Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA | ||
Descritores: | ERRO NA FORMA DO PROCESSO NULIDADE PROCESSUAL | ||
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Nº do Documento: | RP201903087829/17.9T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/08/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 165, FLS.116-122) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O erro na forma do processo é uma nulidade processual, não é uma excepção dilatória. II - Verifica-se o erro na forma do processo quando o pedido formulado pela parte corresponde ao objecto específico de uma acção com processo especial e o autor deduz o seu pedido através de uma acção com processo comum. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Recurso de Apelação ECLI:PT:TRP:2019:7829.17.9T8PRT.P1 * ...........................................................Sumário: ........................................................... ........................................................... * Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:I. Relatório: B…, contribuinte fiscal n.º ………., residente no Porto, instaurou acção declarativa com processo comum contra C…, incapaz, contribuinte fiscal n.º ……….., residente no Porto, representado pelo seu tutor, D…, contribuinte fiscal n.º ………, residente no Porto, e, na sequência do seu óbito na pendência da acção, pelos seus herdeiros habilitados.A autora formulou contra o réu os seguintes pedidos: «a) ser declarado que o crédito do réu sobre a autora, decorrente do saldo aprovado a seu favor no processo de prestação de contas que correu termos sob o nº 850/07.7TJPRT-B da Instância Local do Porto, Secção Cível, J2, no valor de Euros 236.055,62, já se encontra totalmente pago; b) ser o réu condenado a pagar à autora a quantia de Euros 137.502,39, acrescida de juros de mora contados desde a citação até efectivo e integral pagamento». Alegou para o efeito que é filha do réu, o qual foi declarado interdito no processo n.º 590/08.0TJPRT, tendo a autora exercido durante algum tempo as funções de respectiva tutora, após o que foi substituída pelo irmão actual tutor. No dia 09/09/2003 a mulher do réu faleceu, para partilha de cuja herança correu termos processo de inventário n.º 850/07.7TJPRT, no qual a autora exerceu funções de cabeça de casal, administrando a herança entre Abril de 2008 e 31 de Maio de 2014. Por apenso ao processo de inventário, correu termos o processo de prestação de contas nº 850/07.7TJPRT-B, no qual foi proferida sentença, transitada em julgado em 22/09/2014, que homologou o acordo celebrado entre os interessados que estabeleceu, além do mais, a obrigação da cabeça-de-casal apresentar as contas do período entre 1/1/ 2013 e 31/05/2014, o que esta fez, após o que as mesmas foram igualmente aprovada por sentença proferida em 25/11/2014. Dessas contas resulta um saldo a favor dos herdeiros no montante de 377.688,98€, cabendo ao réu o valor de 236.055,62€. Desde o mês de Abril de 2008 até Maio de 2014, a autora assistiu e cuidou do seu pai, pagando todas as despesas da sua vida quotidiana, porque este carecia da prestação desses cuidados e acompanhamento por já não ser autónomo. Naquele período, a autora suportou e pagou despesas do réu no montante total de 373.558,01€, no pressuposto, aceite por todos os herdeiros, de virem a ser compensadas com o que o réu teria a receber das contas da administração da herança, razão pela qual na prestação de contas nº 850/07.7TJPRT-B estas contas foram prestadas e aprovadas por todos. A autora compensa o seu crédito sobre o réu com o crédito deste, reclamando agora o pagamento da diferença. O réu contestou a acção, alegando, além do mais e para o que para aqui releva, que a autora não é credora do réu porque jamais prestou contas da administração dos bens do réu, enquanto sua tutora, nos devidos termos processuais ou por qualquer outro meio. A autora não prestou contas no processo de interdição e também as não prestou por apenso ao processo de inventário n.º 850/07.7TJPRT, no qual apenas prestou contas pela administração da herança aberta por óbito de E… e pelo período em que exerceu funções de cabeça-de-casal. Após realização de audiência prévia, foi proferida sentença na qual se decidiu o seguinte: «Tudo ponderado, nos termos das disposições legais acima referidas e, ainda, ao abrigo do disposto nos arts. 278 nº 1 al. e), 577 e 578 do Código de Processo Civil, julgo procedente a excepção dilatória de inadequação do meio processual (erro na forma de processo) usado pela autora B…, absolvendo da instância o réu C…, representado pelo seu tutor, D…, todos com os demais sinais dos autos». Do assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: ………………………………………………………………………… ………………………………………………………………………… ………………………………………………………………………… Após os vistos legais, cumpre decidir. II. Questões a decidir: As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida se a pretensão da autora deve ser deduzida através de uma acção especial de prestação de contas, constituindo o uso da acção declarativa com processo comum um erro na forma do processo.III. Os factos: Não foram elencados na decisão recorrida mas podem-se considerar-se provados os seguintes factos:A. No processo de interdição n.º 590/08.0TJPRT foi o réu declarado interdito. B. A autora exerceu as funções de tutora do réu até ter sido substituída no cargo por D… por despacho judicial de 19/05/2014. C. Por apenso a esse processo não foi instaurado pela autora qualquer processo de prestação de contas da tutoria. D. Por óbito de E… correu termos o processo de inventário n.º 850/07.7TJPRT, requerido por D…, no qual exerceu funções de cabeça-de-casal a aqui autora B…. E. Por apenso a esse processo de inventário correu termos o processo de prestação de contas nº 850/07.7TJPRT-B. F. Nesse processo, a cabeça-de-casal apresentou as contas da sua administração da herança relativa ao período compreendido entre 1 de Abril de 2008 e 31 de Dezembro de 2012. G. Posteriormente, foi apresentado no processo o seguinte requerimento: «D…, B…, F… e G…, respectivamente requerente, requerida, interessado e curador nos autos supra identificados, vêm expor e requerer a V. Exa. o seguinte: 1. Requerente, Requerida e demais Interessados aceitam as contas já apresentadas pela Requerida na sua qualidade de cabeça-de-casal referentes à administração da herança por óbito da Sra. D. E…, ou seja, pelo período compreendido entre 1 de Abril de 2008 e 31 de Dezembro de 2012. 2. Consequentemente, Requerente, Requerida e demais Interessados, reconhecem e aceitam como válidos os valores apurados até essa data de 31 de Dezembro de 2012 no tocante às contas gerais da Herança, mais concretamente como sendo de €421.420,41 o valor total das receitas, de €134.013,68 o valor total das despesas, sendo o saldo a favor dos Herdeiros de €287.406,73. 3. O Requerente, a Requerida e demais Interessados reconhecem e aceitam ainda que as contas referidas no ponto 2. apenas se reportam ao período da administração da herança que esteve a cargo da Requerida, com início em 1 de Abril de 2008, assim não reflectindo os valores das receitas e das despesas decorrentes da administração da mesma herança desde a data da sua abertura, em 9 de Setembro de 2003, até 31 de Março de 2008. 4. A Requerida compromete-se a apresentar, até 30 de Junho de 2014, complementarmente às contas já apresentadas até 31 de Dezembro de 2012 e a partir dos saldos nessa data apurados e acima reconhecidos e validados, as contas da administração da herança no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2013 e 28 de Fevereiro de 2014, data esta em que transitou em julgado a sentença homologatória da partilha que operou a cessação das suas funções como cabeça-de-casal, e bem assim da administração que manteve de facto a partir de 1 de Março de 2014 até 31 de Maio de 2014, dos bens imóveis que foram da herança e que em virtude da referida sentença transitaram em regime de compropriedade para os até então herdeiros na proporção dos seus quinhões. 5. Paralelamente às contas a apresentar da administração da herança nos termos do ponto 4., compromete-se a Requerida, até 30 de Junho de 2014, a separar das contas da Herança e a processar de forma autónoma a relação das despesas documentadas que suportou com o herdeiro e interdito Pai de todos os interessados Sr. C…, para que, uma vez conferidas, as possa compensar com o valor que ao interdito caberá receber pela prestação de contas da herança e tendo cumulativamente em vista a realização da prestação de contas que lhe cabe realizar como tutora no processo de interdição n° 590/08.0TJPRT no qual pediu escusa de tais funções, tendo já sido nomeado, em sua substituição, o aqui Requerente C… por despacho de 19 de Maio de 2014. 6. Uma vez apresentadas e aceites por todos os Interessados as contas previstas no ponto 4., deverá a Requerida proceder aos pagamentos que forem devidos a cada um dos Interessados da administração da herança e dos bens comuns que lhes foram em partilha adjudicados em compropriedade, no prazo de 10 dias a contar da interpelação que cada um faça para que se proceda ao pagamento. […]». H. Sobre esse requerimento recaiu depois o seguinte despacho: «1. Nos presentes autos de prestação de contas que correm por apenso ao processo de inventário n.º 850/07.7TJPRT por óbito de E… em que é requerente D… e requerida a cabeça-de-casal B…, veio o referido requerente D…, a citada cabeça-de-casal B…, e ainda os interessados F… e G…, apresentar requerimento em 27 de Junho de 2014 (ref. 17227966), declarar expressamente aceitar as contas já apresentadas pela cabeça-de-casal referentes à administração da herança relativa ao período compreendido entre 1 de Abril de 2008 e 31 de Dezembro de 2012, aceitando como válidos os valores apurados até esta última data (ou seja €421.420,41 de receitas nesse período, €134.013,68 despesas, sendo o saldo a favor dos herdeiros no valor de €287.406,73). Assim sendo, julgo prestadas as contas relativas ao período em causa (1 de Abril de 2008 e 31 de Dezembro de 2012) – art. 941º e 947º Cód. Proc. Civil. […] 2. A fls. 2879 e ss., veio a cabeça-de-casal espontaneamente apresentar contas relativas ao ano de 2013 e parte do ano de 2014. Pese embora o período em causa saia do âmbito temporal abrangido por este processo (face ao teor do despacho de fls. 1485, que fixou o termo do período sujeito a prestação e contas para o final do ano de 2010), caso as mesmas contas não mereçam oposição não será recusada a sua apresentação e aprovação. Nesse circunstancialismo, notifique os restantes interessados do teor requerimento de fls. 2879 e 2880 a 2882 (conta-corrente) para se pronunciarem, querendo, facultando-se aos mesmos interessados a possibilidade de consultar na secretaria deste tribunal os 606 documentos juntos pela cabeça-de-casal relativamente a este mesmo período». I. Posteriormente, com data de 25/11/2014, foi proferida a seguinte decisão: «Na sequência do despacho de 04/07/2014, não tendo havido oposição às contas espontaneamente prestadas pela cabeça de casal, relativas aos anos de 2013 e parte do ano de 2014, consideram-se aceites tais contas e os valores nelas apuradas a título de despesas e de receitas, julgando prestadas as contas referentes ao mencionado período temporal em causa.» IV. O mérito do recurso: A decisão recorrida entendeu que na contestação o réu arguiu, «não expressamente», a «excepção inominada de inadequação do meio processual escolhido pela autora» e conhecendo dela absolveu o réu da instância por o processo enfermar da «excepção dilatória de inadequação do meio processual (erro na forma de processo)».Com todo o devido respeito, que é muito, e salvo melhor opinião, nem a ré arguiu o vício da nulidade por erro na forma de processo (o que de todo o modo seria irrelevante porque a nulidade é de conhecimento oficioso nos termos dos artigo 193.º e 196.º do Código de Processo Civil), nem esse vício teria como consequência a absolvição da instância do réu (o artigo 193.º do Código de Processo Civil determina que se mande observar a forma correcta, repetindo-se os actos necessários para que o processo se ajuste àquela forma), nem tal vício existe sequer. Lendo a contestação, afigura-se-nos ser suficientemente claro que o réu arguiu sim a falta de um dos pressupostos materiais da compensação reclamada pela autora. Isso mesmo resulta do alegado nos artigos 5.º e 6.º da contestação (…para que a compensação possa operar, mister será que o crédito de quem o invoca seja exigível judicialmente e não proceda contra ele excepção peremptória ou dilatória de direito material … como expressamente impõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 847º do C. Civil) e é depois reflectido em termos conclusivos no artigo 23.º do mesmo articulado (… inexistindo um crédito certo, líquido e exigível judicialmente e não sendo, consequentemente, válida a invocação da compensação, cai pela base a causa de pedir, com a inevitável improcedência da acção já no saneador). Mas vejamos se a forma de processo comum declarativo, escolhida pela autora, é a errada para a autora deduzir em juízo a sua pretensão por a esta caber sim a forma do processo especial de prestação de contas. O erro na forma de processo é um vício que se encontra definido e regulado na secção das nulidades processuais. Enquanto nulidade possui um regime próprio consagrado no artigo 193.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual o erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei. Trata-se, portanto, em primeiro lugar de um vício sanável através da prática dos actos necessários à recondução do processo à forma adequada, sanação essa que só será inviável nos casos em que face às especificidades da forma adequada e da forma até aí seguida não seja possível aproveitar os actos já praticados. Depois, trata-se de um vício que, excepto quando for insanável, não determina a nulidade de todo o processo uma vez que nos termos expressos do n.º 1 do artigo 186.º do Código de Processo Civil esta só ocorre quando for inepta a petição inicial. Por conseguinte, o erro na forma de processo também não é uma excepção dilatória, em cujo elenco se inclui de facto a nulidade de todo o processo (artigo 577.º, alínea b) do Código de Processo Civil) mas no que, como vimos, não está compreendido o erro na forma de processo. A forma de processo é o modo específico como o legislador definiu o modelo e os termos dos actos a praticar e dos trâmites a observar pelas partes e pelo tribunal com vista à aquisição adequada dos elementos de facto e de direito que permitem decidir uma determinada pretensão, podendo assim definir-se como a configuração da estrutura de actos e procedimentos a que deve obedecer a preparação e julgamento de determinado litígio. Na nossa legislação processual civil o autor não tem liberdade para escolher a forma de processo que julgue melhor servir os seus interesses, pelo contrário, se a sua pretensão couber dentro do âmbito de aplicação de determinada forma de processo é essa e apenas essa a que pode seguir a sua acção. No processo declarativo, existe a forma do processo comum, que é única (artigo 548.º do Código de Processo Civil) e existem formas de processo especial, que são diversas (artigo 549.º do Código de Processo Civil). O processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei, enquanto o processo comum se aplica a todos os casos a que não corresponda processo especial (artigo 546.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Consagra-se deste modo o princípio da especialidade das formas processuais. Por esse motivo, para saber qual é a forma do processo adequada à pretensão a deduzir, o caminho passa por determinar se esta se ajusta ao objecto de algum dos processos especiais previstos na lei, cabendo-lhe a forma de processo especial cuja finalidade seja precisamente essa pretensão ou a forma do processo comum se a pretensão não estiver compreendida nas finalidades específicas de nenhum processo especial. O elemento da acção fundamental para determinar a forma do processo é o pedido. O processo deve seguir a forma em cuja finalidade se integre o pedido formulado pelo autor. Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.01.2004, relatado por Fernando Samões, in www.dgsi.pt, «é em face da pretensão deduzida que se deve apreciar a propriedade ou inadequação da forma da providência solicitada. É o pedido formulado pelo autor ou requerente e não a causa de pedir que determina a forma de processo a utilizar em cada caso, conforme jurisprudência dominante ou até uniforme (cfr., entre outros, Ac. do STJ de 14/11/94, in http://www.dgsi.pt/jstj00025880)». No mesmo sentido pronunciou-se Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 288, afirmando que «Quando a lei define o campo de aplicação do processo especial respectivo pela simples indicação do fim a que o processo se destina, a solução do problema da determinação dos casos a que o processo é aplicável, está à vista: o processo aplicar-se-á correctamente quando se use dele para o fim designado pela lei. E como o fim para que, em cada caso concreto, se faz uso do processo se conhece através da petição inicial, pois que nesta é que o autor formula o seu pedido e o pedido enunciado pelo autor é que designa o fim a que o processo se destina, chega-se à conclusão seguinte: a questão da propriedade ou impropriedade do processo especial é uma questão, pura e simples, de ajustamento do pedido da acção à finalidade para a qual a lei criou o respectivo processo especial. Vê-se, por um lado, para que fim criou a lei o processo especial; verifica-se, por outro, para que fim o utilizou o autor. Há coincidência entre os dois fins? O processo especial está bem empregado. Há discordância entre os dois fins? Houve erro na aplicação do processo especial» (sublinhado nosso). Admitimos, no entanto, que complementarmente, mas apenas para melhor compreender e situar o pedido formulado, nos casos em que tal se mostre necessário, pode atender-se à causa de pedir para apurar qual deve ser a forma do processo. É o que defende, com inteira propriedade, Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, pág. 247, ao afirmar que «a forma de processo escolhida pelo autor deve ser a adequada à pretensão que deduz e determinar-se pelo pedido que é formulado e, adjuvantemente, pela causa de pedir. É em face da pretensão de tutela jurisdicional deduzida pelo autor que deve apreciar-se a propriedade da forma de processo, a qual não é afectada pelas razões que se ligam ao fundo da causa.» Exactamente porque é o pedido que determina a forma do processo e esta deve ser indicada pelo autor logo na petição inicial para permitir a correcta distribuição do processo, a forma do processo não depende da defesa que o réu venha a apresentar, das excepções que venha a alegar. Importa, por isso, não confundir a circunstância de poder resultar da defesa do réu que o autor devia formular outra pretensão, por outra via ou noutra sede, com a circunstância de a pretensão efectivamente deduzida pelo autor corresponder a uma forma de processo distinta da que escolheu. Neste caso estaremos perante um erro na forma de processo, no outro caso poderemos quando muito estar perante uma excepção (inominada) que conduzirá à improcedência do pedido do autor, não ao erro na forma do processo. De acordo com o artigo 941.º do Código de Processo Civil, “a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se». Os artigos 948.º e seguintes do Código de Processo Civil constituem um capítulo destinado especificamente às «contas dos representantes legais de incapazes e do depositário judicial». O primeiro desses artigos manda aplicar as disposições das contas em geral à «prestação espontânea de contas do tutor ou curador». O segundo reporta-se, por sua vez, à prestação forçada de contas pelo tutor ou curador. Como escreveu Alberto dos Reis, in Processos Especiais, Vol. I, pág. 303, “pode formular-se este princípio geral: quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses”. O mesmo autor, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 74.º, pág. 463, escreveu que o fim da acção de prestação de contas é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas de modo a obter um saldo e determinar se uma situação é de credor, ou de devedor do titular dos interesses geridos. Por outro lado, convém distinguir a obrigação de prestar contas da obrigação de as prestar através da acção judicial de prestação de contas. O recurso a uma acção judicial só é necessário se as contas não tiverem sido prestadas extrajudicialmente por quem as deve prestar e/ou não tiverem sido aceites por quem as pode exigir ou ainda, nos casos especiais em que a prestação de contas tem de ser feita obrigatoriamente por via judicial, designadamente por o credor das contas não possuir a capacidade de exercício de direitos que seria necessária para ele poder aceitar as contas. Se as contas tiverem sido apresentadas sem respeito pelas condições em que tal devia acontecer (designadamente a intervenção de quem tem legitimidade processual para intervir na prestação de contas e/ou a realização das diligências necessárias para o tribunal as poder julgar, mesmo não tendo havido contestação: v.g. artigo 948.º do Código de Processo Civil), o que resulta é que as contas prestadas são inválidas e não produzem efeitos jurídicos, pelo que poderá ser necessário que as mesmas sejam prestadas nos termos legais. Isto posto, podemos assentar em duas coisas básicas: se o objecto da acção for o de obter o apuramento e a aprovação das contas devidas pelo administrador de bens alheios, a forma de processo adequada à acção correspondente é a forma do processo especial de prestação de contas; se o objecto da acção não for esse, mas apenas, por exemplo, a condenação do demandado a cumprir uma obrigação pecuniária, a forma de processo adequada não é a acção de processo especial de prestação de contas, e muito provavelmente será a forma do processo declarativo comum. A pretensão da autora, consubstanciada nos seus pedidos, é o da condenação do réu a pagar-lhe uma determinada quantia pecuniária. Para o efeito, a autora alega que é devedora perante o réu de um valor relacionado com o saldo da administração da herança da falecida mulher do réu, e é credora do réu do montante das despesas que suportou para satisfação das necessidades pessoais do réu, pelo que operando a compensação dos créditos recíprocos se apura um saldo a favor da autora no montante em cujo pagamento ela pede a condenação do réu. Face aos pedidos que a autora formula na acção parece claro que a sua pretensão não se ajusta ao objecto daquela forma de processo especial. A autora, com efeito, não pretende obter o apuramento e a aprovação das contas da sua administração, pela singela razão de que ela considera que as mesmas …já foram prestadas (ainda que de forma irregular no âmbito da prestação de contas da administração da herança que desempenhou ao mesmo tempo que era tutora do réu e administrava o respectivo património). Se o foram ou não, se o foram mas não se observaram as condições legais necessárias para assegurar a respectiva validade, e quais as consequências jurídicas deste vício, é já algo que contende com a constituição ou vencimento do crédito que a autora reclama na acção (conforme, aliás, defende o réu na sua contestação), pelo que releva para efeitos do conhecimento do mérito da acção, não da sua forma processual. Agora colocando-se a autora na posição de quem já tendo prestado contas adquiriu validamente um crédito sobre o réu e pretendendo a condenação deste a pagar-lhe um saldo que resulta da compensação desse crédito com outro recíproco, a escolha da acção declarativa comum é a adequada para a dedução em juízo da pretensão correspondente (independentemente da sua viabilidade). Nessa medida, podemos concluir pela inverificação da nulidade processual do erro na forma do processo e pela necessidade de revogar a decisão recorrida. Esta conclusão prejudica a necessidade de analisar os outros argumentos avançados na decisão recorrida e contestados pela recorrente sobre os vícios da prestação de contas que a autora diz ter feito – e que por isso mesmo não pede – e sobre a exigibilidade do crédito da autora derivado do cuidado e auxílio que prestou ao réu por alegadamente constituir uma obrigação natural, porquanto tais argumentos, afinal de contas, se prendem já com o mérito da acção, não com os elementos determinantes da sua forma de processo, pelo que deverá ser decididas em devido tempo, não nesta sede. V. Dispositivo: Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida e determinam o prosseguimento dos autos segundo a forma de processo que lhe foi atribuída pela autora.Custas do recurso pelo recorrido. * Porto, 8 de Março de 2019.* Aristides Rodrigues de AlmeidaOs Juízes Desembargadores Inês Moura Francisca Mota Vieira [a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas] |