Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JERÓNIMO DE FREITAS | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL COMPETÊNCIA QUESTÃO NOVA CRÉDITO DE HORAS PARA FORMAÇÃO DIREITO À RETRIBUIÇÃO CORRESPONDENTE CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO | ||
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Nº do Documento: | RP202112155622/19.3T8MTS.P1 | ||
Data do Acordão: | 12/15/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA. | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A competência para o procedimento das contra-ordenações por violação de normas que consagrem direitos ou imponham deveres a qualquer sujeito no âmbito de relação laboral e que sejam puníveis com coima, está atribuída por lei à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) [art.º 2.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro - regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social]. Nesta matéria, aos tribunais – 1.ª instância - compete apreciar a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa [art.º 32.º], que é coisa bem diferente. II - Os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu”. III - O direito do trabalhador a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação, só se constitui com a cessação do contrato de trabalho. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | APELAÇÃO n.º 5622/19.3T8MTS.P1 SECÇÃO SOCIAL ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I - RELATÓRIO I.1 B… instaurou a presente acção declarativa com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra C…, SA, pedindo que julgada a acção procedente seja decidido o seguinte: I. Ser imediatamente corrigido o acréscimo do trabalho por turnos para a percentagem de 22%; II. Ser declarada fundada a pretensão da Autora e, consequentemente, ser o Réu condenado a pagar à Autora: 1. Todos os retroativos reclamados no montante de €8643,01 (oito mil, seiscentos e quarenta e três euros e um cêntimo). 2. Juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até integral pagamento, tendo por referência o início do contrato de trabalho no dia 14/04/2010, com as legais consequências quanto a custas e demais encargos. 3. 105 horas de formação no valor de €412,00 (quatrocentos e doze euros); 4. Compensação de danos não patrimoniais, em montante não inferior a €5.000,00 (Cinco mil euros). Alegou, no essencial, que foi admitida pela ré no dia 14/04/2010, para exercer funções enquanto auxiliar hospitalar, com um horário de 40h semanais, por turnos, e mediante uma remuneração mensal ilíquida de 475€, acrescida de 4,50€ a título de subsídio de alimentação. A esses montantes acresce um subsídio por turno correspondente a 15% do salário base, sendo que a mesma assegura turnos aos sábados ou aos domingos. Defende, contudo, que tal subsídio deverá ser calculado com base numa percentagem de 22%, nessa medida reclamando, a título de diferenças, a quantia global de 8.643,01€. Mais alega não lhe ser prestada formação correspondente a 40h anuais e ter sido violado o seu direito referente às férias de 2019, uma vez que não lhe foi permitido o gozo das mesmas no mês de Agosto, por alteração unilateral da ré (impedimento que já em 2018 havia sucedido). Por fim, alega não lhe ser permitido beneficiar das horas de descanso para o almoço ou para o jantar, sendo a autora obrigada a trabalhar 10h diárias, e não beneficiar de folgas ao fim de semana há mais de um ano. Tais factos impedem-na de ter tempo de qualidade ou férias em família. Juntou documentação. Realizada audiência de partes não foi possível obter a conciliação das partes. Regularmente notificada para o efeito, a ré apresentou contestação. Defende que o subsídio por turno se mostra correctamente calculado e que as 40h de formação apenas se tornaram obrigatórias a partir de 01/10/2019, sendo que as eventuais horas que, a esse título, não tenham sido ministradas, apenas se convertem em crédito de horas a gozar (e não em crédito retributivo), uma vez que o vínculo laboral ainda não cessou. Quanto à matéria referente às férias de 2019, justifica que o gozo no período correspondente ao verão tem de ser repartido por todas as colaboradoras (e a autora já o havia gozado nos dois anos anteriores), bem como que os períodos que ficaram definidos o foram por acordo entre as partes. Nega que a autora trabalhe 10h diárias e que não beneficie dos descansos correspondentes aos períodos das refeições ou de folgas aos fins-de- semana. Por fim, refuta a existência de quaisquer danos morais, os quais refere não terem sido concretizados. Conclui pela improcedência da acção e a sua inerente absolvição dos pedidos. Juntou documentação. Foi proferido despacho saneador, tendo sido dispensada a enunciação dos temas de prova, nos termos permitidos pelo art.º 49.º n.º 3 do CPT. Foi fixado o valor da causa em 14 055,01€. Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais. I.2 Subsequentemente, o Tribunal a quo proferiu sentença, concluída com o dispositivo seguinte: -«Face ao exposto, e sem necessidade de maiores considerações, julga-se a presente acção totalmente improcedente, por não provada, e, nessa sequência, absolve-se a ré de todos os pedidos contra si formulados. Valor da acção: o fixado no despacho saneador (fls. 108). Custas pela autora. [..]». I.3 Inconformada com esta sentença, a Autora interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido e fixado o modo de subida e efeito adequados. As alegações apresentadas foram encerradas com as conclusões seguintes: ………………………………………………… ………………………………………………… ………………………………………………… I.4 A Ré contra-alegou, encerrando as contra-alegações com as conclusões seguintes: E.1.1. Da Rejeição Parcial do Recurso: ………………………………………………… ………………………………………………… ………………………………………………… I.5 O Digno Procurador-Geral Adjunto nesta Relação teve visto nos autos, nos termos do art.º 87.º3, do CPT, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência do recurso, referindo, no essencial, o seguinte: - «[..] Na esteira do contra alegado, merece imediata observação o reparo que é feito às conclusões XII XVIII e XXI, por inadmissibilidade legal e absoluta de procedimento. Incumpre a recorrente na 1ª. conclusão a exigência legal decorrente da regra geral que resulta dos artº.s. 635º nº 4 e 639º nº 1 do CPC, de que as alterações à matéria de facto propugnadas devem ser expressamente enunciadas nas conclusões do recurso, pelo que, não há que conhecer do recurso na parte relativa à impugnação do ponto 3 dos factos provados. No mais, tal como resulta da sentença recorrida, não logrou a recorrente demonstrar os factos em que estribou a sua pretensão. Improcedem as conclusões formuladas. A sentença recorrida merece, pois, ser mantida na ordem jurídica. Em suma, emite-se parecer no sentido de o presente recurso não obter provimento». I.6 Cumpriram-se os vistos legais e foi determinado que o processo fosse submetido à conferência para julgamento. I.7 Delimitação do objecto do recurso Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso, a questão colocada para apreciação pela recorrente consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento: i) Na apreciação da prova, pretendendo a alteração dos factos 3 e 8, o aditamento de um novo facto, bem assim que se considerem provados os factos não provados 2 e 7 [conclusões I, II, VI, VIII, XVI. XIX e XX.; ii) Na aplicação do direito aos factos, quanto ao seguinte: a) Por não ter aplicado o suplemento remuneratório reclamado de 22% e condenado a Ré no pagamento a título de retroativos, no montante de 8.643,01€ acrescido dos legais juros de mora; b) Por não ter condenado a Ré na atribuição de créditos de horas à Autora no total de 106,50 horas de formação e ainda ordenado a aplicação de contraordenação grave; c) Por não ter condenado a Ré em indemnização por danos morais, no valor de € 5 000, e não ter ordenado a aplicação de contra-ordenação grave. II. FUNDAMENTAÇÃO II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO O Tribunal a quo fixou o elenco factual seguinte: 1. Por acordo reduzido a escrito no dia 14/04/2010, denominado Contrato de Trabalho a Termo Certo, com início na mesma data, a autora obrigou-se a prestar à ré, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, funções como Auxiliar Hospitalar, na sede da mesma, sita na Rua…, …, … – cfr. doc. de fls. 8v a 11. 2. Mais ficou acordada uma retribuição mensal de 475€ ilíquidos, sujeitos aos legais descontos, acrescida de 4,50€ a título de subsídio de alimentação por cada dia efetivo de trabalho. 3. A autora cumpria um período de trabalho de 40 horas semanais, por turnos. 4. Da cláus. 7.ª do acordo referido no facto n.º 1 consta: “(…) 2. Inicialmente e sem prejuízo de eventuais alterações determinadas pela Primeira Contraente, a Segunda Contraente ficará sujeita ao horário de trabalho por turnos (entre as 0 e as 24 horas, de segunda a domingo). 3. O horário de trabalho pode ser alterado em qualquer momento por iniciativa da Primeira Outorgante, em conformidade com as exigências de todo o serviço Hospitalar”. 5. A ré paga, ainda, à autora um subsídio de turno de montante correspondente a 15% da remuneração base auferida pela mesma. 6. A autora, através da sua mandatária, remeteu à ré a carta registada com a/r, datada de 12/06/2019, pela qual reclamou as pretensões reivindicadas na presente acção – cfr. doc. de fls. 80 e ss. 7. A tal carta respondeu a ré com uma outra, datada de 17/07/2019, na qual se pode ler: “(…) Acusamos a receção da sua comunicação, datada de 12 de junho de 2019 (…) tem sido prestada devida formação à sua Constituinte, nomeadamente em temáticas de Dietas Hospitalares, Precauções Padrão e Medidas de Isolamento e Precauções Padrão e Medidas de Isolamento e Gestão de Resíduos Hospitalares. (…) no que se refere ao período de férias da sua constituinte, notamos, por um lado, que o mesmo foi marcado de comum acordo com a mesma e, por outro lado, que os princípios gerais que o hospital segue não podem, obviamente, desvirtuar o facto de a atividade desta empresa se manter durante o período de Verão o que várias vezes pode impedir que todos os trabalhadores gozem os períodos que são da sua preferência. (…) os princípios constantes da comunicação anexa à sua correspondência, tratam-se de orientações indicativas, tendo em vista a agilização do processo de marcação do período de férias, mas que, em nenhum momento podem ir contra as necessidades de funcionamento do Hospital. (…)” – cfr. doc. de fls. 17. 8. A ré ministrou à autora as seguintes acções de formação: a) Gestão Salas de Espera e outras matérias, no dia 24/09/2013 – cfr. doc. de fls. 98; b) Higienização Hospitalar, no dia 29/05/2014 (2h) – cfr. doc. de fls. 97v; c) Dietas Hospitalares, no dia 22/06/2016 (1,5h) – cfr. doc. de fls. 97; d) Precauções Padrão e Medidas de Isolamento, no dia 08/09/2016 (2h) – cfr. doc. de fls. 86v; e e) Precauções Padrão e Medidas de Isolamento e Gestão de Resíduos Hospitalares – entre 03 e 16/10/2017 (3,50h). 10. No ano de 2017, a autora gozou os seguintes períodos de férias: 10 a 13/04, 24 a 31/07, 01 a 04/08, 24 a 31/10 e 02 e 03/11 – cfr. doc. de fls. 112v. 11. No ano de 2018, a autora gozou os seguintes períodos de férias: 21 a 25/05, 02 a 13/07, 29/10 a 31/10, 02/11 e 26 a 28/12 – cfr. docs. de fls. 78 e 113. 12. No ano de 2019, a autora gozou os seguintes períodos de férias: 03 a 17/05, 21 a 25/10 e 04 a 11/11 – cfr. docs. de fls. 78v e 113v. 13. Com referência ao ano de 2019, a autora havia proposto à ré o seguinte período de férias: 03 a 17/05, 16 a 23/08 e 25 a 31/10 – cfr. doc. de fls. 99v a 103. 14. No dia 19/03/2019, ocorreu uma reunião na qual estiveram presentes a Enfermeira Coordenadora D…, a Técnica de Recursos Humanos Marta Pestana e as auxiliares hospitalares, reunião essa na qual foram discutidos e aprovados os períodos de férias destas últimas para esse mesmo ano. 15. A autora não esteve presente em tal reunião. 16. A ré mantem a sua atividade 24h/dia, 7dias/semana, e durante toda a época de Verão. 17. Os princípios contantes da comunicação junta a fls. 76/76v correspondem a orientações meramente indicativas, tendentes a agilizar o processo de marcação do período de férias, marcação essa que fica condicionada pelas necessidades de funcionamento da unidade hospitalar. Mais se provou que: 18. A ré pagou à autora as seguintes remunerações base: a) 475€ (entre Abril e Dezembro de 2010); b) 510€ (entre Janeiro de 2011 e Junho de 2013), c) 525€ (entre Julho de 2013 e Dezembro de 2015), d) 530€ (desde Janeiro a Março de 2016), e) 555€ (em Abril de 2016), f) 570€ (entre Maio de 2016 e Dezembro de 2017), g) 600€ (entre Janeiro de 2018 e Março de 2019), e h) 625€ (entre Abril e Outubro de 2019). 19. Com relação à ala de internamento da ré, foram elaboradas as escalas de serviço constantes de fls. 65 a 70v (ano de 2018) e de fls. 71 a 75v (Janeiro a Setembro de 2019). 20. No ano de 2018, na ala de internamento, trabalhavam cerca de 14 auxiliares. 21. No ano de 2019, na ala de internamento, trabalhavam, pelo menos, 13 auxiliares, número esse que esteve reduzido a 12 auxiliares. 22. Em data não concretamente apurada do ano de 2019, M… (do DRH da ré), remeteu à autora (e demais colegas), uma mensagem electrónica com o seguinte teor: “(…) Atendendo à necessidade de todos os colaboradores, em regime de trabalho dependente, procederem à marcação das férias relativas a 2019, solicitamos que, até dia 28 de Fevereiro de 2019, seja preenchido no GH o Plano de Férias do seu Departamento/Serviço. Para o efeito, deverá elaborar o plano individual de férias como exemplificado no ficheiro em Anexo A. i. Períodos para marcação de férias: a. Duas ou três semanas no período de Verão (mínimo 10 dias úteis – neste período não será permitido o gozo de férias que não o maior período) (…) 3. O período de férias deve ser marcado por acordo, entre a entidade empregadora e o colaborador. Na falta de acordo, cabe à entidade empregadora marcar as férias, mas neste caso, as mesmas só poderão ser marcadas no período compreendido entre 1 de Maio e 31 de Outubro. 4. O gozo do período de férias pode ser interpolado, por acordo entre empregador e trabalhador, desde que sejam gozados, no mínimo, 10 dias úteis consecutivos. 5. Na marcação das férias os períodos mais pretendidos devem ser rateados, sempre que possível, beneficiando, alternadamente, os trabalhadores em função dos períodos gozados nos dois anos anteriores. Só serão considerados autorizado o período de gozo de férias quando houver concordância entre o colaborador e respectiva chefia, evidenciada através do GH. (…)” - cfr. doc. de fls. 76/76v. 23. Com relação aos auxiliares da ala de internamento foram elaborados os horários de trabalho constantes de fls. 114 a 119v (2015), de fls. 120 a 125v (2016), de fls. 126 a 131v (2017), de fls. 132 a 137v (2018) e de fls. 138 a 143 (de Janeiro a Outubro de 2019). 24. Entre Novembro de 2018 e Novembro de 2019, dos mapas de horário mencionados no facto anterior, com referência à autora, foram previstos os seguintes descansos coincidentes com sábados e domingos: a) 2018 – dias 03, 04 e 24 de Novembro e dias 09, 23, 25, 29 e 30 de Dezembro; 2019 – dias 06 e 13 de Janeiro, dias 02 e 24 de Fevereiro, 09, 10, 17 e 30 de Março, dia 27 de Abril, dias 04, 05, 11, 12 e 19 de Maio, dias 8 e 30 de Junho, dia 27 de Julho, dia 11 de Agosto, dias 01, 15, 21 e 29 de Setembro e dias 13, 26 e 27 de Outubro (cfr. docs. de fls. 137 a 143). 25. A autora esteve em situação de baixa médica entre 13 e 24 de Agosto de 2019 – cfr. docs. de fls. 60v e de fls. 141. 26. Desde Maio de 2016 que a autora detém a categoria profissional de Auxiliar de Acção Médica, nível III (cfr. doc. de fls. 41). 27. Desde Maio de 2020 que a autora passou a exercer funções na ala das consultas, para a qual foi transferida. 28. A auxiliar E… gozou férias no período de 05 a 23/08/2019 – cfr. docs. de fls. 78v e 160. 29. A auxiliar F… gozou férias nos períodos de 28 a 31/08 e 03 a 10/10/2018, bem como de 26 a 30/08 e de 02 a 06/09/2019 – cfr. docs. de fls. 78, 78v e 161. 30. Entre as auxiliares de acção médica (inclusive da ala de internamento) era habitual ocorrer trocas de horários, desde que autorizadas pela Enfermeira Coordenadora. Factos não provados: 1- que a autora trabalhasse 10h/dia; 2- que não gozasse folgas aos fins de semana; 3- que a autora tenha estado presente na reunião ocorrida no dia 19/03/2019 na qual foi fixado o período de férias das auxiliares hospitalares para o ano de 2019; 4- que, nessa reunião, a autora tenha sido sensibilizada de que nos anos anteriores havia gozado férias em período de Verão em detrimento de outras colegas (Auxiliares de Internamento), com responsabilidades parentais e que também tinham demonstrado igual interesse em gozar férias nessa altura; 5- que, no ano de 2019, a marcação das férias da autora tenha sido promovida por acordo entre as partes; 6- que a autora tenha efectivamente gozado descanso em todos os dias constantes dos mapas de horário juntos de fls. 137 a 143. 7- que a autora se tenha sentido exausta e não conseguisse passar tempo/férias com o filho e o marido. Inexistem quaisquer outros factos a considerar. II.2 IMPUGNAÇÃO da DECISÃO SOBRE a MATÉRIA DE FACTO Insurge-se o recorrente contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, impugnando-a, para pretender a alteração dos factos 3 e 8, o aditamento de um novo facto, bem assim que se considerem provados os factos não provados 2 e 7 [conclusões I, II, VI, VIII, XVI, XIX e XX]. Contrapõe a recorrida, desde logo, que a impugnação da decisão de facto relativa ao ponto 3 dos factos provados não é mencionada nas alegações de recurso, surgindo, apenas, no ponto I das respetivas conclusões, pelo que esta conclusão em particular se afigura processualmente inadmissível. No mesmo sentido pronunciou-se o Ministério Público no parecer emitido em cumprimento do disposto no ar.º 87.º3, do CPT, referindo expressamente acompanhar as razões invocadas pela recorrida. Cabe, pois, começar por dirimir este ponto. Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222]. Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes: - Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; - Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; - A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. - Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)]. Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt]. É também entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do STJ, que o recorrente não cumpre o ónus de especificação imposto no art.º 640º, nº 1, al b), do CPC, quando procede a uma mera indicação genérica da prova que, na sua perspetiva, justifica uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal de 1.ª Instância, em relação a um conjunto de factos, sem especificar quais as provas produzidas quanto a cada um dos factos que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, fazendo a apreciação crítica das mesmas. Nesse sentido, acompanhando o entendimento afirmado nos acórdãos do STJ de 20-12-2017 e 5-09-2018 [respectivamente, nos processos n.ºs 299/13.2TTVRL.C1.S2 e 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponíveis em www.dgsi.pt], no mais recente acórdão de 20-02-2019, daquela mesma instância [proc.º 1338/15.8T8PNF.P1.S2, Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt)], consignou-se no respectivo sumário o seguinte: - I. O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos. Contudo, como também é entendimento do STJ, casos há em que apesar da impugnação da matéria de facto se dirigir a um bloco de factos, ainda assim deverá ser admitida, nomeadamente, quando aqueles respeitem à mesma realidade e os concretos meios de prova indicados sejam comuns a esses factos. Nesse sentido, o recente acórdão do STJ de 19-05-2021 [Proc.º 4925/17.6T8OAZ.P1.S1, Conselheiro Chambel Mourisco], em cujo sumário pode ler-se: 1. A exigência, imposta pelo art.º 640.º, n.º1,al. b), do Código de Processo Civil, de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registos de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens de gavação em que se funda o recurso. 2. Quando o conjunto de factos impugnados se refere à mesma realidade e os concretos meios de prova indicados pelo recorrente sejam comuns a esses factos, a impugnação dos mesmos em bloco não obstaculiza a perceção que se pretende impugnar, pelo que deve ser admitida a impugnação. No mesmo sentido pronunciou-se o recente Acórdão de 14-07-2021, do mesmo Tribunal [Proc.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1; Conselheiro Júlio Gomes, disponível em www.dgsi.pt], lendo-se no respectivo sumário: [III] “ É excessiva a rejeição da impugnação da matéria de facto feita em “blocos” quando tais blocos são constituídos por um pequeno número de factos ligados entre si, tendo o Recorrente indicado com precisão os meios de prova e as formulações alternativas que pretendia ver adotadas”. A este propósito, Abrantes Geraldes, após observar que a possibilidade de alteração da matéria de facto deixou de ter carácter excepcional, acabando “por ser assumida como uma função normal do Tribunal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra”, logo prossegue advertindo que “Nesta operação foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente“ [Op. cit., p. 123/124]. Por último, cabe ter presente que conforme o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, quando o recorrente não cumpra o ónus imposto no art.º 640.º do Código de Processo Civil não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, que está reservado para os recursos da matéria de direito [Cfr. acórdãos de 7-7-2016, processo n.º 220/13.8TTBCL.G1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha; e, de 27-10-2016, processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; (ambos disponíveis em www.dgsi.pt )]. Atentos estes princípios vejamos se algo obsta à apreciação da impugnação. No que concerne às conclusões conclui-se que a recorrente cumpriu com o que se entende suficiente, dado ter indicado quais os factos que impugna, para depois expressar o que pretende seja decidido. Quanto aos demais ónus de alegação, adiante veremos caso a caso se são cumpridos. Contudo, importa desde já resolver a questão relativa à primeira alteração pretendida pela recorrente para o facto 3, ou seja, que se altere o tempo verbal, deixando de constar “cumpria” para passar a constar “cumpre”. Como refere a recorrida, bem assim o MP no seu parecer, nas alegações não consta qualquer alusão a esta pretensão. Ora, por definição, as conclusões são uma síntese das alegações [art.º 639.º 1, CPC], devendo o seu conteúdo resultar necessariamente destas, não sendo admissível e, logo, devendo considerar-se como não escrito, algo que seja mencionado sem que tenha o mínimo de respaldo nas alegações. É esse o caso, pelo que nessa parte rejeita-se a primeira parte da impugnação dirigida ao facto 3. II.2.1 Quanto à segunda parte da impugnação dirigida ao facto 3, a recorrente insurge-se contra a decisão do Tribunal a quo, pretendendo que se altere, para se aditar, no final, “entre as 0 e as 24 horas, de segunda a domingo” [conclusão I], mas adiante, já concretiza a pretendida alteração em termos diferentes, referindo “de segunda a domingo” [conclusão VI]. O teor desse facto é o seguinte: “A autora cumpria um período de trabalho de 40 horas semanais, por turnos”. Invoca os testemunhos de E…, F…, B… e G… - indicando os pontos da gravação em que se localizam os extractos invocados, os quais transcreve-, bem assim documentos, em concreto, recibos de vencimento e mapas de horário de trabalho, juntos a fls. 11v a 60. Justifica as razões que na sua perspectiva justificam a pretendida. Conclui-se, pois, que nada obsta à apreciação da impugnação nesta parte. Contrapõe a recorrida que não foi alegado na acção, nem demonstrado e, mais do que isso, nem sequer é correto afirmar que o turno da Recorrente era das 0 as 24 horas, sendo que, a este respeito, o Tribunal a quo deu como irretratavelmente provado o ponto 4 dos factos provados. Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a este propósito, o Tribunal a quo consignou o seguinte: “A prova foi unânime quanto à existência de três turnos, de 2.ª feira a domingo (já que o hospital, pelo menos até ao final de 2019, funcionava 24h, 365 dias por ano) – cfr. depoimentos de E…, F… e G…, para além das declarações de parte da autora”. A autora alegou na PI: [art.º 2] ”[..] cumprindo um período de trabalho de 40 horas semanais, por turnos”; e [art.º 5.º] “[..] presta trabalho por turnos prolongado ainda que parcial (i.e. o turno é prestado aos sábados ou domingos)”. Ora, a primeira versão da alteração pretendida “entre as 0 e as 24 horas, de segunda a domingo” sugere, eventualmente por deficiente forma de exprimir, que os turnos seriam de 24 horas, o que não foi alegado nem tão pouco resulta da prova oferecida, isto é, dos testemunhos, documentos e, também, das declarações de parte da autora. Assim, por todas essas razões, a alteração nesses termos não pode ser acolhida. Já a segunda versão, que passa apenas por acrescentar “de segunda a domingo”, tem cabimento no alegado e, também, na prova produzida, bem assim no facto provado 4 (conteúdo da cláusula 7.ª do contrato de trabalho reduzido a escrito que foi celebrado entre as partes, mencionado no facto 1). Contudo, fazer apenas esse acrescento é susceptível de tornar a formulação do facto equívoca ou, pelo menos, pouco clara. Porém, como é mencionando pelo Tribunal a quo, diga-se, com correcção, pois é de facto o que resulta da prova que refere, a qual é igualmente invocada pela recorrente, dela retira-se a prática de três turnos, rotativos, de 2.ª feira a domingo. Assim, altera-se a redacção do facto 3, para passar a ser a seguinte: - A autora cumpria um período de trabalho de 40 horas semanais, por turnos - três turnos rotativos - de 2.ª feira a domingo. II.2.2 Na conclusão VII, a recorrente defende o seguinte (realce a negrito nosso): -“Impunha-se ainda ao tribunal a quo e no que tange à formação, perante as alegações da Autora na sua PI, cfr art.º9, 23 , 24, 25 e face ao que decorre literalmente da lei art.º 132 n.º 1 art 131 1 a b 2 e 10 do CT a seguinte redação no fato provado art.º 8º da sentença, devia assim o tribunal a quo dar como provado que a Ré não cumpriu a obrigação de proporcionar à Autora a adequada formação profissional, apenas tendo assegurado as seguintes ações de formação: Gestão Salas de Espera e outras matérias, no dia 24/09/2013 – cfr. doc. de fls. 98; b) Higienização Hospitalar, no dia 29/05/2014 (2h) – cfr. doc. de fls. 97v; c) Dietas Hospitalares, no dia 22/06/2016 (1,5h) – cfr. doc. de fls. 97; d) Precauções Padrão e Medidas de Isolamento, no dia 08/09/2016 (2h) – cfr. doc. de fls. 86v; e e) Precauções Padrão e Medidas de Isolamento e Gestão de Resíduos Hospitalares – entre 03 e 16/10/2017 (3,50h)”. A recorrente justifica a sua pretensão No facto provado 8, lê-se o seguinte: 8. A ré ministrou à autora as seguintes acções de formação: a) Gestão Salas de Espera e outras matérias, no dia 24/09/2013 – cfr. doc. de fls. 98; b) Higienização Hospitalar, no dia 29/05/2014 (2h) – cfr. doc. de fls. 97v; c) Dietas Hospitalares, no dia 22/06/2016 (1,5h) – cfr. doc. de fls. 97; d) Precauções Padrão e Medidas de Isolamento, no dia 08/09/2016 (2h) – cfr. doc. de fls. 86v; e e) Precauções Padrão e Medidas de Isolamento e Gestão de Resíduos Hospitalares – entre 03 e 16/10/2017 (3,50h). Se bem interpretamos a posição da recorrente, pretende esta que se acrescente ao facto 8, no início, a parte que acima conta assinalada, ou seja, “a Ré não cumpriu a obrigação de proporcionar à Autora a adequada formação profissional, apenas tendo assegurado as seguintes ações de formação”. Cabe ao Tribunal “discriminar os factos que considera provados”, ou noutras palavras, “ o juiz declara quais os factos que julga provados (..)” [art.º 607.º 1 e 2, do CPC]. Conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc .º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj]. Entendimento igualmente afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirmando-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt]. Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.]. Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que deve ser desconsiderado um facto controvertido cuja enunciação se revele conclusiva, desde que o mesmo se reconduza ao thema decidendum, não podendo esquecer-se que o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes e que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (..)” [art.º 5.º 1 do CPC]. A alteração pretendida pela recorrente não é mais do que uma conclusão com natureza jurídica, que se reconduz a uma das questões controvertidas em apreciação na acção. De resto, veja-se que a recorrente estriba a pretendida alteração fazendo apelo a normas jurídicas, defendendo que a mesma justifica-se “face ao que decorre literalmente da lei art.º 132 n.º 1 art 131 1 a b 2 e 10 do CT”. O facto alegado foi provado nos termos consignados pelo Tribunal a quo e, logo, essa conclusão há-de extrair-se, a jusante, na sentença, se assim o ditar o direito, na subsunção do mesmo às normas aplicáveis. Assim, nesta parte improcede a impugnação. II.2.3 Avançando, defende a recorrente que [conclusão XVI] “Nos fatos provados da decisão [..] deve constar que e deve ser aditado que “ as auxiliares H…, I…, J… e K…, gozaram ferias em Agosto de 2019, respetivamente em 19/08/19 a 23/08/19, 02/08/19 a 16/08/19, de 01/08/19 a 02/08/19 e de 16/08 a 30/08/19”. Refira-se que esta pretensão visando pôr em causa a decisão dobre a matéria de facto, surge entre um conjunto de alegações que respeitam à matéria de direito, visando a recorrente defender [conclusão XV] “que a Ré infligiu tratamento discriminatório à Autora, uma vez que foi preterida a sua escolha de férias no período de Agosto sem qualquer justificação objetiva em relação a outras tantas auxiliares, em particular as trabalhadoras H… que gozou férias de 19/08/19 a 23/08/19, I… que gozou férias de 02/08/19 a 16/08/19, J… que gozou férias de 01/08/19 a 02/08/19 e K… de 16/08 a 30/08/19”, bem assim que [conclusão XVII” o tribunal a quo violou as seguintes normas jurídicas art.º 241º n.º 1, 2 e 3, art.º 23 n.º 1 al. a) e c) art.º 24 n.º 1 e 5, art. 25 n.º 1, 5 e 8 todos do Código do Trabalho”, para depois concluir [conclusão XVIII] que “[..] perante tais fatos provados – o art.º 12 e 13 ( da fundamentação de fato) e o que se impõe aditar ( vide o constante em XVI das conclusões ) e perante o comportamento ilícito, grave e pela prática de ato discriminatório perpetuado pela Ré , deve ser a condenação da Ré em indemnização que se reclama como justa nunca inferior a 5000,00 conforme alegado em PI. Ainda deve a Ré ser condenada em contraordenação ordenando -se a aplicação da mesma como grave”. Contrapõe a recorrida que não há uma única menção a esse aditamento nas alegações de recurso, surgindo, apenas, em sede de conclusões. Mais refere: os factos em causa integram uma nova causa de pedir, aditamento esse que se afigura processualmente ilegítimo e, nessa medida, nunca poderia sustentar a inclusão daquela factualidade à matéria provada; trata-se de factos não alegados pela Recorrente e que, por se afigurarem constitutivos do seu alegado (inexistente) direito, nunca poderiam ser adquiridos nesta fase processual; os factos não encontram arrimo na prova produzida e nem sequer foi promovido qualquer debate ou análise para confirmar se, de facto, aquelas trabalhadoras gozaram efetivamente férias naqueles concretos dias; sobre a factualidade em causa não foi dada oportunidade à Recorrida de se pronunciar, o que sempre violaria o direito probatório material e o princípio do contraditório. Recorrendo às alegações, sob os títulos “Quanto aos danos não patrimoniais – DAS FÉRIAS”, a partir do art.º 42.º, a recorrente transcreve toda a matéria de facto relativa à questão de férias que consta provada, bem assim extractos da fundamentação da sentença na parte relativa à aplicação do direito aos factos, para desenvolver um conjunto de considerações críticas e discordantes com base em argumentação jurídica sustentada nos artigos 241.º, 23.º n.º1. al. c), 24.º n.º 1 e 5 e 25.º n.ºs 1, 5 e 8, do CT, tudo dirigido a em pôr em causa a sentença na vertente da aplicação do direito aos factos, vindo a concluir, nos artigos 55.º e 56.º, o seguinte: -«[55.º] Dir-se-á seguramente que daquela factualidade apurada nos autos permite contrariamente ao que alega o tribunal a quo, concluir que a ré incorreu de forma grave e grosseira num comportamento ilícito, ao impor de forma unilateral que a Autora gozasse as suas ferias no ano de 2019 fora do período de 01 de Maio e 31 de Outubro. [56º] Ainda dos documentos juntos (mapa de férias) permite ainda concluir que a Ré infligiu tratamento discriminatório à Autora, uma vez que foi preterida a sua escolha de férias no período de Agosto sem qualquer justificação objetiva em relação a outras tantas auxiliares, em particular as trabalhadoras H… que gozou ferias de 19/08/19 a 23/08/19, I… que gozou ferias de 02/08/19 a 16/08/19, J… que gozou ferias de 01/08/19 a 02/08/19 e K… de 16/08 a 30/08/19”. De toda a alegação constante desse conjunto de artigos – 42.º a 56.ª - não resulta a formulação de uma pretensão com vista ao aditamento de um facto ao elenco dos factos aprovados, mas antes uma alegação dirigida a pôr em causa a aplicação do direito aos factos, encerrada com a afirmação daquele juízo conclusivo. Por outro lado, ainda que nos atenhamos apenas à parte final da última afirmação conclusiva – art.º 56.º -, para além de não enunciar qualquer intenção de impugnar a decisão sobre a matéria de facto, tão pouco consta uma indicação precisa dos meios de prova, reportando-se a recorrente em termos genéricos aos mapas de férias, isto é, sem identificar quais os documentos concretos no conjunto dos que foram juntos aos autos. De resto, se bem atentarmos nas conclusões, constata-se que a conclusão XV transcreve literalmente o referido artigo 56.º das alegações, o que logo demonstra que a pretensão enunciada na conclusão XVI surge aqui originariamente, sem respaldo nas alegações. Não decorrendo desses artigos o propósito de impugnar a decisão sobre a matéria de facto e pugnar pelo aditamento de um facto concreto, deve reconhecer-se razão à recorrida quando opõe que não há uma única menção nas alegações de recurso, surgindo, apenas, em sede de conclusões. Assim, por identidade de razões, tem aqui inteira aplicabilidade a consideração já acima deixada a propósito da primeira parte da alteração pretendida para o facto 3, ou seja, sendo as conclusões uma síntese das alegações [art.º 639.º 1, CPC], o seu conteúdo deve resultar necessariamente destas, não sendo admissível e, logo, devendo considerar-se como não escrito, algo que seja mencionado sem correspondência nas alegações, mormente quando se trata de uma pretensão concreta. Vale isto por dizer, que por esta razão, nesta parte [conclusão XVI] deve também ser rejeitada a apreciação da impugnação. II.2.4 Prossegue a recorrente, defendendo que o Tribunal a quo deu erradamente como não provados os pontos 2 e 7 dos factos não provados [Conclusões XIX e XX]. Para sustentar a impugnação invoca os meios de prova seguintes: quanto ao ponto 2, as suas declarações de parte e os mapas de horários, Doc. 3, junto cm a PI.; no respeitante ao ponto 7, o testemunho de I… e as suas declarações de parte. Indica os pontos da gravação em que se encontram os extractos que invoca e transcreve-os nas alegações. Alega que daqueles meios de prova “resulta o contrário”, para pretender que se considere tais pontos como provados. Defende a recorrida, desde logo, que a Recorrente não cumpriu o ónus de alegação, porquanto não explica ou fundamenta a sua discordância em relação à decisão do Tribunal a quo, pugnando pela impossibilidade de conhecimento por parte deste Tribunal [conclusão 27]. Admite-se que a fundamentação para sustentar a pretendida alteração é exígua, apenas decorrendo dela a discordância da recorrente sustentada na sua convicção, no sentido de “resulta[r] o contrário” da prova que invoca. Não obstante, ainda que minimamente, no que concerne ao ponto 2, cremos ser de considerar que justifica a sua posição e, logo, que tal não deve obstar à apreciação. Quanto ao ponto 7, adiante voltaremos a esta questão. Nesses pontos o Tribunal a quo considerou não provado o seguinte: [2] que não gozasse folgas aos fins de semana; [7] que a autora se tenha sentido exausta e não conseguisse passar tempo/férias com o filho e o marido. Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a este propósito encontra-se o seguinte: - «Quanto aos períodos de trabalho e de descanso: Não resultou provado que a autora trabalhasse as alegadas 10h/diárias, nem que fosse, por qualquer meio, impedida de disfrutar do seu tempo destinado às refeições. Ficou, no entanto, o tribunal convicto que, considerando o volume de serviço existente e a própria natureza do mesmo, nem sempre seria possível que as refeições fossem realizadas no concreto período fixado para o efeito (já que, obviamente, não poderiam as auxiliares abandonar os utentes sem que terminassem previamente os cuidados que lhes estavam a dispensar). Como D… referiu, as auxiliares iam gerindo as prioridades, o que foi corroborado por G… (ao afirmar que as auxiliares “gerem” a própria hora de refeição). Contudo, nunca a autora e demais funcionárias terão sido impedidas, e muito menos, privadas, de almoçar/jantar – como E…, F…, G… ou L… afirmaram. A única testemunha a corroborar a versão da autora foi I…, a qual, contudo, não conseguiu referir qualquer situação concreta na qual a autora tenha sido impedida de fazer a sua pausa para refeição. Já no que concerne às folgas coincidirem ou não com fins de semana, se bem que, por norma, se tentava fazer essa correspondência (pelo menos uma vez por mês ou de 45 em 45 dias), não era garantido que assim tivesse de suceder – como, entre outras, G… e M… realçaram. Com efeito, como foi referido em julgamento, as auxiliares faziam habitualmente trocas de horário entre si, inclusive aos fins de semana (apenas necessitavam, para esse efeito, da aprovação da Enfermeira Coordenadora), pelo que o que estava inicialmente previsto nessa matéria era frequentemente sujeito a alterações. Nesta matéria, vejam-se os depoimentos de E…, de F… (que disse ter feito trocas com a autora), de G… (que também referiu ter efectuado trocas com a autora), de I… (que confirmou que a autora também efectuava trocas de horários), de D…, de M… e de L…. Acresce que, como G… referiu, trabalhando no turno da noite, descansavam necessariamente no dia seguinte, pelo que tal coincidência nem sempre era possível de ser assegurada. [..] Os factos não provados deveram-se, pois, na ausência de prova No que respeita às folgas gozadas aos fins de semana, apesar de a documentação junta por ambas as partes ser praticamente coincidente quanto ao descrito no facto provado n.º 24 - apenas divergindo quanto ao descanso do dia 09/03/2019 (o qual não existe no doc. de fls. 72) e quanto aos descansos dos dias 07/04 e 17/08/2019 (apesar de ambos estarem mencionados nos docs. de fls. 72v e 75, na documentação apresentada pela ré estão incluídos em períodos durante os quais a autora esteve de baixa médica, a saber: fls. 139v - baixa médica nos dias 06 e 08/04 – e fls. 141v - baixa médica de 13 a 24/08) –, a verdade é que a própria ré, na Contestação, apenas defende que a autora terá gozado folgas coincidentes com o fim de semana nos meses de Novembro e Dezembro de 2018 (embora, por evidente lapso de escrita, tenha escrito Dezembro de 2019) e de Março, Maio, Outubro e Novembro de 2019. Refira-se, no entanto, que D…, embora não concretizando os exactos dias do mês nos quais a autora terá tido folga ao fim de semana, descreveu o número de sábados e de domingos em que tal terá ocorrido, o que coincidiu, na quase totalidade, com o consignado na factualidade provada. Porém, no que respeita ao mês de Março de 2019, apenas falou em um sábado e dois domingos. Já M…, que relatou os dias de calendário correspondentes às folgas da autora, apenas mencionou 03 e 04/11 e 29 e 30/12 de 2018 e 04, 05, 11 e 12/05, 26 e 27/10, 09 e 10/11 e 07/08 de 2019, ou seja, também não decorre deste depoimento uma total coincidência com o constante dos mapas de horário. Nenhuma prova foi produzida quanto à situação pessoal e familiar da autora.». Decorre desta fundamentação, que é clara e pormenorizada na referência aos meios de prova, as razões que justificaram considerar-se como não provados aqueles dois pontos. No eu concerne ao ponto 2, a autora alegou na PI o seguinte: “[18º] A Autora aponta igualmente que há mais de um ano que não tem um único fim de semana de folga, sendo que em anos transatos sempre lhe foi assegurado em média, pelo menos, um fim de semana de folga por mês”. Considerou o Tribunal a quo não resultar da prova que a Autora “não gozasse folgas aos fins de semana” e, em contraponto, foi dado como provado [facto 24] que “Entre Novembro de 2018 e Novembro de 2019, dos mapas de horário mencionados no facto anterior, com referência à autora, foram previstos os seguintes descansos coincidentes com sábados e domingos: a) 2018 – dias 03, 04 e 24 de Novembro e dias 09, 23, 25, 29 e 30 de Dezembro; 2019 – dias 06 e 13 de Janeiro, dias 02 e 24 de Fevereiro, 09, 10, 17 e 30 de Março, dia 27 de Abril, dias 04, 05, 11, 12 e 19 de Maio, dias 8 e 30 de Junho, dia 27 de Julho, dia 11 de Agosto, dias 01, 15, 21 e 29 de Setembro e dias 13, 26 e 27 de Outubro (cfr. docs. de fls. 137 a 143)”. Veja-se que o Tribunal a quo, “[N]o que respeita às folgas gozadas aos fins de semana” faz alusão ao facto provado 24, referindo os meios de prova documentais que levaram a consignar o que aí consta. Acontece que a recorrente não levou em devida conta estar provado o que consta no facto 4, que não impugnou. Assim, como bem refere a recorrida, não tendo a autora impugnado aquele facto, logo por isso ficava comprometida a impugnação do ponto 2. Na verdade, não só pelo conteúdo do facto, mas pelos documentos que são referidos pelo Tribunal a quo especificando o conteúdo que foi considerado para a prova do aí mencionado. Acresce, que a recorrente não traz qualquer meio de prova suficientemente relevante de onde resulte, como veio dizer “o contrário”. Com efeito, invoca os documentos que são referidos pelo Tribunal a quo mas não explica como é que deles pode resultar coisa diferente. Para além disso, limita-se a invocar as suas declarações de parte no extracto seguinte: Mandatária Autora: Pronto, agora relativamente aos fins-de-semana. Autora: Fim-de-semana não me lembro de ter. Mandatária Autora: Eu estou a falar de 2019. Autora: 2019 não tive, só tive quando estive de férias. Ora, conforme decorre da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, para considerar provado o que consta do facto 24 e não provado que a A. “não gozasse folgas aos fins de semana”, o Tribunal a quo formou a sua convicção não só na análise dos documentos, mas também na conjugação do conteúdo destes com os testemunhos que refere, entre eles de M…. Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida” [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 436]. Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradicção ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado. Não vimos, pois, que exista fundamento para a autora questionar a decisão do Tribunal a quo ao ter considerado não provado que a autora “não gozasse folgas aos fins de semana”. No que respeita ao ponto 7, na PI a autora alegou o que segue: [34.º] O facto de muitas vezes não ter horas de descanso, trabalhando assim quase dez horas seguidas deixa, naturalmente, a Autora exausta, acabando por quase não conseguir passar tempo com o seu filho e marido. [35º] Da mesma forma, o facto de não ter fins de semana de folga há mais de uma ano, bem como o facto das suas férias coincidirem já há dois anos com o período escolar do seu filho, impede-a de ter tempo de qualidade ou férias em família. Importa começar por sublinhar que o ponto 7 tem carácter genérico, referindo o Tribunal a quo que “[N]enhuma prova foi produzida quanto à situação pessoal e familiar da autora”, reportando-se àquelas alegações que a autora encerrou com a conclusão “impede-a de ter tempo de qualidade ou férias em família”. Pretendendo que algo seja dado como provado, impunha-se à recorrente que concretizasse qual o facto preciso a considerar provado, não bastando dizer que da prova resultou “o contrário”. Alega a recorrida que a recorrente não observou o ónus de impugnação, dado não ter indicado a resposta alternativa. Porém, sem razão, dado que a conforme se extrai da parte final da conclusão XIX, ainda que de forma pouca precisa e concreta, a recorrente acaba por referir em termos genéricos que acha que deveria considerar-se provado [realce a negrito nosso]: “[..] há erro notório de julgamento uma vez tribunal a quo deu erradamente como não provado o ponto 7 dos fatos não provado quando do depoimento da testemunha I… resulta o contrário, ou seja, que a Autora tenha sentido exausta “. E, mais adiante, na conclusão XXI, concretiza melhor, dizendo [realce a negrito nosso]: A decisão que se impunha ao tribunal a quo perante o aditamento aos fatos provados quais são que: [..] e ainda que a autora se tenha sentido exausta e não conseguisse passar férias com o filho e marido”. Apreciando, invoca a recorrente o testemunho de I…, no extracto seguinte: -«Mandatária Autora: Disse-me ainda nestas situações da hora de refeição e de estar só uma pessoa, alguma vez se cruzou com a D. B… nesta troca de turnos e viu a D. B… a queixar-se se estava exausta, se não estava exausta, se estava…? A reportar como é que se estava a assentir relativamente aquele turno que tinha acabado de fazer? Testemunha: Sim já vi. Mandatária Autora: E então o que é que ela lhe disse? Testemunha: Estava muito cansada, estar sempre ali a ser massacrada, a fazer tudo. E os enfermeiros, ela fazia também trabalhos de enfermagem e chamava os enfermeiros e eles não vinham (…) e estava-se a sentir muito exausta, estava-se a sentir muito pressionada.». Por outro lado, no que respeita às suas declarações de parte, apela ao extracto seguinte: - «Mandatária Autora: E já agora havia algum motivo em particular porque quisesse passar férias, porque é que escolheu o Agosto? Autora: escolhi o agosto porque era as únicas férias que o meu marido tinha e visto que não tinha gozado férias com ele era para gozar essa semana ao menos com ele. Com o meu filho também. Mandatária Autora: E com o seu filho? Autora: Com o meu filho sim. Mandatária Autora: O seu filho trabalha, estuda? Autora: O meu filho estuda.». De acordo com o alegado na PI – acima transcrito – a razão que levava a que a autora ficasse exausta consistia no facto “de muitas vezes não ter horas de descanso, trabalhando assim quase dez horas seguidas”. Acontece que o Tribunal a quo considerou não provado [ponto1] “que a autora trabalhasse 10h/dia”, decisão que não foi impugnada pela recorrente. Assim, faltando este pressuposto, a base da construção lógica da alegação da autora, não existe fundamento lógico para vir agora pretender, em termos conclusivos, que se dê como provado que “se tenha sentido exausta”. Quanto à segunda da pretensão, ou seja, visando a autora que se dê como provado que não conseguia passar férias com o filho e marido, como refere a recorrida, não há “qualquer prova suscetível de demonstrar a matéria, já de si conclusiva e genérica, que o Tribunal a quo deu como não provada no ponto 7 do respetivo elenco de factos não provados”. Na verdade, a autora limitou-se a alegar na pi que [art.º 35.º] “o facto das suas férias coincidirem já há dois anos com o período escolar do seu filho, impede-a de ter tempo de qualidade ou férias em família”, sendo de notar que nessa alegação tão pouco fez qualquer alusão ao marido e, quanto ao filho, não concretizou qual é o período escolar anual ou que nível de ensino frequenta. Alegação que consubstancia uma afirmação conclusiva, antecedida pelas alegações seguintes: 10º Em terceira linha de razão das apontadas ilegalidades, entrando no campo das férias, a Autora fez saber junto do Réu que pretendia o seu legítimo período de férias no mês de Agosto, em concreto de 16/08/2019 a 23/08/2019. 15º No entanto, como é de possível observação, segundo documento que se junta, a Autora, já pelo segundo ano consecutivo não goza de férias nesse mesmo período. Acontece ter ficado provado o seguinte: 10. No ano de 2017, a autora gozou os seguintes períodos de férias: 10 a 13/04, 24 a 31/07, 01 a 04/08, 24 a 31/10 e 02 e 03/11 – cfr. doc. de fls. 112v. 11. No ano de 2018, a autora gozou os seguintes períodos de férias: 21 a 25/05, 02 a 13/07, 29/10 a 31/10, 02/11 e 26 a 28/12 – cfr. docs. de fls. 78 e 113. 12. No ano de 2019, a autora gozou os seguintes períodos de férias: 03 a 17/05, 21 a 25/10 e 04 a 11/11 – cfr. docs. de fls. 78v e 113v. Factos provados que o Tribunal a quo justificou referindo na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto o seguinte: -«Porque pertinente, consigna-se que, quando ouvida em declarações, a autora afirmou que, até ao ano de 2019, sempre terá gozado férias nos períodos por si indicados/escolhidos. Apesar de, no processo físico, do documento junto a fls. 112v, não ser possível aferir dos períodos gozados, mostra-se o mesmo esclarecedor quando consultado no Citius, pelo que foi o mesmo valorado para prova das férias referentes ao ano de 2017. Seja como for, para além de a autora não ter impugnado, nessa parte, o alegado pela ré, a verdade é que pela testemunha M… foi corroborado serem os indicados na Contestação (e, nos anos de 2017 e de 2018, a marcação de férias estava sob a alçada da testemunha). Esta testemunha corroborou igualmente os dias de férias gozados pela autora em 2018, bem como que, em ambos estes anos, os períodos concedidos foram aqueles que a autora havia solicitado. Já com relação ao ano de 2019, a testemunha M… esclareceu que ocorreu sobreposição de pedidos, uma vez que várias auxiliares pretendiam gozar férias em Agosto. Mais acrescentou que a autora era a única que já tinha gozado férias no Verão de 2017 e no de 2018 e, no que respeita a 2019, havia já gozado o seu maior período de férias (ou seja, entre 03 e 17/05/2019) – […]». É neste contexto que a recorrente defende que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que a autora “não conseguisse passar tempo/férias com o filho e o marido”, ao invés de o ter considerado como não provado [segunda parte do ponto 7 dos facto s não provados], para tanto sustentando-se exclusivamente nas suas declarações de parte acima transcritas. Como se refere co Acórdão do TRP, 15/09/2014 [Proc.º 216/11.4TUBRG.P1, Desembargador António José Ramos, disponível em www.dgsi.pt] “As declarações de parte [artigo 466º do novo CPC]– que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos». Não sabemos em concreto, desde logo por a autora nem sequer o ter alegado na acção, quais os períodos de férias, em termos precisos do marido e do filho. Repare-se que a autora veio apenas alegar que “já pelo segundo ano consecutivo não goza de férias nesse mesmo período”, referindo-se ao período de 16/08/2019 a 23/08/2019, afirmando não “coincidirem já há dois anos com o período escolar do seu filho”. Dito de outro modo, desde logo, na PI a autora não usou como fundamento ter dificuldade em conciliar as férias com o marido, mas apenas com o filho; e, quanto a este, nada concretizou, sendo certo – como é do conhecimento comum - que as férias escolares variam consoante o nível de ensino e, para além disso, contemplam períodos para além do Verão, nomeadamente, na Páscoa e no Natal. Acresce, desde logo por nada ter sido alegado a esse propósito, que não há qualquer prova outra prova de onde se possa extrair que a autora de facto não conseguiu “ passar férias com o filho e marido”. Parafraseando o citado “(..) inexistindo outros meios de prova que minimamente corroborem a versão da parte, o mesmo não deve ser valorado, sob pena de se desvirtuar na totalidade o ónus probatório e que as acções se decidam apenas com as declarações das próprias partes”. Concluindo, também nesta parte improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO Na vertente da impugnação da sentença por erro na aplicação do direito aos factos, a recorrente, insurge-se contra a sentença quanto ao seguinte: a) Por não ter aplicado o suplemento remuneratório reclamado de 22% e condenado a Ré no pagamento a título de retroativos, no montante de 8.643,01€ acrescido dos legais juros de mora; b) Por não ter condenado a Ré na atribuição de créditos de horas à Autora no total de 106,50 horas de formação e ainda ordenado a aplicação de contraordenação grave; c) Por não ter condenado a Ré em indemnização por danos morais, no valor de €5000, e não ter ordenado a aplicação de contra-ordenação grave. Importa deixar já resolvida a questão relativa ao alegado erro de julgamento em razão do tribunal a quo não ter ordenado a aplicação das contra-ordenações que a recorrente refere nas conclusões XII e XVIII. Em primeiro lugar, a competência para o procedimento das contra-ordenações por violação de normas que consagrem direitos ou imponham deveres a qualquer sujeito no âmbito de relação laboral e que sejam puníveis com coima, está atribuída por lei à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) [art.º 2.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro - regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social]. Nesta matéria, aos tribunais – 1.ª instância - compete apreciar a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa [art.º 32.º], que é coisa bem diferente. Portanto, esta pretensão nunca teria, como não tem, qualquer cabimento. Em segundo lugar, percorrendo toda apetição inicial, não se encontra uma única alegação visando sustentar a pretensão da Ré ser condenada por ilícitos contra-ordenacionais, nem tão pouco a concretização dessa pretensão, nos termos agora constantes nas conclusões. Assim, caso porventura se tratasse de uma pretensão admissível, sempre consubstanciaria a introdução de uma questão de direito que não foi submetida à apreciação da 1.ª instância, pelas mesmas razões acima indicadas, isto é, em momento algum a Autora suscitou na petição inicial. Significa isso, que estamos perante uma questão nova, por essa razão não podendo este tribunal de recurso dela conhecer. Como tem sido entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência, apenas nos casos expressamente previstos (cfr. artigo 665º nº 2, 608º, nº 2, in fine, CPC), pode o tribunal superior substituir-se ao tribunal que proferiu a decisão recorrida. Com efeito, a jurisprudência tem reiteradamente entendido que os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu” [Cfr. Acórdãos do STJ (disponíveis em www.dgsi.pt): de 22-02-2017, proc.º 519/15.4T8LSB.L1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; de 14-05-2015, proc.º 2428/09.1TTLSB.L1.S1, Conselheiro Melo Lima; de 12-09-2013, proc.º 381/12.3TTLSB.L1.S1 e de 11-05-2011, proc.º786/08.4TTVNG.P1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol]. Em terceiro e último lugar, não é também despiciendo assinalar que, mais uma vez, a recorrente vem introduzir nas conclusões algo de novo, isto é, sem respaldo nas alegações, valendo aqui as considerações que já se deixaram acima a este propósito. Para que não restem dúvidas, na parte das alegações dirigida a questionar a sentença por não ter condenado a Ré no pagamento de crédito de horas por formação não proporcionada, concluiu [art.º 41.º] A decisão que se impunha ao tribunal a quo perante tal fato provado é a condenação da Ré na atribuição de créditos de horas à Autora no total de 106,50 horas de formação”, e só nas conclusões veio dizer: [XII] A decisão que se impunha ao tribunal a quo perante tal fato provado de um comportamento ilícito e grave, deve ser a condenação da Ré na atribuição de créditos de horas à Autora no total de 106,50 horas de formação e ainda ordenar a aplicação de contraordenação grave”. Do mesmo modo, sobre o direito a férias, nas alegações concluiu [art.º55] “Dir-se-á seguramente que daquela factualidade apurada nos autos permite contrariamente ao que alega o tribunal a quo, concluir que a ré incorreu de forma grave e grosseira num comportamento ilícito, ao impor de forma unilateral que a Autora gozasse as suas ferias no ano de 2019 fora do período de 01 de Maio e 31 de Outubro”, enquanto agora diz [Conclusão XVIII]: “[..] e perante o comportamento ilícito, grave e pela pratica de ato discriminatório perpetuado pela Ré , deve ser a condenação da Ré em indemnização que se reclama como justa nunca inferior a 5000,00 conforme alegado em PI. Ainda deve a Ré ser condenada em contraordenação ordenando -se a aplicação da mesma como grave”. Concluindo, nessa parte improcede o recurso. II.3.1 A recorrente questiona a sentença em razão de não ter condenado a Ré no pagamento da quantia de €8.643,01, acrescido dos legais juros de mora, por não lhe ter reconhecido razão ao reclamar a aplicação do suplemento remuneratório de 22%, sobre a retribuição, ao invés dos 15% pagos pela Ré, em razão de trabalhar por turnos. O Tribunal a quo pronunciou-se quanto a essa pretensão nos termos seguintes: -« [..] Do montante devido a título de subsídio de turno e das diferenças reclamadas a esse título As partes estão de acordo quanto ao facto de a autora exercer funções em horário por turnos (existem três turnos, uma vez que a actividade da ré é de 24h/dia, sete dias por semana), sendo que, por esse motivo, lhe é pago um subsídio. Igualmente não se mostra controvertido que o montante pago a esse título corresponde a 15% da remuneração base que a trabalhadora aufere. A divergência assenta apenas no facto de a mesma defender que tal cálculo deverá ter subjacente uma percentagem de 22%, o que a ré refuta. Desde já se dirá que o contrato de trabalho celebrado entre as partes nada refere quanto a esta matéria (inexiste qualquer alusão ao pagamento desta verba). Também o Código do Trabalho nada prescreve – limita-se a fornecer a noção de trabalho por turnos (art. 220.º), a forma pela qual o mesmo deve ser organizado (art. 221.º) e a necessidade de protecção em matéria de segurança e saúde destes trabalhadores (art. 222.º). Como escreve João Leal Amado, “A lei revela preocupação com a salvaguarda e saúde destes trabalhadores (art. 222.º), mas não reconhece o direito a qualquer retribuição especial («subsídio de turno») nestes casos – o que, evidentemente, não impede que tal seja previsto através de IRCT”, in Contrato de Trabalho, Noções Básicas, 3.ª ed., 2019, Almedina, pg. 255. Já Maria do Rosário Palma Ramalho refere: “se os turnos determinarem a prestação do trabalho durante o período nocturno, os trabalhadores têm direito ao acréscimo remuneratório correspondente a este tipo de trabalho. (…) embora a lei não o preveja, muitos instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho estabelecem subsídios de turno, como forma de compensar o trabalhador pela maior penosidade associada ao trabalho por turnos.”, in Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª ed., 2016, Almedina, pg. 415. Veja-se, por fim, Luís Menezes Leitão, segundo o qual “A organização do trabalho por turnos não dá direito a remuneração especial, ainda que os IRC costumem prever o denominado subsídio de turno.”, in Direito do Trabalho, 3ª ed., Almedina, 2012, pgs. 263. Na presente acção, a autora não invoca qualquer fundamento que justifique a sua tese, designadamente algum IRCT, apenas alegando prestar “trabalho por turnos prolongado ainda que parcial (i.e. o turno é prestado aos sábados ou domingos)”. E, por sua vez, também a ré não refere qual a previsão para o referido pagamento ocorrer nos moldes em que tem vindo a ser processado. Considerando, no entanto, a actividade da ré, que é uma unidade hospitalar privada, cumpre trazer à colação o CCT celebrado entre a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada – APHP e a FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal e outro, publicado no BTE n.º 15 de 22/04/2010, alterado pelos BTE´s n.º 13 de 08/04/2016, n.º 41, de 08/11/2017, e n.º 20, de 29/05/2019 (texto consolidado). Tal IRCT é aplicável ao presente vínculo (e sempre o seria por força da Portaria de Extensão n.º 209/2019 de 04/07, publicada no DR n.º 126/2019, Série I, dessa data). Ora, prescreve o n.º 1 da Cláus. 39.ª que “O trabalho em regime de trabalho por turnos rotativos, em que a rotação compreenda a prestação de trabalho em período noturno, é retribuído com um acréscimo mensal sobre a retribuição base de 15%.” – quanto ao trabalho por turnos, veja-se, também, o teor da Cláus. 22.ª. Em qualquer cláusula se refere o pagamento com base numa percentagem de 22%. A referência a esta última percentagem resulta apenas da legislação referente ao contrato de trabalho na função pública, a qual não é aplicável ao vínculo aqui em causa (já que o mesmo está inserido no sector privado e, como mencionado, tem regulamentação no IRCT supra identificado). Com referência a tal legislação veja-se art. 211.º da Lei n.º 59/2008 de 11/09 – “Desde que um dos turnos seja total ou parcialmente coincidente com o período de trabalho nocturno, os trabalhadores por turnos têm direito a um acréscimo remuneratório cujo montante varia em função do número de turnos adoptado, bem como da natureza permanente ou não do funcionamento do serviço. 2 - O acréscimo referido no número anterior, relativamente à remuneração base, varia entre: a) 25% e 22%, quando o regime de turnos for permanente, total ou parcial; b) 22% e 20%, quando o regime de turnos for semanal prolongado, total ou parcial; c) 20% e 15%, quando o regime de turnos for semanal, total ou parcial. 3 - A fixação das percentagens, nos termos do número anterior, tem lugar em regulamento interno ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. 4 - O regime de turnos é permanente quando o trabalho é prestado em todos os sete dias da semana, semanal prolongado quando é prestado em todos os cinco dias úteis e no sábado ou no domingo e semanal quando é prestado apenas de segunda-feira a sexta-feira. 5 - O regime de turnos é total quando é prestado em, pelo menos, três períodos de trabalho diário e parcial quando é prestado apenas em dois períodos. (…)” -, legislação essa que veio a ser revogada pela Lei n.º 35/2004 de 20/06, que aprovou a actual Lei Geral do Trabalho em Função Pública, a qual alude a tal matéria no seu art. 161.º: “1 - Desde que um dos turnos seja total ou parcialmente coincidente com o período de trabalho noturno, os trabalhadores por turnos têm direito a um acréscimo remuneratório cujo montante varia em função do número de turnos adotado, bem como da natureza permanente ou não do funcionamento dos serviços. 2 - O acréscimo referido no número anterior, relativamente à remuneração base, varia entre: a) 25% a 22%, quando o regime de turnos for permanente, total ou parcial; b) 22% a 20%, quando o regime de turnos for semanal prolongado, total ou parcial; c) 20% a 15%, quando o regime de turnos for semanal total ou parcial. 3 - A fixação das percentagens, nos termos do número anterior, tem lugar em regulamento interno ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. 4 - O acréscimo remuneratório inclui o que fosse devido por trabalho noturno, mas não afasta a remuneração por trabalho suplementar.”. Ora, se assim é, e salvo melhor entendimento, não existe qualquer suporte legal (ou outro) para a pretensão da autora, a qual terá necessariamente de improceder (nenhum montante lhe sendo devido a título de diferenças decorrentes do pagamento de tal subsídio)». Defende a Recorrente [Conclusões III a V e VII] que a sentença, “[..] ao aplicar ao presente vínculo laboral, a clausula 30º n.º 1 o IRCT publicado BTE n.º 15 de 22/04/2010 alterado pelos BTE n.º 13 de 08/04/2016 por força da Portaria de Extensão n. 209/2019 de 04/07, publicado no DR n.º 126/2019, Serie I, dessa data, desconsiderou e violou art. 270 º do CT refere expressamente aos critérios de determinação da retribuição observando-se sempre o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual “, violou ainda “o princípio da igualdade, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa confere aos trabalhadores o direito fundamental de, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, serem retribuídos pelo seu trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual”, assim como [Desconsiderou e violou o principio de aplicação da lei que disponha sentido mais favorável, que de acordo com o art.º 3º do CT (código de trabalho) consagra as relações entre as fontes de regulação e prevê que as normas legais reguladoras de trabalho só podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que, sem oposição daquelas normas, disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores, na qual se inclui a forma de cumprimento e garantia de retribuição, bem como pagamento de trabalho suplementar”. Contrapõe a Recorrida, desde logo, que a Recorrente na petição inicial não apresentou um único fundamento para sustentar o alegado direito a subsídio de turno de 22%, só agora vindo pretender a aplicação analógica do regime público, invocando o princípio da igualdade e o princípio do tratamento mais favorável. A Recorrida nunca tinha sido confrontada com estes fundamentos e sobre eles não tive oportunidade de exercer o respetivo contraditório, razão pela qual se afiguram processualmente inadmissíveis, o que impossibilita a valoração do Digníssimo Tribunal e a alteração da decisão recorrida. Mais refere que não há lugar a qualquer aplicação por analogia, dado não existir uma lacuna legal, tendo o legislador remetido essa previsão, como o faz noutras matérias, para a liberdade coletiva ou individual da Partes. Refere, ainda, que a aplicação analógica do regime público não faz qualquer sentido, porquanto em causa não se encontram realidade sequer comparáveis: o empregador Estado e o empregador empresas são entidades e representam realidades manifestamente distintas, assim como o são os trabalhadores de um e outro sector, inexistindo fundamentos para falar em desigualdade. E, também, que a ideia de que o regime público se deveria aplicar aos trabalhadores privados nas matérias em que aquele é mais favorável a estes significaria a destruição do direito laboral privado e da contratação coletiva do sector privado (aqui incluindo o direito à autonomia privada coletiva). Passando à apreciação, como bem assinala a recorrida, a autora na petição inicial limitou-se a alegar [art.ºs 5, 6 e 7] que “o Hospital [ ..] tem vindo de forma reiterada e com elevado dolo, a desrespeitar os direitos da Autora, [..]considerando [..] assumiu e assume trabalho por turnos, certo é que a mesma tem vindo a auferir um subsídio muito aquém do que lhe é devido, na medida em que o Réu aplica o acréscimo de 15% (€600,00 x 15%) quando deveria aplicar o acréscimo de 22% [..] porquanto [..] presta trabalho por turnos prolongado ainda que parcial (i.e. o turno é prestado aos sábados ou domingos)…“ para depois concluir que a Ré lhe deve a quantia reclamada. Por seu turno, a recorrida limitou-se a aceitar que pagava o subsídio de turno aplicando a percentagem de 15% sobre a retribuição. No percurso para indagar se a Autora tinha fundamento para reclamar a percentagem de 22%, pese embora esta nada tendo dito para o justificar, quando tal lhe competia, o Tribunal a quo concluiu que atenta a actividade da Ré, é aplicável ao vínculo laboral em presença o “CCT celebrado entre a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada – APHP e a FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal e outro, publicado no BTE n.º 15 de 22/04/2010, alterado pelos BTE´s n.º 13 de 08/04/2016, n.º 41, de 08/11/2017, e n.º 20, de 29/05/2019 (texto consolidado)”, que sempre o seria “por força da Portaria de Extensão n.º 209/2019 de 04/07, publicada no DR n.º 126/2019, Série I, dessa data”. Face a esta pronúncia a recorrente pode questionar a certeza daquele juízo, ou seja, as razões que levaram o Tribunal a quo a chegar àquela conclusão – atendendo à actividade da Ré e à Portaria de Extensão -, mas já não a suscitar, por serem questões jurídicas com distinta natureza e que pressupõem outros fundamentos sobre as quais não se debruçou o Tribunal a quo, a alegada violação do princípio da igualdade, mormente na vertente de a trabalho igual corresponder salário igual, ou do principio de aplicação da lei que disponha sentido mais favorável (art.º 3º do CT). Por conseguinte, a recorrente está a pretender suscitar questões que não suscitou na acção nem sobre as quais se tenha pronunciado o tribunal a quo, ou seja, a colocar questões novas, tendo aqui inteira aplicabilidade o que se deixou explicado a esse propósito, máxime, que como é entendimento pacifico os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu”. Assim, quanto a este ponto rejeita-se o conhecimento do recurso. II.3.2 Prossegue a recorrente, colocando em causa o decidido sobre os reclamados créditos de horas de formação não ministrada, pedindo a condenação da Ré no pagamento de €412,00. A este propósito, o Tribunal a quo pronunciou-se como segue: «Do crédito por formação Alega a autora que a ré não cumpre com a sua obrigação decorrente do dever de formação, reclamando ter direito a 40 horas anuais e ser detentora de um crédito, a esse título, no montante de 412€. A ré contrapõe que só a partir de 01/10/2019 passou a ser obrigatório esse número de horas sendo que, até então, eram apenas 35 horas anuais. Invoca, ainda, ter ministrado formação à autora nos anos de 2013, 2014, 2016 e 2017 e que, as eventuais horas não ministradas se convertem em crédito de horas a gozar e já não em crédito retributivo (o que apenas sucede após a cessação do vínculo). Apreciando. Dúvidas inexistem de a ré, enquanto entidade empregadora, ter a obrigação de proporcionar à autora, enquanto sua trabalhadora, a adequada formação profissional. Tal formação corresponde, como bem refere a ré, a 35h anuais até 30/09/2019 e a 40h anuais a partir de 01/10/2019 - cfr. art. 131.º n.º 2 do CT, sendo que o aumento para as 40h foi introduzido pela Lei n.º 93/2019 de 04/09. Note-se que a entidade empregadora deve assegurar, em cada ano, formação contínua a, pelo menos, 10% dos trabalhadores da empresa - art. 131.º n.º 5 do CT -, podendo, também, antecipar até dois anos ou, desde que o plano de formação o preveja, diferir por igual período de tempo a efetivação de tal formação anual – cfr. n.º 6 do mesmo artigo. Da matéria de facto provada apenas resultaram apuradas as acções de formação aí descritas, a última das quais ocorreu em Outubro de 2017. Contudo, nos termos prescritos na lei, caso o empregador não assegure as citadas horas de formação até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento, transformam-se as mesmas em crédito de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador – art. 132.º n.º 1 do CT. Tal crédito de horas é referido ao período normal de trabalho, confere direito a retribuição por tal tempo e conta como tempo de serviço efectivo – n.º 2 do art. 132.º. Apenas com a cessação do contrato de trabalho é que este crédito de horas se transforma em crédito pecuniário pelo valor das horas devidas com formação (pois passa a existir impossibilidade objectiva de ser assegurado pelo ex-empregador, o qual já não detém essa qualidade) – art. 134.º do CT. Ora, considerando que, na presente situação, o contrato de trabalho celebrado entre as partes ainda se mantém em vigor, inexiste qualquer crédito pecuniário que a autora possa reclamar pelas horas de formação não ministradas (a mesma apenas beneficia da faculdade de exigir o crédito de horas, o qual estará, contudo, sujeito ao limite previsto no art. 132.º n.º 6 do CT). Improcede, pois, nesta parte, o pedido da autora». Defende a recorrente que [conclusão XII] “[A] decisão que se impunha ao tribunal a quo perante tal fato provado de um comportamento ilícito e grave, deve ser a condenação da Ré na atribuição de créditos de horas à Autora no total de 106,50 horas de formação”. Para que melhor se perceba, nas alegações sustenta o seguinte: - «[..] E o que acontece se o empregador não assegura ao trabalhador o número mínimo de horas de formação a que tem direito? [37º] As horas de formação que não sejam asseguradas pelo empregador até ao final dos anos empregador até ao final dos dois anos seguintes ao seu vencimento convertem-se em crédito de horas para formação por iniciativa do trabalhador”. Contrapõe a recorrida, no essencial, que “Nos termos do artigo 134.º do Código do Trabalho, apenas com a cessação do contrato de trabalho é que o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo de horas anual que não lhe tenha sido proporcionado ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação. Como o contrato de trabalho mantido entre as Partes se encontra em vigor e em execução, a Recorrente não tem direito a ver convertido em dinheiro o número de horas de formação eventualmente não ministrada ou o crédito de formação de que seja eventualmente titular”. Salvo o devido respeito, não logramos perceber qual o exacto fundamento da recorrente para discordar da sentença quanto a esta matéria, já que não esgrime qualquer argumento jurídico para sustentar eventual erro na interpretação e aplicação do art.º 134.º do CT. Estabelece a aludida norma o seguinte: “Cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação”. A pretensão deduzida pela A. na acção com fundamento no incumprimento do dever de lhe ser facultada formação no número de horas previstos na lei, foi a condenação desta no pagamento de “ (..) 105 horas de formação no valor de €412,00 (quatrocentos e doze euros)”. A fundamentação da sentença é bem clara ao concluir que “Apenas com a cessação do contrato de trabalho é que este crédito de horas se transforma em crédito pecuniário pelo valor das horas devidas com formação (pois passa a existir impossibilidade objectiva de ser assegurado pelo ex-empregador, o qual já não detém essa qualidade) – art. 134.º do CT. Ora, considerando que, na presente situação, o contrato de trabalho celebrado entre as partes ainda se mantém em vigor, inexiste qualquer crédito pecuniário que a autora possa reclamar pelas horas de formação não ministradas [..]». E, para além de ser bem clara, sem qualquer dúvida, é acertada. Na verdade, por força do disposto no art.º 134.º, do CT, outra não podia ser a decisão, não merecendo, pois, a sentença censura. Em suma, o direito do trabalhador a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação, só se constitui com a cessação do contrato de trabalho. Assim, também quanto a este ponto improcede o recurso. II.3.3 Por último, discorda a recorrente da sentença por ter julgado improcedente o pedido de condenação da Ré em indemnização por danos morais, no valor de €5000. Sobre esta pretensão, o tribunal a quo pronunciou-se nos termos seguintes: -«Da peticionada compensação a título de danos não patrimoniais Este pedido da autora tem subjacente a alegação de a mesma “muitas vezes não ter horas de descanso, trabalhando assim quase dez horas seguidas”, o que a deixa “exausta, acabando por quase não conseguir passar tempo com o seu filho e marido”. Mais alega que “o facto de não ter fins de semana de folga há mais de um ano, bem como das suas férias coincidirem já há dois anos com o período escolar do seu filho” a impedem de “ter tempo de qualidade ou férias em família”. Ora, salvo o devido respeito, também esta pretensão está inelutavelmente destinada ao insucesso, já que, como referido, não logrou a autora demonstrar o alegado em matéria de horário, descansos, folgas e férias. De todo o modo, ainda que porventura se tivesse concluído pela ilicitude do comportamento da ré (o que se concebe para efeitos meramente argumentativos), sempre o pedido em apreço seria de julgar improcedente, dada a não demonstração dos respectivos factos que lhe serviam de fundamento ou pressuposto, nomeadamente a demonstração de danos morais relevantes, juridicamente tutelados. Nada será, pois, de atribuir a esse título». Defende a Recorrente que [conclusão XVIII] “perante tais fatos provados – o art.º 12 e 13 ( da fundamentação de fato) e o que se impõe aditar ( vide o constante em XVI das conclusões ) e perante o comportamento ilícito, grave e pela pratica de ato discriminatório perpetuado pela Ré , deve ser a condenação da Ré em indemnização que se reclama como justa nunca inferior a 5000,00 conforme alegado em PIXV”, mais adiante prosseguindo, agora para defender que [conclusão XXI] “A decisão que se impunha ao tribunal a quo perante o aditamento aos fatos provados quais são que: a Autora não gozou no ano de 2019 folgas aos fins de semana e ainda que a autora se tenha sentido exausta e não conseguisse passar ferias com o filho e marido, fatos que se impõe aditar e perante o comportamento ilícito, grave e pela pratica de ato discriminatório perpetuado pela Ré , deve ser a condenação da Ré em indemnização que se reclama como justa nunca inferior a 5000,00 conforme alegado em PI. Ainda deve a Ré ser condenada em contraordenação ordenando -se a aplicação da mesma como grave”. A recorrida pugna pela improcedência desta parte do recurso, referindo, no essencial, que os factos provados não suportam a pedido de condenação em danos morais, bem assim que a recorrente não alegou qualquer dano moral concreto, material, efetivo e concretizado, limitando-se a avançar com considerações conclusivas e desprovidas de substância, pelo que nunca o invocado pela Recorrente na sua petição poderia fundamentar a condenação da Recorrida no pagamento de uma indemnização por danos morais, porquanto os mesmos simplesmente não foram alegados de molde a sustentar esse mesmo pedido. Retira-se das enunciadas conclusões, que a recorrente estriba a pretendida alteração da sentença na aplicação do direito no pressuposto de ver atendida a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente no que concerne aos factos que refere. Porém, assim não aconteceu, apenas tendo sido acolhida parcialmente a impugnação dirigida ao facto provado 3, que se alterou nos termos que deixámos afirmado, mas sem que tenha qualquer relevo para este ponto. Mantem-se, pois, inteiramente válida a consideração do tribunal a quo, quando refere que “[..], também esta pretensão está inelutavelmente destinada ao insucesso, já que, como referido, não logrou a autora demonstrar o alegado em matéria de horário, descansos, folgas e férias”. Dito de outro modo, não tendo procedido a impugnação da decisão sobre a matéria de facto nos termos pretendidos pela recorrente e sustentando-se o alegado erro na aplicação do direito aos factos no sucesso daquela, necessariamente sucumbe o recurso também quanto a esta questão. III. DECISÃO Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso nos termos seguintes: I) Parcialmente procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto; II) Improcedente a impugnação por erro na aplicação do direito, em consequência confirmando-se a sentença. Custas pela recorrente Autora, atendo o decaimento (art.º 527.º 2, do CPC). Porto, 15 de Dezembro de 2021 Jerónimo Freitas Nelson Fernandes Rita Romeira |