Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0741840
Nº Convencional: JTRP00040477
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: PROCESSO LABORAL
TESTEMUNHAS
TELECONFERÊNCIA
Nº do Documento: RP200707040741840
Data do Acordão: 07/04/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 45 - FLS 64.
Área Temática: .
Sumário: As testemunhas residentes fora da área de jurisdição do tribunal, se a parte as não apresentar, poderão ser inquiridas (i) por carta precatória, desde que o juiz considere que o seu depoimento é necessário e a apresentação pela parte é economicamente incomportável (art. 67º, 1 do CPT); ou (ii) através do sistema de teleconferência (art. 623º, 1 do CPC), desde que a parte assim o requeira, não exigindo o legislador, neste caso, que a parte demonstre que a apresentação das testemunhas seja economicamente incomportável.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório.
Nos presentes autos de acidente de trabalho em que figuram como autor B………. e como ré, a Companhia de Seguros C………., SA, veio esta arrolar testemunhas, requerendo que as indicadas em 2 e 3 lugar, fossem inquiridas através do sistema de tele-conferência.
O Mmo. Juiz veio por despacho determinar que essas testemunhas “serão a apresentar uma vez que residem fora da jurisdição deste tribunal e não foi alegado que a sua apresentação pela parte fosse economicamente incomportável – cfr. art. 67.º/ 1 e 4, do Cód. Proc. Trabalho, ex vi do art. 131, n.º 2, do mesmo diploma legal.”
Inconformada com esse despacho dele recorre a ré, formulando as seguintes conclusões.
I. O presente recurso tem por objecto o despacho 24.10.2006, na parte em que determina que as testemunhas indicadas sob os nºs 2 e 3 de fls. 95 serão a apresentar.
II. Salvo o devido respeito, tal decisão não aplica correctamente a lei processual, daí o presente recurso.
III. A recorrente requereu que as aludidas testemunhas fossem inquiridas por videoconferência (fls.95).
IV. Não por carta precatória.
V. Todavia, o tribunal a quo decidiu que tais testemunhas teriam que ser apresentadas por não ter sido alegado que a sua apresentação pela parte fosse economicamente incomportável.
VI. O DL 183/2000, de 10 de Agosto, alterou o Código de Processo Civil (lei geral) mas não alterou o art. 67º do CPT (lei especial), que assim se manteve em vigor – art. 7º, nº3, CC.
VII. O DL 183/2000 veio introduzir no processo civil a possibilidade de se inquirir testemunhas por videoconferência.
VIII. Possibilidade que é inteiramente aplicável ao processo laboral, verificados os pressupostos da actual redacção do art. 623º, por força do art. 1º, nº 2., al. a) do CPT.
IX. Face ao exposto, a decisão recorrida interpreta erradamente o art. 67º do CPT, ao aplicá-lo à inquirição por videoconferência, quando, quanto a esta, vale a actual redacção do art. 623º do CPC, por força do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT.
X. O que deverá importar a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que determine a inquirição das testemunhas arroladas a fls. 95 sob os números 2 e 3 por videoconferência.

O autor, patrocinado pelo MP, contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Recebido o recurso foram colhidos os vistos legais.

2. Factos Provados.
Os do relatório.

3. Direito.
Com base no preceituado nos artigos 684, n.º 3 e art. 690, n.º s 1 e 3, do Código de Processo Civil[1], aplicáveis ex vi do art. 1, n.º 2, alínea a) e art. 87 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A única questão a apreciar neste recurso consiste em saber se é legítima a inquirição das testemunhas (2.ª e 3.ª) indicadas pela ré, através do sistema de tele-conferência.

No âmbito do processo do trabalho, a regra é a de que as testemunhas residentes na área de jurisdição do tribunal são notificadas (pelo tribunal) para comparecerem na audiência de discussão e julgamento, salvo o caso do art. 63, n.º 2 ou se a parte se comprometer a apresentá-las.

De acordo com o preceituado no art. 67, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT), a inquirição por carta só é ordenada se a testemunha residir fora da área da jurisdição do tribunal da causa e o juiz considerar que a apresentação pela parte é economicamente incomportável. Este o regime da carta precatória, que no seu essencial já provinha do preceituado no art. 62, do Código de Processo do Trabalho de 1981, onde a expedição da carta precatória estava dependente dum único requisito: “a convicção do julgador de que a apresentação da testemunha pela parte era economicamente incomportável.” Cfr. Alberto Leite Ferreira, Código de Processo do Trabalho Anotado, 4.ª Edição, Coimbra, 312.

No caso em apreço, como bem refere a recorrente, a mesma não requereu, porém, a inquirição das testemunhas mediante carta precatória, mas sim por teleconferência.

Como é sabido, a inquirição por teleconferência foi introduzida no processo civil através do DL 183/2000, de 10 de Agosto. No relatório preambular deste diploma se consignou que, “em virtude da introdução de aparelhos de teleconferência nos tribunais …as testemunhas e as partes residentes fora do círculo judicial ou da ilha são ouvidas na própria audiência através de teleconferência, salvo se a parte se dispuser a apresentá-las em tribunal … reforçando-se o princípio da oralidade.”

Afigura-se-nos que as razões que estiveram na origem da consagração da teleconferência no âmbito do processo civil, se fazem particularmente sentir no domínio do processo do trabalho. Neste âmbito vigoram, como é sabido, com particular incidência e de modo interligado, os princípios da imediação e da oralidade. Preconiza-se através do primeiro, que a discussão da causa e a produção da prova devem decorrer perante o tribunal ao qual compete proferir a decisão e, por via do segundo, que deve preferir-se o recurso à palavra falada, devendo os debates decorrer perante o juiz. A verificação do princípio da oralidade, garante, por seu lado, o princípio da imediação. Para além disso, é apanágio do processo do trabalho, como decorrência ainda daqueles princípios, a elasticidade em que o processo deve desenvolver-se, por via da qual, deve deixar-se às partes uma certa liberdade para escolher o momento e o modo da prática dos actos.
Ora, permitindo o sistema da teleconferência assegurar a verificação daqueles princípios, não faz qualquer sentido não utilizar o recurso a essa nova tecnologia, ou dificultar a sua utilização no âmbito do processo de trabalho.

Deste modo, porque com aquela alteração legislativa se não revogou o preceituado no Código de Processo do Trabalho – lei geral não revoga lei especial, excepto se for outra a intenção do legislador (art. 7, n.º 3, do Código Civil), que se não demonstra tenha existido - a propósito dos modos de inquirição das testemunhas, para além dos meios já consentidos pelo CPT, deve agora admitir-se a inquirição por teleconferência.
Assim:
- As testemunhas residentes na comarca, serão notificadas pelo tribunal (art. 66, n.º 1, do CPT);
- No que toca às testemunhas residentes fora da área de jurisdição do tribunal, se a parte as não apresentar, poderão as mesmas ser inquiridas a) por carta precatória, desde que, o juiz considere que o seu depoimento é necessário e a apresentação pela parte é economicamente incomportável (art. 67, n.º 1, do CPT) ou b) através do sistema de teleconferência (art. 623, n.º 1) desde que a parte assim o requeira - não exigindo o legislador, neste caso, que a parte demonstre que a apresentação das testemunhas seja economicamente incomportável.

É esta última hipótese a que se verifica nos autos, pois a ré limitou-se a requerer a inquirição por teleconferência.

Procedem, pois, as conclusões de recurso.

3. Decisão
Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro, a admitir a inquirição das testemunhas referidas por teleconferência, prosseguindo os autos seus trâmites normais.

Sem custas.

Porto, 4 de Julho de 2007
Albertina das Dores Nunes Aveiro Pereira
José Carlos Dinis Machado da Silva
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho

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[1] Serão deste diploma todas as referências normativas sem menção específica.