESLEAIS
BOA-FÉ
OBRAS DE REMODELAÇÃO
CONTRATO DE FRANQUIA
REPRESENTAÇÃO APARENTE
CUMPRIMENTO DO CONTRATO
Nº do Documento: RP2023102576/22.0T8STS.P1
Data do Acordão: 10/25/2023
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As directivas comunitárias relativas aos contratos à distância celebrados pelo consumidor visam proteger o mesmo face aos novos meios de comunicação à distância e à impossibilidade de o consumidor controlar e conhecer pessoalmente as qualidades e características do produto, antes de proceder à encomenda.
II - No quadro dessas Directivas e sua transposição, deve interpretar-se as normas de exclusão de forma restrita, por forma a aplicar o regime de protecção de forma ampla, incluindo, pois, um contrato de prestação de serviços relativo a obras de remodelação de uma habitação.
III - A informação prestada, nos termos desse acordo deve ser plena, total e leal identificando com clareza o prestador de serviços e qualquer forma de exoneração de responsabilidade.
IV - Caso tal não tenha sido efectuado terá o consumidor, no caso concreto, direito de exigir o cumprimento do acordo perante o prestador com quem tudo indicava estar a contratar contratou e não face ao “agente” que este usou na fase de execução do contrato nos termos da responsabilidade civil.
V - Igual conclusão seria alcançada pela utilização da legislação das práticas comerciais desleais, no quadro da qual, a omissão relevante sobre a qualidade do contraente, não mencionado de forma plena a existência de um contrato de franquia viola o padrão do comportamento exigível.
VI - No quadro dessa legislação o consumidor tem direito a obter a resolução, modificação do contrato ou sua redução bem como à indemnização pelo dano contratual positivo ou negativo.
VII - O instituto da representação aparente, nos termos do art. 23º da regulamentação do contrato de agência, é aplicável à situação concreta, na qual um franquiador, sem qualquer informação, usa um franquiado para executar um acordo usando sempre, em todas as fases do contrato, a sua denominação “marca 1 ...”, de forma pública, reiterada e contínua causando nos AA a convicção que estariam a contratar com esta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 76/22.0T8STS.P1



Sumário:
…………………………
…………………………
…………………………

*

Questão prévia
A aplicação aos autos do contrato de franquia deriva da alegação da ré. Esta no seu recurso põe também em causa a aplicação de um diploma de direito de consumo. Deste modo, a aplicação de normas aplicáveis ao contrato de franquia (representação aparente) ou outros diplomas anteriores e semelhantes de direito de consumo são questões jurídicas expectáveis, derivam da alegação da apelante e por isso não é necessário acionar novamente o contraditório.
*
1. Relatório AA, NIF ...91 e mulher, BB, NIF ...89, residentes na Avenida ..., ... ... – Vila Nova Famalicão, intentam a presente acção declarativa de condenação em processo comum contra A..., LDA, NIPC ...28, sociedade comercial por quotas com sede em ... …, Edifício ..., ..., ..., ..., Sintra.
Alegando em suma que contrataram com esta a realização de obras na sua casa que não foram realizadas.
A parte contrária contestou e pediu a sua absolvição do pedido, alegando em suma que: não tem como actividade a construção civil, pelo que não realiza obras, não celebra contratos de construção civil com ninguém, não apresenta orçamentos de obras a realizar e muito menos não apresentou ou celebrou com os aqui Autores.
Foi fixado o seguinte objecto à demanda: apurar os pressupostos da responsabilidade da ré no pedido de indemnização formulado pelos autores pelos danos sofridos em consequência da não conclusão de obras de reabilitação da sua casa.
Saneada e instruída a causa foi proferida sentença que decidiu: “Condena-se a ré, com vista ao cumprimento do contrato de empreitada, a providenciar no sentido de realização das obras constantes do orçamento que, ainda, não foram realizadas pelo prestador, através da substituição do prestador, tendo em conta que o primitivo já não se encontra autorizado a usar a marca 1 .... Condena-se a ré a pagar aos autores a quantia de €700,00 por mês desde o mês de dezembro de 2020, data em que as obras deveriam ter sido concluídas, até a realização das obras acordadas e efetiva e entrega da habitação aos autores, a título de danos patrimoniais. C. Condena-se a ré a pagar aos autores a quantia de €500,00 a título de danos não patrimoniais. D. Absolve-se a ré do demais peticionado pelos autores”.
Inconformada veio a ré interpor recurso, o qual foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (cfr. artºs 627º, 629º, nº 1, 631º nº 1, 633º, nº 1, 637º, 638º, nº 1, 639º, 641º, 644º, nº 1º, al. a), 645º, nº 1 al. a) e 647º, nº 1 do CPC).
*
2.1. A apelante apresentou as seguintes conclusões:
A) A Recorrente vem interpor recurso da decisão que julga improcedente o pedido deduzido pelos Autores, absolvendo a Ré.
B) A Recorrente considera que os factos A a F e I foram incorrectamente considerados como não provados, quando, na realidade, foi feita prova cabal, tanto testemunhal como documental dos mesmos. Além disso entram em contradição com outros factos dados como provados (57 a 62). Assim devendo os mesmos ter sido considerados provados e passarem para os factos provados, com a seguinte redacção; a) Que a Ré não tem qualquer interferência nesse processo, sendo as sociedades empreiteiras que actuam com a marca 2 ... totalmente independentes e autónomas. B) Que a ré não recebeu qualquer pagamento relativo a esta obra. C) Que recebida a chamada pelo Call Center, o cliente é encaminhado para um dos franquiados, de acordo com o sistema de operações do call center. D) Que foi a empresa B... Unipessoal, Lda., que se deslocou ao sítio da obra para se inteirar do objecto dos seus trabalhos. E) Que a ré não recebeu qualquer pagamento relativo a esta obra. F) Que não sabia e que não podia saber que quantias tinham sido pagas, pois tais quantias foram, correctamente, pagas à empresa de construção franqueada B... Unipessoal, Lda.
C) Os factos 10, 23, 26 e 34, que foram dados como provados, estão em contradição com os factos 3 a 12 que foram dados como não provados.
D) Os factos 4, 17 a 21, 24, 25, 28, 31, 33, 42, 43 e 47, dados como provados deveriam ter sido dados como não provados, face à prova produzida e contradição com os factos provados 57 a 62. Parte de alguns destes factos são verdadeiros, desde que retirados deles as referências que os desvirtuam, pelo que os mesmos deverão passar a ter as seguintes redacções; 4. Para isso, criou e tem em funcionamento uma página oficial na internet (https://marca2 ...franchising.com), através da qual publicita os serviços dos seus franchisados, com referência àquelas suas marcas referidas 25. Em 2/9/2020 a B... Unipessoal, Lda., iniciou os trabalhos acordados 28. Os autores, conforme exigido pela B... Unipessoal, Lda.. através as condições contratuais por si definidas, pagaram-lhe nessa data, por conta do preço, a quantia de 12.016,58€,
31. Os valores pagos foram-no com referência ao orçamento emitido pela B... Unipessoal, Lda., n.º ...50-1, ascendem os valores pagos à ré a 29.999,99€.
E) No seu depoimento, o Autor confessou que aceitou prorrogar o prazo de execução da obra até à Páscoa de 2021. Assim, deve ser acrescentado mais um facto aos factos provados, com a seguinte redacção; Os Autores, considerando as dificuldades na execução dos trabalhos imposto pelas regras do COVI 19 que então o Governo decretou, permitiu a prorrogação do prazo da execução dos trabalhos até à Páscoa de 2021
H) A Ré não tem qualquer responsabilidade pelos trabalhos executados pelo empreiteiro B... Unipessoal, Lda.,
I) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de consultoria e gestão aos seus clientes, ou seja, os seus franquiados, nessa medida efectua ainda a gestão da marca 2 ..., em todo o território nacional, celebrando com os seus clientes contratos de franchising, pelos quais cede a estes o direito a utilizarem essa marca comercial no seu negócio, tendo como clientes, apenas e só essas empresas de construção civil que pretendem utilizar a marca 2 ...
J) A Ré não tem como actividade a construção civil, pelo que não realiza obras.
L) O orçamento apresentado bem como a declaração de ADJUDICAÇÃO da obra e a declaração de ENTRADA EM OBRA têm a identificação da empresa de construção civil- B... Unipessoal, Lda.
M) Os Autores celebraram as condições da empreitada, o preço condições de pagamento e trabalhos a realizar com a B... Unipessoal, Lda.., com ela fizeram a declaração de adjudicação dos trabalhos, as declarações de entrada em obra e a ela efecturam os pagamentos conforme consta dos documentos de quitação, todo devidamente documentado pelos documentos nºs 1, 2, 3 e 4 da PI.,
N) Os Autores não celebraram nenhum contrato com a Ré.
O) O Juiz “ad quo” fez a valoração da prova, em todos os pontos essenciais, baseado nas declarações do próprio Autor e também do se filho, pessoas directamente interessadas no desfecho da causa. Contudo, credibilidade alguma pode ser dada aos seus depoimentos, pois faltaram à verdade me diversos factos., nomeadamente; - afinal conheceram o representante da B... Unipessoal, Lda., antes do início dos trabalhos, aquando da visita ao apartamento para se fazer um orçamento - afinal,, também antes do início dos trabalhos, o Autor assinou com a B... Unipessoal, Lda., e apenas com esta empresa, o Orçamento que continha todas as condições contratuais da empreitada, nomeadamente; o preço da empreitada, os trabalhos a efectuar, o prazo da execução, as condições da empreitada. - Esse documento continha ainda a indicação completa do empreiteiro, seu alvará de empreiteiro, o seu seguro profissional. - Ademais assinaram, ainda antes do início dos trabalhos, um termo de adjudicação dos trabalhos e duas versões de entrada em obra ou início de obra, sempre assinados com a empresa B... Unipessoal, Lda., sem qualquer referência à Ré. -Finalmente o Orçamento continha ainda uma disposição que indicava claramente “Contudo cada unidade franchisada é jurídica e financeiramente autónoma, mantendo a sua personalidade jurídica própria e única responsável pela sua actividade.” pelo que contrariamente ao que afirmou o Autor, foi-lhe dado a conhecer que a execução e responsabilidade dos trabalhos não eram da Ré.
P) A empresa B... Unipessoal, Lda., é jurídica e financeiramente autónoma, mantendo a sua personalidade jurídica própria e única responsável pela sua actividade.
Q) A entrada em vigor do Decreto Lei 84/21 de 18 de outubro, é muito posterior à data da celebração do contrato de empreitada. Este Decreto-Lei entrou em vigor em 01 de Janeiro de 2022. O termo de adjudicação foi assinado pelas partes em 02 de Setembro de 2020, tal como o termo de Entrada em Obra, pelo que o Orçamento (contrato, necessariamente foi assinado em data anterior).
R) Ainda de acordo com esse diploma a Ré Ré não pode nunca ser classificada como «Prestador de mercado em linha», pois nunca fornece um mercado em linha, ou seja, não fornece um sítio eletrónico ou uma aplicação, explorado pelo profissional ou em seu nome, que permita aos consumidores celebrar contratos à distância
S) os Autores aceitaram a prorrogação do prazo de conclusão das obras, até à Pascoa de 2021. Assim, a indemnização eventualmente devida, apenas se poderá contar da data do incumprimento do contrato, Páscoa de 2021, ou seja, a partir do mês de Abril de 2021.
T) Em todo este negócio a Ré actuou sempre de acordo com as boas práticas do comércio e de boa-fé e não praticou qualquer acto que possa ter prejudicado os Autores.
*
2.2. Os apelados alegaram, defendendo em suma que:
a) o recurso não deve ser apreciado
b) a sentença não aplicou apenas o DL. 84/2021 de 18.10
b) Tendo sido julgados como provados todos os factos alegados pelos autores e com relevo jurídico para obterem vencimento na acção (factos 1 a 56 dos factos considerados provados), e porque nenhuma contraprova foi produzida pela ré (no sentido, sequer, de ilidir a presunção nos termos estabelecidos no nº 1 do art.º 799.º do C.Civil), nada restaria ao julgador do que condenar a ré no pedido formulado pelos autores e na medida da prova por estes produzida.
*
3. Questões a decidir
1. Verificar se o recurso da apelante deve ou não ser rejeitado.
2. Apreciar o recurso sobre a matéria de facto
3. Qualificar depois o contrato celebrado entre os AA e a Ré, em termos do regime de protecção do consumidor e do contrato de agência.
4. À luz do mesmo determinar se a ré pode ou não ser responsabilizada pelo atraso na realização da obra.
5. Apurar, por fim, o montante da indemnização.
*
4. Da rejeição do recurso
Lendo as alegações do apelante é evidente que este cita normas, mais do que suficientes para que o tribunal e a parte contrária entendem e analisem a sua pretensão.
Esta diz que só por lapso a sentença aplicou o DL. 84/2021 de 18.10 que entrou em vigor em data posterior à da assinatura do acordo.
Depois, alega não ser responsável pela indemnização pois nunca se comprometeu a realizar a obra nem assinar o contrato e, por fim, além do mais, que a indemnização deve ser calculada a partir de outra data.
Logo, existem normas citadas e as razões da discordância são percetíveis tanto mais que os apelados contra-alegaram limitando-se também a citar apenas duas normas (para além do citado diploma).
Tendo em conta que existe um claro primado do fundo sobre a forma e que a admissão dos recursos são uma peça essencial para o efectivo acesso constitucional dos cidadãos à actividade jurisdicional[1], teremos de considerar suficiente a menção jurídica efectuada pela apelante, tanto mais que a parte contrária não apenas a entendeu plenamente como exerceu o seu direito de alegação de forma, curiosamente, similar.
Improcede, por isso a questão prévia (art. 639º, nº2, al. a), do CPC), tanto mais que, neste caso a consequência sempre seria apenas o convite a corrigir as conclusões e nunca a rejeição, sem mais, do recurso (art. 639º, nº3, do CPC).
*
5. Do recurso sobre a matéria de facto.
Analisando a prova produzida, ouvimos que:
Na realidade o depoimento de parte do autor foi singelo e directo, referiu a contratação que pensava ser com a ré e todas as vicissitudes da obra, nos termos provados. Mais referiu quanto aos danos que vive na casa do seu filho, que a renda de uma casa semelhante é de 700 euros e que, além disso, também lhes estragaram os alumínios e estores. E que foi dito pelo empreiteiro que “fazia as obras nessa zona” e que nunca lhe explicaram os termos do contrato de franquia, sendo que quer a carrinha, quer os dizeres usados pelos trabalhadores mencionavam “marca 1 ...”.
A Sra CC vizinha, confirmou também essa versão. Porém, a sua menção inicial demonstra claramente a sua parcialidade a favor dos AA, tendo, porém, confirmado o “abandono da obra e seu momento” e o facto de a casa não ter portas interiores, janelas, sem cozinha e louças na casa de banho. Acrescenta ter visto as carrinhas e placar dos marca 1 .... Refere, tal como o autor, a paragem derivada da pandemia. Nada sabe sobre o valor da renda e que a casa está desabitada vivendo o autor com o filho.
O Sr. DD, filho do autor, confirma a contratação efectuada por si por meios electrónicos (preenchimento do formulário), a visita, orçamentação e assinatura dos acordos. Afirma que os seus pais (e ele) sempre pensaram estar a contratar com a ré: “sempre foi os marca 1 ...”. Mesmo o empreiteiro dizia que era da “marca 1 ...…”.
Descreve o estado da casa (falta de escadas entre pisos, louças casa de banho, portas dos quartos e cozinha). E quando ao dano diz que no início não fazia sentido alugar porque seria por 60 dias. Mas, posteriormente tentaram verificar depois o preço de uma casa semelhante e através de uma agência, os valores seriam cerca de 700 euros. Confirma por fim o reclame do “marca 1 ...” colocado no exterior da obra.
A contratação e seus termos consta ainda dos documentos juntos pelos autores, que aliás até se darão por integralmente reproduzidos, se dúvidas houvesse.
Sendo que das próprias missivas dos AA resulta que estes acordaram de facto (doc 5 em estabelecer o prazo final de finalização da obra 19.5.21 (4 + 15 dias). Acresce aliás que quer o autor que a Sra. CC, referem a subsistência da pandemia covid que naturalmente atrasou essa obra nos anos em que a mesma decorreu.
Em sentido contrário, a esta versão da realidade o depoimento do representante da ré é ao mesmo relevante e irrelevante. Por um lado, comprova os factos já provados sobre o seu funcionamento e actividade no âmbito da gestão de marcas e franquia, sem efectuar obras directamente. Mas, por outro lado, admite que estes “adquirem o direito de usar uma marca”, e não sabe se foi explicada ou não essa mesma franquia e suas consequências.
Ora, esse depoimento não pode comprovar os factos não provados. Desde logo admite que “o contacto foi feito directamente para o call center da ré”[2]; depois, diz que tudo foi explicado (sistema de franquia), mas para além dos documentos[3] mais nenhum meio de prova foi apresentado sendo que ou a operadora ou a gravação poderiam ser fornecidos ou esta testemunhar[4]. Por fim, fugiu de forma clara quanto a explicar então qual o lucro da sua empresa em toda esta situação. Tendo em conta o seu escopo lucrativo é evidente que não se poderá demonstrar “Que a ré não recebeu qualquer pagamento relativo a esta obra” e que só com a reclamação teve conhecimento da contratação”. Nesta medida toda a instância da ré omite que quer a contratação inicial quer a chamada foram efectuadas directamente para o call center da ré conforme, afinal, o seu representante legal admite. Acrescentamos que o efeito útil desta parte do recurso ou visa consagrar uma inverdade (que a ré é uma pessoa sem fim lucrativo e agiu nessa qualidade e não auferiu proventos directos ou indirectos da sua actividade), ou que, por mero lapso, não se atentou que essa realidade consta já dos factos 28 e seguintes.[5] Ou seja, já está provado que todos os pagamentos foram feitos pelos AA ao empreiteiro, bastando somar os montantes para concluir que dizem respeito a todo o montante.
Se, pelo contrário a apelante pretende provar que nada lucrou com a sua actuação, isso por um lado não está demonstrado (note-se que só teve lugar o depoimento de parte que nesta parte fugiu da questão do seu lucro como “o diabo da cruz”), e que parece que a ré é uma sociedade com escopo lucrativo, que celebra contratos de franquia onerosos, criando uma organização nacional complexa com call center. Por isso, certamente auferirá lucros que só não são identificáveis porque esta, omitiu a junção de elementos de contabilidade (conta-corrente do seu agente) e mesmo os termos do contrato de franquia.
Por isso, este segmento do recurso ou é inútil ou manifestamente inverídico.
Quanto á comunicação do contrato:
Diz a ré na sua contestação que “A Ré para saber que a obra a que se referem os autos tinha sido contratada, seria necessário que a sua franqueada B... Unipessoal, Lda. lhe tivesse reportado e comunicado a sua contratação, coisa que nunca fez. (contestação nº 23)
Mas, consta do orçamento apresentado:


Na proposta consta ainda:







Na adjudicação e auto de ínicio de obra consta a expressa referência a esse orçamento. Logo, podemos concluir que todas as menções da proposta fazem parte do orçamento.[6]
Na proposta de orçamento consta ainda uma autorização para utilização de uso de dados pessoais a favor da ré. Logo, parece simples concluir que esta teve conhecimento da apresentação do orçamento, da sua adjudicação e do início da obra, pois, se assim não fosse ou teria existido abuso por parte do empreiteiro (nunca alegado) ou uma terceira pessoa teria colocado o painel na fachada do imóvel.
Por fim, curiosamente o célebre contrato de franquia e sua resolução nunca foram juntos aos autos, pelo que o mero depoimento de parte é, manifestamente inconcludente para demonstrar essa realidade.
E, quanto à comunicação da existência de um contrato de franquia teremos de notar que foi alegado que “a ré criou e tem em funcionamento uma página oficial na internet (https://marca2 ...franchising.com), através da qual publicita os serviços dos seus franchisados, com referência àquelas suas marcas referidas.
Ora, seria simples juntar um print dessa página na data dos factos. Como nada foi junto não pode o tribunal presumir essa realidade sem qualquer meio de prova.
Quanto ao Facto provado nº 4: Diz a ré que deve ser alterado porque “os empreiteiros dessas empresas actuam com inteira autonomia, financeira, administrativa e são pessoas jurídicas autónomas, com personalidade jurídica própria”. Infelizmente como nenhum contrato de franquia foi junto nem nenhuma testemunha foi inquirida sobre essa realidade o tribunal não a pode presumir, já que a simples existência da alegada franquia implica falta de autonomia de procedimentos, como resulta do uso de “fardas”, colocação de painéis, modelos uniformes na proposta de orçamento e demais documentos e “garantia de qualidade da marca”.
Factos nº 19,20, 21 e 24: Nesta matéria bastará ouvir a única prova testemunhal (filho do autor), até a vizinha dos autores e o próprio teor da proposta contratual, para se constatar à luz das máximas da experiência que é natural que pessoas humildes identifiquem o seu contraente pela menção publicitária que consta do painel, do site, das roupas dos funcionários, da proposta orçamental (capa), etc. A valoração da prova é efectuada com regras de racionalidade social, tendo em conta as pessoas “normais” colocadas naquela situação concreta. Parece-nos, pois, que qualquer cidadão sem conhecimento jurídicos e mesmo que atento teria a mesma conclusão. Tanto mais que o modelo de negócio da ré explora precisamente a publicidade e notoriedade da denominação marca 1 ... evitando (nos documentos por si aceites) qualquer clara explicação à existência de uma franquia.
Facto nº 25, 28 e 31: Uma escolha é uma opção entre duas alternativas. Ora, nem a ré ousa alegar que indicou vários empreiteiros ou forneceu uma lista dos mesmos para os AA. escolherem. O seu agente que elaborou o orçamento e realizou os trabalhos, foi escolhido com base em meros critérios internos da ré (chega-se a alegar que por algoritmo), cabendo aos AA optar apenas pela celebração ou não do contrato.
Factos nºs 42 e 43: Seria simples a ré demonstrar que comunicou a franquia e os seus termos. Os documentos juntos nada dizem. Um print do seu site na data não foi junto, e o seu representante diz apenas que “é a norma”, mas a pessoa do call center nem sequer foi indicado. Estranho, pois, que uma organização que vive e lucra com um contrato de franquia, não consiga demonstrar que comunicou ao consumidor esta menção informativa essencial.
47, 49 e 50: O fundamento é meramente conclusivo.
Portanto de todo o objecto da reclamação a única que é válida e efectiva diz respeito à aceitação dos AA no prazo de prorrogação da entrega efectiva da obra (19.5.21), porque está comprovada por um documento junto pelos próprios AA.
Note-se ainda que o montante da renda, não faz parte do objecto do recurso mas foi referido pelo depoimento de parte do autor e seu filho.
Por fim, não se vislumbra contradição entre o que existe (factos provados) e o que não existe (factos não provados).
*
Pelo exposto, o recurso da matéria de facto é parcialmente procedente, quanto ao ponto E), Os Autores, permitiram a prorrogação do prazo da execução dos trabalhos até 19.5.21, e improcedendo no restante.
*
6. Motivação de facto
1. A ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica, entre outras actividades, à consultoria e gestão e é detentora da marca 2 ...”, bem como da marca 1 ...”.
2. Estas duas marcas constituem, uma “rede de serviços completos e integrados em reparação, remodelação e manutenção geral de imóveis de âmbito nacional”.
3. Através da utilização dessas marcas, a primeira ré promove a realização dos serviços referidos, a pedido dos clientes que dela se socorrem.
4. Para isso, criou e tem em funcionamento uma página oficial na internet (https://marca2 ...franchising.com), através da qual publicita os seus serviços, com referência àquelas suas marcas referidas.
5. E, nela, os potenciais clientes fazem os seus pedidos de orçamento.
6. Por volta de abril de 2020, os AA., através do espaço disponibilizado no “site” da marca 2 ... (marca da ré) pediram orçamento para realização de obras de remodelação na sua habitação, sita na Rua ..., ..., Santo Tirso.
7. Fizeram-no porquanto a marca 1 ...”, integrada, como se disse, na rede de serviços da ré, lhes conferia credibilidade e confiança, sendo que a mesma tem notória visibilidade num canal de televisão nacional. (...).
8. As obras em causa consistiam nas que se encontram integralmente discriminadas no orçamento enviado aos autores.
9. Foi feito o orçamento com o nº ...50-1, capeado com data de 23.7.2020 (mas com indicação nas páginas que o compõem de 23.6.2020) e remetido aos autores, com o qual os AA. concordaram e aceitaram para serem realizadas as obras pretendidas.
10. Segundo esse orçamento, custo das obras de remodelação ascendiam a 40.055,28€.
11. Esse orçamento, capeado com folha na qual se indicava a marca 1 ...”, além dos custos discriminados da obra, incluía várias condições contratuais.
12. E informou os AA. qual seria a empresa de construção civil que, por sua escolha, iria realizar as mesmas.
13. Estabelecia a periodicidade dos pagamentos (no acto da adjudicação 30%; na entrada de obra 50% e no final 20%).
14. Estipulava que o prazo para a realização das obras era de 60 dias, bem como que o prazo de garantia das mesmas era de 5 anos.
15. E, ainda, nesse documento (na página 7) era pedido consentimento ao “titular dos dados enquanto cliente” para tratamento de dados pessoais (de acordo com o Regulamento da EU nº 679/2016 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Abril de 2016).
16. Bem como era pedida autorização aos autores para que fosse concedida à “marca 2 ...”, autorização para que “utilize os dados…fornecidos para as finalidades discriminadas em 2-3”.
17. Finalidades estas que, entre outras aí descritas, consistiam em: Gestão de clientes com base no contrato de empreitada; Subcontratação de serviços; Divulgação de produtos, serviços e campanhas, no âmbito das actividades desenvolvidas pela marca 2 ...; Obtenção de licenças, quando aplicável; Controlo da qualidade do serviço.
18. Condições que os autores aceitaram conforme doc nº1 e nº 2 cujo restante teor se dá por reproduzido[7].
19. Os AA não conheciam a sociedade B... Unipessoal, Lda.., nem ninguém com ela relacionado, nomeadamente o seu sócio.
20. Jamais a contactaram anteriormente à celebração do contrato com a ré.
21. Ao contratar com a ré, proprietária das marcas referidas, os AA. convenceram-se que, pela aparente credibilidade que transmitiam as marcas em causa, nomeadamente a “marca 1 ...”, a obra seria realizada por si.
22. E que seria efectuada com a qualidade que, através das suas marcas, publicamente assegurava.
23. E que os seus interesses e direitos, enquanto clientes, estariam garantidos.
24. Foram estes factores que determinaram que os AA celebrassem o contrato de empreitada.
25. Em 2/9/2020 a entidade escolhida pela ré, B... Unipessoal, Lda., iniciou os trabalhos acordados, conforme doc nº3 junto pelos AA cujo restante teor se dá por reproduzido[8].
26. Colocando, previamente, painel publicitário ao “marca 1 ...” no exterior da habitação dos autores.
27. E todos os seus funcionários traziam, bem visível, nas suas roupas de trabalho, o logotipo da referida marca.
28. Os autores, conforme exigido pela ré através das condições contratuais por si definidas, pagaram nessa data, por conta do preço, a quantia de 12.016,58€, que entregaram à B... Unipessoal, Lda...
29. E ainda, nessa data, pagaram, por conta desse preço, o montante de 7.983,41€, que entregaram à mesma B... Unipessoal, Lda.
30. Em 7/12/2020 pagaram, igualmente por conta do preço, a quantia de 10.000,00€, que entregaram à referida B... Unipessoal, Lda.
31. Os valores pagos foram-no com referência ao orçamento emitido pela ré (através das suas marcas), n.º ...50-1, ascendem os valores pagos à ré a 29.999,99€.
32. Nos termos contratados, a obra devia ter sido concluída nos 60 dias posteriores ao seu início, ou seja, até 2/12/2020.
33. Todavia, chegado o mês de dezembro, a construtora contratada pela ré (B... Unipessoal, Lda.) apenas tinha amassado as paredes, colocado focos e tecto falso, colocado as cerâmicas e o chão polido.
34. Encontrando-se em falta todas as obras restantes que constam do orçamento junto aos autos.
35. Perante a evidente impossibilidade de terminar a obra até ao dia 2/12/2020, os autores, a pedido da B... Unipessoal, Lda., acordaram com ela que a obra devia ser concluída até 1/5/2021, pois necessitavam, urgentemente, de ocupar a sua habitação.
36. A construtora referida, mais uma vez, nada fez nesse período de tempo e não concluiu a obra.
37. No dia 4 de maio de 2021, os autores reclamaram junto à ré, através de “email” remetido nessa data para a secção de qualidade da “marca 2 ...” (...), da falta de conclusão das obras contratadas.
38. Tal “email”, como os subsequentes dirigidos à ré, por intermédio das suas marcas (“marca 2 ... e marca 1 ...”), foi remetido, a pedido dos autores, pela sua nora EE.
39. Porquanto não possuem conhecimentos de informática que os habilite a utilizar um computador convenientemente.
40. E reclamaram, nesse dia 4.5.2021, nos seguintes termos: Vimos pelo presente email informar o nosso pleno desagrado com as obras aceites entre nós e o vosso representante FF em nome da empresa marca 1 .... As obras foram aceites conforme orçamento que junto aqui, no dia 02 de Setembro de 2020, ficando comprometido por parte do Sr. FF um prazo máximo de 60 dias para concluir as obras. Sendo que as demolições seriam pela minha conta onde a 27 de agosto de 2020 estavam terminadas. Para começar as obras, foi entregue em dinheiro o valor 20.000,00€ na data 02 de Setembro. Nesse data, foram escolhidas as loiças para a casa de banho e cerâmicas. Chegou o mês de Dezembro e tínhamos paredes amassadas, focos, teto falso, cerâmico colocado, no salão principal (com alguns defeitos) e o chão dos quartos polidos. No momento tínhamos 2 meses a espera do projeto da cozinha e mais nenhum trabalho foi realizado. Logo no dia 07 de Dezembro de 2020 foi entregue mais 10.000,00 em dinheiro. Ficando assim 75% do valor do orçamento aceite. (As obras continuavam no mesmo estado, antes mencionado). Nesse transcurso de tempo chegamos ao dia 01 de Março de 2021 onde apos diversas desculpas e falsos compromissos por parte do Sr. FF, com diversas chamadas não atendidas, mensagem não respondida e email enviado também não respondido. Houve uma última conversa entre a minha pessoa AA e o Sr. FF, foi decidido ate o dia 01/05/2021, a obra seria concluída. Bem, estamos a 04/05/2021, e as obras continuam exatamente igual que desde o final do ano, pelo que exigimos JÀ! Num lapso máximo de 15 dias, as obras COMPLETAMENTE CONCLUIDAS, tal e como foi aceite no orçamento. Do contrario, vamos entrar em tribunal em contra tanto do vosso representante dos marca 1 ..., FF, como da marca 2 ... obras. Porque nós contratamos os serviços dos marca 1 ... (marca 2 ... obras), e em vosso nome, veio o Sr. FF a representar-vos. O serviço tem sido uma completa desilusão, decadente e com pouco profissionalismo.
41. A ré, através dos serviços de qualidade da “marca 2 ...”, respondeu aos autores, por “email” datado de 6/5/2021, dizendo: “ Estimada Cliente, Acusamos a receção do seu email, o qual mereceu a nossa melhor atenção. Antes de mais, lamentamos toda a situação e os transtornos causados. Vimos por este meio informar que o B... Unipessoal, Lda. não é nosso franchisado. Deste modo, todas as ligações foram terminadas, sendo que a mesma está também impedida de fazer utilização do nossa logomarca. Como deverá ter conhecimento, cada franchisado é jurídica e financeiramente autónomo, mantendo a sua personalidade jurídica própria e única responsável pela sua atividade. Assim, infelizmente, não nos é possível acionar qualquer medida com vista a uma resolução à situação que nos reportou. Se fosse uma situação de determinar apenas sem que existisse valores pagos, poderíamos encontrar uma Unidade de rede que pudesse dar seguimento. No entanto, não é o caso. E não podemos intervir numa obra que está a cargo de uma outra empresa também. Terá que direcionar desta forma o seu pedido à empresa com que firmou o seu contacto de obra: B... Unipessoal, Lda.
42. A ré, só neste momento (6.5.2021), deu a conhecer aos autores que a construtora por si contratada já não estaria a trabalhar a seu mando nas obras em causa.
43. Os autores, até este momento (6.5.2021), estavam convencidos que a B... Unipessoal, Lda. estava a trabalhar ao serviço da ré, uma vez que a ré nunca os informou do contrário.
44. Até ao momento as obras de remodelação encontram-se por concluir, não obstante insistências várias, escritas e telefónicas, junto à ré, através dos serviços de qualidade da “marca 2 ... “ e “ marca 1 ...”.
45. Em resposta a esse “email”, por correio electrónico remetido em 15.11.2021, os autores. vêm dizer: “ Boa tarde, Em resposta ao email anteriormente enviado. Venho por este meio vos informar que até à presente data, e após vários intentos de negociações com a empresa que vocês nos encaminharam na realização da obra. O mesmo segue em incumprimento e não conclui ditas obras. Visto que vos contactamos e vocês encaminharam a os vossos representantes no qual recebeu dinheiro e até a presente data não concluiu as obras antes mencionadas. Como vocês referiram não se fazem responsáveis pelas empresas que vocês próprios tem como representantes, de mencionar que nunca foram visitar a obra para comprovar se de facto estava concluída, querem ficar fora do assunto. Ponderamos apresentar uma reclamação pública e contactar os midia como a CMTV e vossos publicitário ..., para que nenhuma outra familiar seja prejudicada como fomos pela vossa empresa”.
46. Em 19.11.2021, pela ré, através dos serviços de qualidade da “marca 2 ...”, responde aos autores , por “email”, do seguinte modo : “ Cara Sra. Acusamos a receção do seu email, o qual mereceu a nossa melhor atenção. Antes de mais, lamentamos a situação reportada. Apesar dos nossos esforços de contacto com a empresa B... Unipessoal, Lda., até à presente data não nos foi possível entrar em contacto com a mesma. Uma vez que pautamos a nossa actividade por um rigoroso código de ética que não estava a ser cumprido pela empresa em questão, decidimos terminar a nossa ligação, de forma a não comprometer a forma de tratamento e seguimento de um processo de obra que pretendemos que seja transparente e seguro para os nossos clientes. Informamos que a empresa B... Unipessoal, Lda. UNIPESSOAL, LDA (anteriormente conhecida como B... Unipessoal, Lda.) não pertence à nossa rede de franchising, pelo que todas as ligações foram terminadas e a mesma está a ser também impedida de fazer utilização da nossa logomarca. Importante esclarecer que cada franchisado é jurídica e financeiramente autónomo, mantendo a sua personalidade jurídica própria e única responsável pela sua actividade. Neste caso, a empresa B... Unipessoal, Lda. UNIPESSOAL, LDA, detentora de alvará emitido pelo IMPIC, será a entidade responsável, tal coo está referido no contrato de empreitada. Pelos motivos apresentados acima, informamos que rescindimos o contrato franchising com a empresa B... Unipessoal, Lda. Sugerimos assim que recorra a um advogado a fim de obter ajuda jurídica. Estaremos disponíveis para prestar esclarecimentos e ajudar no processo”.
47. Com os comportamentos descritos a ré causou e causa prejuízos materiais e elevados danos morais aos AA, na medida em que estes pretendiam ir viver para a sua habitação até final de dezembro de 2020.
(47 A)[9] Os Autores, permitiram a prorrogação do prazo da execução dos trabalhos até 19.5.21.
48. Devido à não realização das obras de remodelação contratadas, não o puderam fazer e ainda hoje não podem utilizar a sua habitação.
49. Não obstante os sucessivos prazos que, para o efeito, lhe foram concedidos pelos autores, através da construtora pela ré contratada e a pedido daquela.
50. Omitiu aos autores que [10] a sua contratada, B... Unipessoal, Lda. tinha deixado de estar ao seu serviço, em data que não se determinou e aqueles desconhecem.
51. Os autores pretendem que as obras sejam terminadas.
52. A casa de habitação dos autores, objecto das obras contratadas, tem um valor locativo mensal de 700,00 euros.
53. Os autores, ainda hoje estão impossibilitados de viver na mesma, uma vez que não tem condições de habitabilidade por falta de conclusão das obras.
54. Os referidos danos perdurarão até conclusão das obras em falta.
55. A vizinhança faz comentários pouco abonatórios sobre os AA.
56. Dada a aparente credibilidade que a ré tem no mercado, os vizinhos comentam entre si que as obras não estão concluídas porque os autores. não pagaram o preço das mesmas, o que envergonha os AA.
57. A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de consultoria e gestão aos seus clientes, ou seja, os seus franquiados, nessa medida efectua ainda a gestão da marca 2 ..., em todo o território nacional, celebrando com os seus clientes contratos de franchising, pelos quais cede a estes o direito a utilizarem essa marca comercial no seu negócio, tendo como clientes, apenas e só essas empresas de construção civil que pretendem utilizar a marca 2 ...
58. A Ré não tem como actividade a construção civil, pelo que não realiza obras.
59. O orçamento apresentado bem como a declaração de ADJUDICAÇÃO da obra e a declaração de ENTRADA EM OBRA têm a identificação da empresa de construção civil - B... Unipessoal, Lda.
60. No âmbito dos serviços prestados aos seus franquiados, a R. A..., LDA gere ainda um Call Center, no qual é centralizado o recebimento de chamadas de potenciais clientes que pretendem contratar os serviços dos construtores que usam a marca 2 ....
61. São as sociedades franqueadas pela ré que têm como objecto a construção civil e que elaboram os orçamentos que apresentaram aos autores, o que não lhes foi informado pela ré.
62. Após indicação da ré, foi a empresa B... Unipessoal, Lda., quem apresentou o orçamento aos autores e foi esta empresa que se obrigou perante aqueles, utilizando a marca promovida pela ré, a executar os trabalhos constantes do orçamento.
63. Aquando foi recebida a primeira reclamação dos autores, a sociedade B... Unipessoal, Lda., já estava suspensa da rede de franqueados da ora Ré, impedida de usar as marcas e insígnias do “marca 1 ...”.
*

6. Motivação Jurídica
1. A aplicação do direito de consumo
A sentença recorrida aplicou aos autos Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro, que porém, só entrou em vigor em 1.1.22 (art 55º, do mesmo diploma).
Ora, o contrato dos autos foi celebrado em 23.7.2020 (facto provado nº 9).
Logo esse diploma não pode ser aplicável aos autos, como pretendido pela apelante.
Mas teremos de notar que a sua existência pode ser usada como, veremos infra, argumento de lege feranda e que existam outras normas de direito de consumo aplicáveis.
*
2. Da aplicação do DL n.º 24/2014 que alterou o DL nº 143/2001 de 26 de Abril
Este diploma reviu e actualizou o anterior regime das vendas à distância regulado inicialmente pelo DL nº 143/2001[11], que visou transpor uma directiva[12].
A Directiva n.º 97/7/CE, conforme decorre do seu preâmbulo, visou compatibilizar a tutela do consumidor face às novas formas de comunicação à distância com o objectivo de harmonizar a livre circulação de mercadorias e serviços por forma a obter a criação efectiva do mercado único[13]. Pretendeu-se, assim, proteger o consumidor dos métodos agressivos de venda utilizados através das novas tecnologias, que permitem a aquisição de produtos sem a presença do vendedor e sem a constatação das qualidades do produto. O principal motivo desta especifica proteção face aos novos meios de comunicação à distância é a impossibilidade de o consumidor controlar e conhecer pessoalmente as qualidades e características do produto, antes de proceder à encomenda.
Essa Directiva 97/7/CE foi transposta no nosso ordenamento através do Decreto-lei nº 143/2001 de 26 de Abril (rectificado pela declaração de rectificação n.º 13-C/2001 de 31 de Maio). Este diploma regula os contratos à distância nos arts. 1º a 12º; nos arts. 13º a 30º os contratos ao domicílio e outros equiparados, e submeteu essas duas modalidades à aplicação comum dos arts. 31 a 34º (fiscalização) e arts. 35º a 38º (disposições gerais, aplicação no tempo e normas revogatórias).
O diploma aplicável[14] manteve esta sistematização.

3. Da modalidade da venda à distância
No caso, porém, estamos perante uma situação híbrida seja pela especifica contratação, seja pelo objecto da prestação.
Com efeito, a razão, de ser do especial protecção é que, na modalidade de venda fora dos estabelecimentos comerciais, o consumidor é abordado no seu domicílio ou num local análogo pelo profissional que toma a iniciativa de propor a contratação. Neste caso existe um efeito surpresa já que o consumidor não se encontra predisposto ou preparado para resistir a essa iniciativa comercial. Por outro lado, essa proposta contratual e a efectiva celebração do contrato ocorreria na presença simultânea dos dois contraentes o que não permite a existência de ponderação e reflexão na aceitação dos termos negociais e possibilita a “coacção psicológica” do vendedor munido de técnicas de venda agressivas[15] sem que o consumidor possua os meios para fugir a essa pressão e ao efeito surpresa.
Nos contratos à distância é precisamente a ausência recíproca dos contraentes que é a nota dominante. Essa ausência provoca uma ausência de informação por parte do consumidor; quer sobre a natureza, conteúdo e características do objecto ou serviço a adquirir; quer sobre as qualificações ou características do profissional; quer ainda sobre o conteúdo efectivo das obrigações contratuais que irá assumir. Neste caso, o consumidor não pode ver ou experimentar os bens com todos os seus sentidos antes de os adquirir.
No caso presente termos de notar que, com a excepção da visita por um funcionário para a elaboração do orçamento, todos os actos restantes foram realizados à distância sem qualquer contacto físico entre AA e Ré ou vislumbre da qualidade dos materiais. Assim, a oferta de contratação consta de um site; o primeiro contacto foi feito através de um call center; o segundo com envio dos dados através da página de internet, e a próprio proposta de orçamento e contrato final foram enviadas[16]. Logo, apesar do contrato ter sido celebrado (parcialmente) com contacto com o domicilio dos AA, estes foram abordados no mesmo, a seu pedido expresso, formulado por meios eletrónicos e apenas para realização de um orçamento. Logo, estamos perante uma modalidade híbrida de difícil qualificação, mas na qual esse contacto nem é relevante no quadro negocial (diz respeito a uma deslocação para elaboração do orçamento), como o mesmo não permitiu o conhecimento do real contraente (está provado que todos os funcionários usavam a denominação marca 1 ...), e muito menos o conhecimento da qualidade dos materiais que neste caso nem sequer está em causa.
Pelo que estamos, perante um contrato iniciado e formalizado através de meios de comunicação à distância.

4. Da inclusão ou exclusão do objecto acordado
O diploma abarca o objecto deste contrato (realização de obras de renovação/construção de uma habitação).
Em primeiro lugar, porque o conceito de fornecimento de serviços deverá ser entendido em sentido amplo “abrangendo a actividade não subordinada de qualquer natureza incluindo a actividade realizada no interesse de outrem”[17].
Depois, a exclusão prevista no art. 3º, al. d), desse diploma, prevê apenas (o serviço) d) Contratos relativos à construção, à reconversão substancial, à compra e venda ou a outros direitos respeitantes a imóveis, incluindo o arrendamento”.
Esta exclusão só se aplicará aos contratos que impliquem o resultado (opus) de construção completa/substancial de um bem imóvel e não àqueles cujo objecto seja a realização de bens tendentes à incorporação em imóveis, à sua construção parcial ou à respectiva reparação ou manutenção. Isso decorre quer do seu sentido literal, quer do processo legiferante referente à directiva comunitária. Acresce que em situações duvidosas (que não é o caso) deve-se atender ao efectivo interesse contratual visado pelas partes. Ora, in casu é evidente que estamos perante uma obra de renovação da habitação e não de construção.[18]
Acresce que o critério geral é a constante da definição do contrato à distância, ou seja, todos os contratos relativos a “bens ou serviços” (art. 2º, al. a) do Decreto-lei nº143/2001 e 2º, nº1 do DL 24/2014, assumindo, por isso, as excepções constantes do art. 2, nº3 desse diploma, a natureza de normas especiais cuja função é limitar a aplicação do princípio geral apenas nas circunstâncias aí previstas. Por isso as exclusões previstas devem sempre ser interpretadas restritivamente face ao amplo princípio geral de protecção.
Resulta, portanto, que apesar de se tratar de obras específicas de construção a situação dos autos, enquadra-se na noção de prestação de serviços com contratação à distância, porque estão verificados os restantes requisitos objectivos (art 2º, nº3º exclusões) e subjectivos (qualidade de consumidor).

*

5. Do regime do DL nº 24/2014
A principal tutela adequada do consumidor, neste diploma, é realizada através do direito de informação que pressupõe em termos de conteúdo que este seja suficiente, incluindo a identidade dos fornecedores e as características dos produtos ou serviços por forma a permitir ao consumidor uma escolha racional e adequada entre produtos e serviços concorrentes.
Ora, dos factos provados resulta que esta não foi realizada, já que quer na fase da proposta, quer na proposta, quer na execução das obras e pagamentos, as pessoas e documentos sempre se apresentaram como identificação de “marca 1 ... ….”
Note-se aliás, que a terminologia utilizada no processo de oferta dos bens e serviços foi subtil e sugestiva, escamoteando a real natureza do contratante.
A informação[19] sobre as características essenciais dos bens e serviços e natureza do contratante visa, permitir uma decisão racional e consciente do consumidor sobre a celebração do contrato.
Umas das principais decorrências desse princípio geral é que nas relações de consumo não é aplicável a figura do dolus bonus, prevista no nº2, do art. 253º, do CC que permite ao vendedor utilizar “as sugestões ou artifícios usuais, considerados legítimos segundo as concepções dominantes do comércio jurídico” [20]. Essa figura implica “a aceitação da meia verdade, da imprecisão e da astúcia em desfavor do esclarecimento dos consumidores”. Todavia, nos contratos de consumo a dimensão do direito à informação é incompatível com a relevância ou aceitação de qualquer forma de informação vaga, reticente ou parcialmente inverídica.
No que respeita à informação pré-contratual o art. 4º do Diploma impõe um dever prévio de informação com (…):
a) um conteúdo preciso (identificação do fornecedor e endereço); características essenciais do produto, preço total do bem; despesas de entrega; modalidades de pagamento, prazo de validade da oferta e prazo de duração do acordo, possibilidade de exercício do direito de “resolução”) (nosso sublinhado).
Estes requisitos mínimos formam assim o conteúdo, a forma e os prazos essenciais para o cumprimento do dever pré-contratual do fornecedor e caso não sejam integralmente satisfeitos o mesmo incorre, nos termos gerais, em responsabilidade extra-contratual, caso o contrato não venha a ser celebradoMenezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Vol. I - Almedina 1984, 582 e segs. .

Depois, na execução do contrato ambas as partes estão obrigadas a agir “com respeito pelos princípios da boa fé, da lealdade nas transacções comerciais”.[22]
O conceito de lealdade nas transacções comerciais coincide na nossa ordem jurídica com o de boa fé. O legislador comunitário utilizava, porém, esse conceito mais abrangente, tendo em conta as especificidades de algumas ordens jurídicas, nomeadamente a do Reino Unido, onde o conceito de boa fé não possui pelo menos de forma expressa essa denominação e concretização.
Esta imposição resulta também do art. 9º, nº1, da Lei de defesa do consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho) que dispõe: “O consumidor tem direito à proteção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos.”
Ora, informação leal e de boa fé é aquela que é realizada com sinceridade, sem subterfúgio ou ocultação, de forma completa clara e compreensível[23]. Informação esclarecedora e precisa é a que, pela sua forma e conteúdo, se reveste de exactidão, clareza, e idoneidade de elucidação.
In casu, tal não aconteceu, pois, o comportamento da ré provocou uma confusão razoável sobre a pessoa do efectivo contraente.

6. Das consequências desse incumprimento
A violação do dever de informação gera a possibilidade de resolução do acordo, nos termos do art. 10º, desse diploma.
Mas, os AA vieram, pelo contrário, exigir o cumprimento do contrato.
Ora, uma das regras particulares na aplicação do direito de consumo é que o aplicador deve ter um especial cuidado ao efectuar uma leitura literal e formalista do mesmo. Ao prever determinados remédios para a situação especifica isso não deve ser interpretado com uma forma de limitar direitos (com o argumento literal), mas apenas como a intenção de regular de forma mais específica certas situações. Por outro lado, por se basearem em directivas comunitárias essas normas, se como no caso, se limitam quase a reproduzi-las, podem provocar problemas de integração sistemática e até linguística.
Deste modo, o simples facto de não estar expressamente previsto do direito ao cumprimento não pode significar que o consumidor, neste diploma, o tenha perdido. Por um lado, este decorre dos termos gerais (art. 4º da Lei de Defesa do consumidor), os AA sempre teriam direito ao cumprimento do contrato, pois existe um direito à qualidade dos bens e serviços: “Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor”.
Portanto em caso de dúvida, com base nessa norma geral, o mecanismos geral do incumprimento das obrigações terá de ser aplicado, pois, em termos teleológicos e sistemáticos nunca faria sentido que um consumidor tenha menos direitos que qualquer contraente meramente civil ou comercial, por força de um diploma que, note-se, visa precisamente aumentar o âmbito da sua protecção.
No caso, concreto, essas regras gerais estão preenchidas.
Os AA cumpriram a sua obrigação. Já foram pagos cerca de 30 mil euros do preço total factos provados nºs 28,29 e 30). Efectuaram ainda uma interpelação admonitória que foi recebida e não cumprida. E, acresce que está demonstrado que “o contratar com a ré, proprietária das marcas referidas, os AA. convenceram-se que, pela aparente credibilidade que transmitiam as marcas em causa, nomeadamente a “marca 1 ...”, a obra seria realizada por si” (facto provado nº21).
Logo, com base no incumprimento do dever de informação e com base no diploma conjugado com a supra referida Lei de Defesa do consumidor e instrumentos gerais teríamos de concluir que os AA têm direito a obter o cumprimento do acordado face à ré, porque, devido à informação defeituosa desta confiaram que estavam a contratar com a mesma.
Trata-se aqui não de uma substituição contratual, mas simplesmente indemnização do dano contratual positivo ao abrigo do instituto da responsabilidade civil, cujos pressupostos se encontram preenchidos (arts. 483º, 562 e 563º, do CC). Acresce que o principio geral é o da restauração natural (neste caso realização das obras). Por fim, se dúvidas houver essa obrigação não é infungível pelo que a ré poderá, como pelos vistos faz habitualmente, assumir os custos de um agente/empreiteiro da sua rede que pelos incluiu, como se viu, o local do imóvel.
*
7. Da aplicação aos autos dos diplomas relativos à protecção do consumidor contra práticas desleais.
Em segundo, lugar, e em termos semelhantes, ao referido diploma, o Decreto-Lei n.º 57/2008 de 26 de Março[24] veio transpor para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2005/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, relativa às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores no mercado interno.
Este diploma visou estabelecer “uma proibição geral única das práticas comerciais desleais que distorcem o comportamento económico dos consumidores e aplica-se às práticas comerciais desleais, incluindo a publicidade desleal, que prejudicam directamente os interesses económicos dos consumidores e indirectamente os interesses económicos de concorrentes legítimos.”
E, esclareceu que existe uma proibição geral “(que se aplica) da mesma forma a práticas comerciais desleais que ocorram antes, durante e após qualquer relação contratual entre um profissional e um consumidor. Esta proibição geral é conjugada com disposições sobre os dois tipos de práticas comerciais desleais mais comuns: as práticas comerciais enganosas e as práticas comerciais agressivas. O carácter leal ou desleal da prática comercial é aferido utilizando-se como referência o consumidor médio”[25].
Na sua versão inicial, estabelecia no art. 5º que 1 - É desleal qualquer prática comercial desconforme à diligência profissional, que distorça ou seja susceptível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico do consumidor seu destinatário ou que afecte este relativamente a certo bem ou serviço.
No seu art. 7º que “1 - É enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que este não teria tomado de outro modo:
(…) f) A natureza, os atributos e os direitos do profissional ou do seu agente, como a sua identidade e o seu património, as suas qualificações, o preenchimento dos requisitos de acesso ao exercício da actividade, o seu estatuto, ou as suas relações, e os seus direitos de propriedade industrial, comercial ou intelectual, ou os prémios e distinções que tenha recebido;
Por fim, esse diploma, qualifica como “Omissões enganosas”, aquelas que:
1 - Tendo em conta todas as suas características e circunstâncias e as limitações do meio de comunicação, é enganosa, e portanto conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que não teria tomado de outro modo, a prática comercial:
a) Que omite uma informação com requisitos substanciais para uma decisão negocial esclarecida do consumidor;
b) Em que o profissional oculte ou apresente de modo pouco claro, ininteligível ou tardio a informação referida na alínea anterior;
Como consequência da existência desta prática, nos termos do art. 14º:
“1- Os contratos celebrados sob a influência de alguma prática comercial desleal são anuláveis a pedido do consumidor, nos termos do artigo 287.º do Código Civil.
2 - Em vez da anulação, pode o consumidor requerer a modificação do contrato segundo juízos de equidade.
3 - Se a invalidade afectar apenas uma ou mais cláusulas do contrato, pode o consumidor optar pela manutenção deste, reduzido ao seu conteúdo válido”.
Sendo que, nos termos do art. 15: “consumidor lesado por efeito de alguma prática comercial desleal proibida nos termos do presente decreto-lei é ressarcido nos termos gerais.
Note-se que este regime manteve-se inalterado com a alteração do DL n.º 205/2015, de 23/09.
Recentemente este diploma foi alterado pela Lei n.º 10/2023, de 03/03[26] que conjugou a previsão do art 14 e 15, apenas numa norma, nos seguintes termos: “1- O consumidor tem direito à redução adequada do preço ou à resolução do contrato relativamente aos produtos adquiridos por efeito de uma prática comercial desleal. 2 - O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos no número anterior, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais. 3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, o consumidor lesado por efeito de alguma prática comercial desleal, nos termos do presente decreto-lei, é ressarcido nos termos gerais”.
Sendo que, nos termos do art. 15: “ O consumidor lesado por efeito de alguma prática comercial desleal proibida nos termos do presente decreto-lei é ressarcido nos termos gerais”-

Estes diplomas, na parte aplicável aos autos, não apresentam especiais dificuldades interpretativas, mas foram objecto de vários estudos doutrinais entre nós[27].
A definição de práticas desleais é “manifestamente abrangente, o que permite incluir toda e qualquer conduta do profissional praticada nos preliminares ou na formação de negócios de consumo e com estes relacionados”[28].
A desconformidade destas deve ser aferida pela sua comparação com “o padrão de competência especializada e de cuidado que se pode razoavelmente esperar de um profissional nas suas relações com os consumidores, avaliado de acordo com a prática honesta do mercado e ou com o princípio geral da boa fé no âmbito da actividade profissional”[29].
E, o seu efeito “que essa conduta afecte sensivelmente a aptidão do consumidor para tomar uma decisão esclarecida, conduzindo-o, por conseguinte, a tomar uma decisão de transacção que não teria tomado de outro modo”[30].
Sendo o consumidor médio, como já referimos, o normalmente razoável e informado, logo sem conhecimento técnico-jurídicos.
E o conceito de boa fé aplicável é o que já foi debatido supra.

8. Do caso dos autos
Ora, no caso presente está demonstrado que, foi omitida uma informação substancial fundamental para que os AA tivessem aceite contratar nos termos do contrato definitivo, porque está demonstrado que os AA contrataram a ré porque:
1. “a marca 1 ...”, integrada, como se disse, na rede de serviços da ré, lhes conferia credibilidade e confiança, sendo que a mesma tem notória visibilidade num canal de televisão nacional. (...).(facto provado nº 7).
2. Nunca foram informados por esta de forma concreta até à reclamação da existência de qualquer contrato de franquia (factos provados e não provados).
3. Foi esta quem informou os AA. qual seria a empresa de construção civil que, por sua escolha, iria realizar as mesmas (facto provado 12)
4. Através de uma proposta de orçamento capeada com a denominação “marca 1 ...” (facto provado 11)
5. Sendo que “Os AA não conheciam a sociedade B... Unipessoal, Lda.., nem ninguém com ela relacionado, nomeadamente o seu sócio. Jamais a contactaram anteriormente à celebração do contrato com a ré (factos provados 19 e 20);
6. Ao contratar com a ré, proprietária das marcas referidas, os AA. convenceram-se que, pela aparente credibilidade que transmitiam as marcas em causa, nomeadamente a “marca 1 ...”, a obra seria realizada por si. E que seria efectuada com a qualidade que, através das suas marcas, publicamente assegurava. E que os seus interesses e direitos, enquanto clientes, estariam garantidos, foram estes factores que determinaram que os AA celebrassem o contrato de empreitada. (factos provados 21 a 24).
Deste modo, ao só revelar claramente aos AA que o único responsável pela boa realização da obra seria exclusivamente um terceiro que estes nunca conheceram, omitiram uma informação com requisitos substanciais para uma decisão negocial esclarecida do consumidor, neste caso a identidade e qualidade do empreiteiro.
Nesta matéria note-se que é requisito essencial do contrato o endereço geográfico e a identidade do profissional (art. 10º al. b).
Depois, que foram transmitidas (sobre a responsabilidade contratual da ré) informações falsas ou que, mesmo sejam correctas induziram em erro os RR fazendo-os pensar que estavam a contratar apenas com esta, factor esse que foi essencial para a efectiva e concreta decisão de contratar (facto nº24).
Note-se aliás que toda essa informação deveria ter sido transmitida de forma plena, total clara e correcta prevista no artigo 7.º, nº1 do Decreto-Lei 57/2008).
E que a proibição de ações e omissões enganosas visa proteger o direito à informação dos consumidores, para que estes possam efectuar uma escolha esclarecida.
Ora, no caso a escolha era entre uma entidade prestigiada e respeitada que até faz publicidade num programa de televisão, ou um empreiteiro igual a todos os outros cuja qualidade, solvabilidade e respeitabilidade era (de acordo com os factos provados) desconhecida, tudo isto num contrato de várias dezenas de milhares de euros que corresponde a vários anos de salário mínimo nacional.
Acresce que é exigível como padrão de comportamento mínimo e não médio que neste caso concreto o profissional tenha comunicado todas as informações necessárias, para a consciente opção de contratar num valor monetário muito elevado para a média da população portuguesa.
Um comerciante com padrões mínimos de honestidade (como a ré alerdei-a) deveria no mínimo esclarecer claramente a existência do contrato de franquia e as suas consequências, nomeadamente informando que após a assinatura do contrato “nada tinha a ver com isso” e que tudo seria apenas imputável ao seu agente e só contra ele poderiam ser deduzidas reclamações (email constante do factos provados).
Informou?
É evidente que não, de tal forma que nem alega que exista qualquer aviso na data no seu site.
Note-se que a honestidade requerida corresponde a uma ideia de correção profissional, de honradez, de probidade, o que por certo não corresponde à presente situação, na qual não se explica a franquia, mas depois usa-se a mesma para evitar responsabilidades sem que, note-se, nunca seja junto o contrato que poderá (ou não) ter cláusulas em contrário.
Logo é claro que foi violado não apenas a previsão literal normativa, mas a mais corrente boa fé comportamental.
Para se aferir dessa omissão é seguro que deve atender-se às medidas tomadas, no caso em concreto, pelo profissional com o objectivo de transmitir ao consumidor todas as informações necessárias, de modo a perceber se a informação foi devidamente transmitida ou não.
Ora, in casu, lendo a contestação em momento algum a ré alegou sequer que tenha informado os autores da existência de uma franquia e da sua total irresponsabilidade em qualquer incumprimento contratual.
Bem pelo contrário essa informação só consta dos factos num email de resposta que após a reclamação dos AA afirma “Apesar dos nossos esforços de contacto com a empresa B... Unipessoal, Lda., até à presente data não nos foi possível entrar em contacto com a mesma. Uma vez que pautamos a nossa actividade por um rigoroso código de ética que não estava a ser cumprido pela empresa em questão, decidimos terminar a nossa ligação, de forma a não comprometer a forma de tratamento e seguimento de um processo de obra que pretendemos que seja transparente e seguro para os nossos clientes.”
Concluímos, por isso, que a presente situação consubstancia uma prática comercial desleal.

9. As consequências
Nos termos dos arts 14 e 15º, para além da responsabilidade contra-ordenacional o consumidor teria os seguintes “remédios”:
1 - Os contratos celebrados sob a influência de alguma prática comercial desleal são anuláveis a pedido do consumidor, nos termos do artigo 287.º do Código Civil.
2 - Em vez da anulação, pode o consumidor requerer a modificação do contrato segundo juízos de equidade.
3 - Se a invalidade afectar apenas uma ou mais cláusulas do contrato, pode o consumidor optar pela manutenção deste, reduzido ao seu conteúdo válido.
(art. 15) O consumidor lesado por efeito de alguma prática comercial desleal proibida nos termos do presente decreto-lei é ressarcido nos termos gerais.
Ou seja, o consumidor teria então direito à anulação ou redução do contrato ou à indemnização nos termos gerais.
O legislador permite ao consumidor a substituição da sanção da anulabilidade, por uma solução que, alterando o sentido do que foi pactuado, proteja os seus interesses com a mera redução ou alteração por equidade. Face a todo o exposto essa alteração é permitida por juízos de equidade que mais não é do que a “medida das medidas” sem a qual o jurídico não é concebível[31].
O pedido concreto formulado pelos AA. foi de:
A- Declarar-se que os autores celebraram com a ré contrato para realização das obras discriminadas no orçamento junto aos autos.
B- Ser declarado que a ré não cumpriu, pontualmente, o contrato com ela celebrado pelos autores, nomeadamente por incumprir o prazo estipulado para a realização das mesmas e, ainda, por não as ter realizado integralmente.
C- Que em consequência desse incumprimento, os autores se vêm privados, desde Dezembro de 2020 (data estipulada para a conclusão das obras), de ocupar a sua habitação, porquanto a mesma não oferece condições de habitabilidade condigna. (…).
Logo, os autores claramente não pretendem qualquer resolução do contrato, mas o seu cumprimento através da alteração de uma cláusula do contrato passando os efeitos deste a obrigar ao cumprimento e indemnização não apenas o empreiteiro mas o agente Ré.
Esse pedido pode-se enquadrar na redução do negócio e “modificação do contrato com juízos de equidade”. Ou seja, o que os AA. pretendem é a manutenção de todos as cláusulas do contrato, com a modificação da que corresponde à titularidade do outorgante.
Neste caso se o acordo foi iniciado com a ré, se esta por omissão enganosa contribuiu para que um consumidor médio, colocado na posição dos AA pensasse que este era celebrado consigo parece que o remédio mínimo é operar essa redução e alteração do contrato.
Deste modo os AA pretendem (apenas) a manutenção do contrato reduzido ao seu conteúdo válido (todas as cláusulas excepto identidade do contraente), e a alteração da identidade deste fundada em juízos de equidade.
Nos termos do referido art. 14º, isso é inteiramente possível e corresponde ao pedido concreto formulado.
Diga-se, aliás que isso é de tal maneira equitativo que até está actualmente regulado pela actual lei da contratação à distância (Lei 84/21 de 18 de outubro) aplicado pela sentença recorrida e que no art. 44º, dispõe “O prestador de mercado em linha que, atuando para fins relacionados com a sua atividade, seja parceiro contratual do profissional que disponibiliza o bem, conteúdo ou serviço digital é solidariamente responsável, perante o consumidor, pela falta de conformidade daqueles nos termos do presente decreto-lei”. (nosso sublinhado)
Daí decorre que a situação peticionada pode ser decretada com base na equidade, já que corresponde precisamente à actual regulação legal que não é directamente aplicável pelas regras da aplicação da lei no tempo.
Acrescentaremos, por fim, que esse recurso à equidade foi bastante criticado pela doutrina, e associações de consumidor internacionais considerando que seria uma forma de manter um contrato abusivo e assim beneficiar o comerciante; ou que seria um direito que o consumidor não teria aptidão para exercer devidamente .
Por causa disso, a nova redação eliminou a referência directa a essa faculdade, prevendo que apenas no art. 14º, versão da Lei n.º 10/2023, de 03/03 que “1 - O consumidor tem direito à redução adequada do preço ou à resolução do contrato relativamente aos produtos adquiridos por efeito de uma prática comercial desleal. 2 - O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos no número anterior, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais. 3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, o consumidor lesado por efeito de alguma prática comercial desleal, nos termos do presente decreto-lei, é ressarcido nos termos gerais”.
Mas, mesmo nessa previsão e como forma de aferição do juízo de equidade, podemos concluir que os AA pretendem apenas uma indemnização derivada de um acto voluntário ilícito (não prestação de informação relevante geradora de um engano num elemento decisivo da contratação) , causalmente imputável à conduta da ré e geradora de um dano que corresponde ao interesse negocial positivo passível de reparação integral que não sendo infungível pode ser cumprida pela Ré voluntária ou coercitivamente através de terceiro.
Logo, também por este prisma deve a sentença ser confirmada.

10. Da aplicação do regime de franquia
Pretendia, porém, a ré que tinha celebrado com o prestador de serviço um contrato de franquia, nos termos do qual seria o prestador o responsável pelo incumprimento contratual.
Apesar do teor desse contrato não se encontrar junto aos autos (nem a sua alegada resolução), a utilização dessa figura até, como veremos, reforça a anterior conclusão.
Em primeiro lugar, o contrato de franquia é um acordo típico inominado[32], que é definido como “o contrato pelo qual alguém (franquiador) autoriza e possibilita que outrem (franquiado) mediante contrapartida actue comercialmente (produzindo e/ou vendendo produtos ou serviços) de modo estável, com a formula de sucesso do primeiro (sinais distintivos, conhecimentos, assistência...) e surja aos olhos do público com a sua imagem empresarial, obrigando-se o segundo a actuar nestes termos, a respeitar as indicações que lhe forem sendo dadas e a aceitar o controlo e a fiscalização a que for sujeito."[33]
Depois, é pacífico, entre nós, que é aplicável ao mesmo, por analogia, a regulamentação legal do contrato de agência prevista no DL 178/86 de 3.7[34].
Ora, o art 22º, desse diploma dispõe que “1 - Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o negócio que o agente sem poderes de representação celebre em nome da outra parte tem os efeitos previstos no artigo 268.º, n.º 1, do Código Civil.”
E, o art. 23º, desse diploma dispõe que
1 - O negócio celebrado por um agente sem poderes de representação e eficaz perante o principal se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do terceiro de boa fé na legitimidade do agente, desde que o principal tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do terceiro”.
Estas normas, apesar de reguladas numa lei especial são a emanação de um principio geral de proteção de terceiros, pelo que devem ser aplicadas extensivamente à generalidade dos casos em que esteja presente a mesma razão de ser.
Existe uma evidente identidade entre a situação dos autos e a visada nessa regulamentação.
Bastará dizer que o legislador no preâmbulo do contrato de agência referiu: “julgou-se necessário não descurar a protecção de terceiros. (…) Visou-se, com o dever de informação - na falta de um serviço de registo próprio -, esclarecer antecipadamente os interessados dos poderes atribuídos ao agente. Com a norma dedicada à representação aparente procurou-se, embora de forma prudente tutelar as legítimas expectativas de terceiros. Desejariam uns que o legislador fosse mais longe; recearão outros que o legislador tenha ido longe de mais. Optou-se, no entanto, por uma solução que se tem como equilibrada, em tema tão sensível como é o da representação aparente”.
Como salienta, o Ac da RL de 25.11.21, nº 1062/2001.L1-6 (Maria Gomes), “em todos os casos em que se justifique a tutela da confiança de terceiros que contratem com empresas cuja moderna organização interna, regra geral complexa, foge, de todo, ao conhecimento e controle desses terceiros[35].
Porque, como refere Menezes Cordeiro[36]“um prudente alargamento do art. 23º/1 do Decreto-Lei nº 178/86 (…) amparado na boa fé, nada tem de excepcional”.
E, segundo Mota Pinto[37], se «o representado tolera a conduta, dele conhecida, do representante, e essa tolerância, segundo a boa-fé e considerando os usos do tráfico, pode ser interpretada pela contraparte no negócio no sentido de que o representante recebeu procuração do representado para agir por ele».

Ora, no caso presente estamos, na tese da ré, perante um contrato de franquia, no qual a insígnia da mesma foi usada profusamente ao longo da publicitação, proposta, assinatura e execução do contrato. De tal modo que os AA e vizinhos sempre pensaram que estavam a contratar com a ré.
Note-se que está provado que foi “ Colocado, previamente, painel publicitário ao “marca 1 ...” no exterior da habitação dos autores”. E, que “E todos os seus funcionários traziam, bem visível, nas suas roupas de trabalho, o logotipo da referida marca”.
Existe assim uma clara identidade de interesses entre a exploração em regime de franquia e a presente situação, porque:
· A Actividade foi potenciada através de uma insígnia com notoriedade
· Sem prestação prévia de um cabal dever de informação
· Apta e geradora de confusão quanto à identidade do prestador.
Portanto, estamos perante uma representação aparente na modalidade tolerada, pois, neste caso “sujeito admite, repetidamente, que outrem pratique actos como seu representante”.[38]
Acresce que o contrato de franquia, mesmo numa das suas modalidades menos “intensas” que pode ser denominada como mero uso de insígnia, implica que os franquiados se associem à ré para beneficiar da experiência, «know how», notoriedade no mercado e poder de clientela que as insígnias representam e tornam possível.
Deste modo é inequívoco que perante um terceiro, neste caso consumidor, o uso da insígnia “marca 1 ... (…)” causa uma confusão em relação à identidade do prestador de serviço.
Está demonstrado que:
19. Os AA não conheciam a sociedade B... Unipessoal, Lda.., nem ninguém com ela relacionado, nomeadamente o seu sócio.
20. Jamais a contactaram anteriormente à celebração do contrato com a ré.
21. Ao contratar com a ré, proprietária das marcas referidas, os AA. convenceram-se que, pela aparente credibilidade que transmitiam as marcas em causa, nomeadamente a “marca 1 ...”, a obra seria realizada por si.
22. E que seria efectuada com a qualidade que, através das suas marcas, publicamente assegurava.
23. E que os seus interesses e direitos, enquanto clientes, estariam garantidos.
24. Foram estes factores que determinaram que os AA celebrassem o contrato de empreitada.
Deste modo, podemos concluir que o franquiador não demonstrou explicitamente aos RR que era um ente distinto do franquiado, bem pelo contrário, usou e fomentou essa confusão em todas as fases do contrato excepto na judicial.
Logo, sempre os efeitos e responsabilidades do contrato vinculariam a ré, que ao tolerar e beneficiar comercialmente da actividade do seu representante terá de assumir as consequências do comportamento deste.
A recente jurisprudência desta secção[39] admitiu este instituto.
In casu, do ponto de vista da tolerância da ré perante a actuação dos seus agentes, resulta demonstrado que a ré explora uma organização complexa, com a criação de um site, call center e escolha de uma série de agentes em todo o território nacional, mediante a utilização da denominação marca 1 ... que corresponde a um programa de televisão.
Foi devido a essa denominação que esta foi contactada, solicitou e recebeu (através do seu site) um pedido de orçamento e este orçamento foi realizado e adjudicado. Tal como no caso anterior os pagamentos não foram entregues à representada. Tal como nessa situação a proposta do orçamento faz expressa referência à marca 2 ... e indica ainda “unidade marca 1 ...”. Acresce que a ré, aquando da reclamação apresentada nunca pôs em causa a existência e validade desse contrato de agência ou alegou sequer qualquer abuso de representação (cfr. teor integral da contestação). Podemos, por isso concluir que esta se organiza desta forma e faz os resultados positivos dessa actividade de forma directa ou indirecta (cfr. factos não provados, contrato oneroso de franquia e natureza comercial da ré).
Do ponto de vista dos afectados pelos actos do “representante” é certo que o contrato final não usa um papel timbrado da ré. Mas, teremos de notar estar alegado e provado que o orçamento foi apresentado capeado com a denominação “marca 1 ... …”. Depois, em toda essa actividade fez expressamente menção ao “marca 1 ...” quer através de um painel, quer “todos os seus funcionários traziam, bem visível, nas suas roupas de trabalho, o logotipo da referida marca”.
Acresce que, como referimos, o auto de adjudicação e auto de início de obra fazem expressa menção ao orçamento apresentado. Portanto é mais do que plausível que os AA (pessoas de idade e de condição normal sem conhecimentos jurídicos) tenham actuado pensando que o faziam directamente com a ré. Bastará dizer que não consta de qualquer desses documentos escritos a existência de um contrato de franquia e que nem sequer no disclamer (apesar dos elevados padrões deontológicos invocados pela autora) se menciona o mesmo.
Por último está provado que: “43. Os autores, até este momento (6.5.2021), estavam convencidos que a B... Unipessoal, Lda. estava a trabalhar ao serviço da ré, uma vez que a ré nunca os informou do contrário. 42. A ré, só neste momento (6.5.2021), deu a conhecer aos autores que a construtora por si contratada já não estaria a trabalhar a seu mando nas obras em causa. E que: “Ao contratar com a ré, proprietária das marcas referidas, os AA. convenceram-se que, pela aparente credibilidade que transmitiam as marcas em causa, nomeadamente a “marca 1 ...”, a obra seria realizada por si. 22. E que seria efectuada com a qualidade que, através das suas marcas, publicamente assegurava. 23. E que os seus interesses e direitos, enquanto clientes, estariam garantidos”.
Podemos, por isso concluir que está demonstrada a criação de uma situação de erro sobre a efectiva representação do agente, que permite concluir pela subsunção da situação a uma representação aparente tolerada. Porque, se a representação aparente depende de um acto de negligência do representado é evidente, neste caso, que a ré foi tudo menos diligente a comunicar e informar a simples existência de um contrato de franquia, muito menos a explicar que no seu entender este a eximia de qualquer responsabilidade pelo incumprimento contratual.
Conforme refere o mesmo aresto supra citado, “há uma diferença entre o Direito civil e o Direito comercial; enquanto no primeiro a representação aparente, por via de regra, não terá o efeito da efectiva representação, só implicando responsabilidade civil, no Direito comercial é normal equipararem-se os efeitos da representação aparente aos da representação efectiva”. Ora, como já vimos o que os AA pretendem é a simples indenização do dano ao seu interesse contratual positivo através da indemnização por restauração natural que como já vimos é inteiramente possível.
Concluímos, pois, que também com este fundamento a sentença deve ser confirmada.
*
*

11. Da fixação do dano
Nenhuma das partes põe em causa a fixação do dano não patrimonial que por isso transitou em julgado.
E, nenhuma das partes põe em causa a impossibilidade de realizar a obra acordada no prazo fixado, apesar de constar do contrato que:


Na realidade, a única questão que importa decidir quanto a esta indemnização é se esta deve ser computada desde o prazo inicial de cumprimento como fez a sentença recorrida, ou, pelo contrário, desde o prazo que foi fixado pelos AA na interpelação que efectuaram à ré.
Nesta questão a solução é simples.
O art. 777º, do CC impõe as regras relativas à estipulação do prazo (neste caso 60 dias após o início das obras).
Todavia, os AA através de uma interpelação alteraram o mesmo para data posterior .
Logo, a indemnização devida pelo não cumprimento tempestivo da obrigação só pode iniciar-se após essa data, livre (mas vinculativamente) fixada pelos credores, sendo que a data fixada (19.5.21), será entendida, nos termos do pedido formulado (verba mensal) a partir do início do mês seguinte.
Nesta parte, pois, a apelação terá de proceder parcialmente.
*
7. Deliberação
Pelo exposto, este tribunal colectivo, julga a presente apelação parcialmente procedente por provada e, por via disso, com diferente fundamento, confirma a decisão recorrida determinando que o valor mensal de setecentos euros relativo à indemnização pela não utilização da casa se inicie a partir de 1 de Junho de 2021.

Custas a cargo de ambas as partes, na proporção do seu decaimento que se fixa em 90% para a apelante e 10% apelados.



Porto em 25.10.23
Paulo Teixeira
Leonel Serôdio
Aristides Rodrigues de Almeida com o seguinte: [voto de vencido]: Teria revogado a sentença recorrida e absolvido a ré dos pedidos, com o percurso e com os argumentos que procurarei descrever de forma sintética.
Como causa de pedir, alegaram os autores que celebraram com a ré um contrato de empreitada para execução das obras, cujo orçamento aceitaram e que se encontram por concluir. Alegam ainda que não conheciam a sociedade B... Unipessoal, Lda., que não a contactaram anteriormente à celebração do contrato com a ré e não celebraram com ela qualquer contrato de empreitada ou outro, embora tenha sido ela a executar os trabalhos orçamentados e executados em parte.
Em conformidade com essa causa de pedir, formularam os seguintes pedidos: «A- Declarar-se que os autores celebraram com a ré contrato para realização das obras discriminadas no orçamento …. B- Ser declarado que a ré não cumpriu, pontualmente, o contrato com ela celebrado pelos autores, …. C- Que em consequência desse incumprimento, os autores se vêm privados … da a sua habitação …. D- Condenar-se a ré a … concluir as obras contratadas, a suas expensas. E- Condenar-se a ré a pagar mensalmente aos autores, até efectiva conclusão e aceitação das obras, a título de indemnização … 700,00€ … F- Condenar-se a ré a pagar aos autores, a título de danos morais, a quantia de 1.000,00€.»
Sendo esta causa de pedir e o pedido, entendemos que condenar-se a ré com base noutra causa de pedir (v.g. que responde pelas consequências do não cumprimento de um contrato em que não é contratante) e noutro pedido (v.g. a providenciar no sentido de as obras orçamentadas serem concluídas por outro “prestador”) é, salvo o devido respeito, proferir uma decisão nula por conhecer de causa de pedir não formulada e condenar em objecto diverso do pedido.
Encontra-se junto aos autos o orçamento dos trabalhos, elaborado numa folha que ostenta uma imagem com um símbolo e os dizeres «marca 1 .... Obras», a indicação «Orçamento - Unidade marca 2 ...: B... Unipessoal, Lda. - IMPIC Alvará ...69... - Apólice de Seguro ...93», e ainda a indicação «[…] cada unidade marca 1 ... OBRAS é jurídica e financeiramente autónoma, mantendo a sua personalidade jurídica própria e única responsável pela sua actividade».
Encontra-se também junto um documento intitulado «adjudicação» que não ostenta qualquer imagem ou símbolo com os dizeres «marca 1 .... Obras» e/ou «marca 2 ...» mas apenas um símbolo com os dizeres «B... Unipessoal, Lda. – Projecto e Construção» e cuja redacção é a seguinte: «Serve o presente documento para proceder à adjudicação do orçamento N.º ...50-1, apresentado a BB, … pela empresa B... Unipessoal, Lda., com identificação fiscal N.º ...44, … referente à obra de remodelação de moradia, sita em Rua ..., ..., em Santo Tirso. Adjudicação acordada por ambas as partes intervenientes de 30% do montante total 40.055.28€ apresentado no orçamento N.º ...50-1 Valor recebido: 12.016.58€ (doze mil euros, dezasseis euros e cinquenta e oito cêntimos). Em V.N. Famalicão, à data 02 de Setembro de 2020.» Segue-se a assinatura manuscrita do representante da B... Unipessoal, Lda. e da autora.
Depois estão juntos dois documentos intitulados «entrada da obra» mas que correspondem a recebidos dos pagamentos pelos autores à B... Unipessoal, Lda. das quantias de 7.983,41€ e de 10.000,00€ por conta «do orçamento Nº ...50-1, apresentado a BB, … pela empresa B... Unipessoal, Lda., com identificação fiscal Nº ...44… referente à obra de remodelação de moradia, sita em Rua ... ... ..., Santo Tirso», documentos assinados manualmente pelo representante da B... Unipessoal, Lda. e pela autora.
Com fundamento nesses documentos juntos pelos autores e não contrariados por qualquer outro meio de prova, alteraria a fundamentação de facto da sentença, eliminando as contradições resultantes de se julgar provado em vários pontos (v.g. pontos 21, 24 e 49) que os autores celebraram o contrato com a ré e que foi esta que (sub)contratou ou escolheu quem ia executar as obras e em simultâneo julgar-se provado que os autores aceitaram o orçamento apresentado pela B... Unipessoal, Lda., adjudicaram-lhe os trabalhos e fizeram-lhe todos os pagamentos relativos ao contrato (v.g. pontos 9, 11, 12, 13, 28, 29, 30 e 31). Julgaria ainda provados os pontos que a recorrente defende na conclusão B), alíneas d), e e), e D), nºs. 25, 28 (aqui com a reserva de que as condições foram acordadas entre os autores e a B... Unipessoal, Lda.) e 31.
No tocante à fundamentação de direito, entendo o seguinte:
Os autores pedem o cumprimento do contrato, não pedem nem a sua resolução, nem a sua alteração, nem a sua conversão. O cumprimento do contrato não é um minus em relação à sua revogação, resolução, denuncia, modificação ou alteração. É precisamente o direito de sinal oposto: ao escolher e exercer aquela o consumidor quer permanecer vinculado ao contrato e que os respectivos direitos e obrigações sejam exigíveis reciprocamente pelas partes; nestes o consumidor quer libertar-se (total ou parcialmente) do contrato, expurgando-o do conteúdo que se formou em resultado dos vícios do processo de contratação.
Os autores, como partes de um contrato, têm o direito de exigir da contraparte que cumpra as suas obrigações, o que resulta das regras gerais do direito, sem necessidade de invocação de qualquer regime jurídico particular. Mas, vigorando entre nós o princípio da relatividade das obrigações, só as partes podem exigir esse cumprimento ou o ressarcimento das consequências do incumprimento da contraparte no contrato e apenas esta responde por aqueles. Para que um terceiro possa tornar-se titular de direitos ou ficar obrigado a prestações num contrato que não celebrou e em que não é parte ou responder pelas consequências do incumprimento do mesmo é indispensável um fundamento legal que estabeleça essa consequência específica.
As normas dos diversos diplomas do direito do consumo atribuem aos consumidores outros direitos que visam permitir-lhe libertar-se do contrato de consumo celebrado de modo imperfeito ou deficiente ou reduzir as suas obrigações perante esse contrato. São, contudo, direitos disponíveis dos quais o consumidor pode escolher não se fazer valer, optando por permanecer vinculado ao contrato e exigir da outra parte que cumpra integralmente as suas obrigações, direito que, como assinalado, só poderá exercer contra a contraparte ou contra terceiros que a lei considere responsáveis por esse cumprimento.
O Decreto-lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro, entrou em vigor em 1-1-2022, sendo, portanto, posterior ao contrato em discussão, e o respectivo artigo 53.º estabelece que as respectivas disposições em matéria de contratos de compra e venda de bens móveis e de bens imóveis se aplicam apenas aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, com excepção das situações do n.º 2 que nada têm a ver com o caso. O próprio artigo 24.º da Directiva (UE) 2019/770 cuja transposição para o direito nacional foi feita por aquele diploma consagra o mesmo regime transitório. Nessa medida, face a essa norma de aplicação da lei no tempo, entendemos não ter cabimento aplicar ao caso qualquer norma ou princípio daquele diploma.
O Decreto-lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, que transpôs a Directiva n.º 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, consagra definições específicas para efeitos da sua aplicação e regime. Nesse sentido, considera-se contrato celebrado à distância apenas o contrato celebrado entre o consumidor e o fornecedor de bens ou o prestador de serviços sem presença física simultânea de ambos, e integrado num sistema de venda ou prestação de serviços organizado para o comércio à distância mediante a utilização exclusiva de uma ou mais técnicas de comunicação à distância até à celebração do contrato, incluindo a própria celebração. No caso, os autores manifestaram o seu desejo de contratar, pedindo um orçamento para as obras através de um meio de comunicação à distância (no site da ré), foram visitados por representante da empresa construtora com o qual dialogaram sobre as obras pretendidas, receberam desta por meio de comunicação à distância (mail ou carta, não foi definido) o orçamento, aceitaram-no, ficaram em seu poder com uma cópia do mesmo assinada e adjudicaram a obra mediante documento escrito e assinado de forma manuscrita. Considerando que no caso houve actos praticados por meios de comunicação à distância e actos praticados pessoalmente na presença física dos contratantes e que entre eles se encontra precisamente o acto nuclear e estruturante da celebração de um contrato de empreitada como é a definição das obras pretendidas e a medição dos trabalhos para efeitos de elaboração do orçamento, o contrato não cabe naquela definição.
No seu articulado os autores não aludiram a nenhum dos direitos previstos nos diversos diplomas de tutela dos consumidores, não reclamaram a tutela de qualquer das suas previsões ou disposições designadamente para nelas fundamentarem os seus pedidos, não alegaram a violação pela ré de qualquer dos deveres ou obrigações aí previstas e cuja falha podia viciar o processo de contratação.
Entendo que por isso não suscitaram nenhuma questão em função da qual a ré ficasse onerada com o dever de provar que observou esses deveres ou algum dever em específico.
Os documentos a que começámos por fazer referência indicam claramente a empresa com a qual foi contratada a realização das obras, que esta o faria com plena autonomia jurídica e seria inteira e única responsável por essa actividade. Os factos provados remetem para um site mas não revelam qual era o respectivo conteúdo à data da consulta pelos autores em relação àquela informação ou a qualquer outra. Por isso, entendo que não cabia à ré a obrigação de provar qualquer facto sobre esse aspecto da contratação, nem é juridicamente possível construir a fundamentação da decisão apoiando-a na violação de qualquer dos deveres legais que impedem sobre o profissional que contrata com um consumidor, designadamente em diplomas de defesa da concorrência.
A aplicação ao caso concreto, por analogia, da norma jurídica do regime do contrato de agência que tutela a «representação aparente» afigura-se-nos uma possibilidade mais viável no caso concreto e nesse particular a nossa discordância é menos firme.
Aceita-se que este regime jurídico pode aplicar-se analogicamente a outros contratos de cooperação ou colaboração comercial, como a concessão, a distribuição a franquia e outros. No entanto, como alerta Pinto Monteiro, in Contrato de Agência, Anotação, 3.ª edição actualizada, Almedina, 1998, página 48, isso não dispensa o intérprete de verificar caso a caso se existe uma analogia de situações que justifique a aplicação a um contrato de normas estabelecidas para outro.
A actividade comercial compreende o uso generalizado de sinais distintivos de comércio e marcas, as quais representam posições de mercado com valor económico, sendo elas mesmas passíveis de negócios jurídicos.
Quando entramos num stand de automóveis de uma determinada marca, encontramos nas instalações todos os sinais distintivos e símbolos da marca; no entanto, se contratarmos com o stand a compra de um carro dessa marca e o stand, apesar de ter recebido parte do preço, não nos entregar o carro no prazo convencionado, não nos passa pela cabeça exigir o cumprimento do contrato da empresa estrangeira titular da marca do carro, ainda que por qualquer razão, independentemente do que consta do texto do contrato, estejamos (mal) convencidos de que estávamos a comprar o carro directamente à marca. Apesar disso, se quando o veículo nos é entregue verificamos que o mesmo afinal liberta bem mais resíduos poluentes dos que aqueles que a publicidade da marca anuncia, não tem a potência divulgada ou tem um consumo muito superior ao anunciado, poderemos demandar o produtor do veículo para obter o ressarcimento dos danos correspondentes ou mesmo obter a anulação do contrato por erro ou dolo. O mesmo vale quando entramos num estabelecimento de venda de roupa com que nos deparamos ao passear na rua e que até esse momento desconhecíamos por completo e adquirimos uma peça de roupa da marca reconhecida publicamente que o estabelecimento comercializa. Também nesse caso, se a peça de roupa que nos entregam não é afinal do tamanho que quisemos comprar e nos foi vendida, podemos demandar o estabelecimento exigindo o cumprimento do contrato de compra e venda, não podemos demandar a empresa titular da marca pedindo esse cumprimento. E, no entanto, em qualquer dos casos podemos desconhecer a relação jurídica que permite ao estabelecimento aproveitar a notoriedade e usar na sua actividade a marca, os símbolos e os demais sinais distintivos da mesma e podemos até estar convencidos de que estávamos a comprar directamente ao produtor do bem.
O artigo 23º desse diploma dispõe que «o negócio celebrado por um agente sem poderes de representação e eficaz perante o principal se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do terceiro de boa fé na legitimidade do agente, desde que o principal tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do terceiro». Este preceito resolve o problema da representação aparente, ou seja, no dizer do autor atrás citado, loc. cit., página 89, «que atitude tomar quando o agente, sem poderes de representação ou de cobrança de créditos, actua, no entanto, como se os tivesse, criando no cliente a aparência de estar a contratar ou a pagar a um agente munido dos respectivos poderes».
Na nossa interpretação, os factos provados, em particular aqueles que se encontram reduzidos a escrito e, portanto, eram perfeitamente cognoscíveis pelos réus, não permitem afirmar que a empreiteira com a qual os autores contrataram a execução dos trabalhos orçamentados actuou como se tivesse poderes de representação da sociedade ré, como se estivesse a celebrar aquele contrato em nome desta, como se o contrato se destinasse a produzir efeitos entre os autores e a ré.
Passar do uso, claramente demonstrado, dos sinais distintivos de comércio associados à ré, para uma actuação como se fosse em representação desta, é, a nosso ver, um salto que a matéria de facto não consente ou uma ampliação da previsão do mencionado artigo 23.º que, do ponto de vista interpretativo, nos parece de evitar.
Acresce que o preceito exige que o principal «tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do terceiro» na existência dos poderes de representação, o que nos parece desmentido no caso pela circunstância de o orçamento mencionar expressamente que «[…] cada unidade marca 1 ... Obras é jurídica e financeiramente autónoma, mantendo a sua personalidade jurídica própria e única responsável pela sua actividade». Ir para além disso e tutelar a errónea convicção dos autores, fundada na ausência de leitura ou compreensão dos documentos que assinaram, é, com todo o devido respeito, defender que sempre que na actividade comercial são usadas marcas, símbolos ou sinais distintivos de comércio de outrem, o titular destes pode, independentemente do método de comercialização ou do regime jurídico do contrato que permite a colaboração, ser chamado a responder pelo cumprimento do contrato em que não é parte, que não incumpriu e que pode não ter fundamento legal para controlar e/ou condicionar].
___________________________________
[1] Basta citar o Ac do STJ de 25.11.2020, nº 2370/17.2T8VNG.P1.S1 (Chambel Mourisco): “a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, numa linha muito bem sedimentada, em consonância com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, tem privilegiado soluções que visem não obstaculizar o acesso ao direito, preservando o princípio constitucional de que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo, nos termos do n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e art.º 6 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”.
[2] O que consta do facto não provado F) Que recebida a chamada pelo Call Center, o cliente é encaminhado para um dos franquiados, de acordo com o sistema de operações do Call center.
[3] Onde apenas consta a palavra agente.
[4] Note-se que o depoimento de parte diz “sei porque é sempre feito”. Mas, depois refere o “disclamer” sem que este seja junto aos autos. Logo, o seu depoimento, isolado é insuficiente.
[5] 28. Os autores, conforme exigido pela ré através das condições contratuais por si definidas, pagaram nessa data, por conta do preço, a quantia de 12.016,58€, que entregaram à B... Unipessoal, Lda... 29. E ainda, nessa data, pagaram, por conta desse preço, o montante de 7.983,41€, que entregaram à mesma B... Unipessoal, Lda., Unipessoal, Lda”. 30. Em 7/12/2020 pagaram, igualmente por conta do preço, a quantia de 10.000,00€, que entregaram à referida B... Unipessoal, Lda. 31. Os valores pagos foram-no com referência ao orçamento emitido pela ré (através das suas marcas), n.º ...50-1, ascendem os valores pagos à ré a 29.999,99 €”.

[6] No auto de



[7] Reprodução do documento aditada oficiosamente.
[8] Reprodução do documento aditada oficiosamente.
[9] Facto aditado por procedência parcial do recurso sobre a matéria de facto.
[10] Facto alterado oficiosamente.
[11] Este diploma foi revogado e alterado pelo DL n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, sem um regime substancialmente diverso no caso dos autos.
[12] A primeira regulamentação comunitária nesta matéria foi a Directiva Comunitária 85/577/CE relativa à protecção do consumidor no âmbito da celebração de contratos celebrados fora dos estabelecimentos comerciais. Esta Directiva regulava não só as vendas à distância mas, também as vendas porta a porta e aquelas que fossem realizadas fora dos estabelecimentos comerciais. O preâmbulo dessa Directiva frisa que, nesses casos, é o vendedor que inicia as negociações, para as quais o consumidor não está preparado, sendo surpreendido por esse contacto, de tal modo que poderá não comparar a qualidade e preço dos produtos com outros disponíveis no mercado. Entre nós, essa Directiva foi transposta pelo Decreto-lei n.º 271/87 de 2 de Julho que, regulou os mecanismos de protecção no caso das vendas ao domicílio, vendas por correspondência, vendas em cadeia e vendas forçadas. Através da Recomendação 92/295/CE, de 7.4.92 (in JO n.º L156/21) a Comissão emanou um Código de Conduta em matéria de contratos negociados à distância, promulgando em 1997 uma nova Directiva específica para a comercialização à distância de bens e serviços não financeiros
[13] Veja-se que o ponto 3 desse preâmbulo afirma a importância económica das vendas à distância para a construção do mercado único e só no ponto 11 se refere ao conteúdo da informação do consumidor, no 14º, o direito de rescisão, no 17 o direito de protecção da vida privada e no 20 a tutela da concorrência.
[14] DL n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro.
[15] A consulta realizada pela comissão europeia em 15 e 16 de março de 2000 às organizações comerciais e de defesa dos consumidores tendo em vista a alteração da Directiva 85/577, “hering door to door selling-piramid selling-multi level marketing, onde se salienta “as situações de venda directa e à distância são completamente diferentes : a surpresa desempenha um papel importante nas vendas directas (...); contudo nas vendas à distância a falta de informação que é gerada pela distância entre o comprador e o vendedor é relevante.
[16] A anterior Directiva definia no seu art. 2º, nº4 a técnica de comunicação à distância como “qualquer meio, sem a presença física e simultânea do fornecedor e do consumidor que possa ser utilizado tendo em vista a celebração do contrato entre as duas partes”. O anexo I descreve exemplicativamente algumas dessas técnicas - carta normalizada, catálogo, telefone com e sem intervenção humana, rádio, videofone, videotexto, correio electrónico, telefax, televisão. Podemos por isso afirmar que o meio utilizado é quase totalmente livre e pode constituir a forma mais arcaica (pombos correios) ou moderna (comunicações de dados) que permita transmitir as declarações negociais de ambos os contraentes através do espaço geográfico que os separa. Essa definição consta do art. 3/h do DL 24/2014.
[17] Luís Lima Pinheiro, “Direito Aplicável aos contratos com consumidores”, ROA, ano 61, 2001, I, pág. 162.
[18] Facto provado nº 6 (…) pediram orçamento para realização de obras de remodelação na sua habitação.
[19] De notar que, esse direito tem dignidade constitucional nos termos do art. 60º, nº1 da CRP.
[20] Pegado Liz, Introdução ao Direito e à política do Consumidor, Editorial Noticiais, pág. 112.
[21] Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Vol. I - Almedina 1984, 582 e segs.
[22] Art. 4º, nº2, do diploma, que apesar de ser mencionado quanto à informação é um princípio geral.
[23] cfr. Pinto Monteiro, Erro e vinculação Negocial, Almedina, 2002, pág. 44 e segs. a propósito do dever de lealdade no quadro da relação jurídica complexa.
[24] Este diploma, foi também objecto de sucessivas alterações, sendo aplicável ao contrato dos autos a versão do DL n.º 205/2015, de 23/09.
[25] Õ conceito comunitário de "consumidor médio" é o consumidor normalmente informado e razoavelmente atento e advertido. Neste caso, portanto, sem conhecimento do significado da palavra agente usada no contrato.
[26] Não aplicável aos autos.
[27] Entre outros, Menezes Leitão, AS PRÁTICAS COMERCIAIS DESLEAIS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO, Liber Amicorum Mário Frota : a causa dos direitos dos consumidores / comissão organizadora Ada Pellegrini Grinover.. [et al.], Almedina, [2012]. p. 369-386, publicação também na AO. Mafalda Miranda Barbosa, Revisitação do regime das práticas comerciais desleais (DL no 109 G/2021, de 10 de dezembro), revista de direito comercial, 10.7.22, 1319. Teresa Moura dos Santos, A tutela do consumidor entre os contratos de adesão e as práticas comerciais desleais, REVISTA ELECTRÓNICA DE DIREITO – FEVEREIRO 2016 – N.º 1; ELSA DIAS OLIVEIRA, “Práticas comerciais proibidas”, em LUÍS MENEZES LEITãO (org), Estudos do instituto de Direito do Consumo, III, Coimbra, Almedina, 2006, pp. 147-173 (157). JORGE PEGADO LIZ, RPDC n.º 44 (Dezembro 2005), p. 78. Daniela dos Santos Ribeiro Práticas Comerciais Desleais – Interesses Protegidos, tese Escola Direito/UM, disponível em https://repositorium.sdum. uminho.pt/bitstream/1822/47956/1/Daniela%20dos%20S antos%20Ribeiro.pdf .
[28] Menezes leitão, ob cit.
[29] Elsa Dias Oliveira, ob. Cit.
[30] Mafalda Barbosa, ob cit.
[31] Orlando de Carvalho apud Carneiro da Frada EQUIDADE (OU A “JUSTIÇA COM CORAÇÃO”) A propósito da decisão arbitral segundo a equidade, ROA; ano 72, vol. I, pág.109 e segs.
[32] Sendo aplicáveis as regras comunitárias dos Regulamentos (CEE) n.º 4087/88, de 30 de Novembro e do Regulamento (CE) n.º2790/99, de 22 de Dezembro.
[33] Pinto Monteiro, Contratos de Distribuição Comercial, Relatório, Almedina, 2002, pág 120 e segs.
[34] Entre vários, PINTO MONTEIRO, Contrato de Agência. Anotação ao Decreto-Lei n.º 178/86, 5.ª ed. Almedina, Coimbra, 2004, p.108 e Ac da RP de 9.2.23, nº 18693/19.3T8PRT.P1 (Judite Pires).
[35] No mesmo sentido, Ac RG de 19.11.20, 2347/18.0T8VRL.G1 (Jorge Santos) e Ac da RC de 7.4.17, nº 411/15.7T8CTB.C1, (FELIZARDO PAIVA) (ambos relativos à mediação de seguros).
[36] Tratado de Direito Civil”, I Parte Geral, Tomo IV, 2005, p. 104. No mesmo local este autor a procuração aparente assenta num dado objectivo (alguém actua como representante) e num dado subjectivo (negligência do "representado"), e que esta “tem particular relevo no domínio do Direito comercial, justificada na tutela do dano de confiança do terceiro de boa-fé”.
[37] Teoria Geral de Direito Civil, 4.º ed. Revista, Coimbra Editora, 2005, p. 551.
[38] Ac da RP de 9.2.23, nº 18693/19.3T8PRT.P1 (Judite Pires) e Ac. do STJ, de 11.07.2012, nº 5118/06.3TVLSB.L1.S2 (Granja Fonseca).
[39] O Ac da RP de 9.2.23, nº 18693/19.3T8PRT.P1 (Judite Pires) aplicou este instituto no quadro de uma mediação de seguros (que possuía norma específica), por actos praticados por uma ex-funcionária bancária. Foi considerado provado, em resumo que: E, por toda gente com quem ela contactava ou que entrava em contacto com ela, era considerada mediadora de seguros, por conta da R., A... Seguros, S.A, facto, aliás, que ela própria afirmava perante essas pessoas. A 1ª R., A... Seguros, S.A., até fins de Agosto de 2009, nunca desmentiu que a 2ª R., BB, trabalhava para a 1ª R. na indústria de seguros, data em que começaram a aparecer publicamente as reclamações e queixas dos clientes, contra essa seguradora e contra os outros dois RR. 11) Para a generalidade do público, tal correspondia à realidade. No período compreendido entre os anos de 2005 e 2009 a 2ª ré BB, sem o conhecimento e sem o consentimento da aqui 1ª ré A..., usou de forma reiterada, sistemática e habitual, o nome, imagem, reputação e credibilidade desta para se apossar de montantes pecuniários de terceiros, que bem sabia não lhe pertencerem. Esse arresto, aplicando o regime da mediação de seguros, concluiu também que os requisitos da representação são a) Que o representante aja em nome do representado (“contemplatio domini”), o que distingue a representação da chamada comissão; b) Que o acto realizado caiba dentro dos limites dos poderes conferidos ao representante.Concluindo que pode entender-se ocorrer uma representação implícita, resultante da relação existente entre os dois sujeitos. Ou, é possível configurar um relação que se pode designar por «representação tolerada». Nesta, um sujeito (segurador) admite, repetidamente, que outrem (mediador) pratique actos como seu representante.