Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
639/19.0T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR DIONÍSIO OLIVEIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
SIMULAÇÃO
ADQUIRENTE DE MÁ-FÉ
Nº do Documento: RP20221214639/19.0T8PNF.P1
Data do Acordão: 12/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O conceito de ‘diminuição da garantia patrimonial’ utilizado no corpo do artigo 610.º do CC deve ser interpretado em harmonia com o requisito previsto na alínea b) do mesmo artigo, pois a lei exige que daquela diminuição resulte a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade.
II – Ainda que, em termos contabilísticos, o imóvel antes inscrito no património do devedor tenha sido substituído por uma quantia em dinheiro ou um crédito pecuniário equivalente ao valor daquele imóvel, a impossibilidade prática de apreender o montante correspondente àquele pecúlio ou crédito é susceptível de configurar uma diminuição da garantia patrimonial geradora da impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 610.º do CC.
III – A obrigação de indemnizar prevista no artigo 616.º, n.º 2, do CC, depende da procedência do pedido de impugnação pauliana, pelo que não pode ser exigida subsidiariamente para o caso de improceder o pedido de impugnação.
IV – O responsável por essa obrigação de indemnizar não é o devedor alienante, mas apenas o terceiro adquirente de má fé, se tiver alienado o bem adquirido ou se este perecer ou se deteriorar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 639/19.0T8PNF.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Central Cível de Penafiel – Juiz 3

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
AA, residente na Rua ..., ... Felgueiras, intentou a presente acção declarativa comum contra BB, residente na Rua ..., n.º ..., 1.º direito, ... Felgueiras, e CC, residente na Avenida ..., ..., ... Felgueiras, formulando o seguinte pedido:
«A. Declarar-se nulo e de nenhum efeito as transmissões da propriedade entre 1º e 2ª Ré, tituladas por título de compra e venda de 20/10/2017, celebrada no Cartório Notarial da Notária DD, em Felgueiras e título de compra e venda de 06/12/2017, celebrado no escritório da Solicitadora EE, em Felgueiras, do imóvel registado na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel de Felgueiras sob o nº ... e inscrito na matriz predial urbana com o nº ..., relativo à fracção autónoma designada pelas letras “AE”, destinada a habitação, sita na Avenida ..., ..., Felgueiras;
B. Ordenar-se o cancelamento de todos e quaisquer registos efectuados com base em quaisquer actos anulados, designadamente os registos das compras e vendas identificada em 14 e 15 da pi, descritas na Conservatória de Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel de Felgueiras, pelas Ap. ... de 20/10/2017 e Ap. ... de 06/12/2017, bem como aqueles que se seguirem e que resultem directamente daquelas «transmissões».
C. Consequentemente, restituir-se o prédio identificado em A. deste pedido à titularidade formal do 1º Réu, entrando na esfera patrimonial deste;
Subsidiariamente, e caso venham a improceder os antecedentes pedidos, o que não se concebe:
D. Deve declarar-se ineficaz em relação ao Autor todos os actos de transmissão do imóvel, designadamente a compra e venda de 20/10/2017, celebrada no Cartório Notarial da Notária DD, em Felgueiras e título de compra e venda de 06/12/2017, celebrado no escritório da Solicitadora EE, em Felgueiras, do imóvel registado na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel de Felgueiras sob o nº ... e inscrito na matriz predial urbano com o nº ..., relativo à fracção autónoma designada pelas letras “AE”, destinada a habitação, relativo à fracção autónoma designada pelas letras “AE”, destinada a habitação, sita na Avenida ..., ..., Felgueiras;
E. Bem como qualquer outro anteriormente celebrado entre os RR., com as legais consequências.
F. Em quaisquer das circunstâncias, condenar-se os Réus, solidariamente, nas custas judiciais e demais encargos processuais.
Ainda subsidiariamente e só se vierem a improceder os anteriores pedidos, o que não se concebe:
G. Serem os RR. condenados no pagamento da quantia total de 52.500,00 Euros ao Autor, referente ao valor do crédito da A., acrescido de juros moratórios até efectivo e integral pagamento.»
Alegou, em essência, factos tendentes a demonstrar: o crédito que detém sobre o primeiro réu; a simulação dos contratos de compra e venda celebrados entre o 1.º réu, como vendedor, e a 2.ª ré, como compradora; subsidiariamente, os pressupostos de que depende a impugnação pauliana dos referidos contratos de compra e venda.
Apenas a ré CC apresentou contestação, na qual, para além de impugnar os factos alegados pelo autor, excepcionou a simulação da dívida invocada por este e, subsidiariamente, a nulidade do mútuo de que a mesma alegadamente promana, por não respeitar as exigências de forma; invocou a incomunicabilidade da dívida em causa; alegou que foi constituída uma hipoteca sobre o imóvel objecto deste litígio, para garantia de uma dívida cujo valor ainda é superior ao valor do prédio; mais alegou que pagou ao 1.º réu o preço do imóvel, entregando-lhe 28 mil euros e assumindo a aludida dívida hipotecária; alegou ainda que o 1.º réu possui bens que lhe permitem assegurar o pagamento do crédito do autor, sendo proprietário de metade indivisa de outro imóvel cujo valor total ascende a 288.650,00 €.
Concluiu pugnando pela improcedência da acção.
O autor respondeu às excepções invocadas na contestação, após o que foi proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Depois de admitido o articulado superveniente apresentado pela ré, veio a realizar-se audiência de julgamento, na sequência da qual foi proferida sentença, que termina com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, decide-se:
a) julgar extinta a instância inerente ao pedido subsidiário deduzido sob a alínea g) do petitório do autor, no que se refere ao réu BB, por inutilidade superveniente;
b) julgar, no mais, totalmente improcedente a acção, absolvendo-se os réus dos restantes pedidos;
c) julgar improcedente o pedido subsidiário deduzido sob a alínea g) do petitório do autor, no que se refere à ré CC, absolvendo a mesma do referido pedido;
d) julgar improcedente o pedido de condenação do autor como litigante de má-fé, absolvendo o mesmo deste pedido.
Custas a cargo do autor.»
*
Inconformado, o autor apelou da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«1. O Recorrente não se conforma com a decisão proferida nos presentes autos, tendo o Tribunal a quo absolvido os RR., de todos os pedidos, a saber:
(…)
2. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo andou mal, decidindo no sentido da improcedência total da acção, não só pela injustiça que a decisão constitui, mas, porque dos autos – mormente da prova documental e testemunhal – resulta prova que, implica, decisão diametralmente oposta, ou seja, a condenação dos RR./Recorridos.
3. Verifica-se uma violação do princípio da aquisição processual, do dever da boa administração da justiça em busca da verdade material, dos poderes de cognição do Tribunal, bem com das regras relativas às provas atendíveis para fundamentação da decisão.
4. Verifica-se na D. Sentença contradições insanáveis com entre os factos dados como como provados e não provados, bem como, com o depoimento, efectivamente, prestado pelas testemunhas, o que impede, necessariamente, que, em conjunto, possam servir para fundar a convicção do Tribunal ou resulte até na necessidade de valorar alguns depoimentos que não foram valorados ou então não o foram devidamente.
5. A verdade dos factos foi deturpada, não tendo sido correctamente apurada por terem sido “ignorados” elementos que permitiriam que o Mmo. Julgador chegasse a uma decisão devidamente motivada.
6. Andou bem o Tribunal a quo quando deu como provados os factos os factos 1. a 8., 10., 13. a 20., 22., 28., 31. a 34. e não provados os factos 1., 8. a 10., 12., 16., 18. a 20. e 22, o que é bastante para o Tribunal a quo para condenar os RR/Recorridos, uma vez que o objecto do litígio e o que está em causa é a simulação e impugnação pauliana e suas consequências, bem como da condenação solidária dos RR.
7. O Tribunal a quo profere que formou a sua convicção com base na livre apreciação da prova, uma vez que entendeu que o depoimento de parte do Réu BB, de onde foi extraída uma assentada, não foi uma confissão integral e sem reservas, na análise critica, regras da experiência comum, declarações de parte do Autor, depoimento das testemunhas e prova documental, porém os únicos factores que influenciaram de facto a convicção do Julgador foram a parcialidade, arbitrariedade e excesso de aplicação do critério da livre convicção, bem como a desvalorização duma confissão judicial.
8. A Mma. Juiz, ao longo da sua motivação faz assentar a sua decisão em alguns critérios instrumentais, como o facto de só valorar o depoimento da testemunha FF e o depoimento de parte do A., para determinados factos, uns devidamente valorados, mas outros completamente opostos ao que declararam nos seus depoimentos, como é exemplo o facto não provado 14.
9. Na sua motivação vai desmoronando os argumentos aduzidos pela Ré CC, nomeadamente da inexistência de simulação quanto ao documento nº 1 da petição inicial – a confissão de dívida – da desvalorização da mensagem de whatsapp junta aos autos na audiência de 18/11/2021, não se demonstrando que a Ré CC não tivesse conhecimento da dívida ao Autor aquando dos negócios simulados, confirmando que os contratos de compra e venda realizados por ambos os RR. impediram que os credores do R. BB pudessem penhorar/apreender o imóvel objecto desses contratos para tentarem cobrar os seus créditos pelo produto da sua venda, que ambos os RR. sabiam da existência do crédito do A.
10. Porém, em sede de fundamentação de direito, refere que não se encontra verificado o requisito de que os negócios envolveram uma diminuição da garantia do crédito do impugnante, simplesmente porque o alegadamente o A. não provou o valor da fracção AE e que só o conseguiria com prova pericial, e decidir essencialmente com base nele, tornando-o a prova mestra, o que não faz sentido, tornando a decisão numa profunda injustiça material.
11. O Tribunal a quo dá como provado, no facto 11., o seguinte:
11.Em 28/03/2019, os réus constavam como proprietários na caderneta predial do prédio identificado nos dois pontos anteriores, nos moldes vertidos no documento n.º 13 junto com a contestação da segunda ré, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
12. Tal facto refere-se ao imóvel, que em, 07/04/2017, foi adquirido pelos RR. à sociedade de C..., Unipessoal Lda, sendo um armazém, sociedade que posteriormente foi declarada insolvente, negócio que foi resolvido pelo Senhor Administrador da Insolvência, impugnado pela Ré CC, mas sem procedência, porquanto o negócio foi declarado resolvido e integrado nos bens da massa insolvente, tal como resulta da apresentação 2081 de 04/06/2021 da descrição predial do referido imóvel.
13. A Ré CC usou o argumento de que o Réu BB detém outros bens penhoráveis, usando precisamente este imóvel como prova da existência de outros bens para o credor satisfazer o seu crédito, prova que pese embora a Mma Juiz nunca mencione que a Ré CC não conseguiu fazer prova da única coisa que lhe incumbia, ou seja, a existência de bens penhoráveis de valor igual ou superior, acaba por dar como não provados determinados factos que conduzem a esse entendimento, nomeadamente os factos não provados 1. e 10., ou seja, que não se provou que a inscrição referida em 9 dos factos provados se mantivesse, à data da propositura da acção e que esse imóvel descrito em 9 e 10 dos factos provados representasse um activo de pelo menos 288.650,00€.
14. A Ré CC não provou que o Réu BB fosse proprietário de mais bens penhoráveis no seu património de valor igual ou superior ao crédito do A, o que, só por essa via e atendendo que o Recorrente cumpriu todos os requisitos necessários para a verificação da impugnação pauliana, conduziria (e deve conduzir) à procedência da acção.
15. Acresce que não é através de uma caderneta predial das finanças que se verifica ou declara a propriedade de um imóvel, caderneta essa desactualizada, datada de 28/03/2019 e muito menos de certidão predial igualmente desactualizada, de 20/04/2017, que a Ré CC, habilmente juntou aos autos, pois só através da caderneta predial atualizada emitida pela Conservatória do Registo Predial se consegue precisar, com exactidão, a propriedade do imóvel.
16. Impende sobre quem realiza a escritura pública ou documento particular, de fazer a sua participação à Autoridade Tributária através do modelo 11. Mas na verdade, não sabe ou desconhece o tribunal se a referida obrigação foi ou não cumprida, pelo que pode o responsável pela escritura não ter procedido à referida comunicação e não se encontrar actualizada a informação quanto à titularidade do imóvel, pelo que não se pode, através de uma certidão predial datada de 20/04/2017 e uma caderneta predial, atestar qualquer propriedade, nem à data da entrada da acção, da contestação ou em data posterior a 07/04/2017.
17. A titularidade de um imóvel afere-se através da certidão e descrição predial, garantindo-se que não existem dúvidas sobre quem é o titular, porquanto o registo da aquisição torna-se oponível a terceiros, e estabelece a regra da prioridade de registo, i.e., quem regista primeiro o imóvel, sobre ele irá deter a propriedade, precavendo-se assim a prioridade do registo e oponibilidade a terceiros.
18. Desta forma, a Mma. Juiz não reunia a informação necessária para dar como provado o facto 11, pelo que o mesmo deverá constar como facto não provado, atenta a inexistência de prova documental que corrobore tal facto, sendo certo que, na audiência de julgamento de 07/10/2021, foi obtida a informação de que, depois de resolvido o referido negócio de 07/04/2017, sobre o referido imóvel, a impugnação da Ré CC não teve procedência e o imóvel integrou os bens da massa insolvente, tendo sido posteriormente vendido.
19. Destarte, deve a matéria de facto ser alterada nos seguintes termos:
Ser julgado como não provado o facto 11 que a sentença a quo entendeu como provado e que se transcreve:
11. Em 28/03/2019, os réus constavam como proprietários na caderneta predial do prédio identificado nos dois pontos anteriores, nos moldes vertidos no documento n.º 13 junto com a contestação da segunda ré, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Ser aditada aos factos não provados, a seguinte matéria:
Não conseguiram os Réus provar a existência de bens penhoráveis de valor igual ou superior na esfera jurídico-patrimonial do devedor.
20. Andou mal o Tribunal a quo ao considerar como provados os factos 24 e 25, mais não se provando o facto 6 não provado, a saber:
24. A R. CC entregou ao R. BB o cheque referido em 6 dos factos provados a titular a quantia de € 28.000,00, tendo-se declarado naquele documento que entrega era feita com o objectivo declarado nesse mesmo documento.
25.O referido cheque bancário foi descontado em 05 de janeiro de 2018 e obteve pagamento.
6. Os pagamentos declarados nos mencionado negócios não tivessem ocorrido.
21. Da assentada resulta o seguinte:
“…e, quanto ao cheque que nessa declaração de retificação é referido, declara ter apresentado a pagamento o referido cheque, ter levantado a quantia e ter entregue a totalidade dessa quantia a ré CC.
Instado sobre a proveniência dos 28 mil euros titulados pelo cheque referido naquela declaração de retificação, o depoente declarou que não eram do depoente, não sabe de quem eram e foi a ré CC que os arranjou e daí que o depoente tenha entregue essa quantia novamente a ré CC. Instado a explicar a razão pela qual houve necessidade da existência do referido cheque e movimento, o depoente declara que não sabe explicar tal situação.”
22. Entendeu a Mma. Juiz, desvalorizar integralmente a sua confissão e apreciar a confissão de acordo com a livre apreciação da prova, manifestamente em excesso.
23. Da assentada resulta expressamente que o cheque que a Ré CC entregou ao Réu BB para pagamento da metade indivisa da fracção AE, no montante de 28.000,00€, e que consta da declaração de rectificação datada de 16/01/2018, embora tenha sido depositado, o Réu BB entregou de novo essa quantia à Ré CC, uma vez que esse dinheiro não era da Ré CC e tinha que devolver a referida quantia.
24. A Mma. Juiz desvalorizou o valor probatório da assentada, claramente em violação do art. 358º do Código Civil.
25. Havendo confissão judicial, a força probatória plena contra o depoente depende da sua redução a escrito, isto porque, se o não for, é livremente apreciada pelo tribunal, mesmo que se encontre gravada.
26. Não obstante a confissão judicial se encontrar reduzida a escrito e tenha sido feita em sede de depoimento de parte, a Mma. Juiz, erradamente, apreciou livremente a prova, mesmo quando tal lhe é vedado, uma vez que a confissão judicial se encontra reduzida a escrito e não pode ser sujeita à livre apreciação da prova, devendo sim ter força probatória plena contra o confitente.
27. Atendendo à confissão expressa e a força probatória que a mesma adquire, quando confessada e reduzida a escrito, nunca podia a Mma. Juiz dar como provados os factos 24 e 25, porquanto os mesmos, face à confissão do Réu BB, não são provados e nem sequer dos mesmos se pode extrair o conteúdo que a Mma. Juiz lhe confere, nomeadamente a veracidade e o objectivo declarado nesse documento de rectificação, nem que esse cheque tivesse obtido pagamento, nem sequer pode o Tribunal a quo dar como não provado o facto 6 não provado, porquanto atendendo à confissão do Réu BB, este nunca integrou no seu património a quantia de 28.000,00€, uma vez que a devolveu à compradora/Ré CC, ou seja, ficou provado que os pagamentos declarados nos mencionados negócios não ocorreram, em virtude da força probatória atribuída à sua confissão.
28. Destarte, deve a matéria de facto ser alterada nos seguintes termos:
Ser julgado como não provados os factos 24 e 25 que a sentença a quo entendeu como provados e que se transcrevem:
24.A R. CC entregou ao R. BB o cheque referido em 6 dos factos provados a titular a quantia de € 28.000,00, tendo-se declarado naquele documento que entrega era feita com o objectivo declarado nesse mesmo documento.
25.O referido cheque bancário foi descontado em 05 de janeiro de 2018 e obteve pagamento.
Ser julgado como provado, o facto 6 que a sentença a quo entendeu como não provado e que se transcreve:
6.Os pagamentos declarados nos mencionados negócios não tivessem ocorrido.
29. Resulta ainda que o Réu BB confessou, por referência aos temas da prova 9 a 13, o seguinte:
9. Ao celebrarem os negócios referidos nos factos agentes, agiram o 1º Réu e respectiva unida de facto 2ª Ré com o intuito de dissiparem o património que integra a esfera patrimonial do Réu, com vista a não satisfazer o crédito do A?
10. Articulando um plano que visou despossar o 1º Réu de todo o seu património, designadamente da fracção identificada nos factos assentes?
11. A verdadeira intenção do 1ª e 2ª Réus não foi mais do que ocultar o verdadeiro património do 1º Réu, impedindo-o de honrar as suas obrigações, em prejuízo do A.?
12. Nem o 1º Réu quis vender nem a 2ª Ré quis comprar a fracção, ficando o A. impedido de cobrar o valor dos aludidos empréstimos?
13. Os pagamentos declarados nos negócios identificados nos factos assentes não ocorreram?
Declarou o seguinte:
Pontos 9 a 13 declara o seguinte:
- adquiriu sozinho a fração em causa em 2011, altura em que, também, sozinho contraiu um empréstimo bancário junto do Banco 1...; à data em que os negócios impugnados foram celebrados ainda vivia em união de facto com a ré CC, vivendo com a mesma no apartamento em causa nos autos; porque as dificuldades financeiras do depoente já eram muitas, decidiu juntamente com a ré CC ficcionar os negócios impugnados para que esta fração não respondesse pelos débitos do depoente, designadamente não respondesse pelo crédito do autor.
Seguidamente, em instâncias do Tribunal foi questionado se assunção de dívida vertida na cláusula 2 do documento particular referido na alínea E) dos factos assentes foi também ela ficcionada, não sendo essa a vontade das partes, o depoente inicialmente respondeu que essa declaração correspondia à vontade da ré CC e posteriormente respondeu que também ela era ficcionada, sendo que o verdadeiro objetivo, à data, do depoente e da ré CC era transferir a propriedade plena da fração apenas formalmente para a ré CC para que os credores do depoente não pudessem ser pagos pelo produto da venda da fração, mas a real intenção de ambos era ficarem os dois proprietários da fração e ficarem os dois responsáveis pela dívida que, nessa altura, já tinha sido contraída pelos dois junto do Banco 2... para pagamento do apartamento em causa.
E, nessa sequência, mais afirmou que, entre o dia 6-12-2017 e até aproximadamente Agosto de 2018, o depoente e a ré CC continuaram viver em união de facto naquele apartamento e a prestação do empréstimo bancário continuou a ser paga por ambos. A partir de Agosto de 2018, o depoente e a ré CC separaram-se definitivamente e a prestação do empréstimo deixou de ser paga pelo depoente e passou a ser paga em exclusivo pela ré CC.
Confrontado com a declaração de retificação datada de 19-01-2018 e que integra o documento. nº 4 junto com a Petição Inicial, o depoente não sabe explicar porque razão foram realizados os dois atos que neste processo foram impugnados e não foi realizado apenas um deles, não sabe explicar porque é que o valor do preço foi o que consta daquela declaração de retificação e não outro; e, quanto ao cheque que nessa declaração de retificação é referido, declara ter apresentado a pagamento o referido cheque, ter levantado a quantia e ter entregue a totalidade dessa quantia a ré CC.
Instado sobre a proveniência dos 28 mil euros titulados pelo cheque referido naquela declaração de retificação, o depoente declarou que não eram do depoente, não sabe de quem eram e foi a ré CC que os arranjou e daí que o depoente tenha entregue essa quantia novamente a ré CC. Instado a explicar a razão pela qual houve necessidade da existência do referido cheque e movimento, o depoente declara que não sabe explicar tal situação.
30. O Réu confessou que decidiu conjuntamente com a Ré CC ficcionar os negócios impugnados para que esta fracção não respondesse pelos débitos do depoente, designadamente não respondesse pelo crédito do A e mais confessou que a compra e venda realizada a 06/12/2017 também foi ficcionada, não sendo essa a vontade das partes, sendo que o único e verdadeiro objectivo, de ambos os RR., era transferir a propriedade plena da fracção para a Ré CC para que os credores do depoente não pudessem ser pagos pelo produto da venda da fracção, mas a real intenção era ficarem os 2 responsáveis pela divida contraída junto do Banco 2..., pelo que, perante tal confissão, nunca podia a Mma. Juiz dar como não provados os seguintes factos:
2. Ao celebrarem os negócios referidos nos pontos 4 a 8 dos factos provados, o 1º Réu e respectiva unida de facto 2ª Ré tivessem agido com o intuito de dissiparem o património que integra a esfera patrimonial do Réu, com vista a não satisfazer o crédito do A.
3. Os réus tivessem articulado um plano que visou despossar o 1º Réu de todo o seu património, designadamente da fracção identificada nos pontos 4 a 8 dos factos provados.
4. A verdadeira intenção do 1ª e 2ª Réus não tivesse sido mais do que ocultar o verdadeiro património do 1º Réu, impedindo-o de honrar as suas obrigações, em prejuízo do A.
5. Nem o 1º Réu tivesse querido vender nem a 2ª Ré tivesse querido comprar a fracção, ficando o A. impedido de cobrar o valor dos aludidos empréstimos.
31. A Ré CC não produziu prova que infirmasse a confissão do Réu BB, razão pela qual a matéria confessada pelo Réu BB só poderia conduzir a que os factos constantes dos factos não provados fossem dados como provados, sempre conjugados com a matéria dada como provada 20 e 28.
32. Devem ser considerados como provados os factos que a Sentença fez constar dos factos não provados, 2 a 5, a saber:
2. Ao celebrarem os negócios referidos nos pontos 4 a 8 dos factos provados, o 1º Réu e respectiva unida de facto 2ª Ré tivessem agido com o intuito de dissiparem o património que integra a esfera patrimonial do Réu, com vista a não satisfazer o crédito do A.
3. Os réus tivessem articulado um plano que visou despossar o 1º Réu de todo o seu património, designadamente da fracção identificada nos pontos 4 a 8 dos factos provados.
4. A verdadeira intenção do 1ª e 2ª Réus não tivesse sido mais do que ocultar o verdadeiro património do 1º Réu, impedindo-o de honrar as suas obrigações, em prejuízo do A.
5. Nem o 1º Réu tivesse querido vender nem a 2ª Ré tivesse querido comprar a fracção, ficando o A. impedido de cobrar o valor dos aludidos empréstimos.
33. Considera ainda a Mma Juiz que não se conseguiu que o valor do imóvel tivesse um valor de 249.000,00€, constando como facto não provado 7, discordando o Recorrente que a prova do valor do imóvel só se consiga através de prova pericial, o que não é, de todo, verdade, pois foi feita prova de que o imóvel dos autos, em fevereiro de 2019, se encontrava à venda por 249.000,00€, - doc. 3 da PI, tendo sido colocado à venda pela Ré CC, o que nunca foi contestado por essa, também esse facto confessado pelo Réu BB que comprou a fracção em causa por 130.000,00€, quando se separou da Ré CC, esta colocou-a à venda por 250.000,00€ e está convencido que conseguirá vender a mesma por 200.000,00€.
34. No mesmo sentido foi também produzida prova documental com relevo para se atribuir um valor considerável, nomeadamente a avaliação do imóvel pelo Banco 3..., de onde se extrai que o valor provável de transação do imóvel, no mês de setembro de 2016, data em que foi realizada a avaliação, 1 ano antes dos negócios impugnados, era de 170.000,00€ e o valor de venda imediata de 149.900,00€, sendo tal avaliação é complementar à escritura publica realizada em 20/10/2017, onde o Réu BB vendeu metade indivisa do imóvel à Ré CC, pelo valor de 48.225,55€, o que significa que metade da fracção equivale e vale pelo menos 85.000,00€ e não 48.225,55€, valor pelo qual foi adquirido pelo Ré CC, sendo uma venda por um valor de 44% abaixo do valor de mercado, indicado pela avaliação.
35. Perante o exposto, dever aditar-se aos factos provados a seguinte matéria:
A fracção identificada nos factos assentes tivesse, em Setembro de 2016, o valor de 170.000,00€.
Eliminando-se dos factos não provados o facto 15.
36. É irrelevante o facto não provado 13, onde se considera como não provado que o contrato de compra e venda referido em 5, a escritura realizada a 06/12/2017, tivesse diminuído o passivo do Réu BB. O que tem relevância, atento o objecto dos autos, é a diminuição do activo do Réu BB.
37. Em face da confissão do Réu BB, quer à não prova da existência de bens penhoráveis na esfera patrimonial do Réu, como resulta do facto não provado 1, que provado está que com os referidos negócios, de 20/10/2017 e 06/12/2017, notoriamente, diminuíram o activo patrimonial do Réu BB, o que não foi contrariado por outra prova.
38. Esses negócios de transmissão da propriedade plena do imóvel para a Ré CC, conjugado com a confissão do Réu, os factos provados 20 e 28, os factos não provados 1, 18, e 22, conduzem a um entendimento manifestamente diverso, de que efectivamente, as compras e vendas referidas em 4 e 5 dos factos provados diminuíram o activo do Réu BB e que para o mesmo não resultou qualquer beneficio/contrapartida ou até para os seus credores.
39. Em face disse, entende o Recorrente que o facto não provado 13 deve ser elimanado, porque irrelevante, devendo ser aditado aos factos provados o seguinte facto:
Os contratos de compra e venda referidos em 4 e 5 dos factos provados diminuíram o activo do Réu BB.
40. No facto não provado 21, refere o seguinte:
Aquando das compras e vendas impugnadas nestes autos, a R. CC soubesse da situação de insolvência do R. BB; que soubesse que tais negócios implicavam o início do processo de insolvência daquele réu; e que soubesse que essas vendas prejudicavam o autor ou qualquer outro credor.
41. E no facto não provado 22:
Aquando das compras e vendas impugnadas nestes autos, a R. CC não soubesse da situação de insolvência do R. BB, e bem assim que não soubesse que tais negócios implicavam o início do processo de insolvência daquele réu.
42. Resultam incongruências notórias e que conduziram a uma errada valoração da prova produzida, pois por um lado o Tribunal a quo não considere como provados os factos expostos pela positiva (facto não provado 21) e de seguida, não prove os mesmos factos, mas expressos na negativa (facto não provado 22).
43. Perante os factos provados 20 e 28, não se alcança o iter cognitivo para dar como não provado, pelo menos, que a Ré CC soubesse que essas vendas prejudicavam o autor ou qualquer outro credor, ai se encontrando a má-fé, quer para o devedor, quer o terceiro adquirente, para que se consiga enquadrar a conduta da Ré CC, com o objectivo claro de dissipar o património do Réu BB, de modo a frustrar a cobrança de creditos do A. ou de outros credores.
44. Destarte, e atenta a contradição entre os factos não provados 21 e 22, deverá o facto não provado 21 passar a constar dos factos provados, da seguinte forma:
Aquando das compras e vendas impugnadas nestes autos, a R. CC sabia da situação de insolvência do R. BB; sabia que tais negócios implicavam o início do processo de insolvência daquele réu; e sabia que essas vendas prejudicavam o autor ou qualquer outro credor.
Eliminando-se o facto não provado 22, uma vez que o mesmo resulta numa contradição na análise da prova.
45. O facto não provado 14, foi mal analisado e valorado pelo Tribunal a quo, tal facto consegue-se extrair através do depoimento da Testemunha FF, que tinha conhecimento directo dos factos, sendo um depoimento fulcral, credível e seguro, conforme gravação de minutos 00:02:16 a 00:10:50, 00dia 18/11/2021, acima transcrito, bem como das declarações de parte do A., cfr. conforme gravação de minutos 00:03:24 a 00:06:11 do dia 30/03/2022, acima transcritas.
46. Este afirmou e confirmou que a Ré CC também solicitou o empréstimo ao A. e que a declaração de divida também deveria ter sido assinada pela Ré CC, tendo o Réu BB levado consigo a declaração para a sua companheira assinar, mas nunca entregou ao A. essa declaração assinada pela Ré CC.
47. Destarte, deve a matéria de facto ser alterada nos seguintes termos:
Ser julgado como provado o facto 14 dos factos que a sentença a quo entendeu como não provados e que se transcreve:
14. A Ré CC tivesse solicitado algum empréstimo ao A.
48. Resulta do art.º 240º do CC que se por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado, acarretando como efeito a nulidade do negócio.
49. Em face da prova produzida, resulta claro que os negócios celebrados, quer o de 20/10/2017, quer o de 06/12/2017, entre os Réus, foram negócios simulados pelas partes, nunca se pretendendo efectuar compras e vendas, mas somente alienar o património do Réu BB, de modo aos credores não conseguirem satisfazer os seus créditos.
50. Existindo factos notórios e que analisados à luz e regras da experiência comum, conduzem a tal simulação. Porque 2 escrituras e não só uma? Porque razão continuou o Réu BB a pagar o crédito bancário, como resulta da sua confissão, só deixando de pagar a partir de agosto de 2018, quando os Recorridos se separaram definitivamente? Porque razão não conferiu qualquer credibilidade à força probatória da confissão do Réu BB, quando este confessa que tudo foi planeado com a Ré CC para enganar credores e não satisfazer o crédito do Recorrente, mais referindo que o referido cheque de 28 mil euros nunca integrou a sua esfera patrimonial porque os devolveu à Ré CC?
51. A Douta decisão faz uma exposição meramente teórica do instituto da simulação e conclui simplesmente que o Recorrente não logrou provar os actos da simulação absoluta e que o ónus cabia ao Recorrente/Autor, o que, em face das conclusões supra, não faz, sempre com o devido respeito, qualquer sentido.
52. Com a outorga das compras e vendas descritas, o Recorrente viu desaparecer as garantias do bem sobre o qual tinha expectativa de garantia de cobrança do seu crédito, pois, juridicamente, o património do Réu BB, deixou de existir na sua esfera patrimonial.
53. Conforme se extrai da assentada do Réu BB, ao realizar as inventadas compras e vendas, os Recorridos pretenderam apenas prejudicar o Recorrente, pois sabiam que eventualmente o Recorrente intentaria acção judicial para cobrança do sue crédito, tendo sempre o Recorrente direito a cobrar-se do património do Recorrido BB, proprietário da fracção supra descrita.
54. Com a celebração daquelas compras e vendas, os RR quiseram (e conseguiram), dolosamente, diminuir a garantia patrimonial do Réu BB e impedir que o Recorrente pudesse satisfazer o seu crédito.
55. Não possuindo o Réu BB mais bens penhoráveis na sua esfera patrimonial, prova que os Recorridos deviam ter alcançado e não o conseguiram, uma vez que o imóvel/armazém que indicavam como propriedade do Réu BB, na verdade, integrou a esfera patrimonial da massa insolvente da sociedade C..., após resolução da compra e venda de 07/04/2017, pelo Sr. Administrador da Insolvência, sendo a fracção AE o único ativo conhecido de valor que lhe era conhecido, nem os autos demonstram a existência de quaisquer outros bens.
56. Sem precindir de tido o alegado resulta da prova a verificação da figura jurídica da impugnação pauliana pois existe pois por parte dos RR, aqui recorridos a consciência do prejuízo, ou seja, a consciência de que os actos de alienação e o subsequente esbanjamento do preço recebido prejudicam o credor/Recorrente e tal é corroborado com os factos provados 20 e 28 e os demais, que supra se pretendem ver provados nesta instância.
57. A compra e venda postas em causa nos autos, sendo transmitida formalmente a propriedade plena do imóvel para a Recorrida CC, tratou-se da realização pelo devedor de actos que diminuem a garantia patrimonial do crédito, não sendo de natureza pessoal, tanto mais que o crédito do A. existia já desde Junho de 2017 e as alegadas compras e vendas ocorreram já em Outubro e Dezembro de 2017, ou seja, há menos de cinco anos por referência à data da entrada da acção.
58. Resulta provado, pelo Recorrente, que o Réu BB é devedor do Recorrente pelo montante identificado na PI., bem como se provou que o referido crédito é anterior aos negócios impugnados e que esse crédito era do conhecimento de ambos os Recorridos.
59. Estes actos de compra e venda foram realizados pelos RR, dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do credor/Recorrente, pelo que se verifica má-fé tanto do alienante como do adquirente, bem sabendo os Recorridos que nada mais estavam a fazer com tal transferência do que causar prejuízo ao credor aqui Recorrente, situação que se verifica no caso concreto, pois quer o Recorrido BB – devedor, como a Ré CC, sabiam da existência da dívida e tinham consciência do prejuízo que causavam.
60. O Recorrente não se conforma com a alegada prova que teria de fazer quanto ao valor do imóvel.
61. A única prova dos Réus/Recorridos seria provar a existência de outros bens penhoráveis de igual ou maior valor, o que não conseguiu, como supra se expôs.
62. Ao A/Recorrente incumbia fazer prova do montante em dívida, que logrou provar, provando ainda a anterioridade do crédito face aos actos outorgados e que tal impossibilitou a satisfação integral do seu crédito, integralmente cumprido.
63. Mas, como supra se alegou, entende o Recorrente que o valor do imóvel, como supra se alegou, resultou, efetivamente, provado, como resulta da avaliação do imóvel que o Banco 3... juntou aos autos, de Setembro de 2016, um ano antes dos negócios celebrados, atribuindo-lhe um valor de 170.000,00€.
64. São factos que a Mma. Juiz desconsiderou e descartou do leque das provas e da sua apreciação, sendo manifesto e claro que tal compra e venda, assim como a segunda, em que simulou um pagamento de 28.000,00€, que como se expôs, não ocorreu, representou uma contrapartida de valor económica inferior ao valor do imóvel, que em fevereiro de 2019 se encontrava à venda por 249.000,00€.
65. Entende-se ainda que diminuindo o devedor o seu acervo patrimonial, tornando-o inexistente, que concomitantemente, diminui as garantias patrimoniais do crédito dos seus credores, sendo isso, uma evidência no caso concreto, não sendo justo, nem razoável que, por uma razão formal, dê o Tribunal cobertura a esquemas de transmissão de propriedade para se fugir ao cumprimento de obrigações perante credores.
66. Ainda que não se provando o valor do imóvel (e tal resultou), aliado ao facto do imóvel alienado estar onerado com hipotecas anteriores, não afasta o requisito do prejuízo, previsto na alínea b) do art.º 610º do C. Civil, bastando ao credor fazer prova do montante do seu crédito, impendendo sobre o devedor o ónus de demonstrar que o seu património é composto por bens suficientes para garantir essa satisfação, o que se justifica pela maior facilidade que aquele tem em efectuar essa prova.
67. Importa ainda referir o refugio encontrado num Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 08/05/2013 e justificando a sua adesão forma a esse Acórdão é completamente irrelevante para os autos, quanto ao segundo pedido subsidiário diz respeito.
68. Quanto à Ré CC considerando-se provados os factos que supra se pretendem provar e alterar, esta sempre seria condenada no pagamento da referida quantia ao Recorrente e quanto ao Réu BB, nem a adesão ao entendimento professado num AUJ pode conduzir à absolvição do Réu BB e em qualquer dos casos não decorre para os Mmos. Juizes obrigação de vinculação à orientação e decisões professadas num Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, podem afastar-se dela, se devidamente fundamentado.
69. Importando referir acórdão tem declarado um voto de vencido do Exmo. Conselheiro Sebastião Povoas e diversas adesões, a esse voto de vencido, o que desde logo, descaracteriza o referido acórdão, porquanto existe ainda divergência quanto a esta matéria.
70. In casu, a acção judicial de impugnação pauliana continua idónea à obtenção do efeito jurídico pretendido pelo Recorrente, não se verificando, assim, a inutilidade superveniente da lide.
71. Sendo o processo de (art.º 88.º) insolvência um processo de execução universal, é natural que as acções executivas a correr se suspendam ou se extingam, mas esta solução não é extensível às acções declarativas. Certamente, por maioria de razão, as acções a decorrer nos tribunais judiciais deverão prosseguir os seus termos.
72. Se o credor, com uma acção declarativa de condenação a correr, não reclamar o seu crédito no processo de insolvência, pode sim ver extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (art.º 277.º al. e) do CPC), uma vez que deixa de poder ver os seus direitos de crédito satisfeitos relativamente ao devedor insolvente, o que já não sucede com uma acção declarativa a correr e o credor tiver reclamado o seu credito no processo de insolvência, como é o caso dos autos, não se extinguindo a instância declarativa.
73. À semelhança do que se verifica em Direito Comparado, se o credor reclamar o seu crédito no processo de insolvência, deve o seu crédito ser contemplado e devidamente graduado e acautelado no processo de insolvência, nomeadamente como crédito sujeito a condição suspensiva. Nesta conformidade, o art.º 181º n. 1 do CIRE “dispõe que: Os créditos sob condição suspensiva são atendidos pelo seu valor nominal nos rateios parciais, devendo continuar, porém, depositadas as quantias que por estes lhes sejam atribuídas, na pendência da condição.
74. De referir, que este Acórdão Uniformizador teve os votos de vencidos de 13 Conselheiros e, como é sabido, não é vinculativo, como acontecia com os passados Assentos, tendo este Acórdão Uniformizador perdido a validade, porque respeita a uma situação decidida ao abrigo de um quadro legislativo diferente, nomeadamente a redacção do n.º 1 do art.º 50.º do CIRE e esta alteração legislativa faz toda a diferença, porquanto, a anterior redacção parecia não abranger as decisões judiciais como condição suspensiva. Com a nova redacção do n.º 1 do art.º 50.º ficou claro que as acções declarativas contra o devedor insolvente são fundamento da graduação do respectivo crédito sob condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da sentença, só ficando impossibilitadas de alcançar o seu efeito útil normal se o crédito subjacente não for reclamado no processo de insolvência, nos termos do CIRE, o que não é o caso, uma vez que o credito do Recorrente foi reclamado no processo de insolvência do Réu BB, pelo que nunca poderia ser decidida a inutilidade da lide declarativa com base nesse fundamento.
75. Em suma, o Tribunal “a quo” não valorou devidamente tudo o alegado pelo Recorrente, testemunhas e confissão do Réu BB, o que se traduz numa omissão da fundamentação da sentença, o que implica a sua nulidade por força do art.º 615º, nº 1, alínea d) do C.P.C., alicerçado somente no princípio da livre apreciação da prova, apesar da designação que lhe é dada, não se traduz, de modo algum, na existência da discricionariedade ou arbitrariedade por parte do juiz na apreciação da prova, nem tão pouco numa apreciação feita com base na mera impressão gerada pelos vários meios probatórios no espírito do julgador.
76. Deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com as legais consequências, devendo V. Exc.as, ordenarem a revogação da D. Decisão proferida, substituindo-se por uma que declare a procedência do peticionado pelo Recorrente condenando-se os RR. no pedido só desse modo de fazendo um acto de justiça, pois só dessa forma, se impedirá a legalização dum esquema criado pelos RR para fugir ao pagamento das suas dívidas.»
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A ré CC respondeu à alegação do recorrente, pugnando pela total improcedência do recurso.
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II. Objecto do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelo recorrente, são as seguintes:
1. A nulidade da sentença com fundamento no disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC;
2. O erro no julgamento da matéria de facto no que concerne aos pontos 11, 24 e 25 dos factos provados e aos pontos 2 a 5, 7, 13 a 15, 21 e 22 dos factos não provados;
3. A nulidade, por simulação, dos contratos de compra e venda celebrado entre os réus e as respectivas consequências;
4. Subsidiariamente, a ineficácia desses contratos em relação ao autor, com fundamento na impugnação pauliana;
5. Subsidiariamente, a existência de um crédito do autor sobre os réus, no valor de 52.500,00 € acrescido de juros de mora.
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III. Fundamentação
A. Factos Provados
São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal de primeira instância:
1. Por documento datado de 25 de Maio de 2017, intitulado “Declaração de dívida”, BB declarou, entre outras coisas, o seguinte: “(…) declara-se, por este meio, devedor a AA (…) da quantia de € 52.500,00 (cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
2. O 1º réu emitiu, à ordem do A., um cheque datado de 3/01/2018, na quantia de 22.500,00€.
3. O A. apresentou o cheque a pagamento, no dia 03/01/2018, tendo o mesmo sido recusado por falta de provisão.
4. Através de realização de escritura pública de compra e venda, outorgada no dia 20/10/2017, no Cartório Notarial da Notária DD, em Felgueiras, o primeiro réu declarou vender à segunda ré metade indivisa da Fracção autónoma designada pelas letras “AE”, destinada a habitação, sita no Edifício ..., Avenida ..., descrita na Conservatória do Registo Civil, Predial e Automóveis de Felgueiras sob o nº ... da freguesia ... e inscrito na matriz urbana sob o artigo ..., tudo nos moldes e condições vertidas no documento (escritura pública) junto aos autos a 13/10/2021 com o requerimento referência 40128232, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
5. Através de realização de documento particular autenticado de compra e venda, outorgado no dia 06/12/2017, no escritório da Dra. EE, Solicitadora, o primeiro réu declarou vender à segunda ré a sua metade indivisa do imóvel identificado no ponto anterior, tudo nos moldes e condições vertidas a fls. 131 a 136 do documento n.º 4 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
6. No dia 16/01/2018, por documento intitulado “Rectificação”, no escritório da Dra. EE, Solicitadora, o réu BB, na qualidade de primeiro outorgante, e a ré CC, na qualidade de segundo outorgante, declararam o vertido a fls. 103 a 105 do documento n.º 4 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente que: “Que por contrato de compra e venda com termo de autenticação lavrado em seis de Dezembro de 2017, pelas Solicitadora EE (…), o primeiro vendeu à segunda metade indivisa da fracção autónoma designada pelas letras “AE” (…). Que rectificam o referido contrato de compra e venda no sentido de ficar a constar que o preço foi de oitenta e cinco mil euros e não de cinquenta e sete mil euros, conforme por lapso foi declarado. Que do preço referido de oitenta e cinco mil euros, o montante de cinquenta e sete mil euros, foi pago pela obrigação que a segunda assumiu de pagar integralmente e à sua custa a totalidade do saldo devedor do empréstimo existente junto do “Banco 2..., S.A.,” e o valor de vinte e oito mil euros foi pago em cheque com o n.º seis zero seis três nove seis zero zero oito quatro (…), datado de 6/12/2017. Que o referido cheque foi entregue pela compradora ao vendedor na data em que foi lavrado o contrato de compra e venda, comprometendo-se o primeiro a apresentar o cheque a pagamento após o dia 31/12/2017. Que pelo presente documento particular rectificam, assim, o referido contrato de compra e venda, quanto ao valor do preço (…)”.
7. As referidas compras e vendas foram registados e descritas na Conservatória de Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel de Felgueiras, pelas Ap. ... de 20/10/2017 e Ap. ... de 06/12/2017.
8. Sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras, sob o número ......, da freguesia ..., pela Ap. ... de 20/10/2017, foi constituída uma hipoteca com capital de € 114.262,34 e montante máximo assegurado de 165.109,08€, a favor do Banco 2..., S.A., para garantia de empréstimo.
9. Pelo menos em 12/04/2017, encontrava-se registada a favor de dos réus, desde 7/04/2017, por aquisição à Sociedade de C..., Unipessoal Lda, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e de Automóveis, de Felgueiras, sob o número ..., e inscrito na matriz sob o artigo ..., sobre o qual incidiam, até àquela data, os ónus e encargos inscritos no documento n.º 12 junto com a contestação da ré CC, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
10. O referido imóvel, prédio urbano destinado a armazém, é composto pelo Edifício de rés do chão, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Felgueiras.
11. Em 28/03/2019, os réus constavam como proprietários na caderneta predial do prédio identificado nos dois pontos anteriores, nos moldes vertidos no documento n.º 13 junto com a contestação da segunda ré, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
12. No documento intitulado “Relatório de Avaliação de Imóvel”, datado de Março de 2019, foi declarado o vertido no documento n.º 14 junto com a contestação da segunda ré, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
13. O 1º Réu, no decurso dos anos de 2016 e 2017, solicitou ao A. vários empréstimos, no valor global de 52.500,00€.
14. Sendo um dos empréstimos no montante unitário de 22.500,00€, e o restante, no montante de 30.000,00€, que foram sendo entregues ao 1º Réu, faseadamente, de acordo com as necessidades e sempre que tal solicitava ao A.
15. O A., acreditando na boa-fé do 1º Réu, e atendendo à relação de confiança que então existia entre os dois, acedeu e foi-lhe concedendo esses empréstimos no decurso dos anos de 2016 e 2017, sendo certo que o 1º Réu sempre se comprometeu a devolver os referidos montantes ao A., no mais curto prazo.
16. Foi em virtude dos factos expostos que o 1º réu emitiu a declaração referida no anterior ponto 1.
17. O cheque referido no anterior ponto 2 era para liquidação parcial do valor em dívida.
18. Questionado sobre o descrito no ponto 3 dos factos provados, o 1º Réu informou o A. que de facto não dispunha dessa quantia, mas que ia proceder ao pagamento dos referidos montantes, sempre assumindo a sua dívida perante o A, quer a titulada pelo cheque, quer a restante.
19. Foi interpelado para proceder ao pagamento da quantia.
20. À data da celebração da escritura pública e do documento particular autenticado de compra e venda referidos nos anteriores pontos 4 e 5, os réus sabiam da existência do crédito do autor supra mencionado.
21. O montante garantido pela hipoteca referida em 8 dos factos provados era, à data de 1/03/2019, de 110.784,93€, sem contar com encargos e juros inerentes ao identificado mútuo.
22. Entre Junho e Agosto de 2018 ocorreu a rutura dos RR. enquanto casal unido de facto, tendo-se os mesmo separado.
23. Em 2015 os RR. fixaram o exercício das responsabilidades parentais dos seus filhos menores.
24. A R. CC entregou ao R. BB o cheque referido em 6 dos factos provados a titular a quantia de € 28.000,00, tendo-se declarado naquele documento que entrega era feita com o objectivo declarado nesse mesmo documento.
25. O referido cheque bancário foi descontado em 05 de janeiro de 2018 e obteve pagamento.
26. Nesse mesmo documento foi declarado que a R. CC assumiu como contrapartida pela referida venda o pagamento integral do crédito hipotecário em dívida ao Banco 3..., S.A., que à data ascendia a € 114.000,00.
27. Entre 1/01/2018 e 21/09/2020 (data da apresentação de articulado superveniente da ré CC), a ré CC pagou mensalmente ao Banco 3..., S.A., as prestações, juros e encargos, respeitantes ao mútuo referido em 8, num montante global em concreto não apurado.
28. Os contratos de compra em venda celebrados pelos RR. e supra descritos impediram que os credores do R. BB pudessem penhorar/apreender o imóvel objecto desses contratos para tentarem cobrar os seus créditos pelo produto da sua venda.
29. A ré CC e os seus filhos menores vivem no imóvel descrito em 4 e 5.
30. O A. reclamou o seu crédito na ação que decretou a insolvência do R. BB, que corre os seus regulares trâmites no Juízo 1 do Juízo do Comércio de Amarante, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, com o processo nº 1132/19.8T8AMT.
31. No referido processo, o administrador da insolvência do réu BB declarou resolver em benefício daquela massa insolvente os contratos de compra e venda referidos nos anteriores pontos 4 e 5.
32. A ré CC impugnou a referida resolução por apenso àquele processo de insolvência, adquirindo tal apenso o n.º 1132/19.7T8AMT-E, do Juiz 1 do Juízo de Comércio de Amarante do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este.
33. No referido apenso, no dia 14/07/2020, foi celebrada transação, homologada por sentença, nos termos e condições descritas no documento n.º 2 junto aos autos em 21/09/2020 com o articulado superveniente da ré CC, dando-se aqui por integralmente reproduzido o conteúdo daquele documento.
34. Posteriormente, no processo de insolvência, o Banco 3..., S.A., desistiu da reclamação de créditos que havia apresentado naqueles autos, tendo-se considerado por verificada a condição prevista na cláusula B) daquela transação.
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B. Factos Não Provados
O Tribunal de primeira instância julgou não provado que:
1. À data da propositura da acção, a inscrição referida em 9 dos factos provados se mantivesse.
2. Ao celebrarem os negócios referidos nos pontos 4 a 8 dos factos provados, o 1º Réu e respectiva unida de facto 2ª Ré tivessem agido com o intuito de dissiparem o património que integra a esfera patrimonial do Réu, com vista a não satisfazer o crédito do A.
3. Os réus tivessem articulado um plano que visou despossar o 1º Réu de todo o seu património, designadamente da fracção identificada nos pontos 4 a 8 dos factos provados.
4. A verdadeira intenção do 1ª e 2ª Réus não tivesse sido mais do que ocultar o verdadeiro património do 1º Réu, impedindo-o de honrar as suas obrigações, em prejuízo do A.
5. Nem o 1º Réu tivesse querido vender nem a 2ª Ré tivesse querido comprar a fracção, ficando o A. impedido de cobrar o valor dos aludidos empréstimos.
6. Os pagamentos declarados nos mencionado negócios não tivessem ocorrido.
7. A fracção identificada nos factos assente tivesse um valor de 249.000,00€.
8. O documento (confissão de dívida) onde fizeram constar a quantia reclamada nestes autos tivesse sido forjada, de forma a trazer um alegado título que justificasse a possibilidade de intentar a presente ação com a finalidade única e exclusiva de “sacar este bem” à primeira Ré.
9. Se vendido fosse o imóvel descrito nos pontos 4 a 8 dos factos provados, não ultrapassaria nunca o valor do crédito hipotecário e o valor patrimonial de 96.451,10€.
10. O imóvel descrito em 9 e 10 dos factos provados representasse um activo de pelo menos 288.650,00€.
11. O cheque referido em 24 dos factos provados, apresentado a pagamento, não tivesse sido pago.
12. O montante referido em 27 dos factos provados fosse de € 12.107,86.
13. O contrato de compra e venda referido em 5 dos factos provados tivesse diminuído o passivo do R. BB.
14. A R. CC tivesse solicitado algum empréstimo ao A.
15. O valor de mercado da fração identificada em 4 dos factos dados como provados fosse superior a € 142.000,00 por referência à data de dezembro de 2017.
16. Existisse uma relação de proximidade entre o A. e o R. BB.
17. O desconto referido em 25 dos factos provados só tivesse ocorrido naquela altura, porque só aí a R. CC conseguiu reunir o montante devido, indicando ao R. BB que já podia depositar o cheque.
18. As vendas referidas nos factos provados não tivessem sido prejudiciais para o R. BB, muito menos para qualquer um dos seus eventuais (ou alegados) credores.
19. Em 2015 tivesse ocorrido a rutura dos RR. enquanto casal unido de facto.
20. O autor não tivesse apresentado a devida reclamação de créditos no processo de insolvência do réu BB.
21. Aquando das compras e vendas impugnadas nestes autos, a R. CC soubesse da situação de insolvência do R. BB; que soubesse que tais negócios implicavam o início do processo de insolvência daquele réu; e que soubesse que essas vendas prejudicavam o autor ou qualquer outro credor.
22. Aquando das compras e vendas impugnadas nestes autos, a R. CC não soubesse da situação de insolvência do R. BB, e bem assim que não soubesse que tais negócios implicavam o início do processo de insolvência daquele réu.
23. Os empréstimos referidos em 13 tivessem sido solicitados para fazer face a dívidas pessoais do réu BB e decorrentes da sua área de actividade.
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B. Fundamentação de Direito
1. Da nulidade da sentença
O recorrente veio invocar a nulidade da sentença recorrida, alegando o seguinte: «o Tribunal “a quo” não valorou devidamente tudo o alegado pelo Recorrente, testemunhas e confissão do Réu BB, o que se traduz numa omissão da fundamentação da sentença, o que implica a sua nulidade por força do art.º 615º, nº 1, alínea d) do C.P.C., alicerçado somente no princípio da livre apreciação da prova, apesar da designação que lhe é dada, não se traduz, de modo algum, na existência da discricionariedade ou arbitrariedade por parte do juiz na apreciação da prova, nem tão pouco numa apreciação feita com base na mera impressão gerada pelos vários meios probatórios no espírito do julgador».
No despacho proferido à luz do artigo 641.º do CPC, a Sr. Juíza a quo afirmou, com razão, não ocorrer nenhuma nulidade que importe suprir.
Na verdade, a própria formulação da questão evidencia a falta de razão do recorrente. Apesar de aludir a uma «omissão da fundamentação sentença» (que, a ocorrer, mais facilmente se enquadraria na al. b) do que na al. d) do artigo 615.º do CPC), o apelante fundamenta a nulidade que argui na circunstância de o Tribunal a quo não ter valorado devidamente os factos alegados e a prova produzida, ou seja, num erro de julgamento da matéria de facto.
Ora, a jurisprudência e a doutrina nacionais vêm alertando, de modo uniforme e insistente, para a necessidade de distinguir entre as nulidades da decisão, previstas e reguladas no artigo 615.º do CPC, e o erro de julgamento. A este respeito, afirma-se o seguinte no acórdão do STJ de 03.03.2021 (proc. n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode encontrar a demais jurisprudência citada sem indicação da origem): «Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual – nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma – ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma».
Nos termos do disposto na invocada al. d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Decorre desta norma que o juiz não pode deixar de apreciar alguma questão cuja resolução a lei lhe imponha, ou seja, não pode deixar de conhecer as questões, de facto ou de direito, suscitadas pelas partes ou de que deva conhecer oficiosamente, que se mostrem relevantes para o resultado da lide.
As questões de facto cuja omissão de pronúncia são susceptíveis de gerar este vício reconduzem-se aos factos essenciais, ou seja, aos factos constitutivos e aos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, pois são esses os factos que o tribunal está obrigado a apreciar e a julgar provados ou não provados, como decorre do disposto nos artigos 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, al. d), 574.º, 576.º, 607.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, todos do CPC, e nos artigos 342.º e seguintes do CC.
No caso presente caso, como vimos, o que o recorrente faz é manifestar a sua discordância relativamente à decisão do Tribunal recorrido quanto a matéria de facto (e quanto ao direito aplicável), isto é, quanto ao sentido da resposta dada a alguns factos ou quanto à sua redacção, não identificando factos essenciais que tenham ficado p0r apreciar, como veremos com mais detalhe quando apreciarmos a impugnação da matéria de facto deduzida pelo recorrente.
Pelo exposto, sem necessidade de outros desenvolvimentos, julga-se improcedente a alegada nulidade.
*
2. Da impugnação da matéria de facto
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto está expressamente consagrada e regulada no Código de Processo Civil actualmente vigente, nomeadamente nos seus artigos 640.º, n.º 1, e 662.º. n.º 1.
Resulta do primeiro destes preceitos que o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, (a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, (b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida, e (c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No caso vertente, não suscita dúvidas o cumprimento deste ónus pelo recorrente, visto que este indicou de forma expressa e discriminada os pontos de facto que considera incorretamente julgados, fundamentou esta discordância nos concretos meios de prova que descreve e analisa nas suas alegações e concluiu indicando a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre aqueles pontos.
Dispõe, por sua vez, o artigo 662.º, n.º 1, do CPC, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Esta alteração compreende, naturalmente, a ampliação do acervo factual que serve de fundamento à decisão, caso o tribunal a quo não se tenha pronunciado sobre algum facto relevante para a decisão da causa.
A análise e a valoração da prova na segunda instância está, naturalmente, sujeita às mesmas normas e princípios que regem essa actividade na primeira instância, nomeadamente a regra da livre apreciação da prova e as respectivas excepções, nos termos previstos no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, conjugado com a disciplina adjectiva dos artigos 410.º e seguintes do mesmo código e com a disciplina substantiva dos artigos 341.º e seguintes do Código Civil (CC).
É consabido que a livre apreciação da prova não se traduz numa apreciação arbitrária, pelo que, nas palavras de Ana Luísa Geraldes (Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 591), «o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância». De resto, como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra 2019, p. 720), o juiz deve «expor a análise crítica das provas que foram produzidas, quer quando se trate de prova vinculada, em que a margem de liberdade é inexistente, quer quando se trate de provas submetidas à sua livre apreciação, envolvendo os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e não provados».
Mas não podemos olvidar que, por força da imediação, da oralidade e da concentração que caracterizam a produção da prova perante o juiz da primeira instância, este está numa posição privilegiada para apreciar essa prova, designadamente para surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir a espontaneidade e a credibilidade dos seus depoimentos, que frequentemente não transparecem na gravação. Por esta razão, Ana Luísa Geraldes (ob. cit. página 609) salienta que, em caso de dúvida, «face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte».
No caso vertente, o recorrente pugnou pela alteração da decisão no que respeita aos pontos 11, 24 e 25 dos factos provados e aos pontos 2 a 5, 7, 13 a 15, 21 e 22 dos factos não provados.
Vejamos se lhe assiste razão.
a. Entende o recorrente que o ponto 11 dos factos provados deve ser julgado não provado e que deve julgar-se provado o seguinte facto: Não conseguiram os Réus provar a existência de bens penhoráveis de valor igual ou superior na esfera jurídico-patrimonial do devedor.
Alega, para tanto, o seguinte (cfr. conclusões 11 a 19):
- Aquele ponto 11 refere-se ao imóvel que os réus compraram em 07.04.2017 à sociedade C..., Unipessoal Lda, que foi declarada insolvente, tendo o respectivo administrador da insolvência resolvido aquele negócio, resolução que a ré CC impugnou, sem sucesso, pelo que aquele bem foi integrado na massa insolvente, tal como resulta da apresentação 2081 de 04/06/2021 da descrição predial do referido imóvel;
- Deste modo, a ré CC não logrou provar que o réu BB fosse proprietário de outros bens penhoráveis de valor igual ou superior ao crédito do autor, como decorre dos pontos 1 e 10 dos factos não provados;
- Não é através de uma caderneta predial das finanças, desactualizada (datada de 28.03.2019), que se verifica ou declara a propriedade de um imóvel e muito menos de uma certidão predial igualmente desactualizada (de 20.04.2017);
- Deste modo, o Tribunal recorrido não reunia a informação necessária para dar como provado o facto 11, atenta a inexistência de prova documental que corrobore tal facto, sendo certo que, na audiência de julgamento de 07.10.2021, foi obtida a informação de que, depois de resolvido o referido negócio de 07.04.2017, a impugnação da ré CC não teve procedência e o imóvel integrou os bens da massa insolvente, tendo sido posteriormente vendido.
Afigura-se manifesta a falta de razão do recorrente.
Por um lado, a afirmação de que não existe prova documental que corrobore o ponto 11 dos factos provados está errada. Naquele ponto 11 o Tribunal recorrido mais não faz do que dar como integralmente reproduzido o teor da caderneta predial urbana junta aos autos como documento n.º 13 da contestação, destacando a data em que a mesma foi obtida e os titulares do prédio na mesma indicados. Ora, tratando-se de uma reprodução de um documento autêntico (porque exarado pela autoridade pública competente para o efeito – a Autoridade Tributária e Aduaneira – conforme preceitua o artigo 369.º do Código Civil) e não tendo o autor/apelante posto em causa a exactidão da reprodução nem a autenticidade do documento, por via dos incidentes regulados nos artigos 444.º e 446.º do CPC, o mesmo está dotado de força probatória plena, nos termos do disposto nos artigos 368.º e 371.º do Código Civil. Deste modo, ao contrário do afirmado pelo recorrente, o ponto 11 dos factos provados está fundamentado em prova documental dotada de força probatória plena. Questão totalmente diversa é a da relevância jurídica do facto assim descrito, mas que não cabe apreciar nesta sede, por contender com a decisão da matéria de direito e não com a decisão da matéria de facto.
Por outro lado, o enunciado que o recorrente pretende ver aditado aos factos provados não contém em si qualquer facto, que possa ser juridicamente enquadrado, configurando antes um juízo puramente conclusivo, de natureza eminentemente jurídica, assente na análise dos fundamentos de facto da sentença recorrida (nomeadamente o ponto 9 dos factos provados e os pontos 1 e 10 dos factos não provados), bem como nºs restantes factos que o recorrente convoca na sua alegação, relativos à apreensão e venda de um imóvel, que os réus haviam comprado à sociedade C..., Unipessoal Lda, no âmbito do processo de insolvência desta sociedade. Dito de outro modo, aquele enunciado traduz a conclusão de um silogismo judiciário em que a premissa maior corresponde à norma que atribui à ré (rectius, aos réus) o ónus da prova de que o 1.º réu possui bens penhoráveis de valor igual ou superior ao do crédito do autor (artigo 611.º do CC) e a premissa menor corresponde aos factos antes referidos.
É, precisamente, por configurar uma conclusão de direito e não um facto, que a afirmação de que os réus não conseguiram provar a existência de bens penhoráveis de valor igual ou superior na esfera jurídico-patrimonial do devedor não pode constar dos fundamentos de facto da sentença, podendo apenas extrair-se (ou não) da análise dos factos apurados à luz do direito aplicável.
De todo o modo, não deixaremos de referir, desde já, que aquela conclusão assenta parcialmente em factos que não foram oportunamente alegados pelas partes, não constam da fundamentação da sentença recorrida nem foi pedido o seu aditamento no âmbito do presente recurso e não foi, sequer, foi apresentada qualquer prova que permita proceder oficiosamente a esse aditamento. Embora o recorrente aluda à apresentação 2081 de 04/06/2021 da descrição predial do imóvel em causa e afirme que na audiência de julgamento de 07/10/2021 foi obtida a informação de que, depois de resolvido o negócio de 07/04/2017 sobre o referido imóvel, a impugnação da ré CC não teve procedência e o imóvel integrou os bens da massa insolvente, tendo sido posteriormente vendido, não apresentou qualquer prova documental – única legalmente admissível – da aludida inscrição no registo predial ou dos actos praticados no processo de insolvência, nada constando a esse respeito da acta da audiência de julgamento datada de 07.10.2021.
Pelo exposto, sem prejuízo da análise jurídica que faremos em sede própria, improcede a pretensão do recorrente que vimos analisando.
b. Afirma também o recorrente que os pontos 24 e 25 dos factos provados e o ponto 6 dos factos não provados contrariam a confissão do 1.º réu, reduzida a escrito por assentada, que a Sra. Juíza a quo apreciou livremente, violando a força probatória plena daquela confissão prevista no artigo 358.º do Código Civil (cfr. conclusões 20 a 28).
A este respeito importa, antes de mais, referir que é o próprio recorrente quem afirma que a confissão judicial reduzida a escrito tem força probatória plena contra o confitente (cfr. conclusões 25 e 26). Mas parece esquecer que, nos presentes autos, confitente foi apenas o 1.º réu e não a 2.ª ré, pelo que a confissão nunca teria força probatória plena contra esta, nos termos do invocado artigo 358.º do Código Civil.
Acresce que, como se refere na sentença recorrida e foi alertado pela Sra. Juíza a quo no decurso da audiência de julgamento, nos termos do disposto no artigo 353.º, n.º 2, do Código Civil, a confissão feita pelo litisconsorte só é eficaz se o litisconsórcio for voluntário (restringindo-se o seu efeito, mesmo nesse caso, ao interesse do confitente), não o sendo se o litisconsórcio for necessário, como sucede no presento caso. Como escreve Pires de Sousa (Direito Material Probatório, 2.ª ed., Coimbra 2021, p. 93), «[n]um contexto de litisconsórcio necessário em que ocorre unicidade de interesses, a confissão proveniente de litisconsorte não é eficaz enquanto prova plena, o que se justifica porquanto este não dispõe do direito. Tal confissão será apreciada livremente pelo juiz, nos termos do art. 361.º. Já se o litisconsórcio for voluntário (cf. art. 32.º do CPC), a confissão proveniente do litisconsorte é eficaz, mas o seu efeito restringe-se ao interesse do confitente».
Deste modo, a aludida confissão não tem força probatória plena contra o próprio confitente. Dito de outro modo, é absolutamente claro que a assentada do depoimento de parte do 1.º réu não constitui prova vinculada, pelo que não estava o Tribunal a quo, como não está este Tribunal ad quem, obrigado a julgar provados os factos decorrentes dessa confissão escrita, a qual está sujeita à regra geral da livre apreciação da prova, não se vislumbrando o que seja o “excesso de livre apreciação” a que também se refere o recorrente.
Ainda assim, em face da impugnação pelo recorrente dos pontos 24 e 25 dos factos provados e do ponto 6 dos factos não provados, importa reapreciá-los, à luz de toda a prova produzida a seu respeito, começando pelo depoimento de parte do 1.º réu.
Analisado esse depoimento, facilmente se constata que, contrariamente ao afirmado nas alegações de recurso, o recorrente não infirmou aqueles factos julgados provados, antes confirmando expressamente que a 2.ª ré lhe entregou o cheque referido no ponto 6 dos factos provados, no valor de 28 mil euros, acrescentando que foi, precisamente, para movimentar esse cheque e, assim, dar maior credibilidade à transacção, que foi celebrado o documento que denominou de “2.ª escritura”, querendo assim referir-se ao documento de rectificação mencionado no ponto 6 dos factos provados e não ao documento particular autenticado referido no ponto 5, como se depreende do seu depoimento.
Confirmou igualmente que esse cheque foi por si descontado e que obteve pagamento, conforme consta do próprio excerto transcrito na conclusão 21 da alegação de recurso e é corroborado pelos documentos juntos com a contestação com os n.ºs 10 e 11.
Acrescentou, é certo, que devolveu de imediato esse dinheiro à 2.ª ré, assim querendo afirmar que esta não pagou o preço declarado no respectivo contrato de compra e venda, porque as partes não quiseram celebrar tal negócio. Mas o contrário não é afirmado nos pontos 24 e 25 dos factos provados. O que se afirma no primeiro destes pontos é, tão-somente, que no documento referido no ponto 6 dos factos provados foi declarado que a entrega do cheque se destinou a pagar parte do preço da compra e venda, facto que está demonstrado pelo referido documento, junto pelo próprio apelante com o seu articulado inicial sob o n.º 4. E o que se afirma no segundo daqueles pontos de facto é apenas que o cheque foi apresentado a pagamento e que obteve provisão. Saber se aquela declaração correspondeu ou não à vontade real dos declarantes e se o dinheiro obtido com este desconto do cheque foi devolvido à 2.ª ré está fora do âmbito dos pontos 24 e 25 dos factos provados, ao contrário do que afirma o recorrente.
Em suma, bem andou o Tribunal a quo ao julgar provados estes factos, improcedendo a impugnação do recorrente quanto aos mesmos.
c. Esta análise não se aplica ao ponto 6 dos factos não provados, que se mostra contrário às afirmações do 1.º réu relativamente à devolução à 2.ª ré do valor que obteve com o desconto do cheque de 28 mil euros.
O mesmo sucede com os pontos 2 a 5 dos factos não provados (cfr. conclusões 29 a 32).
De resto, a reanálise daquele ponto 6 não pode cindir-se da reanálise destes pontos 2 a 5, que o recorrente impugna igualmente com fundamento na sua confissão pelo 1.º réu, conjugada com os pontos 20 e 28 dos factos provados.
Os referidos pontos 2 a 6 dos factos não provados traduzem a resposta negativa do Tribunal recorrido aos factos alegados pelo autor/apelante para sustentar o pedido principal de nulidade por simulação dos negócios descritos nos pontos 4 a 8 dos factos provados – a compra e venda de metade indivisa da fracção AE realizada por escritura pública de 20.10.2017 e a compra e venda da outra metade indivisa do mesmo prédio realizada por documento particular autenticado de 06.12.2017 – e, concomitantemente, para corroborar o dolo e a má-fé dos réus no âmbito do pedidos subsidiários, resposta negativa essa que aquele Tribunal fundamenta simplesmente na «insuficiência manifesta da prova produzida no sentido de os revelar».
Ouvida a gravação integral da audiência de julgamento, verifica-se que, com excepção do 1.º réu, nenhuma das pessoas inquiridas revelou qualquer conhecimento sobre os factos em análise, sabendo apenas alguns dos inquiridos que o 1.º réu transmitiu para a ré a propriedade do apartamento onde ambos viviam, ainda antes da sua separação definitiva.
Assim, o autor e a sua mulher, a testemunha FF, revelaram que viam nesse apartamento uma garantia do seu crédito (presumindo esta testemunha que o mesmo pertencesse a ambos os réus), que a dada altura souberam que o referido apartamento ostentava um anúncio de venda e que, mediante consulta do respectivo registo predial, verificaram que o mesmo havia sido vendido à 2.ª ré. Mas revelaram nada mais saber sobre esta venda.
Por sua vez, a testemunha GG referiu ter visto o cheque que a 2.ª ré entregou ao 1.º réu e ter sabido por aquela que, depois da entrega desse cheque, a mesma assumiu sozinha a dívida ao banco. Revelou, deste modo, não ter um conhecimento directo dos factos que envolveram a venda e a emissão do cheque, sabendo apenas o que lhe foi dito pela 2.ª ré.
Por fim, as testemunhas HH, II, JJ e KK revelaram nada saber a respeito das transmissões de propriedade do referido apartamento.
O 1.º réu, no depoimento que prestou em audiência de julgamento, procurou corroborar a tese do autor sobre a simulação dos contratos de compra e venda através dos quais transmitiu a propriedade da fracção AE para a 2.ª ré. Contudo, depôs de forma extremamente confusa, umas vezes evasiva e outras vezes contraditória.
Começou por afirmar que, sabendo que as suas empresas iam entrar em insolvência, a venda do apartamento foi a forma que ele e a 2.ª ré, então sua companheira, encontraram para não o perderem (embora na parte final do seu depoimento tenha afirmado que o objectivo foi apenas prejudicar o autor, por ser o único que tinha uma confissão de dívida, o que, além de contraditório, se revela pouco verosímil). De seguida esclareceu que havia comprado sozinho o apartamento, em 2011, mediante recurso a um empréstimo do Banco 1..., que posteriormente transmitiu metade indivisa do mesmo para a 2.ª ré e que, concomitantemente, esta assumiu juntamente consigo a responsabilidade pelo pagamento do referido empréstimo, entretanto transferido para o Banco 2... (como consta da escritura pública referida no ponto 4 dos factos provados), não apenas formalmente, mas contribuindo efectivamente para esse pagamento, o que se revela pouco consentâneo com um negócio simulado.
Mais afirmou que, com a venda da outra metade indivisa do imóvel, o empréstimo passou a obrigar apenas a 2.ª ré – o que não corresponde à verdade, como decorre dos pontos 33 e 34 dos factos provados – mas que continuou a contribuir para o pagamento das respectivas prestações bancárias até se separar definitivamente da 2.ª ré, em Agosto de 2018. Mas logo esclareceu que deixou de o fazer após essa separação, data a partir da qual esse pagamento passou a ser realizado exclusivamente pela 2.ª ré, acrescentando que, depois da referida separação, esta ficou com tudo e que ele não pode estar a pagar um apartamento que não tem, assim revelando que não se considera proprietário desse apartamento, o que, mais uma vez, contraria a existência de um acordo simulatório.
Não obstante, foi insistindo na ideia de que “foi tudo a fingir”, embora respondendo de forma muito titubeante e evasiva sobre a existência de alguma contrapartida pela primeira transmissão, terminando o seu depoimento afirmando que os réus quiseram que o apartamento ficasse a ser dos dois e que a dívida do banco responsabilizasse ambos.
Acresce que, para além das respostas evasivas e contraditórias antes analisadas, o réu BB revelou parcialidade, corroborada pela circunstância de nada ter a perder com esta acção, dada a sua situação actual de devedor insolvente, antes tendo a ganhar com a eventual satisfação da dívida que tem para com o autor, bem como pela circunstância de estar de más relações com a 2.ª ré, da qual se separou definitivamente em 2018, num contexto de grande conflito, que inclusivamente gerou participações criminais, como decorre dos documentos 3 e 4 da contestação e do depoimento da testemunha GG, conflito que acabou por ser corroborado pelo próprio réu BB.
Perante a parcialidade, a ambiguidade e as contradições que marcaram o depoimento do 1.º réu, não vislumbramos qualquer fundamento válido para dissentir da avaliação feita pelo Tribunal recorrido, com a vantagem da imediação, e que levou esse tribunal a desconsiderar o que daquele depoimento resulta a respeito da factualidade descrita nos pontos 2 a 6 dos factos não provados.
Deste modo, perante a ausência de qualquer outra prova que os corrobore, impõe-se manter a decisão recorrida no que aos mesmos concerne.
d. O recorrente entende que o Tribunal recorrido apreciou mal o ponto 7 do factos não provados, discorda do entendimento desse Tribunal de que a prova do valor do imóvel em causa tivesse de ser feita através de prova pericial e afirma que o documento n.º 3 da petição inicial prova que, em fevereiro de 2019, a ré CC colocou aquele imóvel à venda por 249.000,00 €, o que nunca foi contestado por esta e foi confessado pelo réu BB, tendo este afirmado ainda que comprou a fracção em causa por 130.000,00 € e estar convencido de que conseguiria vendê-la por 200.000,00 €.
Mais afirma o recorrente que em Setembro de 2016 o Banco 3... avaliou em 170.000,00 € o imóvel em causa e em 149.900,00 € o valor de venda imediata.
Termina esta alegação pugnando pela eliminação do ponto 15 dos factos provados e pelo aditamento aos factos provados do seguinte: A fracção identificada nos factos assentes tivesse, em Setembro de 2016, o valor de 170.000,00€ (sic) – cfr. conclusões 33 a 35.
Em face desta (pouco clara) alegação, constatamos que a impugnação do ponto 7 dos factos não provados é inconsequente: embora o recorrente aluda a prova que parece corroborar aquele facto, acaba por não pedir, pelo menos de forma explícita, a alteração do sentido da decisão relativamente ao mesmo, pedindo apenas que se elimine o ponto 15 dos factos não provados e se julgue provado que o imóvel em causa tinha, em Setembro de 2016, o valor de 170 mil euros.
Nestes termos, nada justifica a alteração da decisão relativa àquele ponto 7 dos factos não provados.
Resta saber se foi feita prova consistente do valor do imóvel em causa, designadamente que o mesmo valesse 170 mil euros, ainda que por referência a Setembro de 2016.
Tem razão o recorrente quando afirma que a prova pericial não é a única forma de demonstrar o valor do imóvel. Porém, cremos que a sentença recorrida não pretendeu afirmar o contrário. O que a este respeito se extrai da motivação da decisão de facto é, tão-somente, que a ausência de uma perícia que permitisse ultrapassar as divergências existentes na prova produzida impediu o tribunal de formar uma convicção segura sobre o valor da fracção “AE”.
Mas, desde já se adianta, não acompanhamos esta análise do Tribunal a quo.
Concordamos que os depoimentos do 1.º réu e das testemunhas II e JJ, para além de contraditórios entre si, não permitem formar uma convicção minimamente segura sobre o referido valor.
O réu BB, para além de aludir à avaliação efectuada pelo Banco 3... (então Banco 2...), que analisaremos infra, limitou-se a afirmar que comprou a fracção em causa em 2011 por 130 mil euros, que a sua ex-companheira, quando se separaram, a pôs à venda por 250 mil euros, o que é corroborado pelo documento n.º 3 da petição inicial, e que a referida fracção sempre valerá 200 mil euros. Mas a circunstância de a fracção ter estado à venda por 250 mil euros não significa que esse fosse o seu valor de mercado, até porque não foi demonstrado nem, sequer, alegado que a mesma tivesse sido vendida por esse valor. Quanto ao valor de 200 mil euros avançado pelo réu, não se revela minimamente sustentado em quaisquer critérios de avaliação.
Por sua vez, a testemunha II, que afirmou conhecer o mercado imobiliário, referiu desconhecer a fracção em causa, confirmando apenas que a mesma se situa numa das zonas mais caras da cidade de Felgueiras, onde um T3 novo, com cerca de 170/180 m2, com acabamentos de gama elevada, pode custar 320 mil euros, custando menos 70 mil euros se os acabamentos forem de gama média. Confrontado com o facto de o apartamento em causa nestes autos ser de 1993, referiu que a vetustez tem um efeito de depreciação que tem de ser considerado, mas sem arriscar um valor. Ora, desconhecendo esta testemunha a área real do apartamento e o seu estado de conservação, nada de relevante se pode extrair do seu depoimento a respeito do valor de mercado do mesmo, tanto na data da celebração dos negócios impugnados como noutra qualquer.
Por fim, a testemunha JJ, que referiu conhecer o apartamento em causa porque a 2.ª ré lhe pediu que o avaliasse, afirmou que o mesmo tem muitas patologias, nomeadamente humidades e problemas nas canalizações, para além de estar dotado de elevadores sem a devida segurança, por não terem porta interior. Por estas razões, entende que o seu valor ascende, no máximo, a 150/155 mil euros, embora duvide que alguém o compre. Mas, por um lado, desconhecemos a que data se reporta esta avaliação. Por outro lado, ainda que não haja motivos para questionar a idoneidade profissional da testemunha, desconhecemos o método e os critérios de avaliação por si utilizados, não se podendo também ignorar que levou a cabo essa avaliação mediante solicitação da 2.ª ré e, naturalmente, sem que as restantes partes ou o Tribunal pudessem acompanhar a sua realização.
O recorrente baseia-se, porém, na avaliação que foi efectuada em 2016 pelo Banco 3... (então Banco 2...), que afirma ser complementar à escritura pública realizada em 20.10.2017.
Tal avaliação acabou por ser junta aos autos pelo referido Banco em 19.01.2022, aí se discriminado os diversos factores tidos em consideração, inclusivamente a localização do imóvel e respectivas acessibilidades, as áreas consideradas, a circunstância de ter sido remodelado em 2014 e a boa qualidade dos acabamentos, nomeadamente ar condicionado, caixilharia dupla, estores eléctricos, lareira com recuperador e vídeo-porteiro, não se vislumbrando qualquer razão para questionar o rigor desta avaliação.
Note-se que tanto o Banco que determinou esta avaliação como a entidade que a levou a cabo são alheios ao presente litígio, nada permitindo questionar a sua imparcialidade perante o mesmo.
Acresce que dos pontos 4 e 8 dos factos provados e dos documentos aí aludidos decorre que que sobre a fracção em causa foi constituída uma hipoteca, a favor do Banco 2..., S.A., para garantia do empréstimo da quantia de € 114.262,34, respectivos juros e outras despesas, no montante máximo assegurado de 165.109,08 €. Ora, é do conhecimento comum que, normalmente, nos créditos à habitação, os bancos não concedem empréstimos se o valor do imóvel em causa for inferior ao valor do crédito solicitado, pois é aquele imóvel que serve de garantia a este crédito, a não ser que sejam prestadas outras garantias, o que no presente caso não ocorre, como é demonstrado pelo documento complementar à escritura pública de 20.10.2017, o qual foi junto aos presentes autos em 28.12.2021.
Pelo exposto, julgamos suficientemente demonstrado que em Setembro de 2016 o valor da fracção AE ascendia a 170 mil euros, pelo que tal facto dever ser acrescentado ao elenco dos factos provados.
O que não resulta desta prova é que o valor de mercado da fração identificada em 4 dos factos dados como provados não fosse superior a 142.000,00 € por referência à data de dezembro de 2017, sendo certo que foi este o facto alegado pela ré no artigo 19 do articulado superveniente, e não o facto que, mediante reclamação da mesma ré, foi (incorrectamente) aditado aos temas da prova e que acabou por ser inserido no ponto 15 dos factos não provados.
É, portanto, este o facto que deve ficar a constar do ponto 15 dos factos não provados.
Em suma, considera-se não provado o facto alegado pelo recorrente constante do ponto 7 e o facto alegado pela recorrida que agora passa a constar do ponto 15. Ainda assim, por se conter no âmbito da alegação das partes, maxime do apelante, julga-se provado que a fracção identificada no ponto 4 dos factos assentes tinha, em Setembro de 2016, o valor de 170.000,00 €.
e. O recorrente pretende que se julgue irrelevante e, por isso, se elimine o ponto 13 dos factos não provados e que se adite o seguinte aos factos provados: Os contratos de compra e venda referidos em 4 e 5 dos factos provados diminuíram o activo do Réu BB. Baseia-se, para tanto, na confissão do réu BB, nos pontos 20 e 28 dos factos provados e nos pontos 1, 18 e 22 dos factos não provados (cfr. conclusões 36 a 39).
Assiste razão ao recorrente no que respeita à irrelevância do facto descrito naquele ponto 13. Para além de conclusivo, este facto apenas poderá relevar enquanto impugnação, ainda que motivada, dos factos constitutivos do direito de impugnação pauliana, designadamente dos requisitos consagrados no corpo e na alínea b), do artigo 610.º, do Código Civil, que analisaremos mais à frente (que o acto impugnado envolva diminuição da garantia patrimonial do crédito e que dele resulte para o credor a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade). Pelo exposto, determina-se a sua eliminação, ainda que a mesma não tenha quaisquer efeitos práticos, visto que o mesmo foi julgado não provado.
Quanto ao facto que o recorrente pretende ver aditado, o mesmo configura igualmente uma mera conclusão, que deve ser extraída da demais factualidade alegada, nos termos que serão melhor explicitados infra, quando analisarmos os pressupostos legais da impugnação pauliana. Nestes termos, julga-se improcedente, nesta parte, a impugnação deduzida.
f. Pretende também o recorrente que se julgue provado o facto que integra o ponto 14 dos factos não provados (que a ré CC tivesse solicitado algum empréstimo ao autor). Embora o recorrente não proponha a redacção do facto que considera estar demonstrado, decorre da sua alegação que pretende se julgue provado que os empréstimos aludidos no ponto 1 dos factos provados foram solicitados também pela 2.ª ré e não apenas pelo 1.º réu (cfr. conclusões 45 a 47).
Contudo, o recorrente nunca alegou esse facto, o qual também não foi alegado pela ré contestante. O que o autor alegou foi, logo no artigo 1.º do seu articulado inicial, de forma absolutamente inequívoca, que «o 1.º réu, no decurso dos anos de 2016 e 2017, solicitou ao autor vários empréstimos, no valor global de 52.500,00 €», posição que manteve nos demais articulados (como decorre, por exemplo, dos artigos 8 e 16 do articulado de resposta às excepções), não alegando, sequer, a intervenção da 2.ª ré nestes negócios como causa de pedir subsidiária, para a hipótese de não se provar aquela alegação.
De resto, se o recorrente tivesse alegado que aqueles empréstimos foram concedidos a ambos os réus, os pedidos de nulidade por simulação e de impugnação pauliana dos negócios que determinaram a transmissão da propriedade da fracção AE do 1.º para a 2.ª ré não teriam qualquer utilidade para o apelante, perdendo mesmo o seu fundamento o pedido subsidiário de impugnação pauliana, pois estes negócios não seriam passíveis de prejudicar o autor, que poderia nomear à penhora aquele bem, visto integrar o património de um dos devedores. Em termos abstractos, tal facto apenas poderia sustentar o último dos pedidos subsidiários, caso em que este deveria ter sido deduzido por via principal. Mas a verdade é que o autor não fundamentou este último pedido naquele facto, que, repita-se, não alegou, mas antes na forma dolosa e de má fé com que ambos os réus dissiparam o património do 1.º, tendo em vista frustrar a cobrança das dívidas deste para com o autor.
Por outro lado, dificilmente se compreende por que razão ou com que propósito a 2.ª ré requereu que aquele facto não alegado fosse aditado aos temas da prova (à semelhança do que também sucedeu com o facto descrito no ponto 15 dos factos não provados) e não pode deixar de se censurar (igualmente) o deferimento dessa parte da reclamação pelo tribunal a quo. Os factos não alegados não podem integrar os temas da prova. Quando muito, podem integrar os fundamentos de facto da sentença, desde que estejam verificados os requisitos enunciados nos artigos 5.º, n.º 2, do CPC, ou seja, se configurarem factos instrumentais e resultem da instrução da causa, se forem complemento ou concretização dos factos que as partes hajam alegado, resultem da instrução da causa e tenham sido sujeitos ao contraditório ou se forem factos notórios ou de que o tribunal tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções. Ora, a identidade das partes dos contratos de onde emerge o crédito de que o autor se arroga não é, obviamente, meramente instrumental, tal como não é um mero complemento ou concretização dos factos alegados pelo autor, antes se revelando um facto essencial absolutamente estruturante de toda a acção, como decorre do que dissemos antes.
Pelos motivos expostos, não só não se aprecia a impugnação deste facto, como se determina a sua eliminação dos factos não provados.
g. Por fim, pretende o recorrente que se elimine o ponto 22 dos factos não provados e se altere o sentido da decisão quanto ao ponto 21 também dos factos não provados, afirmando que aqueles se contradizem e que os factos constantes do referido ponto 21 decorrem da confissão do réu BB e dos pontos 20 e 28 dos factos provados (cfr. conclusões 41 a 44).
Refira-se, antes de mais, que não existe qualquer contradição na decisão do Tribunal a quo vertida naqueles dois pontos. Tal contradição apenas ocorreria se o Tribunal recorrido tivesse julgado provados os factos vertidos nesses dois pontos, visto que a prova de um deles exclui lógica e necessariamente a prova do outro. Mas tal contradição lógica não ocorre na hipótese contrária. Ao julgar não provados os dois conjuntos de factos, o Tribunal recorrido está apenas a afirmar que considera não ter sido feita prova bastante de que a ré CC soubesse ou de que não soubesse da situação de insolvência do réu BB, que os negócios que celebraram implicassem o início do processo de insolvência daquele réu e que prejudicassem o autor ou qualquer outro credor.
Não obstante, discordamos da opção do Tribunal recorrido de se pronunciar sobre ambos. Relevando esses factos a respeito do dolo e da má-fé, enquanto requisitos dos pedidos subsidiários de impugnação pauliana (cfr. artigo 612.º do CC) e de indemnização dos danos (artigo 616.º, n.º 2, do CC), cujo ónus da prova cabia ao autor, importa apenas a apurar a versão correspondente a esse ónus, ou seja, que a ré sabia da situação de insolvência do réu BB, que os negócios que celebrou com este implicavam o início do processo de insolvência do mesmo e que prejudicavam o autor. Procede, deste modo, o pedido de eliminação deste ponto 22 dos factos não provados, embora, uma vez mais, sem relevância prática.
Posto isto, vejamos se assiste razão ao apelante, quando pugna pela alteração do sentido da decisão relativamente ao ponto 21 dos factos não provados.
Refira-se, antes de mais, que os pontos 20 e 28 dos factos provados não permitem dar como provada a factualidade descrita no referido ponto 21 dos factos não provados.
Na verdade, da circunstância de a 2.ª ré saber da existência do crédito do autor, associada ao facto de este ter ficado impedido de penhorar o imóvel que aquela comprou ao 1.º réu para tentar cobrar coercivamente o referido crédito, não se pode extrair que o 1.º réu estivesse numa situação de insolvência ou que a aludida transmissão da propriedade implicava o início do processo de insolvência deste. Aquele circunstancialismo não permite, sequer, afirmar que as compras efectuadas pela 2.ª ré prejudicassem o autor ou outros credores do 1.º réu, pois dele não decorre a inexistência no património deste de outros bens penhoráveis.
Também não cremos, ao contrário do que defende o apelante, que o depoimento do réu BB demonstre a factualidade em apreço.
O referido réu afirmou que a 2.ª ré sabia da existência do crédito do autor e da iminente insolvência das várias sociedades detidas pelo primeiro, até porque trabalhava numa dessas sociedades (a Sociedade de C..., Unipessoal Lda), o que foi corroborado pelo autor e pelas testemunhas FF, HH e GG.
Já antes aludimos à pouca credibilidade que o depoimento do réu BB merece.
Acresce que a prova documental junta a aos autos apenas demonstra que o processo de insolvência da Sociedade de C..., Unipessoal Lda foi intentado em 2019, pois tem o número 165/19.8T8AMT, ou seja, mais de um ano após a celebração dos negócios em causa nestes autos.
Seja como for, a insolvência das aludidas sociedades ou a sua iminência não significava, necessariamente, a insolvência do próprio réu. De resto, foi junta aos autos prova documental (cfr. ofício de 20.10.2019) de que a insolvência do réu BB apenas foi declarada em 04.10.2019 (no processo n.º 1132/19.7T8AMT), ou seja, cerca de dois anos depois da celebração dos negócios em causa nestes autos.
Por outro lado, o próprio autor afirmou, nas declarações que prestou em audiência de julgamento, desconhecer se os réus tinham outros bens para além do apartamento onde viviam, sendo certo que dos factos apurados decorre que, para além desse imóvel adquirido pela ré CC, o réu BB era ainda comproprietário de um outro imóvel – um terreno com a área de 665 m2, onde se encontra implantado um pavilhão industrial com 400 m2, com o valor patrimonial (para efeitos tributários) de 86.618,85 € – desconhecendo-se em absoluto o valor dos créditos garantidos pelos ónus registados sobre o mesmo. É certo que a certidão do registo de propriedade que nos permite afirmar este facto está datada de 07.04.2017 (cfr. ponto 9 dos factos provados) e que a caderneta predial referida no ponto 11 dos factos provados não se revela suficiente para demonstrar que aquela compropriedade se mantinha nas datas em que foram celebrados os contratos de compra e venda em discussão nestes autos (Outubro e Dezembro do mesmo ano de 2017). Mas é o próprio autor que, nas suas alegações de recurso, afirma que essa situação se manteve até que, na sequência da declaração da insolvência da vendedora do imóvel, ocorrida meses depois da sua compra pelos réus, o respectivo administrador da insolvência resolveu este negócio em benefício da massa insolvente. Ora, os elementos documentais juntos aos autos revelam que a declaração da insolvência da referida vendedora (a Sociedade de C..., Unipessoal Lda) e, consequentemente, a resolução em benefício da massa da venda do pavilhão aos aqui réus não foram anteriores a 2019 (cfr., por exemplo, o ofício de 16.06.2020).
Tudo ponderado, concluímos que a prova produzida não permite jugar provada a factualidade descrita no ponto 21 dos factos não provados que, desse modo, se mantém.
h. Por tudo quanto ficou exposto, julga-se parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto e, consequentemente:
- Adita-se ao elenco dos factos provados o seguinte:
35. A fracção identificada no ponto 4 tinha, em Setembro de 2016, o valor de 170.000,00 €.
- Eliminam-se os pontos 13, 14 e 21 dos factos não provados.
- Altera-se a redacção do ponto 15 dos factos não provados nos seguintes termos:
15. O valor de mercado da fração identificada em 4 dos factos dados como provados não fosse superior a € 142.000,00 por referência à data de dezembro de 2017.
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3. O Direito
Vistos os factos, resta apreciar o recurso da matéria de direito.
Na conclusão 6.ª da sua alegação, o recorrente afirma que os pontos 1 a 8, 10, 13 a 20, 22, 28 e 31 a 34 dos factos provados e os pontos 1, 8 a 10, 12, 16, 18 a 20 e 22 dos factos não provados são bastantes para condenar os réus, uma vez que o objecto do litígio e o que está em causa é a simulação, a impugnação pauliana e as suas consequências, bem como a condenação solidária dos réus. Não esclarece, porém, em qual dos diferentes pedidos por si deduzidos devem os réus ser condenados. Impõe-se, por conseguinte, analisar os diversos pedidos deduzidos, conforme anunciado no ponto II. deste aresto.
a. Da nulidade, por simulação, dos contratos de compra e venda celebrado entre os réus
Veio o autor/apelante pedir se declarem nulos, por simulação, os dois contratos de compra e venda celebrados entre os réus, com o consequente cancelamento dos registos efectuados com base nos mesmos e restituição da fracção autónoma designada pelas letras AE à titularidade do 1.º réu.
A simulação está prevista na subsecção do Código Civil que regula a falta e vícios da vontade, integrada na secção dedicada à declaração negocial. Nos termos do n.º 1, do artigo 240.º, que abre aquela subsecção, «[s]e, por acordo entre o declarante e o declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado».
A declaração da vontade negocial é constituída por em elemento externo – a declaração propriamente dita – e outro interno – a vontade real do declarante. Por regra, estes dois elementos são consonantes, havendo uma efectiva autodeterminação de efeitos jurídicos pelo autor da declaração. Mas entre tais elementos pode existir divergência, por falta ou desvio de algum dos subelementos em que se desdobra o elemento interno (vontade de acção, vontade de acção como declaração e vontade de declaração negocial), divergência que pode ser intencional (o declarante tem consciência dela, mas emite livremente a declaração) e não intencional (o declarante não tem consciência da divergência ou, tendo-a, é forçado a emitir a declaração). E pode haver perturbações no processo formativo da vontade, de tal sorte que, embora não haja divergência entre a vontade real (elemento interno) e a declaração propriamente dita (comportamento que exterioriza aquela vontade), aquela se mostra “viciada”.
A simulação é uma das formas que pode revestir a divergência intencional entre a vontade real e a declarada, a par da reserva mental (cfr. artigo 244.º do CC) e das declarações não sérias (cfr. artigo 245.º do CC), situações em que o declarante emite, consciente e livremente, uma declaração com um sentido objectivo diferente da sua vontade real.
O que distingue a simulação destas outras formas de divergência intencional é a circunstância de decorrer do acordo simulatório entre o declarante e o declaratário, celebrado com o intuito de enganar terceiros (vide Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica” II, 1992 – Reimpressão, p. 169 e 216). Como se afirma no acórdão do STJ de 30.05.1995 (CJSTJ, 1995, II, p. 118), a simulação identifica-se com o propósito de “criar uma aparência” e é nesse “fingimento” que se situa “o desígnio de provocar uma ilusão normalmente destinada a enganar terceiros”.
Para efeitos de simulação, terceiros são «quaisquer pessoas, titulares de uma relação, jurídica ou praticamente, afectada pelo negócio simulado e que não sejam os próprios simuladores ou os seus herdeiros (depois da morte do de cujus) – Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed., p. 481. Mas, como ensina Manuel de Andrade (cit., p. 198), «[s]ão terceiros, para efeitos de simulação, quaisquer pessoas que não sejam simuladores, nem seus herdeiros (ou legatários) a menos que (quanto a estes) se trate de herdeiros legitimários que venham impugnar o negócio simulado para defender as suas legítimas»).
Existem vários tipos de simulação. Para além da distinção entre o carácter inocente (quando apenas se verifica o animus decipiendi) ou fraudulento (quando ao intuito de enganar terceiros acresce o intuito de prejudicar ou animus nocendi) da simulação (vide, a título de exemplo, o acórdão do STJ, de 29.05.2007, processo n.º 07A1334, disponível em www.dgsi.pt), temos ainda a dicotomia entre simulação relativa e absoluta – cfr. artigo 241.º do CC.
De acordo com a doutrina corrente, a distinção entre a simulação relativa e a simulação absoluta radica no facto de existir ou não, por detrás e para além do negócio simulado, qualquer outro negócio. Desta forma, na simulação relativa as partes fingem celebrar um certo negócio jurídico, pretendendo na realidade realizar um negócio jurídico de tipo ou conteúdo diverso, sendo certo que, decalcado sobre o negócio simulado ou aparente, existe um negócio dissimulado. Já no caso de se verificar uma simulação absoluta, constata-se haver tão-somente o negócio simulado e nada mais, querendo com isto dizer-se que, nesta hipótese, os contraentes fingem celebrar um negócio jurídico, quando na realidade não querem celebrar qualquer negócio. Como ensina o Henrich Ewald Horster, «a simulação absoluta verifica-se quando os simuladores fingem concluir determinado negócio, e na realidade nenhum negócio querem celebrar» (Parte Geral do Código Civil Português, 1992, p. 536).
A lei fulmina de nulidade o negócio simulado (n.º 2 do artigo 240.º do CC), sem distinguir entre a simulação inocente – com o intuito de enganar terceiros mas sem os prejudicar (animus decipiendi) – e fraudulenta – onde ocorre o animus nocendi ou propósito de lesar os terceiros. E o negócio simulado é nulo tanto na simulação absoluta como na relativa (sem prejuízo, neste caso, do disposto no artigo 241.º do CC relativamente ao negócio dissimulado). A nulidade gerada pela simulação é, todavia, atípica, já que os simuladores não a podem invocar contra terceiro de boa fé (artigo 243.º, n,º 1, do CC). A este respeito vide Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, p. 845.
São, assim, requisitos cumulativos da declaração de nulidade com fundamento em simulação do negócio:
- A divergência entre a vontade real e a vontade declarada;
- O acordo simulatório (pactum simulationis);
- O intuito de enganar (animus decipendi) ou de prejudicar (animus nocendi) terceiros.
No caso vertente, perante a factualidade provada, não podemos concluir pela simulação, absoluta ou relativa, de nenhum dos negócios em apreço, visto não estarem verificados os apontados requisitos relativamente a nenhum deles. Na verdade, nem sequer se apurou qualquer divergência entre a vontade real dos outorgantes e a vontade por eles declarada, como decorre dos pontos 5 e 6 dos factos não provados, no confronto com os pontos 4 a 6 dos factos provados.
E tanto basta para concluirmos, como concluiu o Tribunal a quo, pela improcedência do pedido, deduzido a título principal, de declaração de nulidade, por simulação, dos dois negócios acima referidos.
b. Da ineficácia dos referidos contratos em relação ao autor, com fundamento na impugnação pauliana
Para o caso de improceder o pedido de declaração de nulidade por simulação daqueles contratos, o recorrente pretende se declarem ineficazes em relação a si os aludidos actos de transmissão da fracção autónoma designada pelas letras AE, bem como qualquer outro anteriormente celebrado entre os réus.
A impugnação pauliana constitui um dos meios de tutela do credor, à qual subjaz, simultaneamente como princípio norteador e como fim, a ideia de facultar a este a conservação da garantia patrimonial de que gozava, ao arrepio dos actos praticados sobre os bens do devedor, susceptíveis de comprometer aquela garantia. A eficácia deste instituto vai ao ponto de, verificados os seus requisitos, que analisaremos de seguida, contrariar o dogma da autonomia privada, princípio basilar do nosso direito das obrigações, e invadir, por via deste desvio, a esfera dos direitos adquiridos por terceiros. Invasão que é, todavia, limitada à estrita medida do crédito de que é titular o credor impugnante.
A impugnação pauliana requer a verificação cumulativa de diversos pressupostos, enunciados nos artigos 610.º e 612.º do CC.
Tais pressupostos são os seguintes:
i. A existência de um determinado crédito;
ii. Que o crédito seja anterior ao acto a impugnar (ainda que não se exija que já se tenha vencido, como decorre do disposto no artigo 614.º do CC e é corroborado pela razão de ser deste requisito, o qual se funda no facto de só os titulares de créditos anteriores ao acto impugnável se poderem considerar lesados com a sua prática, uma vez que só eles podiam legitimamente contar com os bens saídos do património do devedor como valores integrantes da garantia patrimonial do seu crédito – neste sentido, Vaz Serra, Responsabilidade patrimonial, in B.M.J., n.º 75, pág. 204) ou, sendo posterior, esse acto tenha sido realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor (ou seja, que ocorra uma fraude pré-ordenada);
iii. Que o acto a impugnar envolva diminuição da garantia patrimonial, ou seja, diminuição dos valores patrimoniais que, nos termos do artigo 601.º do CC, respondem pelo cumprimento da obrigação;
iv. Que do acto resulte para o credor a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade;
v. Que o acto praticado pelo devedor não seja de natureza pessoal, entendendo-se como actos desta natureza o casamento, o divórcio, a adopção, a perfilhação, etc.
vi. Tratando-se de actos onerosos, acresce um outro requisito, previsto no n.º 1 do artigo 612.º do mesmo código: nesse caso o acto só estará sujeito a impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé, consistindo esta última na consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.
No caso concreto, o recorrente entende que estão verificados todos os pressupostos legais da impugnação pauliana.
A sentença recorrida secunda esse entendimento no que respeita aos pressupostos supra enunciados nos pontos i. e ii. – a existência do crédito do autor e a sua anterioridade relativamente aos actos impugnados, o que dispensa a prova do dolo, isto é, de que estes actos foram praticados com o propósito de impedir a satisfação daquele crédito. Afigura-se que o mesmo sucede relativamente ao pressuposto enunciado no ponto v., ainda que de forma implícita. Seja como for, não suscita dúvidas que os actos de compra e venda impugnados nesta acção não revestem natureza pessoal.
Visto que o consenso assim gerado não nos suscita qualquer reserva, não nos alongaremos na análise destes pressupostos, que assim damos por verificados no caso concreto.
Diferentemente, sem questionar a natureza onerosa dos actos impugnados, a sentença recorrida entendeu não se verificarem os requisitos enunciados nos pontos iii., iv. e vi., ainda que a argumentação ali aduzida não seja totalmente explícita relativamente ao requisito descrito no ponto iv.
É a seguinte essa argumentação:
«Porém, o autor não provou o valor da fracção “AE” e os negócios impugnados são onerosos, pelo que tiveram contrapartidas a favor do devedor, o réu BB.
E sendo assim, os factos apurados não permitem afirmar que aquelas contrapartidas tem um valor económico inferior ao valor do imóvel.
Não sendo possível afirmar tal realidade, não se pode concluir, sem mais e mais não há, que aqueles negócios envolveram uma diminuição da garantia do crédito do impugnante.
Na verdade, se com os negócios impugnados o autor ficou impedido de apreender/penhorar a fracção “AE”, não ficou impedido de penhorar/apreender as contrapartidas a que a ré CC se obrigou naqueles negócios, não tendo o autor logrado provar que essas contrapartidas tinham valor económico inferior ao valor do imóvel.
E não se tratando de um facto notório, sempre o autor teria o ónus de provar tal realidade.
Por outro lado, o autor também não logrou provar os factos necessários à demonstração da “má-fé” da ré CC, a qual é terceira, pois que não é devedora do autor, ou seja, não provou que a ré CC tivesse consciência do alegado prejuízo que o acto impugnado causava ao credor.»
Nestes termos, importa analisar com mais detalhe cada um destes pressupostos, tendo em vista aferir a sua ocorrência no caso concreto.
A diminuição da garantia patrimonial aludida no corpo do artigo 610.º do CC tanto pode resultar da diminuição do activo como do aumento do passivo. Mas esta exigência deve ser interpretada em harmonia com o requisito previsto na alínea b) do mesmo artigo 610.º, pois a lei exige que daquela diminuição dos valores patrimoniais resulte a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade (Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª ed., p. 626).
Se, no domínio do Código Civil de 1867 (cfr. artigo 1033.º) e no âmbito de uma formulação algo estreita do requisito de impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade, seria admissível concluir-se que, para o acto do devedor poder ser impugnado, era necessário que dele resultasse a insolvência ou o agravamento da insolvência do devedor, por só nesses casos haver aparentemente essa impossibilidade de satisfação, tal concepção não é hoje de sufragar.
Considera-se agora que a lei civil pretendeu deliberadamente colocar ao alcance da impugnação pauliana os casos em que, mesmo sem determinar a insolvência do devedor, o acto impugnado origina a impossibilidade prática, de facto, de pagamento forçado do crédito. Como exemplo desta impossibilidade prática de cobrança coerciva do crédito, os autores acima citados aludem, precisamente, à troca de um prédio por dinheiro (loc. cit.).
Quanto ao momento a que deve ser reportada a verificação destes requisitos, perfilha-se o entendimento de que «é à data do acto impugnado que se deve atender para se determinar se dele resulta a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade», pelo que «se nessa data o obrigado ainda possuía bens de valor bastante superior ao montante do crédito, a impugnação dever ser julgada improcedente» (cfr. acórdãos do STJ de 19 de Dezembro de 1972, BMJ, 222, págs. 386 e seguintes, e 14 de Março de 2019, processo n.º 84/07.0TVLSB.L1.S1, disponível em https://www.direitoemdia.pt/search/show/22141b64fa42e76e8f90decb79854124a014373f60cb1c10ce78ea11c2ffff09).
No que respeita ao ónus da prova dos requisitos que vimos analisando, dispõe o artigo 611.º do CC que compete ao credor a prova do montante do passivo do devedor, isto é, do montante das dívidas e não apenas do seu crédito (cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 768, nota 4, e ac. STJ de 15 de Junho de 1994, C.J. dos acs. do STJ, ano II, tomo II, pág. 142 e seguintes), competindo, por sua vez, ao devedor ou terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor do que as dívidas.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (cit., p. 627), «a doutrina deste artigo afasta-se, em alguma medida das regras gerais sobre o ónus da prova». Na verdade, numa acção deste tipo deveria competir ao autor a prova de todos os requisitos necessários à procedência do pedido (artigo 342.º do CC). Contudo, a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de se provar que o devedor não tem bens faz com que o ónus da prova da existência desses bens fique a cargo deste último.
No entanto, refere Vaz Serra, para que a impugnação pauliana proceda bastará ao impugnante alegar e provar que os bens remanescentes do devedor, necessários à cobertura do seu passivo, são de difícil, dispendiosa ou precária apreensão no processo executivo (cfr. ob. cit., n. 48, p. 199).
Atento o exposto, não podemos sufragar o entendimento, preconizado na sentença recorrida, de que não ficou demonstrada a diminuição da garantia patrimonial apenas porque o recorrente, embora tenha ficado impedido de apreender/penhorar o imóvel que o 1.º réu vendeu à 2.ª, não ficou impossibilitado de penhorar/apreender as contrapartidas a que esta ré se obrigou naquele negócio e, não tendo demonstrado o valor do imóvel, não logrou demonstrar que aquelas contrapartidas tivessem um valor económico inferior ao valor deste imóvel.
Por um lado, já vimos que os requisitos em análise não se cingem a uma análise puramente contabilística do património do devedor. Ainda que, desse ponto de vista contabilístico, o imóvel antes inscrito no património do devedor tenha sido substituído por uma quantia em dinheiro ou um crédito pecuniário equivalente ao valor daquele imóvel, a impossibilidade prática de apreender o montante correspondente àquele pecúlio ou crédito é susceptível de configurar uma diminuição da garantia patrimonial geradora da impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 610.º do CC.
Por outro lado, aplicando o caso concreto a regra especial de distribuição do ónus da prova acima analisada, verificamos que o autor recorrente cumpriu o ónus que sobre si impendia, ao contrário da ré recorrida.
Na verdade, para além de demonstrar que os actos impugnados fizeram com que a fracção AE deixasse de integrar o património do 1.º réu, ou seja, a garantia patrimonial do seu crédito, o autor/recorrente demonstrou o montante do seu crédito, não se tendo apurado a existência de outras dívidas do referido réu.
Em contrapartida, a 2.ª ré/apelada não logrou demonstrar que o 1.º réu possuísse bens penhoráveis de valor igual ou maior do que aquela dívida. Desde logo porque os factos apurados não revelam com a necessária segurança que o 1.º réu continuasse a ser comproprietário do imóvel referido nos pontos 9 a 12 dos factos provados na data em que foram celebrados os negócios impugnados. Mas mesmo que se entendesse que sim, pelas razões expostas quando apreciamos a impugnação dos pontos 21 e 22 dos factos não provados, aqueles factos continuavam a não revelar o valor do referido imóvel nem, consequentemente, da quota indivisa pertencente ao 1.º réu, designadamente que esse valor fosse superior ao do crédito do recorrente, ao que acresceria, ainda, a existência de ónus e encargos inscritos – uma hipoteca voluntária para garantia do montante máximo de 168.028,00 € e uma hipoteca legal para garantia do montante máximo de 65.117,48 € – nos termos do ponto 9 dos factos provados e do documento n.º 9 da contestação.
A recorrida não demonstrou, também, que o preço que terá pago pelas referidas compras estivesse depositado ou de alguma forma em condições de ser apreendido/penhorado para garantir a satisfação do crédito do recorrente.
Pelo exposto, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, temos como verificados os requisitos da impugnação pauliana referidos supra nos pontos iii. e iv.
Posto isto, resta apreciar o último dos pressupostos de que depende a procedência do pedido de impugnação pauliana: a má-fé do devedor e do terceiro, nos termos previstos no artigo 612.º, n.º 1, 1.ª parte do CC, como tal se entendendo a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.
Muito embora o Código Civil de 1867 (cfr. artigo 1036.º) estatuísse que era o conhecimento que o devedor e o terceiro tinham do estado de insolvência daquele, a formulação consagrada no actual Código Civil demarca-se, com nitidez, tanto desta posição como da que identifica a má fé com a intenção de prejudicar os credores, propugnando, em vez disso, que tal conceito se traduz na consciência do prejuízo causado aos credores (cfr. neste sentido, ainda na vigência do anterior Código Civil, Vaz Serra, R.L.J., ano 102, pág. 7). Isto no que toca, obviamente, aos actos onerosos.
Esta definição plasmada no n.º 2 do artigo 612.º corresponde, portanto, à noção de má fé em sentido subjectivo ou psicológico, levando a que se considere suficiente «a verificação desse elemento intelectual comum ao dolo eventual e à negligência consciente, ou seja, a mera representação da possibilidade da produção do resultado danoso em consequência da conduta do agente» (cfr. o já citado ac. do STJ de 23 de Janeiro de 1992).
Como é bom de ver, a nossa actual lei exige a má fé bilateral, ou seja, do vendedor e do comprador, no contrato de compra e venda (cfr. o ac. do STJ de 20 de Fevereiro de 1990, in Actualidade Jurídica, n.º 6 e o ac. do STJ de 23 de Janeiro de 1992, anotado por Almeida Costa, in R.L.J., ano 127, pág. 273). A razão de ser desta exigência prende-se com a circunstância, já antes mencionada, de os actos de disposição onerosa do património não gerarem, em princípio, prejuízo para o credor, na medida em que à prestação cedida há-de corresponder uma prestação de valor equivalente. Assim, não basta que o devedor e o terceiro, partes no acto realizado, tenham conhecimento da situação precária do devedor, até porque aqueles podem ter fundadas razões para crer que o acto virá a provocar uma melhoria desta situação. Essencial é que o devedor e o terceiro tenham consciência do prejuízo que a operação causa aos credores, ainda que ao acto esteja subjacente qualquer outra intenção (cfr. neste sentido, o ac. do STJ de 27 de Abril de 1999, in Internet - www.cidadevirtual.pt\stj\jurisp\bolt\cível), e sem que se exija a concertação – o tradicional consilium fraudis – entre devedor e terceiro adquirente (cfr., neste sentido, entre outros, Menezes Cordeiro, Impugnação pauliana, parecer in C.J., ano XVII, tomo 3, págs. 58 e 59 e o ac. do STJ de 26 de Maio de 1994, in C.J. dos ac. do STJ, ano II, tomo II, págs. 114 e 115).
De acordo com o entendimento de Vaz Serra, o n.º 2 do artigo 612.º exige, em princípio, a consciência ou previsão efectiva do prejuízo, ou seja, «a previsão do dano que para os credores deriva do acto», esclarecendo, contudo, que tal conhecimento, na maioria dos casos, será provado com base em «elementos presuntivos», ou seja, a partir de factos indiciários que, segundo a experiência comum, permitam induzir esse conhecimento (cfr. o citado ac. do STJ de 26 de Maio de 1994).
Todavia, o mesmo autor (in R.L.J., ano 102, pág. 8) parece admitir – embora com certas reservas – a possibilidade de, nalguns casos, se equiparar à má fé a boa fé resultante de culpa grave do devedor, isto é, a possibilidade de se julgar de má fé o devedor que só por culpa grave não tenha consciência do prejuízo que causa ao credor. Em todo o caso, considera dificilmente extensível esta solução ao terceiro adquirente (ob. cit., pág. 10).
No presente caso, concordamos com a decisão recorrida quando afirma que a matéria de facto não permite confirmar a verificação deste requisito relativamente à 2.ª ré, não permitindo sequer afirmar que a ignorância desta quanto ao prejuízo causado ao autor se deva a culpa sua.
Na verdade, embora se tenha provado que, na data da celebração dos contratos de compra e venda aqui impugnados, a ré CC sabia da existência do crédito do autor (cfr. ponto 20 dos factos provados), não se provou que, nessas datas, a referida ré soubesse da situação de insolvência do réu BB, que aqueles negócios implicavam o início do processo de insolvência deste réu ou que as referidas vendas prejudicavam o autor ou qualquer outro credor (cfr. ponto 21 dos factos não provados).
Tal conclusão é corroborada pela não prova da factualidade descrita nos pontos 2 a 6 e 11 dos factos não provados.
Pelo exposto, na falência de um dos respectivos pressupostos legais, impõe-se concluir pela improcedência do pedido de impugnação pauliana em apreço.
c. Do crédito do autor sobre os réus, no valor de 52.500,00 € acrescido de juros de mora
O autor veio ainda pedir, subsidiariamente, só para o caso de improcederem os anteriores pedidos de declaração de nulidade ou de impugnação pauliana dos dois contratos de compra e venda celebrados entre os réus, a condenação destes no pagamento da quantia total de 52.500,00 €, referente ao valor do crédito do autor, acrescido de juros moratórios até efectivo e integral pagamento.
É totalmente incompreensível a dedução deste pedido a título subsidiário.
c.1. No que concerne ao 1.º réu porque, sendo a existência do crédito do autor um dos pressupostos da impugnação pauliana e, na própria versão do autor, o móbil do pacto simulatório e do intuito de o enganar e prejudicar, nos termos antes expostos, a procedência do pedido de condenação daquele réu a satisfazer o crédito do autor nunca poderá depender ou advir da improcedência dos pedidos de declaração de nulidade e de impugnação pauliana, sendo antes um pressuposto desses pedidos, pelo que apenas poderia ter sido deduzido a título principal.
Acresce que a causa de pedir apresentada pelo autor para sustentar este pedido, descrita nos artigos 90 a 100 da petição inicial, se reconduz à previsão do artigo 616.º, n.º 2, do CPC, ali expressamente invocada. Ora, como decorre com clareza da letra deste preceito e da doutrina citada na petição inicial a seu respeito, o mesmo não se aplica ao devedor alienante (no caso o 1.º réu), mas apenas ao adquirente de má fé (a 2.ª ré, na tese do autor), caso tenha entretanto alienado o bem que adquiriu ou este tenha perecido.
Seja como for, não se questiona que o réu seja responsável pelo pagamento do crédito pecuniário invocado pelo autor. Contudo, a condenação do réu a satisfazer esse crédito (já) não pode ser feita nestes autos.
Com a declaração da insolvência do 1.º réu, proferida por sentença datada de 04.10.2019, colocava-se naturalmente a questão da inutilidade superveniente da presente lide e da aplicação da doutrina do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 1/2014, invocado na sentença recorrida.
Mas esta discussão tornou-se estéril com o trânsito em julgado da sentença que reconheceu o crédito ali reclamado pelo aqui autor e que corresponde ao crédito cujo pagamento é pedido nesta acção, como decorre dos elementos documentais juntos a estes autos em 07.01.2021.
A este propósito afigura-se pertinente fazer uma breve alusão ao que o relator deste aresto escreveu em diferentes momentos temporais [cfr. “Os efeitos externos da insolvência – as acções pendentes contra o devedor”, in Revista Julgar, n.º 9 (Set./Dez. 2009), p. 173-187; “Efeitos da declaração de insolvência sobre os processos pendentes”, in Processo de Insolvência e Acções Conexas, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, Dezembro de 2014, disponível em: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/Processo_insolvencia_acoes_conexas.pdf; “Os efeitos da declaração de insolvência sobre as acções declarativas”, in Revista de Direito da Insolvência, n.º 0, Almedina, 2016, p. 75-89; “Os efeitos processuais da declaração de insolvência – as acções executivas e as acções declarativas pendentes”, in Processos Especiais dos Juízos de Comércio, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, Setembro de 2019, pp. 55 a 85, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_juizoscomercio2019.pdf], ainda que revendo uma das soluções preconizadas nos textos mais antigos.
O CIRE não regula de forma sistematizada os efeitos da declaração de insolvência sobre as acções declarativas em que o insolvente é réu. E compreende-se que não o faça, porque estas acções não colocam em crise, pelo menos de forma directa e imediata, o princípio par conditio creditorum, tal como não colocam em crise a eventual recuperação da empresa, ao contrário do que pode suceder com as acções executivas.
Mas isto não significa que aquelas acções não sejam afectadas por tal declaração. Assim como não significa que não existam pontos de contacto entre os diferentes efeitos externos da declaração de insolvência, os quais se enquadram num conjunto de mecanismos processuais com um propósito mais imediato: atribuir ao conjunto dos credores o poder de interferir na verificação do passivo, no apuramento do activo e na liquidação deste.
De harmonia com o disposto no artigo 128.º, n.º 5, do CIRE, «… mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento». Em consonância com este preceito, acrescenta-se no artigo 173.º do mesmo diploma que «[o] pagamento dos créditos sobre a insolvência apenas contempla os que estiverem verificados por sentença transitado em julgado», numa inequívoca alusão à sentença proferida no apenso de verificação e graduação de créditos ou de verificação ulterior de créditos (neste sentido, Luís Fernandes e João Labareda, 1.º volume, Lisboa 2005, p. 587).
Destas normas resulta que o reconhecimento judicial do crédito no âmbito de uma acção intentada pelo respectivo titular contra o devedor insolvente não tem força executiva no processo de insolvência. Só a sentença que, neste processo, julgar verificado esse crédito terá essa força. E isto é assim porque, como afirmámos, o legislador quis conferir a todos os credores a possibilidade de discutir o passivo do insolvente, na medida em que a verificação deste acaba por interferir com o grau de satisfação de cada um dos créditos. Coerentemente, atribuiu legitimidade a todos os interessados para impugnar os créditos reclamados, como resulta, entre outros preceitos, do disposto nos artigos 130.º (que disciplina a impugnação da lista de credores reconhecidos), 136.º, n.º 2 (respeitante ao reconhecimento dos créditos aprovados por todos os presentes na tentativa de conciliação), e 146.º (que regula a verificação ulterior de créditos ou de outros direitos).
Em contrapartida, as decisões proferidas no processo de insolvência têm força executiva dentro e fora deste processo, como resulta do disposto no artigo 233.º, n.º 1, al. c), do CIRE: «Encerrado o processo (…): Os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência».
Como vemos, o processo de insolvência gera títulos executivos cujo valor não se circunscreve àquele processo, entre eles se contando a sentença de verificação e graduação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, eventualmente em conjugação com a sentença homologatória do plano de insolvência, sendo certo também que as obrigações constituídas neste plano podem ter eficácia externa, como é expressamente assumido pelo legislador nos artigos 192.º, n.º 2, e 217.º.
No caso concreto, vimos que o crédito do autor já foi declarado por sentença já transitada em julgado, proferida nos autos de reclamação e graduação de créditos apensos ao processo onde foi declarada a insolvência do aqui 1.º réu, a qual está dotada de força executiva naquele processo de insolvência e fora dele.
Tal situação, mais do que gerar a inutilidade superveniente do pedido de condenação do réu no pagamento do mesmo crédito, impede a (re)apreciação desse pedido, por força do caso julgado da decisão anterior (e não da autoridade do caso julgado, como começámos por defender nos primeiros escritos acima citados), visto que, para além da identidade parcial de pedidos e causas de pedir – dizemos parcial, no sentido de que o pedido em apreço nestes autos, no que concerne ao 1.º réu, e a respectiva causa de pedir repetem parte dos pedidos e causas de pedir dos referidos autos de reclamação e graduação de créditos –, existe igualmente identidade parcial de sujeitos, pois a qualidade jurídica do aqui autor/credor e do aqui 1.º réu/devedor corresponde à qualidade jurídica do ali reclamante/credor e reclamado/devedor, sem prejuízo da intervenção de outros sujeitos processuais em ambas as acções.
Ora, nos termos do disposto nos artigos 576.º, n.º 2, e 577.º, al. i), o caso julgado configura uma excepção dilatória, obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância.
Nestes termos, ainda que com uma argumentação distinta, impõe-se manter a decisão de absolvição da instância do 1.º réu no que respeita a este pedido.
c.1. A dedução do pedido em apreço contra a 2.ª ré, também a título subsidiário, é igualmente incompreensível.
Já vimos que o mesmo se baseia no disposto no artigo 616.º, n.º 2, do CC. Ora, este normativo pressupõe a procedência do pedido de impugnação pauliana e não a sua improcedência. Paradoxalmente, o ora apelante deduziu aquele pedido apenas para a hipótese de improceder o pedido de impugnação pauliana.
Em todo o caso, é manifesta a improcedência do pedido em apreço. Desde logo porque não foi sequer alegado um dos pressupostos da aplicação do artigo 616.º, n.º 2, do CC: que a 2.ª ré tivesse alienado o imóvel que comprou ao 1.º réu ou que o mesmo se tivesse deteriorado. Por outro lado, a não verificação dos pressupostos da impugnação pauliana, designadamente a má-fé, sempre conduziria à improcedência da pretensão indemnizatória em apreço.
Nestes termos, sem necessidade de outras desenvolvimentos, concluímos pela improcedência do recurso interposto também nesta parte.
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IV. Decisão
Pelo exposto, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto julgam improcedente a apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.
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Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
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Porto, 14 de Dezembro de 2022
Artur Dionísio Oliveira
Maria Eiró
João Proença