Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RAMOS LOPES | ||
Descritores: | DIREITO DE ACÇÃO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO NULIDADE DA DECISÃO AMBIGUIDADE E OBSCURIDADE CAUSA DE PEDIR | ||
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Nº do Documento: | RP202203083281/20.0T8PNF.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/08/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A apreciação e conhecimento de questão relativamente à qual à parte não foi facultada pronúncia importa a nulidade da decisão, por excesso de pronúncia (art. 615º, nº 1, d) do CPC), a invocar no recurso dela interposto. II - A obrigação de julgar a causa (proibição do non liquet), consagrada no art. 3º, nº 3 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, com expressão no art. 152º, nº 1 do CPC, que impõe que o juiz administre justiça não implica que ao juiz esteja vedado invocar outros argumentos para não julgar o mérito da causa, designadamente quando os pressupostos processuais não se encontrem preenchidos. III - A causa de pedir é constituída apenas pelos factos essenciais, ou seja, pelos factos necessários à individualização do pedido do autor. IV - O ónus de alegação da causa de pedir só é cumprido se a sua indicação for feita em termos claros, inequívocos e inteligíveis – ocorrerá ineptidão da petição (art. 186º, nº 2, a) do CPC) quando a indicação do acto ou facto essencial (destinado a individualizar a causa de pedir) seja feita em termos obscuros ou ambíguos (ininteligíveis), quando a alegação seja confusa, incompreensível ou indecifrável, impossibilitando que se apreenda a causa de pedir. V - Estando identificado com clareza e percetibilidade o fundamento da pretensão, tem de concluir-se pela admissibilidade do objecto da causa, não interessando neste âmbito apurar da sua fundamentação ou concludência – a ineptidão move-se no plano da admissibilidade da causa, não no âmbito da sua fundamentação ou concludência. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº 3281/20.0T8PNF.P1 Relator: João Ramos Lopes Adjuntos: Rui Moreira João Diogo Rodrigues * Apelantes (co-autores): C..., Ld.ª e AA.Acordam no Tribunal da Relação do Porto * Apelados (co-réus): Í..., Ld.ª, BB e CC. Juízo central cível ... (lugar de provimento de Juiz ...) - T. J. da Comarca .... * Intentaram C..., Ld.ª (enquanto 1ª autora) e AA (2º autor, e gerente daquela) a presente acção declarativa sob a forma de processo comum demandando Í..., Ld.ª (1ª ré), BB e CC (2ºs réus, administradores da 1ª ré), pedindo a condenação dos réus, a título de compensação por danos não patrimoniais, no pagamento de sessenta mil euros (60.000,00€), sendo quarenta e cinco mil euros (45.000,00€) à primeira autora e quinze mil euros (15.000,00€) ao segundo autor, valores acrescidos de juros até efectivo e integral pagamento. Alegam como fundamento da pretensão a seguinte factualidade (transcreve-se toda a parte narrativa da petição inicial): 1º- No início do ano de 2019, a 1ª autora e os 2º réus celebraram um contrato de parceria pelo qual habilitavam as pessoas que tivessem interesse a um processo de compra, predominantemente de bens imóveis, realizando para o efeito o pagamento de um determinado valor, o qual variava conforme as pessoas, a título de sinal de boa fé ou demonstração de um interesse seguro na aquisição dos bens. 2º- Assim foram realizadas as seguintes habilitações: a) no dia 10/10/2019 habilitou-se o Sr. DD, à compra de um veiculo automóvel de marca ..., modelo ..., b) no dia 10/10/2019 habilitou-se o Sr. DD à compra de um veiculo automóvel de marca ..., modelo ..., c) no dia 28/10/2019, habilitou-se o Sr. EE à compra de um veiculo automóvel de marca ..., modelo ..., d) no dia 15/11/2019, habilitou-se a Sr. FF à compra de um apartamento ..., ..., e) no dia 15/11/2019 habilitou-se a Sr. FF, à compra de um apartamento ..., ..., f) no dia 18/11/2019 habilitou-se a Í..., SA (representada pelo seu gerente CC) à compra de um apartamento ..., ..., e g) no dia 18/11/2019 habilitou-se Í..., SA (representada pelo seu gerente CC) à compra de um apartamento ..., .... Sem qualquer explicação, 3º- A 1ª ré não realizou qualquer diligência para a venda dos bens, ficou com o valor das habilitações e não presta informações a ninguém e nem devolve o dinheiro; 4º- A sociedade 1ª ré, inesperadamente, apropriou-se do valor pago pelos habilitantes e recusa-se a devolver, inventando desculpas, escusando-se a falar com as pessoas, faltando a reuniões, não atendendo os telefones, não prestando informações sobre o processo de aquisição, nada esclarece, etc; 5º- As pessoas que se habilitaram pensam - com toda a legitimidade - que foram burladas e que se tratou de um esquema fraudulento; 6º- Tal convicção não é apenas das pessoas directamente envolvidas, assim como, das pessoas que tiveram conhecimento da situação e assim consta na sociedade, na comunidade próxima, no meio comercial e no mercado onde se movimentam os autores que estes também gizaram o plano fraudulento, o que é absolutamente falso, pois jamais suspeitaram que tal seria a intenção dos réus. Aliás, 7º- A 1ª autora já devolveu todas - salientamos todas - as quantias que recebeu a título sinal das habilitações, ao contrário dos réus. 8º- Referem-se os réus, uma vez que a parceria foi realizada com a 1ª ré, sendo que os seus administradores é que organizaram o processo em nome da 1º ré, tendo sido as pessoas que tiveram a ideia do projecto, que organizaram o processo, que se reuniu com pessoas e que se terão apropriado do valor recebido pela sociedade. 9º- A mencionada situação mancha a 1ª autora (a empresa), no tocante ao seu prestígio, bom nome, reputação, confiança comercial necessária para estar no mercado, causando nefastos danos. 10º- A 1ª autora começou a ser vista como uma empresa fraudulenta, que servia de fachada para esquema ilícitos e assim perdeu toda a credibilidade comercial. 11º- A presente situação, narrada nesta petição, determinou que a 1ª autora perdesse totalmente o seu valor enquanto empresa, pois deixou de ter clientes e de conseguir prosseguir com o seu escopo, de conseguir levar a cabo a sua actividade comercial por ter sido ‘queimada’ no mercado. 12º- A 1ª autora avalia-se, enquanto empresa, no valor de 45.000,00€ (quarenta e cinco mil euros), tendo perdido pelos factos ora aduzidos esse valor, pois neste momento não tem qualquer valor comercial, antes pelo contrário tem desvalor. 13º- Mas mancha também o seu gerente, na pessoa do Sr. AA, que entretanto falou com as pessoas, que ‘deu a cara’, que se apresentou e que o associam a este esquema fraudulento, quando o mesmo nada tem a ver com seu fim, sempre pensando que se tratava de uma actividade verdadeira e que seria levada a cabo com os melhores propósitos, de uma forma séria, honrada e rigorosa. 14º- Em consequência da situação descrita, o 2º autor não consegue dormir com naturalidade, tem pesadelos, desenvolveu graves crises de ansiedade, tendo inclusivamente ataques fortes que o deixam muito combalido. 15º- O 2º autor não consegue sair à rua e sente-se profundamente envergonhado, tendo desenvolvido uma profunda psicose e fobia de estar com pessoas, encontrando-se a diligenciar para ser acompanhado psiquiatricamente. 16º- Devido à presente situação o 2º autor entrou numa profunda depressão, passando muitos dos seus dias na cama, sem ter vontade de se levantar ou conseguir falar com alguém e tendo inclusivamente graves crises de choro descontrolado. 17º- Imensas pessoas, quer sejam os habilitados quer sejam terceiras pessoas, entram em contacto com o 2º A. tendo este sido pressionado (como bem se compreende!) pelas pessoas, o que determinou uma ansiedade e danos emocionais muito graves. 18º- O segundo autor anda infeliz, sem ânimo, psicologicamente devastado, exclusivamente devido à presente situação e pensa que nunca mais vai conseguir recuperar a sua honra, bom nome, reputação, prestígio, honradez. 19º- O 2º autor pensa que foi ‘queimado’ e que nunca mais vai conseguir limpar a imagem, sendo sempre visto como um mafioso ou burlão, o que o deixa de rastos, sem vontade de fazer a sua vida e sem qualquer ânimo para nada. Ao invés, 20º- Aa 1ª ré é uma empresa, estruturada comercialmente, mas não actua sozinha sendo as pessoas dos seus administradores BB e CC, ora 2º réus, que engendraram este esquema levado a cabo pela empresa, no qual os autores acreditaram piamente e jamais suspeitaram do seu último objectivo. 21º- Os 2º réus terão retirado esse valor da sua empresa, ora 1ª ré, sendo que se algum valor não foi retirado para a conta pessoal dos administradores, sempre estes também do mesmo terão beneficiado em função de serem administradores e ser uma sociedade comercial, bem conhecendo os contornos do projecto ou do seu plano. 22º- É de salientar que foram os 2º réus que orientaram ou direccionaram a empresa nesse sentido, que praticaram os actos em seu nome, que tomaram esta decisão e determinaram o rumo a tomar da empresa e que com os seus actos particulares e concretos, adoptaram em nome da empresa, uma conduta ilícita geradora de responsabilidade por factos ilícitos. Apliquemos o Direito; 23º- A chamada responsabilidade civil extracontratual emergente da prática de actos ilícitos assenta no seguinte conjunto de pressupostos: o facto ou acto humano voluntário, por acção ou omissão; a ilicitude ou antijuridicidade do mesmo; a imputação do facto ao lesante ou agente, ou seja, a sua culpa; a ocorrência de um dano ou lesão; o nexo de causalidade entre o facto e o dano. 24º- Segundo o disposto no nº 1 do 483º do C. Civil, ‘aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.’ 25º- Nas acções de responsabilidade civil extra-contratual, a causa de pedir é complexa, como complexa é normalmente a situação de facto de onde emerge o direito à indemnização, pressupondo, segundo as circunstâncias, a alegação de matéria de facto relacionada com o evento, a ilicitude, a conduta culposa ou uma situação coberta pela responsabilidade objectiva, os prejuízos e o nexo de causalidade adequada entre o evento e os danos. 26º- O facto tem de ser ilícito, ou seja, o agente infringe um dever jurídico através da violação dos direitos subjectivos de outrem, de que são exemplo os direitos de personalidade. 27º- A culpa exigida pelo artigo 483°, n° 1 compreende o dolo e a negligência ou mera culpa, a falta de cuidado, a imprudência em face de determinados tipos de situação. 28º- Enquanto que a ilicitude consiste num juízo de censura sobre o próprio facto, na culpa, esse juízo de reprovação incide sobre o agente em concreto, o qual podia e devia, nas circunstâncias, ter agido de modo diverso. 29º- Quanto ao modo de apreciação da culpa, estipula o artigo 487° n° 2 que não deve atender-se in concreto à diligência habitual do autor do facto, mas in abstracto, ponderando as circunstâncias de cada caso e a diligência do homem médio, do bonus pater familiae. 30º- A obrigação de indemnização em geral consiste na restauração natural ou, quando tal se revele impossível ou excessivamente oneroso para o responsável, a compensação em determinada quantia monetária, com a finalidade última de colocar o lesado mais próximo da situação em que se encontraria no momento presente, como se o dano não se tivesse verificado (vd. artigos 562° e 566° n°s 1 e 2). 31º- Os danos não patrimoniais são aqueles que, pelo menos directamente, não são susceptíveis de avaliação pecuniária, reflectem valores de ordem moral, espiritual e, por isso, a obrigação de indemnização tem uma finalidade compensatória. 32º- Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artº 496º, nº 1). 33º- O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º (artº 496º, nº 3). 34º- Embora sejam insusceptíveis de avaliação pecuniária bastante para contrapor às dores e sofrimentos, uma situação que, se não anule, ao menos atenue ou minore, de modo significativo os danos dela provenientes. 35º- Relembremos o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo: 2404/16.8T8CSC.L1-8: Efectivamente, preceitua o nº 1 do artigo 496º do Código Civil que, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Trata-se de danos cuja dimensão não obedece aos critérios correntes de avaliação. O artigo 496º nº 1 limita-se a fornecer um critério com alguma elasticidade, mas inspirado numa razão objectiva, sobre a qual há-de assentar o juízo de equidade. Nessa perspectiva, só são atendíveis os danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Ora, um dano grave não é um dano exorbitante ou excepcional, mas é aquele que sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. É um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação. Mais, 36º- Na mesma senda: Para a dor moral ou psíquica é impossível estabelecer escalas peremptórias: dentro do critério da gravidade, seguir-se-ão os ensinamentos da experiência humana em termos de afectividade e sentimento, segundo um prudente arbítrio de indemnização. Importa, neste âmbito, encontrar o adequado quantitativo em dinheiro, através do qual se alcança um prazer de neutralizar a dor sofrida. Nestes danos interfere em especial a natureza e intensidade do sofrimento causado e a sensibilidade do lesado e duração da dor. Pese embora registar-se uma evolução positiva na jurisprudência quanto aos montantes que ultimamente se têm fixado para ressarcir o lesado vítima de danos não patrimoniais, são ainda insuficientes e continuam a pecar, por defeito, com indemnizações muito baixas. A compensação por danos não patrimoniais visa facultar ao lesado uma importância em dinheiro que seja adequada a propiciar alegrias, satisfações e bem-estar que lhe apaguem da memória o sofrimento físico ou moral, a dor espiritual e física, a vergonha que lhe foi provocada pelo evento danoso, quer seja passado, presente ou mesmo futuro. A indemnização por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico. A satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão, antes visa proporcionar ao lesado situações ou momentos de prazer ou de alegria, bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade da dor pessoal sofrida. Sem embargo do recurso a critérios pautados por um maior grau de objectividade, a solução da equidade, cujo prudente uso foi confiado pelo legislador aos tribunais que apreciam a matéria de facto, pode assentar na razoável ponderação dos elementos estruturais resultantes da matéria de facto provada. A equidade não se confunde com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro objectivismo do julgador. A reparação judicial dos danos não patrimoniais, ou seja, o montante indemnizatório ao ser fixado equitativamente, deverá ter em consideração as circunstâncias apontadas no artigo 496º nº 3 do Código Civil, e deve aproximar-se, quanto possível, dos padrões seguidos pela jurisprudência tendo em conta as flutuações da moeda e deve ser actual, aplicando-se aqui igualmente a regra do artigo 566º do Código Civil, que manda atender à data mais recente em que o facto é apreciado pelo tribunal. 37º- Os réus cometeram um acto ilícito (apropriaram-se sem fundamento e em acto contrário à lei do dinheiro de terceiros, os quais terão sido enganados, fazendo-o seu, portanto em seu ilegítimo benefício), causando um resultado danoso (pois devido a parceria devastaram os autores), com o inerentes nexo causal (pois foi a atitude dos réus que determinou - e na sua consequência - a formação dos graves danos descritos), e assim, em resultado da vontade livre e voluntária dos réus e com grave culpa (nexo de imputação psicológica), pois tinham intenção e motivação para praticar os actos que praticaram com o objectivo de causarem danos a terceiros necessários para obter a sua vantagem patrimonial. 38º- A 1ª autora reclama o valor de 45.000,00€ (quarenta e cinco mil euros), acrescidos de juros até efectivo e integral pagamento, sendo o valor que se atribui à empresa e que terá sido efectivamente o dano causado, cuja compensação, pela presente demanda se pretende. 39º- O 2º autor reclama o valor de 15.000€ (quinze mil euros), acrescidos de juros até efectivo e integral pagamento, a título de compensação pelos danos não patrimoniais causados. Os réus contestaram, pugnando pela improcedência da acção e sua consequente absolvição do pedido, invocando a litigância de má fé dos autores, deduzindo reconvenção a 1ª ré, pedindo a condenação solidária dos autores reconvindos a restituir-lhe a quantia de 36.100,00€ (trinta e seis mil e cem euros), acrescida de juros de mora. Alegam como fundamento da defesa e da pretensão reconvencional (transcreve-se a parte narrativa do articulado): 1º- Não correspondem à verdade os factos vertidos nos arts.º 2º, 3º, 4º, 6º, 8º e 37º, que se impugnam. 2º- A ré desconhece se são verdadeiros ou não os factos vertidos nos arts.º 5º, 7º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, da petição inicial que se impugnam. 3º- Os autores alegam e deturpam factos relevantes para a decisão da causa 4º- E que sabem não corresponderem à verdade. Vejamos, 5º- Foi o 2º autor, AA, quem abordou os réus, para a criação da parceria referida no art.º 1º da petição inicial e não foram os réus quem abordaram os autores para a criação da referida parceria. 6º- O 2º autor transmitiu aos réus que teria conhecimentos privilegiados junto de Tribunais onde decorreriam processos de execução e insolvência 7º- e que tais conhecimentos permitiriam a aquisição de bens imóveis e móveis em bom estado e com preços abaixo do valor de mercado. 8º- O 2º autor transmitiu aos réus que existiria um ‘Dr. GG’ que lhe transmitia quais os bens imóveis e bens móveis que estariam com um preço de aquisição abaixo do valor de mercado. 9º- A forma como os réus iriam atuar era muito simples: - o 2º autor comunicava aos réus quais os bens que seriam interessantes e os réus tratariam de arranjar compradores interessados nesses bens. 10º- Pela angariação que efetuassem a 1ª ré receberia uma comissão, por parte dos autores. 11º- Os réus seriam meros intermediários. 12º -Para assegurar o ‘eventual negócio’ os potenciais compradores tinham que assinar um documento intitulado de ‘habilitação’, no qual efetuariam uma transferência bancária de um determinando valor para a 1ª ré. 13º- E esta efetuaria esse valor para uma das duas sociedades comerciais por quotas nas quais o 2º autor é sócio e gerente: - a sociedade comercial por quotas identificado como 1ª autora, - ou a sociedade comercial por quotas ‘L... Lda.’ sociedade comercial por quotas NIPC ... com sede na Rua ..., ..., ... .... 14º- O 2º autor comunicou aos réus que esta seria a forma de assegurar a realização da aquisição do bem pretendida 15º- E para que pudesse transferir um determinado valor ao tal ‘Dr. GG’ para que se assegurasse a realização do negócio. 16º- Assim o fez a 1ª ré. Importa referir o seguinte, 17º- O 2º autor AA comunicava com o 2º réu, através da aplicação para telemóvel denominada de ‘WhatsApp’. 18º- Fazia-o utilizando o seguinte número de telefone: ....7. 19º- Era através dessa aplicação que comunicava ao 2º réu os bens a ‘habilitar’. 20º- Vejamos algumas transcrições de conversas via ‘WhatsApp’ que se realizaram entre o 2º autor e o 2º réu: ‘- 12/08/19, 18:32 - BB: Preciso dos preços dos imóveis. Ok??? 2/08/19, 19:41 - AA. ... E ...: Guest housse s lazaro 4900 outro ... pinto 595 12/08/19, 19:47 - AA. ... E ...: Mas quando o tribunal abrir eu consigo baixar os preços 14/08/19, 11:13 - BB: Bom dia. Dos imóveis quando é que se pode avançar???? 14/08/19, 11:30 - AA. ... E ...: Quanto mais depressa melhor menos tempo para os ter 9/08/19, 12:46 - BB: Amigo. Quando tenho a habilitação para ver os carros? 19/08/19, 14:07 - AA. ... E ...: Amigo está tudo no nosso grupo ainda hoje e enviada 19/08/19, 16:00 - BB: Ok. Meu amigo. Aguardo. 19/08/19, 21:24 - AA. ... E ...: A habilitação sera enviada ainda hoje com data de 21 19/08/19, 21:32 - BB: Ok. 19/08/19, 21:34 - BB: Obrigado. 08/09/19, 11:18 - BB: Amigo. Envie ao marco as informações do ... e do 991. Obrigado 08/09/19, 17:47 - BB: ... 09/09/19, 13:37 - AA. ... E ...: ... (ficheiro anexado) 09/09/19, 13:47 - AA. ... E ...: IMG-...09-WA0001.jpg (ficheiro anexado) 09/09/19, 13:47 - AA. ... E ... (ficheiro anexado) 09/09/19, 13:47 - AA. ... E ... (ficheiro anexado) 09/09/19, 13:47 - AA. ... E ...: IMG-....9-W…..jpg (ficheiro anexado) 09/09/19, 13:47 - AA. ... E ...: ... (ficheiro anexado) 09/09/19, 13:47 - AA. ... E ...: IMG-....9-W…..jpg (ficheiro anexado) 09/09/19, 13:47 - AA. ... E ...: ... (ficheiro anexado) 09/09/19, 13:47 - AA. ... E ...: ... (ficheiro anexado) 09/09/19, 13:47 - AA. ... E ... (ficheiro anexado) 09/09/19, 14:10 - BB: Ok. 09/09/19, 14:11 - BB: Falta preço 09/09/19, 14:12 - BB: Dos porsches tem fotos e preços?? 09/09/19, 14:13 - AA. ... E ...: So mais logo quando estiver com emp tribunal 09/09/19, 14:14 - BB: Ok. Tranquilo. 09/09/19, 14:14 - BB: Só não quero que esqueça. 09/09/19, 14:14 - AA. ... E ...: Nem pensar 09/09/19, 14:14 - BB: Quanto tiver isso tudo envie. 09/09/19, 14:15 - AA. ... E ...: Ok 07/10/19, 18:49 - AA. ... E ... ….-1_..16.doc (ficheiro anexado) ...- FACHADAS …-._...6 07/10/19, 18:49 - AA. ... E ...- HH E II (ficheiro anexado) ...- HH E II- 1_..29 11/10/19, 12:30 - AA. ... E ...: ... (ficheiro anexado) ... 11/10/19, 12:32 - AA. ... E ...: IMG-...11-WA0001.jpg (ficheiro anexado) … 11/10/19, 14:54 - AA. ... E ...: ... (ficheiro anexado) 12/10/19, 15:51 - AA. ... E ...: ... (ficheiro anexado)’ Desta forma, 21º- Era o 2º autor quem indicava ao 2º réu quais os bens que estariam disponíveis para venda. 22º- A 11 de outubro de 2019, pela ‘... com entrega de caução’ de um ... de 2015, a 1ª ré transferiu a quantia de €5.600,00 (cinco mil e seiscentos euros) para a conta bancária com o ... ..., que o 2º autor lhe indicou como sendo a conta bancária da sociedade comercial por quotas ‘L... Lda.’ sociedade comercial por quotas NIPC ..., na qual é sócio gerente. 23º- A 11 de outubro de 2019, pela ‘... com entrega de caução’ de um ..., a 1ª ré transferiu a quantia de €4.400,00 (quatro mil e quatrocentos euros) para a conta bancária com o ... ..., que o 2º autor lhe indicou como sendo a conta bancária da sociedade comercial por quotas ‘L... Lda.’ sociedade comercial por quotas NIPC ..., na qual aquele é sócio gerente. 24º- A 11 de outubro de 2019, pela ‘... com entrega de caução’ de um ..., a 1ª ré transferiu a quantia de €5.600,00 (cinco mil e seiscentos euros) para a conta bancária com o ... ..., que o 2º autor lhe indicou como sendo a conta bancária da sociedade comercial unipessoal por quotas ‘C... Unipessoal Lda.’ sociedade comercial por quotas NIPC ... – 1ª autora – na qual aquele é sócio gerente. 25º- A 18 de novembro de 2019, pela ‘... com entrega de caução’ de um imóvel, apartamento ..., em ... com a refª ..., a 1ª ré transferiu a quantia de € 12.250,00 (doze mil duzentos e cinquenta euros) para a conta bancária com o ... ..., que o 2º autor lhe indicou como sendo a conta bancária da sociedade comercial unipessoal por quotas “C... Unipessoal Lda.” sociedade comercial por quotas NIPC ... - 1ª autora - na qual aquele é sócio gerente. 26º- A 18 de novembro de 2019, pela ‘... com entrega de caução’ de um imóvel, apartamento ..., ..., a 1ª ré transferiu a quantia de € 8.250,00 (oito mil duzentos e cinquenta euros) para a conta bancária com o IBAN PT ..., que o 2º autor lhe indicou como sendo a conta bancária da sociedade comercial unipessoal por quotas ‘C... Unipessoal Lda.’ sociedade comercial por quotas NIPC ... - 1ª autora - na qual aquele é sócio gerente. 27º- Por causa das referidas ‘habilitações’ a 1ª ré transferiu para a sociedade comercial por quotas L... Lda. a quantia total de €10.000,00 (dez mil euros). 28º- Por causa das referidas “habilitações” a 1ª Ré transferiu para a 1ª Autora a quantia total de €26.100,00 (vinte e seis mil e cem euros). Sem prescindir que, 29º- Da análise dos documentos juntos pelos autores na petição inicial verifica-se que as ‘habilitações’ foram realizadas entre determinados indivíduos e entidades e a 1ª ré. 30º- Da análise dos documentos nº 1 e 2, datados de 10 de outubro de 2019, juntos pelos autores, onde se efetua as habilitações de compra com entrega de caução de um modelo ... azul escuro de 2015 e de um ... ano 2014, consta o carimbo da sociedade comercial por quotas ‘L... Lda.’ 31º- Sociedade essa que foi dissolvida e liquidada em 2017.09.26, conforme apresentação AP. ...26. 32º- Como os autores nunca mais concluíam as compras e vendas com a 1ª ré, os réus descobriram que os ... que estavam a ser vendidos pelo 2º autor, estavam à venda em ... de automóveis especializados e por preços bem superiores aos anunciados. 33º- Descobriram que o tal ‘Dr. GG’ não existia 34º- E que os imóveis que supostamente estariam a ser comercializados, estavam a ser vendidos por preços muitos superiores aos mencionados e que os verdadeiros vendedores, não conheciam o 2º autor. 35º- Foi o 2º autor quem ludibriou os aqui réus e não o contrário. 36º- Foi o 2º autor quem indicou as contas bancárias das sociedades comerciais para onde deveriam ser efetuadas as transferências bancárias das habilitações. 37º- Sociedades comerciais essas em que uma é controlada por si e a outra se encontra dissolvida e liquidada. 38º- Foi o 2º autor quem agiu ilicitamente. 39º- Até à presente data, apesar das interpelações efetuadas pelos réus, os autores ainda não devolveram as quantias transferidas pela 1ª ré por causa das ‘habilitações’. Da Litigância de Má Fé 40º- Os autores litigam com má-fé. 41º- Atuam com dolo ou negligência grave. 42º- Nos presentes autos, o pedido visa o pagamento de quantias que já receberam. 43º- Os autores utilizaram uma sociedade comercial dissolvida para receberem quantias sobre compras e vendas de bens que sabia que não iriam ser concluídas, 44º- Sobre bens que não lhe pertenciam, 45º- Sobre os quais não detinham a posse, nem tinham acesso, 46º- Utilizando como estratagema um eventual contacto na justiça portuguesa. 47º- Os autores alegam e deturpam factos relevantes para a decisão da causa, 48º- que sabem não corresponderem à verdade. 49º- E imputam factos aos réus que foram praticados por si. 50º- Os autores deduzem a sua pretensão em termos cuja falta de fundamento não podem nem devem ignorar, 51º- devendo, por isso, ser condenada como tal no pagamento de uma multa, que deve ser fixada em valor não inferior a €10.000,00 (dez mil euros) 52º- e ainda no pagamento de uma indemnização aos réus, correspondente ao reembolso das despesas que estes têm de suportar com o processo, incluindo os honorários com o seu mandatário, por causa da litigância de má fé dos autores, cujo montante nunca será inferior a €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros). Reconvenção: 53º- Dispõe o art.º 36º nº 2 do Código das Sociedades Comerciais, o seguinte: ‘1- Se dois ou mais indivíduos, quer pelo uso de uma firma comum quer por qualquer outro meio, criarem a falsa aparência de que existe entre eles um contrato de sociedade responderão solidária e ilimitadamente pelas obrigações contraídas nesses termos por qualquer deles. 2- Se for acordada a constituição de uma sociedade comercial, mas, antes da celebração do contrato de sociedade, os sócios iniciarem a sua actividade, são aplicáveis às relações estabelecidas entre eles e com terceiros as disposições sobre sociedades civis.’ 54º- A 1ª reconvinte transferiu a quantia total de €36.100,00 (trinta e seis mil e cem euros) para as ‘sociedades comerciais’ detidas pelo 2º autor: - €10.000,00 (dez mil euros) para a sociedade comercial por quotas ‘L... Lda.’ - €26.100,00 (vinte e seis mil e cem euros para a 1ª autora 55º- Quantias essas que visavam a realização de compras e vendas de bens que nunca se realizaram, nem poderiam acontecer. 56º- Sendo que uma delas se encontra dissolvida e liquidada e é o 2º autor responsável pelo pagamento das quantias transferidas. 57º- Interpelados para restituírem as quantias transferidas os autores não o fizeram. Replicaram os autores, sustentando que os negócios alegados na contestação concernem a negócios jurídicos distintos dos que servem de fundamento à acção, invocando a inadmissibilidade da reconvenção e bem assim a ilegitimidade passiva (parcial) dos reconvindos, mantendo que os negócios alegados na petição importaram a transferência do valor global de 64.450,00€ que os réus não devolveram aos habilitantes (incumprimento que gerou má fama dos autores no seio empresarial), invocando ainda a litigância de má fé dos réus. Findos os articulados, foram os autores convidados a completar a ‘petição inicial, concretizando, mediante a alegação das obrigações recíprocas, os termos do contrato de parceria assim singelamente referido no articulado inicial (que, não se prefigurando como um contrato legalmente típico, não pode haver-se como integrado por referência a qualquer regime legal), aduzindo em que termos, acordados, eram feitas as entregas do ‘sinal’ pelos futuros adquirentes ou interessados, quais as condições acordadas para a transferência deste (se era ou não retida alguma comissão pelo ‘angariador’) quem e como indicava os bens passíveis de venda, qual o prazo estabelecido para a formalização da venda’, suprindo tais apontadas deficiências/insuficiências ‘na alegação da matéria de facto que se constitui como essencial à causa de pedir invocada’, sob pena de serem os réus absolvidos da instância, ‘por falta de alegação de factos essenciais/estruturantes da causa de pedir.’ Para dar cumprimento ao convite, apresentaram os autores articulado em que alegaram (transcreve-se a parte narrativa do articulado): 1.º Os contratos de habilitação, juntos aos autos na Petição Inicial, eram redigidos pelos réus. 2.º De seguida, eram apresentados ao 2.º autor, que assinava. 3.º Os réus recebiam os valores designados na habilitação por via de transferência bancária. 4.º O primeiro dos habilitantes a assinar contrato-promessa de compra e venda seria aquele que viria, efetivamente, a formalizar a compra e venda do bem habilitado. 5.º O 2.º autor nunca conheceu os habilitantes. 6.º A única intervenção do 2.º autor consistia na designação dos bens a habilitar. 7.º O 2.º autor tem conhecimentos em agências imobiliárias e em stands automóveis, relativos a amizades de longa data. 8.º Através dos quais conseguia informações sobre os imóveis e automóveis, respetivas condições e preços. 9.º O 2.º autor tinha um acordo com os seus contactos nas imobiliárias e stands por via dos quais receberia entre 3% a 3,5% da percentagem do valor do negócio. 10.º Sabendo disso, o 2.º réu indicou que poderia ajudar na venda dos bens através de contratos de habilitação. 11.º Pelo que, o 2.º autor passou a comunicar ao 2.º réu, via correio eletrónico ou mensagens, os bens a serem habilitados. Não obstante, 12.º Nunca foi acordado entre as partes que os réus receberiam comissão sobre o negócio, fosse a que título fosse. 13.º O 2.º autor não fazia publicidade sobre as habilitações, mas os réus sim, passando a palavra aos seus conhecidos 14.º Mais tarde, o 2.º autor veio a aperceber-se, através de uma cliente, que o interesse dos réus no negócio era que os habilitantes lhes pagassem uma comissão de 5% sobre o valor da venda. 15.º O 2.º autor desconhece, portanto, o valor final dos bens habilitados para a escritura pública de compra e venda. 16.º O 2.º autor sabe apenas que eram os réus que, depois da escritura, ainda queria mais 5%. 17.º Encontrava-se estipulado que se a escritura de compra e venda não se concretizasse, o valor transferido pelo habilitante seria integralmente devolvido. 18.º Contudo, o 2.º autor apercebeu-se que tal não estava a ser cumprido. Cumprido o contraditório, foram as partes convidadas a pronunciar-se sobre a verificação de excepção dilatória típica, geradora de ineptidão do articulado inicial, e, por isso, de absolvição da instância, a saber, a ininteligibilidade da causa de pedir, pela omissão da alegação de factos estruturantes da pretensão, em termos compreensíveis (vício não sanado nos termos do art. 186º, nº 3 do CPC) – despacho em que também foi indeferido o pedido reconvencional. Pronunciaram-se os autores, defendendo a clareza e transparência da causa, mais solicitando que assim não se entendendo, fossem ‘colocadas todas as questões geradoras de dúvidas’, para que pudessem ser esclarecidas cabalmente. Foi proferido despacho que dispensou a realização da audiência prévia, fixou o valor da causa e considerou ser inepta a petição inicial (por ininteligibilidade da causa de pedir – não suprida nos termos do art. 186º, nº 3 do CPC), causadora da nulidade de todo o processo, excepção dilatória determinante da absolvição dos réus da instância, que decidiu. Apelam os autores, pretendendo a revogação da decisão e o prosseguimento dos ulteriores termos da causa, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: A- Perante a descrição dos Articulados apresentados nos autos, melhor referenciados em sede de Allegatio do presente Recurso, não se compreende o que o Tribunal a quo não compreende, já que todas as dúvidas foram cabalmente esclarecidas, designadamente como cabia aos RR. a angariação de clientes, de que forma a não restituição do dinheiro afeta a reputação dos AA. e, consequentemente, como tal conduta fundamenta a pretensão dos AA. B- Ora, de forma objetiva, parece-nos evidente que, tendo os AA. esclarecido detalhadamente os termos da parceria, compreende-se que, se uma pessoa tem uma parceria, indica pessoas, promove um negócio e o seu parceiro burla os Clientes indicados, que a pessoa sofreu danos indemnizáveis. C- Por outra banda, não se compreende, igualmente, como afirma o Tribunal a quo não se aplicar o art. 186.º, n.º 2 do C.P.C. "uma vez que a relação alegada pelos RR. na contestação vem ser toda uma outra, a determinar a insuperabilidade do detetado vício", desde logo porque os RR. contestaram uma concreta petição, com factos concretos e objectivos, não se puseram a alucinar e a falar de assuntos que não cabiam no presente objecto judicial ou nesta demanda, razão pela qual se deixa expressamente arguida a violação do aludido disposto, para e com os necessários e advindos efeitos legais. D- Tanto que, conforme melhor descrito no Articulado ínsito no artigo 3.º da … do presente Recurso, os AA. clarificaram todas as questões suscitadas pelo Tribunal a quo, mormente: quem redigia os contratos de habilitação, como se processava a tramitação da mesma, quem assinava os documentos, se estariam inerentes comissões aos negócios em causa, se sim, de que valores e o destino dos montantes recebidos dos habilitantes, assim como os danos causados na imagem, bom nome e consideração dos AA. E- De acordo com a afirmação do Tribunal a quo, quer o mesmo dizer que bem percebeu a relação invocada pelos AA., tanto que diz que a relação que os RR. invocam é outra, mas, ainda assim, abstém-se de a julgar, pelo que estamos em face de uma violação do princípio de proibição de non liquet, nos termos plasmados do n.º 1, do art. 8.º do nosso Código Civil, que se deixa expressamente arguida, para e com os necessários e advindos efeitos legais. F- Ao mesmo tempo, também o despacho sentença comporta uma decisão surpresa e, assim, na violação do art. 3.º, n.º 3 do C.P.C., pois se o Tribunal tem dúvidas e se as mesmas são esclarecidas, os AA. legitimamente pensam que esclareceram essas dúvidas ou, se ficou algo por esclarecer, que com certeza vão ser informados concretamente do quê, o que não sucedeu, pois, o Tribunal a quo afirma que não compreendeu e simplesmente absolve da instância. G- In terminis, a inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico, mesmo que adjetivo. Não foram apresentadas contra-alegações. * Colhidos os vistos, cumpre decidir.* Considerando as conclusões da apelação (por estas se delimita o objecto do recurso, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso), são as seguintes as questões a decidir:Do objecto do recurso - a nulidade da decisão por violação do contraditório (por se traduzir em decisão surpresa), - a violação do non liquet, - a ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade da causa de pedir, - a sanação do vício (a verificar-se a ineptidão por ininteligibilidade da causa de pedir), nos termos do art. 186º, nº 3 do CPC. * Argumentam os apelantes que a decisão apelada se consubstancia em decisão surpresa (violadora do contraditório estabelecido no art. 3º, nº 3 do CPC) – tendo o tribunal dúvidas sobre a matéria factual alegada, não tendo as mesmas sido esclarecidas, esperavam legitimamente os autores apelantes ser informados, em concreto, sobre os pormenores não esclarecidos, o que não aconteceu.FUNDAMENTAÇÃO * A. Da nulidade da decisão por violação do contraditório. Reconhece-se que a apreciação e conhecimento de questão relativamente à qual à parte não foi facultada pronúncia importa a nulidade da decisão, por excesso de pronúncia (art. 615º, nº 1, d) do CPC), a invocar no recurso dela interposto[1] - o cumprimento do contraditório, genericamente plasmado no art. 3º do CPC (onde se prescreve não poder o tribunal decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem) é pressuposto ou condição necessária para que o tribunal possa apreciar e decidir qualquer questão que lhe cumpra conhecer (e assim que ao conhecer de questão sem prévia pronúncia das partes estará o tribunal a apreciar questão que não podia, nessas condições, conhecer). O princípio do contraditório, exigência postulada pelo princípio do processo justo e equitativo (art. 20º da CRP), possui conteúdo multifacetado: traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado desses provas[2], tem ínsito o reconhecimento do direito da parte à sua audição antes de ser tomada qualquer decisão[3]; o seu âmbito não está tanto (tal como era tradicionalmente entendido) na garantia de uma discussão dialéctica entre as partes ao longo do desenvolvimento do processo[4], antes em garantir à parte a possibilidade de influenciar decisão concernente aos seus interesses – o seu escopo principal e enformador deixou ser a ‘defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo’[5] – entendimento amplo do contraditório sufragado pela jurisprudência constitucional, que o reconhece ‘«como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão»’[6]. Constata-se, porém, que na situação dos autos não foi aos apelantes coarctada a possibilidade de influenciarem a decisão, mais especificamente, a possibilidade de se pronunciarem sobre a verificação do vício da ineptidão da petição inicial, gerador da nulidade de todo o processo – efectivamente o tribunal a quo, previamente ao proferimento da decisão apelada, convidou as partes (autores e réus) a pronunciarem-se sobre a verificação da ineptidão da ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade da causa de pedir (omissão de alegação de factos estruturantes da pretensão, em termos compreensíveis, vício não sanado nos termos do art. 186º, nº 3 do CPC), tendo-se os autores pronunciado pela não verificação do vício. No convite que lhes dirigiu para que se pronunciassem sobre a verificação do vício (nulidade de todo o processo), o tribunal expôs às partes os termos em que entedia colocar-se a questão que iria apreciar e decidir – não estava em causa que os autores prestassem qualquer esclarecimento ou procedessem a qualquer correcção do articulado inicial (tal já tinha acontecido em fase anterior), antes (e apenas) que se pronunciassem sobre a verificação do vício (nulidade de todo o processo gerada pela ineptidão da petição processual em razão da ininteligibilidade da causa de pedir). Conclui-se assim ter sido observado e respeitado o princípio do contraditório – aos apelantes foi facultada a possibilidade de influenciar a decisão (de argumentar o que entendessem a propósito). Não padece, pois, a decisão da imputada nulidade. B. Da violação do non liquet. Sustentam os apelantes que o tribunal a quo violou o princípio da proibição do non liquet estabelecido no art. 8º, nº 1 do CC – o tribunal afirma ter bem percebido a relação material invocada pelos autores (pois que refere ser outra a relação referida pelos réus) mas abstém-se de a julgar. Manifestamente improcedente a arguição. A obrigação de julgar a causa (proibição do non liquet), consagrada no art. 3º, nº 3 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, com expressão no art. 152º, nº 1 do CPC, impõe que o juiz administre justiça, não podendo invocar, para a isso se eximir, dúvidas sobre os factos ou sobre o direito. Obrigação que, porém, não implica que ‘ao juiz esteja vedado invocar outros argumentos para não julgar o mérito da causa, designadamente quando os pressupostos processuais não se encontrem preenchidos.’[7] A decisão apelada, não constituindo decisão sobre o mérito da causa, consubstancia a resposta do tribunal à solicitação de tutela jurisdicional que lhe foi dirigida pelos apelantes – decisão que constitui demonstração de que os apelantes viram respeitado o seu direito de acção e obtiveram, na causa, a satisfação do seu direito à decisão (um dos «subdireitos» ou dimensão garantística do acesso ao direito e aos tribunais consagrado no art. 20º, nº 1 da CRP)[8], pois que obtiveram pronúncia do órgão jurisdicional sobre a pretensão formulada. O direito de acção e o direito à decisão não se reconduzem à obtenção de decisão favorável, sequer à obtenção de decisão de mérito – o exercício do direito de acção só pode levar a decisão de mérito quando a instância se apresentar regularmente constituída[9], apresentando-se a decisão de absolvição da instância (que se impõe nos casos em que a irregularidade impede tal apreciação de mérito) como apta a satisfazer o direito à decisão. Não ocorreu, pois, qualquer violação da obrigação de julgar a causa. C. Da ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade da causa de pedir. Preceitua o art. 552º, nº 1, d) do CPC que na petição com que propõe a acção deve o autor expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção, isto é, deve o autor invocar o acto ou facto jurídico donde deriva ou emerge o direito que pretende fazer valer em juízo. Deve o autor, na petição inicial, individualizar o acto ou facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido – além de formular o pedido (de indicar a pretensão de tutela jurisdicional pretendida, nos termos da alínea e) do nº 1 do art. 552º do CPC, emanação do princípio do dispositivo consagrada no art. 2º, nº 1 do CPC) impõe-se ao autor a alegação dos factos que integram a causa de pedir – a invocação do alicerce fáctico que suporta aquela pretensão, ou seja, dos factos essenciais de ‘cuja verificação dependa a procedência da pretensão deduzida, em conformidade com a previsão normativa aplicável’[10]. Importa que o autor alegue a relação material de onde faz derivar o direito que exerce em juízo, alegando os factos constitutivos – a noção de causa de pedir reporta-se ao facto jurídico de que procede a pretensão deduzida (art. 581º, nº 4 do CPC), cumprindo ao autor, que invoca a titularidade de um direito, fazer a alegação dos factos cuja prova seja possível concluir pela existência desse direito[11] (o substrato material ou humano a que o juiz reconhecerá ou não força jurídica bastante para desencadear as consequências jurídicas adequadas[12]). Incumbe ao autor ‘indicar os factos constitutivos da situação jurídica que quer fazer valer ou negar, ou integrantes do facto cuja existência ou inexistência afirma’, correspondendo a causa de pedir, grosso modo, ao ‘conjunto dos factos que integram a previsão da norma ou das normas materiais que estatuem o efeito jurídico pretendido’ - a causa de pedir ‘exerce função individualizadora do pedido para o efeito da conformação do processo’[13]. A causa de pedir é constituída apenas pelos factos essenciais – e por isso ainda que se conceba ser o nosso sistema processual civil marcado pela teoria da substanciação, exigindo a indicação específica ou concreta dos factos constitutivos do direito feito valer (só pela demonstração de tais factos em juízo alcançará o autor a tutela jurisdicional desejada), não bastando a mera alegação do direito em causa ou a reprodução da norma ou normas de que aquele emana[14], não pode deixar de reconhecer-se que a ‘orientação actualmente consagrada no direito português impõe uma concepção «deflacionista» da causa de pedir, correspondente à chamada teoria da individualização aperfeiçoada, segundo a qual a causa de pedir é constituída apenas pelos factos necessários à individualização do pedido do autor’[15]. À satisfação do ónus de indicação a causa de pedir não interessa a alegação de todos os fatos necessários à procedência da acção – apenas os factos essenciais (os que individualizam a pretensão material alegada pelo autor, necessários para se saber qual a pretensão material que o autor quer defender em juízo) constituem a causa de pedir, não já os factos complementares (que concretizam ou complementam os factos que integram a causa de pedir, assegurando a concludência da alegação da parte’, pois como complemento dos factos que integram a causa de pedir, são necessários para a procedência da pretensão da parte – são factos que realizam uma função de fundamentação desta pretensão)[16]. Doutro modo: a petição, sob pena de ineptidão, deve conter a alegação dos factos essenciais nucleares, que identificam ou individualizam a causa de pedir, sendo que os factos essenciais complementares, não sendo necessários a tal individualização da causa de pedir (não cumprem tal função individualizadora), revelam-se imprescindíveis para que a acção proceda, por serem também constitutivos do direito invocado[17]. Isto porque a alegação da causa de pedir se destina a assegurar a admissibilidade do objecto da causa, não a garantir a fundamentação da acção – a alegação da causa de pedir move-se no plano da admissibilidade da causa, não no da sua fundamentação[18]. Ónus de alegação da causa de pedir que só é cumprido se a sua indicação for feita em termos claros, inequívocos e inteligíveis – ocorrerá ineptidão da petição (art. 186º, nº 2, a) do CPC) quando a indicação do acto ou facto essencial (destinado a individualizar a causa de pedir) seja feita em termos obscuros ou ambíguos (ininteligíveis)[19], quando a alegação seja confusa, incompreensível ou indecifrável[20], impossibilitando que se apreenda a causa de pedir. A ininteligibilidade ocorre quando a causa de pedir é apresentada de modo tão obscuro ou indecifrável que se não entende qual seja[21]. Ao delinear o regime da petição inicial a intenção e finalidade da lei é impedir o prosseguimento de acção que, porque viciada quanto ao objecto do processo, torna impossível o acto unitário de julgamento[22], ou dito de outro modo, com a ‘figura processual da ineptidão da petição inicial visa-se, em primeiro lugar, evitar que o juiz seja colocado na impossibilidade de julgar concretamente a causa, decidindo sobre o mérito, em face da inexistência do pedido ou da causa de pedir, ou do pedido e da causa de pedir que se não encontrem deduzidos em termos inteligíveis, visto só dentro dessas balizas se mover o exercício da actividade jurisdicional declaratória do direito’, sendo certo que além desse propósito de circunscrever e definir os poderes do juiz quanto à actividade decisória, a figura da ineptidão propõe-se ‘ainda impedir se faça um julgamento sem que o réu esteja em condições de se defender capazmente, para o que carece’ de conhecer o fundamento do pedido contra ele deduzido[23]. A decisão apelada considerou ser confusa e equívoca a causa de pedir apresentada pelos autores, ponderando: ‘Os AA reconduzem-se juridicamente à responsabilidade civil extracontratual, sendo que, de facto: alegam o incumprimento pelos RR de uma obrigação de restituição a terceiros de quantias monetárias por via da frustração de negócios de compra e venda “angariados” pelos AA, com a consequente afectação do seu bom nome comercial… Mais remetem para os termos da formalização de intenções de compra ou aquisição de bens, dos quais não resulta a intervenção da Autora mesma, antes de uma sociedade já liquidada/dissolvida (?)… De resto, alegam os AA que a intervenção respectiva o era a indicação aos RR de bens a vender, cabendo aos RR a angariação de clientes (???), com o que não se percebe então em que é que a não restituição do dinheiro afecta a reputação dos AA… Assim, desde logo, não se alcança o facto ilícito extracontratual praticado, por não se perceber como e em que medida as condutas imputadas aos RR (que vêm a sê-lo, aparentemente, de obrigações contratuais das quais não são os AA credores (?!) afectaram a imagem e reputação da A… (que nos termos dos documentos juntos, que o foram pela A. e para caracterizar a sua intervenção, o que não resulta, vem a ser uma estranha à vinculação ali estabelecida)… E se a questão for agora a da frustração da comissão a que teria direito por via da indicação dos bens a vender (hipótese já que a pronúncia que antecede parece afastar), não se vê que responsabilidade extracontratual se afirma, uma vez que em causa a frustração de um direito de crédito mediante uma relação a que os RR são alheios…’ Não pode acompanhar-se tal entendimento – ou seja, que o modo como a causa de pedir está exposta na petição inicial obste ao prosseguimento da causa, por coarctar a possibilidade de se proceder a um julgamento sobre o fundo da causa (julgamento de facto e de direito), pois não se nos afigura que a peça que introduz o feito em juízo padeça do vício previsto na alínea a) do nº 2 do art. 186º do CPC (de ininteligibilidade da causa de pedir). Analisando a parte expositiva ou narrativa da petição inicial, em busca dos factos identificadores da demanda dirigida aos réus (note-se que não interessam ao instituto da ineptidão outros factos que não os essenciais, os que individualizam a pretensão material feita valer em juízo – como acima referido, estamos no plano da admissibilidade da causa, não no âmbito da sua fundamentação ou concludência), deparamo-nos com a suficiente e inteligível indicação da causa de pedir (alegação dos factos essenciais necessários à individualização causa, para efeitos de conformação do objecto do processo). A demanda consubstancia o exercício do direito à indemnização por danos não patrimoniais sofridos em consequência de acto ilícito que imputam aos réus, pois alegam para tanto os autores: - terem a primeira autora e a segunda ré acordado uma parceria em vista de serem habilitadas pessoas que estivessem interessados na compra de bens (descrevendo minimamente os termos para se considerar suficientemente individualizado tal relacionamento negocial), - terem sido feitas, a coberto dessa parceria, várias habilitações de interessados (que especificam e individualizam em concreto), - que os réus, não se tendo concretizado os negócios com aqueles habilitados clientes, não lhes devolveram as quantias por eles entregues em vista da celebração de tais negócios de aquisição de bens – que ficaram com os valores por aqueles entregues, recusando-se à sua devolução, não prestando informações e recusando contactos, levando as pessoas que se habilitaram a concluir terem sido burladas (pois que tudo se trataria de esquema fraudulento), convicção partilhada por outras pessoas que tiveram conhecimento da situação, correndo mesmo no meio comercial onde os autores se movimentam que estes também gizaram o plano fraudulento, - que a primeira autora, ao contrário dos réus, devolveu aos habilitados todas as quantias recebidas, - que a 1ª ré, empresa estruturada comercialmente, actuou por determinação dos segundos réus, seus administradores, que engendraram este esquema levado a cabo pela 1ª ré (foram eles quem organizou o processo, quem teve a ideia do projecto, quem se reuniu com pessoas e quem se apropriou o valor recebido pela sociedade primeira ré – também beneficiando dos valores que esta reteve , no qual os autores piamente e jamais suspeitaram do seu objectivo, retendo para fazer seu (e da empresa 1ª ré) os valores recebidos dos habilitados, - que dessa situação resultam danos à autora (porque começou a ser vista como uma empresa fraudulenta, que servia de fachada para esquema ilícitos, perdendo toda a credibilidade comercial, deixando de ter clientes e de conseguir levar a cabo a sua actividade comercial) e ao autor (gerente a primeira autora, que se apresentou perante as pessoas e que é assim associado ao esquema fraudulento, em consequência do que vem sofrendo danos de natureza não patrimonial que descrevem). Considerando estas alegações é fácil concluir que a causa de pedir alegada não se mostra inquinada por obscuridade ou ambiguidade, que a mesma seja incompreensível ou indecifrável – numa palavra, que não se entenda qual ela seja. Não está em causa apreciar se a matéria alegada se mostra suficiente para a concludência do pedido – interessa tão só evidenciar que a factualidade alegada pelos autores, além de suficiente para individualizar a pretensão de tutela formulada (assegurando a admissibilidade do objecto da causa), se mostra perceptível e inteligível, possibilitando aos réus o conhecimento do fundamento do pedido contra eles deduzido (e assim, de se defenderem capazmente) e habilitando o tribunal a delimitar os seus poderes decisórios. Independentemente de curar da concludência da alegação, não pode negar-se (ao contrário do concluído pela decisão apelada) que os autores alegam, de modo claro, o acto ilícito praticado pelos réus – o engano (esquema fraudulento) que criaram aos habilitados, não lhes devolvendo os valores que deles receberam em vista de negócios de compra e venda que se não vieram a realizar (habilitações a que procederam em conjunto com a primeira autora – e por isso, um esquema fraudulento que montaram quando habilitam interessados no âmbito de parceria com a primeira autora, alheia a tal fraude). O fundamento da pretensão (não só o facto ilícito, como a culpa dos réus, os danos dos autores e a sua ligação àquele facto por nexo de causalidade) está identificado com clareza- o que basta para concluir pela admissibilidade do objecto da causa (não interessando neste âmbito apurar da sua fundamentação ou concludência). Porque alegada com suficiente clareza e inteligibilidade a causa de pedir que fundamenta a pretensão de tutela formulada em juízo, não se verifica a ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade da causa de pedir – o que prejudica (art. 608º, nº 2, ex vi art. 663º, nº 2, ambos do CPC) a apreciação da sanação do vício, nos termos do nº 3 do art. 186º do CPC. D. Síntese conclusiva. Atento o exposto, conclui-se pela procedência da apelação, com a consequente revogação da decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que, considerando a inexistência da apontada nulidade principal (nulidade de todo o processo), diligencie pelo prosseguimento dos autos, podendo sintetizar-se a argumentação decisória (nº 7 do art. 663º do CPC) nas seguintes proposições: .............................................. .............................................. .............................................. * Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar procedente a apelação e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, determinando-se a sua substituição por outra que, considerando inexistir a apontada nulidade principal (nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial), determine o prosseguimento dos autos (prolatando despacho nos termos dos art. 595º e - sendo caso disso - 596º, ambos do CPC).DECISÃO * Custas pelos apelados (porque vencidos, apesar de não terem contra-alegado) no pagamento das custas do recurso, na vertente das custas de parte liquidandas. * Porto, 8/03/2022(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem) João Ramos LopesRui Moreira João Diogo Rodrigues _____________________ [1] Cfr., a propósito Miguel Teixeira de Sousa, ‘Nulidades do processo e nulidades da sentença: em busca da clareza necessária’, comentário de 22/09/2020 a acórdão do STJ de 2/06/2020 (496/13.0TVLSB.L1.S1) e ‘Por que se teima em qualificar a decisão surpresa como uma nulidade processual?’, comentário de 12/10/2021, ambos no blog do IPPC, no sítio https://blogippc.blogspot.com (consultados on-line em Fevereiro de 2022). [2] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª edição revista, p. 415. [3] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 46/47. [4] Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 23. [5] José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à luz do Novo Código, 4ª Edição, p. 127. [6] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 30/2020, de 16/01/2020, processo nº 176/19 (Pedro Machete), no sítio www.tribunal constitucional.pt (citando, a propósito, Lebre de Freitas, Introdução ao processo civil: conceito e princípios gerais. Coimbra, Coimbra Editora, 1996, p. 96). [7] Manuel Fontaine Campos, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, (coordenação de Luís Carvalho Fernandes e José Brandão Proença), Universidade Católica Editora, 2014, p. 43, nota III ao artigo 8º do CC. [8] J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª edição revista, 2007, p. 414/415. [9] Cfr., a propósito, José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais À Luz do Novo Código, 4ª Edição, p. 103/104. [10] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, p. 605. [11] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), p. 23. [12] Acórdão da Relação de Évora de 13/02/86, sumariado no BMJ 356/454, segundo o qual a ‘causa de pedir representa na lide o substrato material ou humano a que o juiz reconhecerá ou não força jurídica bastante para desencadear as consequências jurídicas adequadas. Por isso, deverá ser descrita convenientemente como entidade circunstancial capaz de mobilizar as virtualidades jurídicas latentes em função da situação jurídica’. [13] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª Edição, pp. 490 e 491. [14] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), p. 605. [15] Miguel Teixeira de Sousa ‘Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil’, Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013 (pp. 395-412), a pp. 398/399. [16] Teixeira de Sousa, in ‘Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil’ (…), pp. 396 e 397 (na sequência do que ensina já nos Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª Edição, pp. 71 a 74), distinguindo factos essenciais, factos complementares ou concretizadores e também factos instrumentais (estes os que indiciam, através de presunções legais ou judiciais, os factos que constituem a causa de pedir ou os factos complementares - os factos instrumentais cumprem apenas uma função probatória dos factos indispensáveis à procedência da causa). [17] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), p. 27. [18] Miguel Teixeira de Sousa ‘Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil’ (…), pp. 399/400. [19] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, 1985, p. 246. [20] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), p. 219. [21] Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2018, p. 317 (citando Lebre de Freitas/Isabel Alexandre). [22] Castro Mendes, Direito Processual Civil, III, p. 47. [23] Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1982, Vol. II, pp. 219 e 220. |