Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANABELA MIRANDA | ||
Descritores: | MÚTUO PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES VENCIMENTO ANTECIPADO QUOTAS DE AMORTIZAÇÃO DE CAPITAL E JUROS REMUNERATÓRIOS PRAZO DE PRESCRIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP202504082638/23.9T8LOU-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/08/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE REVOGADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A jurisprudência consolidada tem preconizado que o vencimento antecipado da totalidade da dívida emergente de um contrato de mútuo não impede a aplicação do prazo prescricional de cinco anos, aludido art. 310.º, alínea e), do CC, no que concerne às quotas de amortização do capital e aos juros remuneratórios. II - A prescrição da obrigação causal, garantida pela livrança, determina necessariamente a extinção da obrigação cartular, pese embora a contagem do prazo prescricional se deva contar a partir da data do vencimento aposta no título. III - Os avalistas não beneficiam dos efeitos da prescrição, invocada apenas pelo subscritor da livrança. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2638/23.9T8LOU-A.P1
Relatora: Anabela Andrade Miranda * Sumário……………………………….. ……………………………….. ……………………………….. * Acordam no Tribunal da Relação do Porto I—RELATÓRIO “A...-STC, S.A.” intentou a execução apensa contra AA, BB e CC, estes últimos na qualidade de avalistas, com base numa livrança em branco, subscrita pela primeira executada para garantia da boa execução do Contrato de Crédito ao Consumo Banco 1... com a ref. ...59/...41, que assumiu na escrita do Banco Cedente o n.º...64 e que actualmente assume o n.º: ...36, celebrado entre o Banco 1..., S.A., actualmente designado por Banco 2..., S.A., preenchida no montante de € 42.634,59. A Executada, AA, deduziu embargos à execução invocando a prescrição e a falta de cumprimento dos requisitos impostos pelo D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro. A Exequente contestou os embargos respondendo às excepções pugnando pela improcedência das mesmas e defendendo a inaplicabilidade do prazo prescricional de 5 anos. * Proferiu-se sentença que julgou procedentes os embargos e extinguiu a execução. * Inconformada com a sentença, a Exequente/Embargada interpôs recurso finalizando com as seguintes Conclusões A.O presente recurso de apelação tem por objeto a sentença proferida pelo Juízo de Execução da Lousada, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este (doravante Tribunal a quo), que julgou procedente a exceção de prescrição do direito de crédito exequendo, e, em consequência, julgou extinta a execução. B.Em suma, o douto Tribunal a quo decidiu declarar prescritos, pelo decurso do prazo de cinco anos a que alude o artigo 310.º, al. e) do Código Civil, os créditos de que a Recorrente é titular e que foram executados nos autos de execução ordinária dos quais os embargos de executado e este recurso são apensos. C.Com efeito, o douto Tribunal a quo considerou que A obrigação assumida pelos signatários do contrato, compartimentada num mútuo e respetivos juros, converteu-se numa prestação mensal de fraccionada quantia global que, desta forma, iria sendo amortizada na medida em que se processasse o seu cumprimento; e esta facticidade está abrangida pelo regime jurídico descrito no artigo 310.º, alínea e), do C. Civil. D.O Douto Tribunal a quo considerou que ao caso em apreço, não é aplicado o prazo prescricional de vinte anos, conforme plasmado no artigo 309.º do CC. E.Salvo o devido respeito, que é muito, a Recorrente permite-se discordar em absoluto da decisão proferida pelo Tribunal a quo, que não foi proferida conforme aos ditames da lei e do direito, pois entende que não terá sido apreciada nos termos que eram exigidos no que tange à aplicação do direito. F.No exercício da sua atividade bancária, o Banco 1... S.A., atualmente designado por Banco 2... S.A., celebrou com a Subscritora/Recorrida AA, Contrato de Crédito ao Consumo Banco 1... com a ref. ...59/...41, que assumiu na escrita do Banco Cedente o n.º...64 e que atualmente assume o n.º ...36, em 17.12.2010, tendo sido financiado o montante total de €19.746,11 (dezanove mil, setecentos e quarenta e seis euros e onze cêntimos). G.Para garantia das obrigações contratuais emergentes do referido contrato, a Recorrida subscreveu uma livrança em branco que constitui o título executivo da presente execução. H.Nos termos do disposto nas Condições Particulares do Contrato de Crédito ao Consumo Banco 1... n.º ...36, consta que para garantia do referido crédito o Cliente entrega ao Banco 1... uma livrança com a cláusula “não à ordem” que o Banco 1... poderá acionar ou descontar no caso de incumprimento das obrigações assumidas no contrato. I.A referida Livrança foi avalizada por BB NIF ...81 e CC NIF .... J. Mais resulta das referidas condições que o Banco 1... ficou autorizado, pelo Cliente e pelos Avalistas a preencher a livrança com data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação garantida e por uma quantia que o Cliente lhe deva ao abrigo do Contrato. K. Condições essas aceites por todos os intervenientes. L. Atendendo ao supra exposto, por força do disposto nas Condições Particulares o Banco ficou irrevogavelmente autorizado a preencher o montante e data de vencimento, na data em que julgar conveniente. M.O empréstimo deixou de ser cumprido no início do ano de 2012, remetendo o Banco Cedente diversas missivas (Req. Citius 03/07/2024 Ref. 9769590), alertando para o incumprimento contratual e para as consequências que poderiam advir pela situação de incumprimento registado. N. Nesta sequência, face ao incumprimento definitivo do contrato, venceram-se todas as prestações associadas ao reembolso dos capitais mutuados ao Recorrido. O. Vencendo-se todas as prestações associadas ao reembolso do capital mutuado à Recorrida. P. Atendendo ao reiterado incumprimento, não restou alternativa ao Recorrente senão preencher a livrança dada em garantia do cumprimento contratual, vencida em 27/02/2023 e interpelar o Recorrido para o seu pagamento. Q. Note-se que em caso de incumprimento das obrigações contratuais, as Partes acordaram livremente que o Banco Cedente, para cobrança dos créditos, pode fazer uso das garantias que lhe foram prestadas pelo Cliente. R. Não obstante a matéria de facto dada como provada, o Douto Tribunal a quo considerou que assiste razão à Recorrida e que a situação dos autos deve ser enquadrada na situação prevista na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, que determina a aplicação de um prazo excecional de prescrição de cinco anos. S. As obrigações cambiárias estão sujeitas aos prazos especiais de prescrição previstos no artigo 70.º da LULL. T.O legislador português não fixou um limite temporal para a livrança em branco. U. O prazo prescricional previsto no artigo 70.ºda LULL corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador, desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento. V. Neste sentido, vejamos o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/05/2020, Relator Manuel Domingos Fernandes, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que refere que: “II - Tendo os pactos de preenchimento autorizado a exequente embargada a preencher as livranças em caso de incumprimento de quaisquer obrigações ou responsabilidades inerentes à relação subjacente, pelo valor que for devido, não é possível concluir-se que aquela, ao apor nas livranças uma data mais de três anos ulterior à verificação do citado incumprimento, tenha incorrido em preenchimento abusivo, por violação do princípio da boa fé. III - Não havendo violação do pacto de preenchimento, numa livrança em branco, o prazo de prescrição de três anos previsto no art.º 70.º “ex vi” 77.º da LULL, conta-se a partir da data de vencimento que venha a ser aposta no título pelo respectivo portador, quer essa data coincida ou não com o incumprimento do contrato subjacente ou com o vencimento da mesma obrigação.”. W. Tendo sido concedido à exequente, no pacto de preenchimento, liberdade para fixar a data de vencimento das livranças subscritas em branco, ao invés de a fixar por referência à data relevante do incumprimento ou da resolução dos contratos garantidos por tais títulos, como pretende a embargante, carece de fundamento o invocado preenchimento abusivo das livranças dadas à execução. Para efeitos de prescrição de tais títulos o que releva é a data de vencimento neles aposta pela exequente.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/10/2019, Relator Acácio das Neves, disponível para consulta em www.dgsi.pt). X. No entendimento da Recorrente, a obrigação exequenda não se encontra prescrita, uma vez que a livrança tive o seu vencimento em 27.02.2023 e a presente ação executiva foi intentada em 12.07.2023. Y. Caso assim não se entenda, o que não se concebe mas que se acautela por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que tendo sido consideradas vencidas todas as prestações devido ao incumprimento definitivo registado, ficou sem efeito o plano de pagamento acordado, pelo que os valores em dívida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital e juros sujeitos ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos. Z. No entendimento da Recorrente, com o vencimento da totalidade das prestações ao abrigo da Cláusula 13.ª das Condições Gerais do Contrato de Crédito ao Consumo, o plano de amortização contratualmente convencionado foi dados sem efeito, deixando, em consequência, de ser exigíveis as quotas de amortização de capital e juros. AA. Não é, nem pode ser subsumível a presente situação à previsão contida na alínea e) do artigo 310º do Código Civil, uma vez que estamos na presença uma única obrigação (um contrato de empréstimo) que, embora passível de ser fraccionada e diferida no tempo, jamais pode ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo, sendo que, os mútuos bancários, independentemente das várias formas que possam assumir, nunca prescrevem antes de decorridos, pelo menos, 20 anos. BB. Resolvido o contrato extrajudicialmente, como aconteceu, com base no incumprimento definitivo dos contratos de mútuo em que as partes haviam acordado num plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a credora o montante da dívida, não tem aplicação o disposto no artigo 310.º, alínea e) do Código Civil. CC.O vencimento imediato das prestações restantes, significa per se, que o plano de pagamento faseado anteriormente acordado deixa de estar em vigor, ocorrendo uma perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações, pelo que, fica sem efeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado e os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros. DD. Desmanchada a união anteriormente contida em cada uma das prestações entre uma parcela de capital e outra a título de juros, nenhuma razão subsiste para sujeitar a dívida de capital e dívida de juros ao mesmo prazo prescricional. EE. Aquando a instauração da ação executiva, a Recorrente peticionou pela condenação do Recorrido no valor da livrança acrescido dos respetivos juros moratórios em face do seu vencimento, correspondendo o valor da livrança à totalidade em dívida no respetivo contrato e não o pagamento de prestações avulsas, pois embora tenha existido um plano de pagamento para os referidos contratos este não influencia o conteúdo global e unitário desta obrigação. FF. A este propósito vejamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/01/2021, Relator Isabel Salgado, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que conclui que: “No contrato de mútuo bancário liquidável em prestações sucessivas, assumindo estas a natureza de obrigações periódicas, distintas e autónomas, ficam sujeitas ao prazo de prescrição de 5 anos, estabelecido no artigo 310º, al) e) do Código Civil. Porém, em caso de incumprimento do mutuário que deixa de pagar as prestações, tendo o mutuante considerado vencidas todas as prestações e devido o pagamento do valor total remanescente, fica sem efeito o plano de pagamento acordado, e nessa medida o montante em dívida retoma a sua natureza original de capital (e juros), sujeito ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309º, do Código Civil.” GG. É, pois, esta a interpretação que decorre do enunciado normativo, a qual não se pode, nem deve deslocar dos critérios de correspondência verbal impostos pelo artigo 9.º do Código Civil. HH. Ao caso em apreço só poderá ser aplicado o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, considerando-se sempre que as obrigações se vencem desde a sua celebração, i.e, a obrigação de pagamento existe sempre desde a data da sua constituição, o que não sucede no caso das obrigações periódicas que nascem sucessivamente e com renovação no tempo. II. Não estando perante quotas de amortização e por conseguinte perante uma pluralidade de prestações, mas antes sim perante obrigações unitárias que aquando do seu incumprimento recuperam a sua globalidade, a decisão a ser proferida por este colendo Tribunal e que melhor satisfará os ditames da justiça, apenas será a de revogar a decisão recorrida, considerando que ao caso em apreço se aplica o prazo prescricional de 20 anos e que por conseguinte, à data da instauração da acção executiva ainda não havia transcorrido o prazo de prescrição ordinário para o cumprimento da obrigação exequenda. JJ. A interpretação do artigo 310.º, al. e) do Código Civil, de que se aplicará a regra prescricional excecional de cinco anos aos contratos de financiamento liquidáveis em prestações mensais e sucessivas, de capital e juros, quando o vencimento antecipado das obrigações ocorre por incumprimento contratual dos mutuários e que essa prescrição abrange a totalidade da dívida, viola os princípios constitucionais da segurança jurídica, proporcionalidade e, ainda o princípio da tutela jurisdicional efetiva. KK. Não se vislumbra qualquer alteração legislativa e/ou da realidade existente que permitisse ou permita à ora Recorrente entender que a sua possibilidade de recuperação de créditos seria mitigada por um prazo de cinco anos. LL. Neste seguimento, entende a Recorrente que está em causa a violação de expectativas legítimas criadas em função de uma alteração de entendimento doutrinal e jurisprudencial quanto à aplicação das normas referentes à prescrição das dívidas. MM. Criar um mecanismo de ilibar os devedores de honrar os seus compromissos é nada mais, nada menos, de que frustrar os princípios basilares que regem a celebração dos contratos: pacta sunt servanda. NN. A referida interpretação normativa tende a impedir o acesso aos Tribunais para cobrança de créditos, decorridos mais de cinco anos, desde que a dívida seja liquidável em prestações, aquando da sua constituição, violando, assim, o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. OO. No entendimento da Recorrente, o douto Tribunal a quo não pode distinguir onde a lei não distingue, sobe pena de se limitar injustificadamente o acesso aos tribunais. PP. Nesta sequência, deverá ser considerada, concretamente, inconstitucional a interpretação segundo a qual aos contratos liquidáveis em prestações, de capital e juros, se aplica o prazo excecional de cinco anos. QQ. Atendendo aos motivos supra expendidos, é forçoso concluir pelo manifesto erro de apreciação do Direito na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo. Caso assim não se entenda, sempre se dirá que, RR. A Sentença foi proferida nos seguintes termos: Pelo exposto, julgo os presentes embargos de executado totalmente procedentes, determinando, em consequência, a extinção da execução de que estes autos constituem um apenso. SS.Na impossibilidade de esclarecimento do alcance da decisão recorrida partimos, do pressuposto que os efeitos da prescrição se reportam a todos os executados, uma vez que não existe uma delimitação subjetiva, ínsita na decisão recorrida. TT. Pelo que, também não andou bem o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu. UU. Isto porque, os executados que não embarguem a execução não ficam abrangidos pela decisão final de procedência dos embargos deduzido por outro executado, por aplicação do disposto nos artigos 580.º, n.º 1, 581.º, n.ºs 1 e 2, e 619.º, n.º 1, todos do CPC. VV. A pretensão deduzida pela Embargante, aqui Recorrida, traduziu-se na invocação da prescrição, a qual se assume como fundamento ou meio pessoal de defesa, sendo, por isso, apenas invocável pelo prescribente, não liberando os executados do cumprimento da obrigação exequenda. WW. Pelo que, a Sentença apenas deveria determinar a extinção da execução quanto à Embargante, aqui Recorrida, prosseguindo quanto aos restantes Executados. XX. Situação diferente seria se, por exemplo, a sentença proferida nos Embargos de Executado tivesse julgado extinta a execução com fundamento na satisfação do direito de crédito através do cumprimento, dação em cumprimento, novação, consignação em depósito ou compensação. YY. Nestes casos, a satisfação do direito do credor produz a extinção, relativamente a ele, da obrigação dos restantes devedores (artigo 523.º do Código Civil). ZZ. Contudo, no presente caso, os restantes Executados não estão em condições de beneficiar da Sentença proferida (e, consequentemente a extinção da execução), porque o fundamento de oposição à execução que determinou a extinção da execução em relação à Embargante foi a prescrição do crédito em relação à Embargante e esta, constituindo a prescrição um meio de defesa pessoal, que aproveita apenas a quem a invocar, no caso à Embargante/ Recorrida. AAA. É o que decorre do artigo 303.º do Código Civil, na parte em que dispõe que a prescrição necessita, para se eficaz, de ser invocada judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelos seus representantes ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público. BBB. É a natureza pessoal da prescrição que explica, por exemplo, que, no domínio das obrigações solidárias, se por efeito da suspensão ou interrupção da prescrição, ou de outra causa a obrigação de um dos devedores de mantiver, apesar de prescrita as obrigações dos outros, e aquele for obrigado a cumprir, cabe-lhe o direito de regresso contra os seus condevedores (artigo 523.º do CC). CCC. A prescrição confere ao beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício do direito prescrito e a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda quando feita com ignorância da prescrição não pode ser repetida (artigo 304.º, nºs 1 e 2, do CC), o que significa que a prescrição não opera a automaticamente a extinção ou modificação do direito não havendo, por isso, razão para que o tribunal dela conheça de ofício, carecendo de ser invocada por aquele a quem aproveita (Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo n.º 1025/21.8T8SLV-A.E1 de 26-05-2022). DDD. A favor do entendimento da prescrição como meio de defesa puramente pessoal, cita-se, a título de exemplo, o acórdão do STJ proferido em 30-09-2008, no recurso n.º 08A1918, em que numa situação semelhante à dos autos, referiu-se à prescrição como meio de defesa pessoal nos seguintes termos: que a prescrição invocada pelo executado marido não pode aproveitar à executada esposa, que não deduziu qualquer oposição (Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 9017/14.7T8PRT-G.P1.S1 07-12-2023). EEE. Face ao exposto, deverá ser a sentença retificada em conformidade, apenas declarando a extinção da execução quanto à Executada/Embargante. * As questões principais decidendas, delimitadas pelas conclusões do recurso, consistem em determinar o prazo de prescrição aplicável à situação sub iudice bem como a data de vencimento da obrigação considerando que o título é cambiário (livrança); e na hipótese de se encontrar prescrito o crédito saber se os co-Executados, avalistas, beneficiam da extinção da execução. * III—FUNDAMENTAÇÃO FACTOS PROVADOS (elencados na sentença) 1. O Banco 2..., S.A. foi constituído por deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal lavradas em atas de reuniões extraordinárias de 3 e 11 de Agosto de 2014, nos termos do n.º 5 do artigo 145º-G do RGICSF, usando número de pessoa coletiva ...16, registado na Conservatória de Registo Comercial conforme certidão permanente com o código de acesso ...74, e cujo objeto social consiste na "Administração de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos do Banco 1..., S.A. para o Banco 2..., S.A., e desenvolvimento das actividades transferidas enunciadas no artigo 145º - A do RGICSF e com o objectivo de permitir uma posterior alienação dos referidos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão para outra ou outras instituições de crédito 2. Operou-se a favor do Banco 2..., S.A., nos termos da supras referidas actas, a transferência de direitos (e activos) e obrigações do Banco 1..., S.A. a favor deste banco de transição que, para os devidos efeitos legais e contratuais, sucedeu ex lege nos direitos (e activos) e obrigações daquele, mais ficando investido na posição de credor de cada um dos créditos anteriormente detidos pelo Banco 1..., S.A. 3.A B..., S.A.R.L., sociedade de responsabilidade limitada (société à responsabilité limitée), constituída ao abrigo das leis do Luxemburgo, com sede em Rue ..., ... Luxemburgo, registada no Registo Comercial e das Sociedades do Luxemburgo sob o n.º ...79, celebrou com o Banco 2..., S.A. um Contrato de Cessão de Créditos, em 22 de Dezembro de 2018, mediante o qual a referida entidade cedeu diversos créditos, bem como, todas as garantias e acessórios a ele inerentes, incluindo os créditos que aquela instituição bancária detinha sobre os ora Executados, cfr. Doc. n.º 1 junto com o requerimento executivo e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 4.Por sua vez, por contrato de cessão de créditos celebrado em 03 de Abril de 2020, alterado a 31 de Março de 2021, a Sociedade B... cedeu à Sociedade A... – STC, S.A., diversos créditos, bem como todas as garantias e acessórios a ele inerentes - cfr Doc. 3 junto no requerimento executivo 5.O Exequente é dono e legítimo portador de uma livrança preenchida pelo montante 42.634,59 (quarenta e dois mil, seiscentos e trinta e quatro euros e cinquenta e nove cêntimos), que se junta como Doc. N.º 4 e cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido para todos efeitos legais. 6.A referida livrança foi subscrita por AA e avalizada por BB e CC, ora Executados, e teve o seu vencimento em 27.02.2023. 7.Tal livrança foi subscrita para garantia da boa execução do Contrato de Crédito ao Consumo Banco 1... com a ref. ...59/...41, que assumiu na escrita do Banco Cedente o n.º...64 e que actualmente assume o n.º: ...36, celebrado entre o Banco 1..., S.A., actualmente designado por Banco 2..., S.A., e o Executado em 17.12.2010 8.No contrato ficou contratualizado que o montante mutuado no valor de 19.746,11€ seria liquidado em 96 prestações mensais e sucessivas, cada uma no valor de 326,16€ - cfr. Contrato junto pela Exequente na contestação aos embargos e cujo teor se dá aqui com integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 9.O incumprimento do contrato ocorreu pelo menos em 2012. 10.A 6 de fevereiro de 2012 o antigo Banco 1... endereçou uma carta ao embargante a comunicar que o contrato se encontra em incumprimento – cfr carta junta aos autos no requerimento de 3.7.2024 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 11.A resolução do Contrato, por incumprimento, com a consequente exigibilidade imediata e antecipada da totalidade dos montantes em dívida ocorreram em 03 de Maio de 2012, relativamente ao crédito titulado pela livrança que serve de base à presente execução – artigo 5.º da contestação aos embargos * IV-DIREITO O título executivo apresentado pela Recorrente é uma livrança, emitida a 2010/12/17, com vencimento em 2023/02/27, dada como garantia de cumprimento de um contrato de crédito ao consumo mediante o qual a Embargante obteve um empréstimo no valor de € 19.746,11, a ser liquidado em 96 prestações mensais, iguais e sucessivas. A resolução do contrato, por incumprimento, com a consequente exigibilidade imediata e antecipada da totalidade dos montantes em dívida ocorreu em 03 de Maio de 2012, relativamente ao mencionado crédito, titulado pela livrança. Por ter sido invocada a prescrição do crédito pela Embargante, na sentença declarou-se que o prazo é de cinco anos, e atendendo à data da resolução do contrato de mútuo, concluiu-se que o crédito se encontra prescrito. Discordando da solução jurídica defendida pelo tribunal, a Recorrente considera que, apesar de ser fraccionada e diferida no tempo, mediante um plano de pagamento, a prestação é única mesmo quando se verifica incumprimento e o devedor perde o benefício do prazo, situação em que reverte ao crédito originário, prescrevendo, assim, no prazo de 20 anos. Do Prazo da Prescrição A prescrição constitui uma das causas de extinção das obrigações civis, pelo decurso do tempo, mas se for efectuada, não pode ser repetida (obrigação natural-cfr. art. 304.º, n.º 2 do C.Civil). O não exercício do direito que não seja indisponível, durante o lapso de tempo estabelecido na lei, permite ao devedor invocar a sua extinção-cfr. art. 298.º, n.º 1 e 303.º do CCivil. O fundamento específico do instituto da prescrição, para Manuel de Andrade[1], “reside na negligência do titular do direito em exercita-lo durante o período de tempo indicado na lei”. Nas palavras de Mota Pinto,[2] a prescrição “arranca, também, da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercita-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, o torna indigno da tutela do direito…”. A questão principal suscitada consiste em saber, em primeira linha, se é aplicável ao crédito, titulado pela livrança, o prazo ordinário de 20 anos previsto no art. 309.º do CC ou o de 5 anos estabelecido no art. 310.º, al. e) do CCivil, por se tratar de quotas de amortização do capital pagáveis com juros. Nos trabalhos preparatórios do Código Civil[3] o prazo curto de cinco anos foi justificado com o facto de a acumulação de juros com quotas de amortização poder causar uma situação financeira ruinosa para o devedor. A lei pretendeu evitar que o credor deixasse acumular os seus créditos a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar.[4] O enquadramento na assinalada alínea e) do art. 310.º do CC não oferece dúvidas porquanto o contrato celebrado entre as partes incide sobre um empréstimo (crédito ao consumo) amortizável em 109 prestações periódicas sucessivas. Por não ter sido cumprido, a mutuante resolveu o contrato em 2015, vencendo-se antecipadamente todas as prestações nos termos do art. 781.º do C. Civil. Nesta temática, a jurisprudência consolidada tem preconizado que o vencimento antecipado da totalidade da dívida não impede a aplicação do prazo prescricional de cinco anos aludido art. 310.º, alínea e), do CCivil no que concerne às quotas de amortização do capital dos contratos de financiamento e aos juros remuneratórios (al. g)). No Acórdão Uniformizador da Jurisprudência do STJ, de 30/06/2022, publicado no DR, 1.ª série, em 22/09/2022, assinalou-se a posição maioritária da jurisprudência nesse sentido: “Pode assim afirmar-se que, na doutrina maioritária, não suscita particular controvérsia a aplicabilidade do prazo curto de prescrição de cinco anos às obrigações, de natureza híbrida, que visam simultaneamente operar a amortização e a remuneração do capital mutuado.” Nessa conformidade, fixou-se a seguinte Uniformização de Jurisprudência: "I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação." "II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas." Este entendimento foi reiterado no Acórdão do STJ de 23/11/2023[5]: “Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros.” Esta posição uniforme jurisprudencial não viola qualquer princípio constitucional mormente o da tutela jurisdicional efectiva. Como assinalava Manuel de Andrade,[6] em rigor o instituto da prescrição não é justo, mas coonesta-se com razões de conveniência e oportunidade mas não é totalmente alheio a considerações de justiça. A resolução do contrato, por incumprimento, com a consequente exigibilidade imediata e antecipada da totalidade dos montantes em dívida ocorreu em 03 de Maio de 2012, pelo que, na data de entrada do requerimento executivo, já se encontrava ultrapassado o prazo de cinco anos. Defende ainda a Embargada que deve ser aplicado o prazo de três anos, por se tratar de uma obrigação cambiária, previsto no art. 70.º da LULL, contado da data do vencimento aposta na livrança. A Exequente apresentou uma livrança para servir de base à execução, que constitui um título de crédito, o qual nos termos dos arts. 30.º e 32.º da LULL obriga o respectivo subscritor a pagar uma determinada soma, numa determinada data, a um beneficiário (o tomador) ou à ordem dele determinada importância, e o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele avalizada. No domínio das relações imediatas, ou seja, entre o subscritor e o sujeito cambiário imediato, aquele pode opor ao portador, aqui Exequente, as excepções decorrentes da relação subjacente, ou seja, do contrato de mútuo. Com efeito, nos termos do art. 17.º da L.U.L.L. ex vi artigo 77º, nas relações imediatas podem, em regra, ser invocadas as excepções inerentes à relação fundamental ou subjacente. O portador da livrança que a tenha recebido por cessão ou por sucessão mortis causa está na situação de portador imediato.[7] Nesta hipótese de relações imediatas, a obrigação cambiária deixa de ser literal e abstracta, passando a ser sujeita às excepções fundamentadas nas relações pessoais.[8] Tendo sido extinta por prescrição a obrigação decorrente da relação fundamental, Carolina Cunha[9] advoga que “sempre que o devedor esteja em condições de fazer valer factos impeditivos ou extintivos da pretensão fundamental do credor, o caráter instrumental da pretensão cambiária determina a sua vulneração. A circunstância de a obrigação fundamental não se ter validamente constituído ou de vir a ser extinta não pode deixar de comprometer irremediavelmente a obrigação cambiária criada para a solver, garantir, novar, etc.” Nesta linha de raciocínio, tem sido reconhecido que o direito de crédito emergente de contrato de mútuo subjacente à emissão da livrança, com pagamento em prestações mensais para amortização do capital e juros, está sujeito, mesmo nesse caso, ao prazo prescricional de 5 anos, por força do Art. 310.º al.s d) e e) do C.C. A prescrição da obrigação causal, garantida pela livrança, determina necessariamente a extinção da obrigação cartular, pese embora a contagem do prazo prescricional se deva contar a partir da data do vencimento aposta no título.[10] Contudo, os efeitos da prescrição, não aproveitam aos co-obrigados cambiários designadamente avalistas que não invocaram essa defesa pessoal. Com efeito, a responsabilidade do dador do aval é solidária e cumulativa- art. 47.º ex vi art. 77.º da LULL. No regime das obrigações solidárias a prescrição da obrigação relativamente a um dos devedores não produz efeitos relativamente a todos eles; prescrita a obrigação relativamente a uns mantem-se em relação àquele em que a prescrição não se completou por efeito da suspensão ou da interrupção (artigo 521.º, n.º 1, do Código Civil). Como se esclarece no Ac. do STJ de 7/12/2023[11] “É o que decorre do artigo 303.º do Código Civil, na parte em que dispõe que a prescrição necessita, para se eficaz, de ser invocada judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelos seus representantes ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público. É a natureza pessoal da prescrição que explica, por exemplo, que, no domínio das obrigações solidárias, “se por efeito da suspensão ou interrupção da prescrição, ou de outra causa a obrigação de um dos devedores de mantiver, apesar de prescrita as obrigações dos outros, e aquele for obrigado a cumprir, cabe-lhe o direito de regresso contra os seus condevedores” (artigo 523.º do CC).” Nesta parte, procede o recurso da Embargante, devendo a execução ser extinta apenas em relação à Embargante. * V-DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso, e em consequência, extingue-se a execução, por procedência da prescrição, em relação à Embargante. Custas por ambas as partes, na proporção das respectivas sucumbências. Notifique. Porto, 8/4/2025. Anabela Miranda Raquel Lima Artur Dionísio Oliveira ____________________________ |