Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2571/21.9T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP202403182571/21.9T8PRT.P1
Data do Acordão: 03/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A nulidade por omissão de pronúncia, só se verifica se o julgador deixar de se pronunciar sobre questões (intrinsecamente consubstanciadoras do objecto do processo – causa de pedir e excepções deduzidas -) sobre as quais devesse pronunciar-se e não sobre os argumentos aduzidos pelas partes.
II - A indemnização por danos não patrimoniais, peticionada na sequência do termo de uma relação laboral, para que seja devida, é necessário demonstrarem-se os requisitos da responsabilidade contratual (art.s 381º e 389, nº 1, al. a) do CT) e será, sempre, necessário atentar que os danos sofridos pelo trabalhador devem integrar uma lesão grave, que vá para além daquela que, sempre acontece, em situações similares de termo de relações laborais, porque o direito a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais não é de admitir como regra mas, apenas, no caso singular, de haver uma justificação segura, que leve a concluir pela necessidade de reparar uma lesão que restaria apoditicamente não satisfeita.
III - Para, em direito laboral, haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá o trabalhador de provar que sofreu danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objectivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2571/21.9T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho do Porto - Juiz 3
Recorrente: AA
Recorrida: A..., S.A.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
A A., AA, solteira, maior, portadora do cartão de cidadão n.º ..., válido até 18/06/2025, residente na Rua ..., n.º..., R/c Esq., ... Porto, intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra A..., S.A., contribuinte n.º ..., com sede em ..., Edifício ..., Zona Industrial ... ... ..., e com estabelecimento sito no B... - Rua ..., loja ..., ... ..., pedindo que deve a acção “ser julgada provada e procedente e por via dela:
e) Ser julgado que entre a Autora e a Ré vigorou um contrato de trabalho sem termo desde o dia 22/11/2017, e em consequência
f) Serem julgados nulos por insuficiência do motivo justificativo do termo estipulado, o contrato de trabalho inicial e os Acordos de alteração do contrato de trabalho celebrados respetivamente em 22/11/2017, 21/03/2018 e 27/03/2019;
g) Serem julgadas nulas as renovações posteriores do referido contrato;
h) Ser julgado ilícito o despedimento da Autora promovido pela Ré A..., S.A, uma vez que carece de absoluta sustentação legal ou contratual;
i) Ser condenada a Ré A..., S.A no pagamento de indemnização em substituição da reintegração da Autora a calcular à data da decisão final, nos termos do art.º 391º n.º 1 e 2 do CT;
j) Ser a Ré A..., S.A condenada a pagar à autora as retribuições por esta deixadas de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento;
k) Ser a Ré A..., S.A condenada a pagar à autora indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais em virtude do despedimento ilícito em montante não inferior a €5.000,00 (cinco mil euros)
l) Ser a Ré A..., S.A condenada a pagar à autora créditos salariais pelas horas de formação não ministradas à Autora no valor de €450,00;”.
Para fundamentar o seu pedido alegou, em síntese, ter celebrado com a Ré um contrato a termo certo, com início no dia 22 de Novembro de 2017, tendo esta, por carta datada de 10/09/2020 mas recebida a 15/10/2020 comunicado à Autora a caducidade do contrato, na data do termo do contrato, isto é, no dia 21/11/2020.
Mais, alega a A. que, a cláusula do contrato de trabalho que prevê o seu termo é vaga e genérica e, por isso, o despedimento ilícito. Alegou, também, que perante a comunicação da cessação do contrato de trabalho a que estava vinculada, ficou manifestamente num grande estado de ansiedade, dada a conjuntura económica e pandémica derivada da COVID-19, que levou a uma considerável instabilidade económica dos portugueses e a um aumento exponencial da taxa de desemprego e viveu dias, senão meses, de grande insegurança, instabilidade e stress na procura de emprego.
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Realizada audiência de partes, na qual não se logrou obter a conciliação das mesmas, foi a ré notificada para contestar, o que fez, por impugnação e excepção.
Concluindo que, “deve a presente acção ser considerada improcedente e não provada na parte não confessada e, em consequência, ser a Ré absolvida dos pedidos.”.
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Nos termos que constam no despacho, de 07.09.2021, foi designada a realização de uma audiência prévia com os fins previstos no artigo 591º, a) e b) do CPC e, bem assim, para a autora responder à excepção invocada.
Realizada aquela, a A. pronunciou-se quanto à invocada excepção da compensação, pugnando pela sua improcedência, tendo de seguida as partes sido confrontadas com a possibilidade de ser apreciada, em sede de despacho saneador, a nulidade do termo aposto no contrato celebrado, tendo as mesmas dito que mantêm as posições já vertidas nos articulados, pelo que foi ordenada a conclusão dos autos para esse efeito.
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Em sede de despacho saneador, foi fixado o valor da causa em € 5.450,00, conheceu-se parcialmente do pedido e considerando o Tribunal “a quo” não estar habilitado a conhecer do pedido de condenação da ré a pagar-lhe danos não patrimoniais, atenta a simplicidade da causa, ao abrigo do artigo 49º, nº 3 do CPT, dispensou a enunciação do objecto do litígio e dos temas de prova e ordenou o prosseguimento dos autos para julgamento.
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Naquele, nos termos documentados na acta de 17.01.2023, foi deferido, sem oposição da Ré, o pedido da Autora formulado, nos termos do disposto no artº 265º, nº 2 do CPC, reduzindo o pedido, identificado na sua petição inicial pela al. k), na parte em que refere a indemnização por danos patrimoniais. O pedido mantém-se, com a nova redacção ser a Ré A..., Sa. condenada a pagar à Autora indemnização por danos não patrimoniais, em virtude do despedimento ilícito, em montante não inferior a € 5.000,00. Para além do mais, a Autora pretende ainda e quanto também ao referido pedido identificado pela al. k), ampliar na parte em que deverá ser acrescentada a mesma redacção “acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a propositura da acção até efectivo e integral pagamento” e no final, conclusos que foram os autos, foi proferida sentença, que terminou com a seguinte Decisão:
Pelo exposto, absolvo a ré do pedido de condenação contra si formulado de pagamento de indemnização por danos não patrimoniais.
Custas pela autora, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Notifique.”.
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Inconformada a A. veio interpor recurso, cujas alegações terminou com as seguintes “CONCLUSÕES:
I. Na douta sentença que ora se recorre o tribunal a quo deu como factos não provados e incumbido à Recorrente o ónus de especificar os factos incorretamente apreciados a saber e reproduzindo “1)A Autora viveu dias senão meses de grande insegurança, instabilidade e stress na procura de emprego”, e que “2) A autora teve grande transtorno, ansiedade, precariedade, instabilidade como única e exclusiva causa a cessação do contrato de trabalho”;
II. Fundamentou tais factos não provados com a circunstância de autora ter esclarecido que “começou a trabalhar numa nova empresa em 2/12/20, pelo que se constata que a autora esteve desempregada cerca de 10 dias e entre a data em que soube que o seu contrato ia cessar (15/10/20) e a data em que reiniciou a sua atividade profissional decorreu cerca de um mês e meio.”
III. Considerou ainda (erradamente) o tribunal a quo que a descrição feita pela Autora e pelo seu irmão (testemunha BB) se mostra desajustada e exagerada face à “rapidez” com que a Autora arranjou novo emprego.
IV. Pese embora, o tribunal a quo admita que a altura da cessação do contrato tenha sido em plena pandemia, altura essa de grande incerteza a nível de emprego, o certo é que a entende ainda o tribunal que a situação vivida pela autora e os danos emergentes do despedimento de que foi alvo não revelam “gravidade suficiente que mereça a tutela do Direito e que justifique a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais”.
V. Será assim? Atente-se que o art.º 436º n.º 1 al. a) do CT /2003 e art.º 389 n.º 1 al. a) do CT/2009 que vieram colocar um ponto final na problemática da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais sofridos pelo trabalhar em consequência do despedimento ilícito
VI. In casu, é evidente que imposição do despedimento ilícito em causa consubstancia uma violação contratual, ou seja, um ilícito contratual
VII. E tal comportamento é suscetível de ser ressarcido em sede de danos morais.
VIII. Por outro lado, o seu comportamento tem de se presumir culposo (vide artigo 799º nº 1º do Código Civil). Ou seja, verifica-se o facto ilícito e culposo
IX. Não obstante, não é suficiente alegar que o despedimento causou danos não patrimoniais.
X. Cumpre alegar e provar danos relevantes a tal título; isto é, danos graves. Cabe recordar que nos termos do nº 1º do 496.º, nº1, do Código Civil, são indemnizáveis os danos não patrimoniais que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito”, sendo que dano é "todo o prejuízo, desvantagem ou perda que é causado nos bens jurídicos, de carácter patrimonial ou não, de outrem" (vide Prof. Vaz Serra, BMJ nº 84, pág 8).
XI. Os danos morais, resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado (a integridade física, a saúde, a tranquilidade, o bem-estar físico e psíquico, a liberdade, a honra, a reputação), verificando-se quando são causados sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social, inibições ou complexos de ordem psicológica, vexames, etc., em consequência de uma lesão de direitos, maxime, de personalidade (ver Mota Pinto, Teoria geral do direito Civil, págs. 85 e 86, edª de 1976).
XII. Como tal não são merecedores da tutela do direito os meros incómodos, as indisposições, preocupações e arrelias comuns.
XIII. Ou seja, apenas quando o trabalhador demonstre que, em consequência de um despedimento ilícito, ou de um outro incumprimento contratual, por parte da sua empregadora, sofreu danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito é que tem direito a ser indemnizado. Tal como se refere em Acórdão da RL de 24 de Maio de 2007 (Processo nº 07A1187) “os danos não patrimoniais podem consistir em sofrimento ou dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral de uma pessoa, podendo concretizar-se, por exemplo, em dores físicas, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, vexames, sentimentos de vergonha ou desgosto decorrente de má imagem perante outrem, estados de angústia, etc. Todavia, a avaliação da respetiva gravidade tem – e deve - aferir-se de acordo com um critério objetivo e não à luz de factores subjectivos (vide Antunes Varela, Obrigações em Geral, I, 9ª edição, p. 628). Ora constitui orientação jurisprudencial consolidada que as simples contrariedades ou incómodos apresentam um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do nº 1 do artº 496º do CC (vide, neste sentido, entre outros, o Ac. do STJ de 11.05.98, Processo 98A1262ITIJ). E cumpre destrinçar aqueles que se situam ao nível das contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos indemnizatórios dos que se apresentam num patamar de gravidade superior e suficiente para merecer compensação: sendo certo que se deve considerar dano grave não apenas aquele que é exorbitante ou excecional, mas também o que sai da mediania, ultrapassando, pois, as fronteiras da banalidade. Isto é, um dano considerável é aquele que, no mínimo, espelha a intensidade de uma dor, angústia, desgosto, um sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se tornam inexigíveis em termos de resignação (vide ac. do STJ de 24.05.2007, processo 07A1187, acessível em www.dgsi.pt.).
XIV. Cabe ainda salientar que a lei remete a fixação do montante compensatório por este tipo de danos para juízos de equidade, haja culpa ou dolo (cf. artº 496º, nº 3 do CC), tendo em atenção os fatores referidos no artº 494º do CC (grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e quaisquer outras circunstâncias).
XV. Por sua vez, a equidade traduz-se na observância das regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida, dos parâmetros de justiça relativa e dos critérios de obtenção de resultados uniformes.
XVI. Retornando ao caso concreto, do grau de culpabilidade da Ré, transcorre da audição das testemunhas outrora trabalhadores da Ré da frequente celebração de contratos a termos e consequentes despedimentos ilícitos, tal facto foi confirmado por todas as testemunhas da Autora.
XVII. Não obstante, a Autora não estava de todo em todo preparada para esta decisão surpresa (o despedimento) da Ré, até porque conforme confirmaram ainda todas as testemunhas, foi criada perante todos os funcionários da Ré uma expectativa de que a Autora iria ser promovida e que iria “efetivar”.
XVIII. Certo é que contrariando as fundadas expectativas da Autora tal não sucedeu e aos dias 15.10.2020 a Autora viu-se perante a comunicação da cessação do seu contrato de trabalho.
XIX. Para além do mais a circunstância (grave) de o despedimento ter sido concretizado na altura em que o País atravessava uma conjuntura económica débil e pandémica derivada do Covid- 19
XX. No mais, o tribunal a quo desconsiderou para a correta avaliação dos danos os depoimentos prestados pelas testemunhas CC e DD, por alegadamente não demonstrarem conhecimento direto, Mas será assim? Vejamos o depoimento da testemunha CC que trabalhou na empresa Ré desde 2018 até ao ano de 2021, afirma que acompanhou o despedimento da Autora até à saída desta, e que presenciou durante aquele hiato temporal a Autora chorar, triste, desmotivada, apática e afastamento social ; Testemunha: CC; Início da gravação a 17.01.2023 às 09:50:04 e fim da gravação às 10:12:30 Passagem de 00:02:23 a 00:02:30 “Mm.ª Juiz: A Senhora trabalhou na A... S.A.? Testemunha: Sim Mm.ª Juiz: De quando a quando? Testemunha: 2018 a 2021, penso.” Passagem de 00:03:19 a 00:03:30 “Mandatária Autora: Já disse aqui à Sra. Dra. Juíza que trabalhou e conhece, portanto, a AA, porque trabalhou na… portanto no hiato temporal entre 2018 a 2021. Correto? Testemunha: Correto” Passagem de 00:09:24 a 00:09:58“Mandatária Autora: Diga-me uma coisa, quando a D. AA rececionou a carta de despedimento a Sra. acompanhou esse momento ou não acompanhou de todo? Testemunha: Eu não me recordo se a AA realmente recebeu a carta em casa ou não. O que eu me lembro de saber efetivamente foi a notícia de quando a AA me disse que já saberia que tinha, que iriam rescindir o contrato dela. Foi uma questão de tempo é claro que nós… chegada a dada altura nós começamos a fazer algumas contas, não é, porque temos mais ou menos noção de quando é que está a chegar o prazo.” Passagem de 00:10:49 a 00:16:00 “Mandatária Autora: Relativamente à D. AA o que que é que a D. CC, portanto, uma vez que acompanhou que soube por ela… Testemunha: Por ela sim. Mandatária Autora: Por ela lhe ter dito … Como é que a D. AA reagiu? Se é que pode dizer. Testemunha: A AA não ficou contente, não é? Ao contrário de algumas pessoas que trabalharam comigo e de mim inclusive, a AA era uma pessoa que eu pelo menos as vezes que falei com ela, e que abordávamos esse assunto a AA se pudesse ter essa oportunidade, teria ficado a trabalhar na Area. A AA gostava de trabalhar ali. E sim, ficou…sei lá eu acho que ela também ficou em choque… Efetivamente não ficou muito bem. Mandatária Autora: Não ficou bem…. Testemunha: Não. Mandatária Autora: Pronto, então foi apanhada de surpresa é isso? Na sua ótica. Testemunha: A meu ver, sim. Acabou por ficar um bocado desiludida. Mandatária Autora: Não estava a contar? Testemunha: Não. Mandatária Autora: Não estava a contar, pronto. E quando diz apanhada de surpresa e não ficou bem a Sra. pode-me precisar aqui ao tribunal o que é que a D. AA não ficou bem? O que é que a Sra. acha porque é que ela não ficou? Testemunha: Efetivamente eu sei que ela não ficou bem porque, lá está, inclusive eu cheguei a ver a AA a sair do escritório após, não sei se foi uma das conversas posteriores já à sabida cessação do contrato ou se foi naquela altura em que ela já tinha sido despedida e acabou por ficar a trabalhar férias… Porque a AA ficou mais tempo do que aquilo que era suposto, porque aceitou trabalhar as férias, a empresa pediu-lhe isso. Não sei, numa dessas intervenções que eles tiveram ela sai do escritório e ela basicamente saiu bastante mal. Naquele momento a relação que ela estava a ter com as chefias, tinha ficado um bocado conturbada não é? Porque ela … Mandatária Autora: Quando diz, sai bastante mal, saiu bastante mal como? Testemunha: Saiu a chorar, saiu sei lá Dra. saiu mal, saiu triste e era como ela no fundo acabava por estar nos dias seguintes. Até que eu a vi a vir embora … ela não voltou a ser a mesma … normal, eu também não voltaria. Inclusive não teria aceitado trabalhar as minhas férias mas isso aí foi uma decisão dela Mandatária Autora: Quando me diz que a viu a chorar e que depois dessa reunião com a chefia, e depois disso viu novamente a D. AA a chorar ou …? Testemunha: Não sei se a chorar … Mandatária Autora: Daquilo que conhecia da AA, o que é que mudou depois desta notícia? Testemunha: Mudou tudo, como é óbvio. Eu acho que a única coisa que ela tentou não mudar, e porque ela é a pessoa que é, foi o desempenho das funções dela, que ela tentou cumpri-las até ao fim. Porque fora isso, claro que la enquanto pessoa, ela, diga-mos assim, ficou completamente desmotivada. Claro que ficou triste, claro que não era a mesma AA. Mandatária Autora: Não era a mesma AA, o que é que via de diferente que se destacava? Viu triste… Testemunha: Sim, eu acho que a falta dela estar, sei lá, animada, divertida… Mandatária Autora: Exato. Ela continuava a falar da mesma maneira com os colegas lá, portanto falava antes… Testemunha: Sim… Ela connosco tentou sempre manter-se minimamente bem, mas claramente que ela não estava bem e acabava por não falar tanto, por não estar tanto reunida connosco …. Por não querer tanto fazer coisas e acabar por se juntar mais… Acabou por estar mais no canto dela, no fundo, e acabou por ficar mais apática, digamos assim, acho que também foi um bocado por aí a maneira de ela se proteger um bocado. Mandatária Autora: Em termos de desabafo ela disse-lhe alguma coisa? Testemunha: Sim, nós falamos várias vezes, inclusive eu puxei várias vezes a conversa porque eu sabia que ela não estava bem. E mesmo quando ela tentava não mostrar isso, porque ela estava muitas vezes… e já fazia isto antes, muitas vezes no armazém a organizar mercadoria, muitas vezes no computador a fazer trabalhos mais burocráticos … Mas eu sempre me dei bem com a AA a trabalhar, nós sempre tivemos uma ligação de trabalho bastante boa, e eu ia muitas vezes ter com ela, ajudava-a muitas vezes em algumas coisas e claramente senti que ela não estava também tão disposta despois isso, mas acho que também é normal não é? E sim, tentei falar com ela algumas vezes chegou a dada altura que ela já preferia não falar e eu também entendo isso, porque era uma situação que a deixava um bocadinho em baixo. Acho que ela não chegou a entender o que é que aconteceu e aquilo abalou-a como é óbvio. Mandatária Autora: Em termos… isto foi numa altura portanto do covid em que as pessoas não poderiam sair e portanto havia aqui alguma … Testemunha: Um bocadinho antes, sim. Mandatária Autora: Pronto, o contrato da D. AA, portanto foi até novembro de 2020, portanto está-me a dizer que ela ainda trabalhou e portanto e foi durante esse período que me está aqui a relatar o estado … Testemunha: Sim. Mandatária Autora: O estado… Testemunha: O estado dela foi … sim a partir do momento em que ela soube da rescisão e que se manteve a trabalhar. Ainda foram uns dias, eu não sei… não faço ideia quanto tempo foi, mas sei que ela trabalhou férias. Mandatária Autora: E viu essa notória alteração do comportamento depois… Testemunha: Que acho que é óbvia, depois sim.” Passagem de 00:16:49 a 00:19:24 “Mandatária Autora: Ela alguma vez confidenciou-lhe que esta situação de despedimento, alguma fragilidade económica? É isso que eu lhe quero dizer. Testemunha: Efetivamente, vou falar daquilo que eu sei, que contudo não sei se não será uma … Mandatária Autora: Daquilo que tenha conhecimento que ela lhe tenha dito que sentia. Testemunha: Pronto, aquilo que eu sei, e lá está, é uma coisa que também não é… não é uma coisa que a AA fale muito, pelo menos não com toda a gente mas que eu sei porque também já a conheço a alguns anos é que efetivamente a AA tem uma família muito próxima dela, a AA vive com os pais dela e sempre foi um suporte em casa dela. A mãe esteve algum tempo de baixa, se não estou em erro, não sei se foi baixa ou se foi algum tempo sem trabalhar por outra incapacidade qualquer, mas sim, a AA efetivamente, digamos que acabava por o ordenado dela não era só o ordenado dela, sempre foi um ordenado um bocado de casa e despesas de casa. Era a AA que tratava de pagar contas, não sei se com o dinheiro dela mas fazia essa gestão, não sei se era só com o dinheiro dela, provavelmente não, o pai dela trabalha. Mas acabava por ser ela sempre a gerir alguma coisa que fosse precisa em casa, não sei se ainda é assim mas … Mandatária Autora: Ajudava também, apesar de também morar com os pais ajudava e contribuía? Portanto …Testemunha: Sim, sem dúvida. Muito. Mandatária Autora: Mas está-se a adiantar, porque sabe que a Mãe da AA esteve portanto de baixa é isso? Testemunha: Eu acho que foi uma baixa, sim. Ela esteve algum tempo sem trabalhar. Mandatária Autora: Foi na altura do despedimento ou não…? Testemunha: Eu penso que já era anterior, mas que foi contínuo. Que tenha apanhado essa parte eu penso que sim, não posso precisar porque não estou ciente das datas mas a Mãe da AA esteve bastante tempo sem trabalhar, sim, e isso também era, como é obvio, uma responsabilidade para a AA, manter um emprego naquele momento. Naquele e noutro. Como se pôde ver, ela arranjou outro graças a deus. Mandatária Autora: Portanto, só para terminar, daquilo que conhecia, portanto do antes do despedimento e do após, já me disse que houve alterações. Como é que numa só palavra, como é que …. Como é que acha que a AA, ou viu a AA perante esta mudança, esta notícia, se … portanto em termos de comportamento numa só palavra. Testemunha: Em termos de comportamento? Mandatária Autora: Sim. Testemunha: A AA depois de saber a notícia? Mandatária Autora: Sim, tendo como referência o anterior e o pós? Testemunha: Frágil. Muito frágil.”
XXI. Vejamos o depoimento da testemunha DD; Início da gravação a 17.01.2023 às 10:55:04 e fim da gravação às 11:09:06; Passagem de 00:07:48 a 00:09:57 “Mandatária Autora: Houve um despedimento e esta situação o Sr. tomou conhecimento porque estava na loja ou por intermédio de outras pessoas, como é que tomou conhecimento disso? Testemunha: Não, eu não estava na loja… Mandatária Autora: Se é que tomou conhecimento. Testemunha: Sim, eu tomei conhecimento. Eu fui cliente da loja até Outubro porque tinha, nós tínhamos um cartão de desconto que nos dava 25% de desconto e portanto usufrui desse cartão até mesmo aos últimos dias e claro que soube… toda a gente soube, e toda a gente ficou bastante intrigada ou bastante surpresa porque toda a gente, todos os nossos colegas pensavam que ela de facto ia efetivar, porque era isso que toda a gente contava… Era essa a… era esse o ambiente que havia. E encontrei uma vez a AA no shopping e era uma pessoa completamente diferente, estava um farrapo, desfeita, teve até … chorou até. Sentia-se envergonhada … dizia porque tinha sido despedida… Mandatária Autora: Mas foi neste momento que o Sr. a encontrou e ela lhe disse que terá sido despedida é isso? Testemunha: Não, eu sabia, eu sabia mas ela… Não sabia por ela. Eu encontrei-me com ela por acaso no shopping. Mandatária Autora: Mas foi por acaso? Testemunha: Sim, sim. Não, foi por acaso. Eu tinha ido ao shopping fazer não sei o quê e …. Não me recordo, e lembro-me dessa situação que foi muito desagradável e constrangedora para mim porque nunca a tinha visto chorar, nem naquele estado, não é? E fiquei surpreso. Mandatária Autora: Pois, ela na altura, do que consta aqui…Testemunha: Tinha ficado muito abalada. (…) Mandatária Autora: Pronto, diz-me que ela, que a viu de facto muito abalada com aquela notícia? Testemunha: Sim. Bastante.”
XXII. Nesta senda e face aos depoimentos destas duas testemunhas que supra se reproduziu há erro notório na apreciação da prova pelo tribunal a quo, pois decorre literalmente do seu depoimento o conhecimento direito do transtorno, ansiedade e stress que a Autora viveu em consequência da cessação do seu contrato de trabalho, desde o momento em que soube da referida cessação.
XXIII. Referia-se ainda que o tribunal a quo nem se pronunciou relativamente ao depoimento prestado pela testemunha EE, encontrando-se a Autora na incógnita se o seu depoimento foi ou não valorado pelo tribunal e em que medida, com a inerente fundamentação, omissão de pronuncia que se argui para os legais efeitos abrigo do disposto no art. 615 n.º1 al. d).
XXIV. Relativamente ao depoimento feito pela testemunha BB e às declarações de parte da Autora o que se poderá extrair?
XXV. Atente-se ao depoimento da testemunha irmão da Autora que viveu de perto a situação por ela vivida. Testemunha: BB Início da gravação a 17.01.2023 às 10:13:22 e fim da gravação às 10:37:47 Passagem de 00:09:29 a 00:10:56 “Mandatária Autora: Portanto aqui o Sr. sabe, a sua irmã foi despedida ilicitamente, isso já está provado, portanto na altura quando a sua irmã recebeu a carta de despedimento, não sei se o Sr. acompanhou, na Area não acompanhou mas certamente em casa acompanhou esta notícia. Testemunha: Exatamente, sim. Mandatária Autora: E eu quero que diga então aqui ao tribunal qual foi a reação quando a sua irmã chegou a casa e terá contado então … Testemunha: Claro, ela chegou a casa e estava de rastos, aquela fase… depois dessa notícia ela chorava constantemente, chegou a tomar medicação para a ansiedade, não fazia refeições connosco … sempre que tocávamos no assunto era uma choradeira tremenda … Mandatária Autora: Mas vamos lá a ver, então há um período aqui, o antes em que me diz que a AA era uma pessoa extremamente, pelo que me diz, e pela testemunha, é uma pessoa competente e uma pessoa perspicaz e dinâmica, pelo que me estão aqui a dizer, que até se destacava, e que de um momento para o outro qual foi essa a alteração que me está aqui a retratar? O porquê dessa alteração? Ou seja, há um despedimento, e é isso que me diga em termos de como comportamentais o que é que alterou? Está-me a dizer já que havia um choro por parte, que a AA alterou em termos de comportamento familiar correto? Testemunha: Exatamente. Sim. Passagem de 00:13:48 a 00:17:11 Mandatária Autora: Muito bem, e depois do despedimento quando a AA recebeu esta notícia, portanto, como é que ela reagiu? Perante si, neste caso, que é isso que eu quero saber. Testemunha: Chorou muito. Então, ela não estava à espera … Mandatária Autora: Mas chegou a casa e disse olha fui despedida. E como e que vocês entenderam isso? Testemunha: Chegou a casas super triste. Mandatária Autora: Já estavas a contar não? Testemunha: Não, não. Chegou a casa super triste e ela, pronto, quando está mesmo mal ela transmite, acho que nem precisa de falar. Pôs-se lá com a choradeira conseguimos perceber o que é que tinha acontecido e percebemos o porquê. Porque tanto nós casa, como vários colegas lá na loja, toda a gente tinha expectativa que ela fosse para ficar. Eu como irmão tinha, tinha essa ideia. Mandatária Autora: Pronto, então, ou seja, o Sr. acolheu esta notícia como esperado ou não esperado? Testemunha: Não esperado. Mandatária Autora: Não esperava que esta notícia fosse esperada, correto? Testemunha: Não, as circunstâncias do que foi acontecendo ao longo … pelo menos no tempo em que eu lá estive. Mandatária Autora: E do que ouvia dos seus colegas? Testemunha: Sim, exatamente. Sim, também íamos mantendo contacto… Mandatária Autora: Pronto, em termos comportamentais já foi adiantando, eu não sei, a AA, chegou, depois do despedimento a recorrer a algum médico por causa desta situação de…? Testemunha: Sim, sim, ela tomou medicação. Eu acho que na altura até … Mandatária Autora: Mas medicação porquê? Testemunha: Estava ansiosa, não comia. Uma pessoa quando está nestas situações tem muitos sintomas … Mandatária Autora: Mas isso foi durante quanto tempo? Foi logo depois da notícia, foi um dia, foi dois dias? Ou foi durante algum tempo? Testemunha: Acho que foi durante algum tempo… não sei precisar agora ao certo, mas foi durante algum tempo. Não foi uma coisa momentânea. Não é hoje estou muito triste e amanhã estou bem. Não, mas foi uma coisa que foi durante algum tempo, sim. Mandatária Autora: Durante algum tempo, o quê? Um mês, dois meses, três meses? Estou a dizer, não sei. Testemunha: Sim, por volta de um mês. Mandatária Autora: Um mês, portanto, que houve aí uma alteração de comportamento e que teve que recorrer então a um médico, é isso? Testemunha: Exatamente. Mandatária Autora: Portanto, viu a AA então a tomar medicação? Testemunha: Exatamente. Mandatária Autora: É isso? Testemunha: Sim. Mandatária Autora: Portanto e diz-me que foi relativamente a uma ansiedade? Testemunha: Sim. Mandatária Autora: Esta ansiedade, isso vou-lhe perguntar agora, alguma vez a AA tomou ou tomava medicamentos relativamente para a ansiedade? Testemunha: Não. Mandatária Autora: Ou depressão? Testemunha: Não, nunca foi de tomar medicamentos. Mandatária Autora: Ou estes medicamentos só apareceram depois dessa notícia? Testemunha: Sim, foi dada a circunstância, sim. Mandatária Autora: E ela começou a ficar melhor, então, com a medicação? Testemunha: Aos poucos sim, foi … Pela medicação e pelo tempo, é normal uma pessoa vai… Mandatária Autora: Olhe, durante esse tempo a AA continuava a fazer as refeições com vocês ou havia, ou houve alguma alteração em termos de…? Testemunha: Não fazia, era muito difícil que ela comesse… Não queria sair da cama, queria estar na cama. Ela já é uma pessoa, ela já não é gorda, é uma pessoa elegante e eu vi uma AA ainda mais magra do que aquilo que ela é por exemplo. Ou seja, foi um…. Era um sentimento, ela transmitiu isso na altura, era um sentimento de humilhação, que não estava mesmo à espera, sentiu-se (…) Mandatária Autora: Ela tinha dito que se sentiu humilhada? Testemunha: Sim, sim, entre outras coisas que agora também não me lembro mas uma das palavras foi essa.”.
XXVI. Atente-se ainda às declarações da Autora, que confirma sofrimentos físicos ou morais (perda de apetite, perturbações de sono, ansiedade), perda de consideração social (sentiu-se humilhada), complexos de ordem psicológica (afastamento do seio familiar e social), stress e insegurança na procura de emprego que viveu com e após a notícia da cessação o seu contrato de trabalho. Início da gravação a 17.01.2023 às 11:09:45 e fim da gravação às 11:09:06; Passagem de 00:03:12 a 00:04:53 “Autora: E basicamente foi isso, fui responsável, foi criado… portanto, eu entendi que ia ficar a trabalhar na empresa, nunca esperei que fosse embora, até porque exercia as minhas funções adequadamente. Os responsáveis da loja, a FF, o GG e a HH tinham o conhecimento disso e de repente basicamente tudo mudou, aquilo que eles me deram a entender deixou de ser. Mm.ª Juiz: Certo, e então, isso causou-lhe o quê? Autora: Isso causou-me… eu senti-me humilhada com os colegas de trabalho porque nesse dia, basicamente já tinham a carta há um mês. Eu assinei-a depois um mês depois, já tinham a carta, sabiam que eu ia embora, pediram-me para eu trabalhar as minhas férias porque não tinham mais ninguém. Basicamente eu senti-me usada lá, usada e humilhada porque disseram-me na hora de almoço, eu tive que encarar os meus colegas que acharam que eu também ia ficar. Pronto, isso mexeu muito comigo. Mm.ª Juiz: É isso que quer dizer? Tem mais alguma coisa? Autora: Sim. Senti-me muito mal, por exemplo em casa eu depois no período em que acabei por vir embora da empresa tinha alguma dificuldade em entrar numa nova empresa, foi uma grande insistência por parte dos meus familiares, do meu pai, da minha, mãe, do meu irmão, consegui arranjar outro trabalho. Senti-me mesmo prejudicada e era a fase que toda a gente estava a ultrapassar, principalmente eu, o meu irmão trabalhava na mesma empresa e também veio para casa, portanto… Mm.ª Juiz: Foi na altura do covid não foi? Autora: Exatamente. Sim, portanto estava a viver uma situação que nós não, eu não sabia qual seria o meu futuro e de repente perdi aquilo que era a minha base. Passagem de 00:05:06 a 00:12:40 Mandatária Autora: AA disse aqui à Sra. Dra. Juíza que de facto no dia em que recebeu a carta, ou a notícia, que tomou conta da notícia que ia ser despedida sentiu-se usada e humilhada, “mexeu muito comigo”. Eu pergunto-lhe, mexeu muito consigo só nesse dia ou nos dias subsequentes? Eu quero que seja mais concreta, precisa, relativamente a isso está bem? Autora: Nos dias subsequentes que eu ainda trabalhei um mês dentro da empresa, e sabia que ia embora. Mandatária Autora: E durante esse mês que trabalhou na empresa qual foi o sentimento que a acompanhou? Autora: Senti-me triste, primeiro porque também não queria estar ali não é? Uma vez que ia embora, que não ia fazer parte da empresa que era uma coisa que me tinham dado a entender que iria ficar, porque nenhuma empresa iria convidar alguém e sabiam as minhas capacidades, entregaram-me uma responsabilidade de alguém que … porque gostavam do meu trabalho, sabiam que era competente, portanto eu senti que… eu fiquei muito desanimada na altura, fiquei muito em baixo. Eu até o apetite para trabalhar, para comer, para fazer as minhas funções, eu fiquei mesmo desamparada. Mandatária Autora: Ficou desamparada, percebi. Quando diz que ficou triste, triste, uma pessoa fica triste e muitas vezes nem parece que estamos tristes, temos que esconder esse estado de tristeza, quer dizer, quero-lhe perguntar o seguinte: esteve esse mês a trabalhar e o seu estado de espirito lá na empresa e depois em casa. O seu estado de espirito em casa quando me diz triste, o que é que… como é que revelava essa tristeza? Autora: Muitas vezes chorava. Mandatária Autora: Na empresa? Autora: Inclusive na empresa, no dia em que me entregaram a carta e depois dias depois. Mandatária Autora: Também volta e meia chorava? Autora: Sim. Mandatária Autora: Pronto. Depois e em casa qual era o seu estado de espírito? Autora: Era igual porque não sabia se ia conseguir arranjar emprego, se não ia… depois era a questão de ter vindo embora que no fundo eu gostava de trabalhar na empresa, e era o facto de toda a situação que criaram de não terem contado logo, portanto deixaram para a última, terem-me contado que vinha embora da empresa, portanto toda a situação que foi criada. Mandatária Autora: Vamos dizer que levou um soco na barriga é isso? Autora: Sim. Mandatária Autora: Sem contar, muito bem. Então e em casa, durante esse período após receber a notícia, o que é que mudou? Autora: Em casa tudo, porque eu não sabia como lidar com a situação do facto… Mandatária Autora: Tudo, quando diz tudo o que é que mudou em concreto? Autora: O meu estado de espirito por exemplo. Mandatária Autora: Sim, mas em concreto? É isso que eu quero que me diga, o que é que mudou? O que é que costumava fazer antes de receber esta noticia que deixou de fazer? Autora: É assim, na altura eu por exemplo convivia com os meus colegas de trabalho imenso, saia com eles, depois com o covid não era possível, mas conversava com eles e deixei de ter essa vontade de conversar tanto com eles porque sabia da situação. Porque mesmo eles próprios ficaram indignados pelo facto de eu vir embora, então, eu deixei de conviver tanto com eles. Mandatária Autora: Mas tinha vergonha de falar? Autora: Sim. Sentia vergonha, sentia humilhação. Mandatária Autora: E mudou, em termos desse relacionamento com os amigos, e em casa o que é que mudou? O que é que fazia e que deixou de fazer, em casa? Autora: Não tinha tanta vontade. Mandatária Autora: Na altura do covid, as pessoas não tinham muito em termos sociais era mais familiar … Autora: Sim. Mandatária Autora: O que é que mudou em casa? Autora: Em casa não tinha tanta vontade de comer, lá está, não queria muito falar sobre o assunto… pronto, porque o meu irmão também já tinha sido despedido na altura e isso tudo junto mexeu comigo. Mandatária Autora: Pronto, mas foi na altura em que o irmão foi despedido a Sra. também... saiu depois Autora: Eu estava em lay-off. Mandatária Autora: Exatamente. Esta…, portanto na altura em que foi despedida residia com os pais ou como é que era? Autora: Residia com os meus pais. Mandatária Autora: Sim, e em termos de sustento, ou seja, em termos de contribuições com despesas para a casa como é que fazia? Eram os seus pais que pagavam tudo? A Sra. Pagava alguma coisa? Autora: Tive que ter a ajuda dos meus pais, porque eu tinha a minha parte de contribuição. Mandatária Autora: Tinha a sua parte de contribuição? Autora: Sim. Mandatária Autora: Portanto, e o que é que mudou? Autora: O facto de estar em lay-off, tivemos a redução de ordenado. Obviamente que eu tenho um carro, portanto tinha que assegurar as despesas do carro que tenho um crédito, é um crédito mensal e eu não conseguia ajudar os meus pais como ajudava anteriormente. Mandatária Autora: E ajudava os seus pais anteriormente em quê? Autora: Em questões monetárias. Mandatária Autora: Mas em quê? Autora: No crédito da casa, nas prestações alimentares … Mandatária Autora: Havia um crédito a decorrer é isso? Autora: Exatamente, sim. Mandatária Autora: Relativamente à casa onde mora? Autora: Sim. Mandatária Autora: E ajudava então os seus pais? Autora: Sim. Mandatária Autora: Os seus pais à data do despedimento trabalhavam? Autora: Estavam os dois em lay-off. Mandatária Autora: Estavam os dois em lay-off, também havia uma redução de….? Autora: Sim. Mandatária Autora: Uma redução de rendimentos, correto? E os pais sempre trabalharam ou houve algum episódio de baixa médica ou de desemprego? Autora: A minha mãe nesse período chegou a estar dois anos de baixa à espera de uma operação, sim. Mandatária Autora: Por causa de uma operação? Porque há aqui uma Sra., a D. CC que lembra-se de a Sra. ter falado que a mãe esteve de baixa. Autora: Sim. Mandatária Autora: Pronto, e esta baixa foi portanto coincidente com este período de despedimento? Autora: Já foi na reta final. Mandatária Autora: Foi na reta final? Autora: Sim. Mandatária Autora: E então quando recebeu esta notícia, baixa da sua mãe, lay-off, como é que conseguiu gerir estes sentimentos e que sentimentos foram esses? Autora: Tive que ter a ajuda deles, não monetária, mas emocional. Mandatária Autora: Emocional… E para combater o quê? Autora: O facto de… Mandatária Autora: Que emoções, é o que eu lhe pergunto. Que emoções, a ajuda dos familiares para combater que emoções? Autora: Senti-me desiludida, senti-me humilhada, não consigo mesmo explicar aquilo que vivi. Mandatária Autora: Olhe em termos de… de ajuda médica nessa altura? Recorreu a alguma ajuda médica? Autora: Sim. Mandatária Autora: Ou não foi necessário? Autora: Sim. Mandatária Autora: E então? Autora: Tive que ir ao meu médico de família, porque lá está, eu já tive anemia e então eu deixei de comer e não tinha … tive mesmo que tomar medicação, não só para a questão da anemia, mas também para, uns calmantes, para lidar com a situação. Mandatária Autora: E os calmantes eram para dia, para noite? Como é que era? Autora: Só para a noite, que era o que me custava mais. Mandatária Autora: Tinha insónias é isso? Autora: Sim. Mandatária Autora: Portanto, e esta estado de espirito durou quanto tempo D. AA? Autora: Ainda durou algum tempo, eu depois fui entregando currículos no período em que estive em casa, depois passado um mês, mais ou menos um mês, iniciei na outra empresa, e foi o que me ajudou a acabar por passar pela situação, o facto de ocupar o tempo. Mandatária Autora: Quando me diz que enviou currículos, portanto, estava neste estado emocional e ainda assim enviava currículos. Isso era por sua iniciativa ou alguém … eu acho que me chegou a dizer que havia aqui um… Autora: O meu irmão. Mandatária Autora: Uma motivação. Autora: Sim. Mandatária Autora: De algum familiar, correto? Autora: Sim, o meu irmão. Mandatária Autora: O irmão é que a instigava a fazê-lo é isso? Autora: Sim. “
XXVII. In casu, e atentos os depoimentos supra transcritos, quer da testemunha CC, quer da testemunha DD, da testemunha BB e ainda da Autora, salvo o devido respeito por opinião contrária, dever-se-á considerar que a angústia, desânimo, ansiedade, desmotivação, tristeza e humilhação a que a autora foi submetida com o despedimento ilícito de que foi alvo trouxe inevitavelmente repercussões no seu próprio humor, no seu estado anímico e ao ponto daquela chorar frequentemente, repercussões essas que se traduzem em danos não patrimoniais suficientemente relevantes para merecerem a tutela do direito, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo.
XXVIII. Conclui-se assim e face ao que decorre dos autos que a decisão recorrida não se revela consentânea com a Justiça e com o Direito, falecendo de uma correta análise da prova apresentada autos e daquela produzida em sede de audiência de julgamento
XXIX. Designadamente, no que versa sobre a matéria de facto erradamente dada como não provada que antes deveria ter sido considerada provada porquanto e conforme decorre literalmente dos depoimentos que a Autora a partir do momento em que soube do seu despedimento até iniciar na nova empresa a Autora (in casu um mês e meio), viveu momentos de grande angústia, ansiedade, transtorno, stress.
XXX. Angustia, ansiedade, transtorno, stress com perdas de sono e apetite afastamento social e familiar que são danos que tiveram origem na violação de direitos laborais, nomeadamente de um despedimento ilícito e são e devem, ser merecedores da tutela do direito.
XXXI. Não obstante, considerou o tribunal a quo que dada a “rapidez” com que a autora arranjou um novo emprego a descrição dos sentimentos por esta vividos são exagerados e desajustados!
XXXII. E esta conclusão como se disse é merecedora de um duplo juízo de censura de acordo com as regras da experiência comum e porque também violadora dos direitos e interesses legalmente protegidos pela nossa Constituição: pois como pode o tribunal admitir por exagerado e desajustado sentimentos de ansiedade com perdas de apetite, perdas de sono, tristeza, isolamento social e familiar? Estes sentimentos que foram efetivamente vivenciados pela Autora por acaso devem ser excluídos porque a Autora por manifesta necessidade em pagar as despesas correntes do seio familiar enviou curriculum e arranjou emprego num curto espaço de tempo (mês e meio apos a noticia do despedimento)?
XXXIII. Certo é que com este pensamento, o tribunal desvalorizou e pôs em causa a integridade física, moral e dignidade humana da Autora, apenas porque a Autora se fez à vida à procura de emprego
XXXIV. Um pensamento que encaixa na perfeição quanto à avaliação dos danos e na valorização dos mesmos: uma alusão à guerra entre Rússia e Ucrânia: o fato de o povo Ucraniano ser constantemente bombardeado com perdas acentuadas de vidas, perdas dos lares e das condições básicas de sobrevivência exclui os danos porquanto continuam a lutar contra o invasor e agressor?
XXXV. Ou seja, o facto de a Autora ter encontrado emprego em um mês e meio é facto suficiente para excluir os danos vividos pela Autora e que foram graves? Na ótica do tribunal a quo parece que sim.
XXXVI. Refira-se que estamos numa época de conjuntura económica débil e pandémica de distanciamento social em que com as regras de experiência comum e da realidade que todos conhecemos, os currículos seriam enviados por correio eletrónico e as reuniões à distância,
XXXVII. Facto que aliás até foi referido pela Autora que houve ajuda e motivação dos seus familiares (irmão) na busca de novo emprego, Início da gravação a 17.01.2023 às 11:09:45 e fim da gravação às 11:09:06 Passagem de 00:11:58 a 00:12:40 Mandatária Autora: Portanto, e esta estado de espírito durou quanto tempo D. AA? Autora: Ainda durou algum tempo, eu depois fui entregando currículos no período em que estive em casa, depois passado um mês, mais ou menos um mês, iniciei na outra empresa, e foi o que me ajudou a acabar por passar pela situação, o facto de ocupar o tempo. Mandatária Autora: Quando me diz que enviou currículos, portanto, estava neste estado emocional e ainda assim enviava currículos. Isso era por sua iniciativa ou alguém … eu acho que me chegou a dizer que havia aqui um…Autora: O meu irmão. Mandatária Autora: Uma motivação. Autora: Sim. Mandatária Autora: De algum familiar, correto? Autora: Sim, o meu irmão. Mandatária Autora: O irmão é que a instigava a fazê-lo é isso? Autora: Sim.”
XXXVIII. Ora, se é certo que os tribunais são órgãos para administrar a justiça em nome do povo e com incumbência de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática, é o que dita o ar.º 202 n.º 1 e 2 da CRP,
XXXIX. Certo ainda e consabido que dos autos claramente está provado que houve um despedimento ilícito e por causa deste a Autora assumiu sentimentos de ansiedade, transtorno, instabilidade insegurança e stress.
XL. Danos que pela sua gravidade, merecem a tutela do direito e que têm que se indemnizados.
XLI. Dos autos também decorre que com a sentença que o tribunal a quo alcançou que a justiça não foi corretamente administrada e a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos da Autora não foram assegurados nem sequer reprimida a violação antes consentida pelo tribunal a quo apenas porque a Autora iniciou outra atividade passado um mês e meio ao da notícia do seu despedimento ilícito.
XLII. Há, assim, erro de julgamento e erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a quo decide que os danos sofridos pela autora não merecem a tutela do direito para haver lugar a indemnização por danos morais rejeitando e excluindo-os dos factos provados.
XLIII. No que tange aos erros notórios na apreciação da prova supra elencados, dir-se-á que há erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
XLIV. Deste modo, é necessário que na fundamentação da sentença, o tribunal faça uma exposição, o mais completa possível dos motivos de facto que fundamentam a sua decisão, e bem assim com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção.
XLV. Por tudo o que resulta dos autos (prova documental e testemunhal) os factos 1) e 2) de que “1) A Autora viveu dias senão meses de grande insegurança, instabilidade e stress na procura de emprego”, e que “2) A autora teve grande transtorno, ansiedade, precariedade, instabilidade como única e exclusiva causa a cessação do contrato de trabalho” devem ser dados como provados.
XLVI. A não ser feita assim a digna e sã Justiça, o tribunal a quo violou os art.º 496 n.º 1 e 799º n.º 1 ambos do CC, o art.º 202 n.º 1 e 2 da CRP e ainda o art.º 389º n.º 1 do CT al. a), ilegalidades acometidas e que se arguem para os legais efeitos.
Nestes termos e no mais direito, devem V.ª Ex.ª revogar a douta sentença que ora se recorre e em consequência deverá a Ré ser condenada no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais em valor nunca inferior a 5.000€ (cinco mil euros), acrescida dos legais juros de mora contados desde a propositura da ação até integral pagamento, fazendo-se assim INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!”.
*
A Ré respondeu, nos termos das contra-alegações juntas, terminando com as seguintes “CONCLUSÕES:
1. As duas testemunhas que descreveram, de forma espontânea, o estado de espírito da ora Recorrente como tendo ficado “triste”, “super triste”, “um bocado desiludida”, “não ficou bem” e “um bocadinho em baixo”, quando recebeu a notícia da sua desvinculação da ora Recorrida, em tudo o resto se mostrando contraditórios entre si, e com a própria realidade.
2. De acordo com a testemunha CC, após a notícia da caducidade do contrato de trabalho, a A. continuou a trabalhar, e – apesar da aparente tristeza –, mantinha-se activa e em diálogo com o grupo, embora acabasse por não falar tanto;
3. A ora Recorrente nenhum facto objectivo alegou que suportasse o invocado estado de enorme transtorno, insegurança, angústia e instabilidade;
4. Tal factualidade – no grau de gravidade que as testemunhas pretenderam imprimir-lhe – não é compatível com a rapidez com que a A., ora Recorrente, encontrou trabalho, sendo certo que de acordo com as regras de experiência, a celebração de um contrato de trabalho e o início de execução do mesmo, é normalmente precedido de uma série de actos preparatórios, de diligências próprias, devidas e comumente realizadas antes do início da prestação de trabalho, pelo que bastante antes de iniciar a sua nova actividade profissional já a A., necessariamente tinha conhecimento da escolha da nova entidade empregadora.
5. Os danos não patrimoniais apenas são atendíveis quando, para além de uma plausível relação de causa-efeito, a lesão deles decorrente assuma especial relevo, configurando gravidade que vá notoriamente para além daquela que sempre resulta de uma situação de ruptura contratual similar à de um despedimento individual, ou seja – nas palavras do Supremo Tribunal de Justiça – um dano não patrimonial cuja gravidade mereça a tutela do direito (cfr. Ac. STJ, de 25/11/2014 – processo 781/11.6TTFAR.E1.S1, em www.dgsi.pt), nos termos do art. 496º, nº 1, do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de direito, cujo suprimento se impetra de Vossas Excelências, deve ao presente recurso ser negado provimento e, em consequência, manter-se a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo. Para que se faça justiça!”.
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Admitido o recurso, como apelação foi ordenada a subida dos autos a esta Relação.
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Neste Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do art. 87º, nº 3, do CPT, no sentido de que deveria ser confirmada a sentença recorrida.
Notificadas deste, pronunciou-se a A. no sentido de que deve revogar-se a sentença nos termos já alegados, fundamentados e concluídos em sede de, fazendo-se assim INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!
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Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigo 87º do CPT e artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, 639º, nºs 1 e 2 e 640º, do CPC (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho- diploma a que pertencerão todos os artigos a seguir citados, sem outra indicação de origem) e importando conhecer de questões e não de razões ou fundamentos, as questões a decidir e apreciar consistem em saber:
- se a sentença é nula, por omissão de pronúncia;
- se Tribunal “a quo” errou o julgamento, quanto aos factos vertidos nos pontos 1 e 2 dos factos não provados; e
- ao julgar improcedente o pedido de indemnização por danos não patrimoniais, como defende a recorrente.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
O Tribunal “a quo” considerou o seguinte:
“Para além da factualidade já dada como provada, são os seguintes os factos provados:
A) A autora perante a comunicação da cessação do contrato de trabalho a que estava vinculada, ficou num estado de ansiedade, dada a conjuntura económica e pandémica derivada da COVID-19.
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Não resultaram provados os seguintes factos:
1) A autora viveu dias senão meses de grande insegurança, instabilidade e stress na procura de emprego.
2) A autora teve grande transtorno, ansiedade, precariedade, instabilidade como única e exclusiva causa a cessação do contrato de trabalho.”.
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Desde já, importa dizer que a “factualidade já dada como provada” a que se refere a Mª Juíza “a quo” é a seguinte:
“A) Autora e ré, no dia 22 de Novembro de 2017, celebraram um Contrato Individual de Trabalho a termo certo, com início na mesma data, por força do qual, a Autora se obrigou a prestar à Ré, sob as ordens e direção e fiscalização desta, as funções de Caixeira Ajudante 1º ano, cabendo-lhe o atendimento a clientes operações de caixa, reposições de loja, descarga e carga de mercadorias, operações básicas de armazém, montagem e manutenção de mobiliário, iluminação e outros, limpeza de expositores de loja/armazém e manutenção do estado de limpeza da loja em geral.
B) Mediante a retribuição acordada de 557€ (quinhentos e cinquenta e sete euros) ilíquidos, sob os quais incidiram os descontos legais, acrescido do subsídio de alimentação, no valor de 6,40€ (seis euros e quarenta cêntimos) por cada dia efetivo de trabalho e cumprindo um período de trabalho de 40h semanais que poderá ser até 50h semanais, por escalas de serviço.
C) A autora desempenhou funções de Caixeira Ajudante 1º ano, no estabelecimento comercial vulgo loja inserida no Centro Comercial ... sito à Rua ..., loja ..., ... ..., loja esta pertença da ré.
D) Foram ainda celebrados entre a autora e a ré dois acordos de alteração de contrato individual de trabalho a termo certo respetivamente, a 21/03/2018 e a 27/03/2019, tendo sido atualizado a retribuição da autora conforme a atualização do salário mínimo nacional.
E) No primeiro contrato celebrado entre a autora e a ré no dia 22/11/2017, foi determinado o seu termo no dia 27/05/2018, ou seja, o contrato vigorou por um período de 6 meses, tendo a ré o justificando com a seguinte menção “verifica-se um acréscimo de atividade na empresa provocado pela chegada da coleção Outono/Inverno época de Natal e Saldos”.
F) No primeiro “Acordo de alteração de contrato individual de trabalho a termo certo” com data de celebração a 21/03/2018, autora e ré alteraram o contrato individual de trabalho a termo certo já existente, renovando por um período de 12 meses, com o seguinte fundamento “acréscimo excecional da atividade da empresa motivado pela chegada da coleção primavera/verão e época de saldos se prolongará por mais de 12 meses”.
G) No segundo “Acordo de alteração do contrato individual de trabalho a termo certo” com data de celebração a 27/03/2019, autora e ré, renovaram o contrato por um período de 18 meses, com o seguinte fundamento “acréscimo excecional da atividade da empresa motivado pela chegada da coleção primavera/verão e época de saldos se prolongará por mais de 18 meses”.
H) A ré por carta de 10/09/2020, mas recebida a 15/10/2020, comunicou à autora a caducidade do contrato na data do termo do contrato, isto é, no dia 21/11/2020.
I) Nunca foi proporcionada à autora formação profissional.
J) Aquando da cessação do contrato, a ré pagou à autora os seguintes montantes:
a) 578,96€ a título de subsídio de natal;
b) 59,09€ a título de férias por gozar;
c) 578,96€ a título de subsidio de férias do ano corrente;
d) 578,96€ a título de dias de férias do ano corrente;
e) 51,15€ a título de média comissões - subsidio de férias (proporcionais);
f) 51,15€ a título de média comissões – subsidio de natal;
g) 21,15€ a título de média comissões – férias (proporcional);
h) 1.170€ a título de compensação por caducidade do contrato.”.
*
– O Direito
Nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 615º, n.º1, al.d)
A primeira questão a apreciar, consiste em apurar se a sentença padece da arguida nulidade, o que a apelante faz, invocando o art. 615º, nº 1, al. d), sob a alegação e conclusão de que, “…o tribunal a quo nem se pronunciou relativamente ao depoimento prestado pela testemunha EE, encontrando-se a Autora na incógnita se o seu depoimento foi ou não valorado pelo tribunal e em que medida, com a inerente fundamentação, omissão de pronuncia que se argui para os legais efeitos abrigo do disposto no art. 615 n.º1 al. d)”, como refere na conclusão XXIII.
Vejamos.
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do art. 615º.
Nele se dispõe que, é nula a sentença quando: “a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”.
Em anotação ao art. 668º do CPC de 1961, que corresponde ao actual art. 615º, refere (Abílio Neto, in “Código de Processo Civil Anotado”, 23ª ed., pág. 948), que “os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.”.
Como concluem (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 686) entre as causas de nulidades da sentença enumeradas, taxativamente, no nº1, do art. 615º, não se incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”
Vejamos.
Ora, no caso, analisando os argumentos constantes quer das alegações quer das conclusões da recorrente, em concreto, quando a mesma alega que, “…o tribunal a quo nem se pronunciou relativamente ao depoimento prestado pela testemunha EE...”, só podemos, desde já, dizer que não lhe assiste razão.
Pois, analisando a sentença recorrida não se descortina o cometimento de qualquer vício, susceptível de configurar qualquer nulidade da mesma, em especial, a que alude a al. d) do nº 1, do art. 615º que a recorrente invoca.
Sem dúvida, atento o que supra deixámos exposto, sobre os vícios que são causa de nulidade da sentença, analisada esta, só podemos concordar que a mesma não enferma de qualquer nulidade, em particular, pela razão invocada pela recorrente, já que não configura o que refere qualquer questão que devesse ser apreciada e não o tenha sido.
E, como é sabido, para que possa afirmar-se que ocorre a nulidade da sentença, com fundamento na omissão de pronúncia, o mesmo só acontece, quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras).
O que, manifestamente, não podemos concordar seja o caso.
Nem a recorrente o diz. Bem pelo contrário.
Alega que, naquela, “…o tribunal a quo nem se pronunciou relativamente ao depoimento prestado pela testemunha EE, …” e depois de dizer que se encontra “na incógnita se o seu depoimento foi ou não valorado pelo tribunal e em que medida, com a inerente fundamentação,” considera que tal configura “omissão de pronuncia que se argui para os legais efeitos abrigo do disposto no art. 615 n.º1 al. d)”.
Argumentos que só podemos concordar, não consubstanciam qualquer causa de nulidade da sentença recorrida. Dela decorre que, quanto à concreta questão da decisão de facto a Mª Juíza “a quo” não só conheceu da mesma, fixando o elenco dos factos provados e não provados, como explicou a razão, porque o fez. Não ocorrendo, assim, omissão de pronúncia, quanto a esta questão, já que, questão não se confunde com os argumentos invocados pelas partes.
Ora, sendo deste modo, só podemos concluir, atentos os argumentos invocados pela recorrente para sustentar a arguida nulidade, que é notório que tal não se verifica, denotando que existe por parte da mesma nítida confusão quanto ao alegado vício que lhe imputa defendendo, por isso, que deve ser declarada nula e, eventual, existência de erro de julgamento de que, a mesma possa padecer que, não é gerador de nulidade, nos termos expressamente previstos nas diversas alíneas do nº 1, do referido art. 615º, em concreto, na al. d), porque como bem se diz no, (Ac. do STJ, de 10.12.2020, Proc. 12131/18.6T8LSB.L1.S1), “I – A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.”.
Ou seja, como é entendido unanimemente pela jurisprudência, a nulidade por omissão de pronúncia, só se verifica se o julgador deixar de se pronunciar sobre questões (intrinsecamente consubstanciadoras do objecto do processo – causa de pedir e excepções deduzidas -) sobre as quais devesse pronunciar-se e não sobre os argumentos aduzidos pelas partes. Sendo que, no caso, não se vislumbra, nem a recorrente o diz, que a Mª Juíza “a quo” não tenha conhecido de todas as questões que lhe foram colocadas.
Donde só podemos concluir que, na sentença recorrida, não se verifica que tenha sido cometida qualquer irregularidade ou vício, nomeadamente, de modo a violar o disposto no art. 615º nº 1, al. d) que a recorrente invoca.
Improcede, assim, este aspecto da apelação.
*
Passemos, então, à análise da questão:
- Da impugnação da decisão da matéria de facto:
A este propósito pretende a recorrente que esta Relação dê como provada a matéria dos pontos 1) e 2) dos factos dados como não provados alegando que, na sentença, “ao decidir como decidiu, não fez uma correta apreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento”, no que concerne àqueles. Mais, alega ser seu entender que, “No que respeita ao factos não provados o tribunal a quo, fundamentou exclusivamente a sua decisão pela alegada “rapidez “em que a Autora consegui novo emprego e porque a Autora apenas (na ótica do tribunal) esteve desempregada 10 dias!” e, ainda, “Ora para além de se afigurar uma incorreta apreciação dos meios de prova testemunhal e documental, o tribunal descurou, desvalorizou e mutilou em absoluto os sentimentos que afligiram a Autora e foram cabalmente demostrados em sede de audiência”.

Cumpre com o que se exige, quer em sede de conclusões, com a indicação dos pontos impugnados e a resposta diversa que, em seu entender, deve ser dada quer, em sede de alegações, começando nestas por dizer que, “- se é certo que Autora esteve desempregada 10 dias, ou seja, o contrato terminou a 21/11/2020, outrossim a Autora começou a trabalhar numa nova empresa a 2/12/2020 conforme decorre dos fatos assentes - é ainda certo que a cessação do contrato de trabalho foi comunicada pela Ré à Autora a 15/10/2020.”, que, “Por outro lado, o tribunal a quo admite o facto de a cessação ter acontecido em plena pandemia, que, como é sabido, foi uma altura de grande incerteza, nomeadamente ao nível do emprego.”, e ainda que, “o tribunal a quo merece sem dúvida um duplo juízo de censura não só pelo erro na apreciação da prova testemunhal como pela animosidade pelo cumprimento das regras de experiência comum (bom pai de família).”.
Prossegue, sob a epígrafe, “Do erro na apreciação da prova testemunhal:” com a alegação de que, “Vem o tribunal a quo na sua fundamentação afirmar que as testemunhas CC, DD não demonstraram conhecimento direto da situação vivida pela autora com a cessação do CT e que deste modo não foi levado em conta pelo tribunal. Será assim?” e a seguir, diz: “A testemunha CC tem claramente conhecimento direto dos fatos pois trabalhou para a Ré durante o período temporal coincidente com a o despedimento ilícito da Autora, ou seja, entre o ano de 2018 a 2021, nas mesmas instalações chegando mesmo a trabalhar com a A. na mesma secção”.
Continua com passagens dos depoimentos, respectivamente, da testemunha: CC com “Início da gravação a 17.01.2023 às 09:50:04 e fim da gravação às 10:12:30” as quais transcreve nas páginas 6 a 12, e da testemunha: DD com “Início da gravação a 17.01.2023 às 10:55:04 e fim da gravação às 11:09:06”, transcrevendo-as nas páginas 12 e 13 e afirmando: “Nesta senda e face aos depoimentos destas duas testemunhas que supra se reproduziu há erro notório na apreciação da prova pelo tribunal a quo, pois decorre literalmente do seu depoimento o conhecimento direito do transtorno, ansiedade e stress que a Autora viveu em consequência da cessação do seu contrato de trabalho, desde o momento em que soube da referida cessação, e no caso da testemunha CC até à data do términus do contrato da Autora.
Destarte, face a esta prova, não pode o tribunal a quo concluir como conclui que as testemunha não tiveram conhecimento direto, sem cair em derrapagem por manifesto erro notório.”.
Segue, com a alegação de que: “Relativamente ao depoimento feito pela testemunha BB e às declarações de parte da Autora pese embora o tribunal a quo admita por certos os sentimentos vividos pela Autora, os mesmos foram de imediato desvalorizados e pasme-se, à razão da alegada rapidez que a Autora alcançou emprego!” referindo que, “quer a testemunha BB, quer a Autora descreveram de forma clara, concisa e precisa os sentimentos vividos pela Autora, a situação de instabilidade, as consequências que advieram a nível físico e mental da autora, e bem assim da situação de precariedade da mesma.” Mais, afirma que: “O tribunal desvalorizou e pôs em causa a integridade física, moral e dignidade humana da Autora, apenas porque a Autora se fez à vida à procura de emprego”, procedendo à transcrição da “Passagem de 00:11:58 a 00:12:40” do depoimento da A. e do depoimento da testemunha: BB “Início da gravação a 17.01.2023 às 10:13:22 e fim da gravação às 10:37:47”, a cuja transcrição procede, ao longo das páginas 17 a 20, continuando com a transcrição de passagens de Declarações de parte da Autora, “Início da gravação a 17.01.2023 às 11:09:45 e fim da gravação às 11:09:06” de páginas 21 a 27, após o que alega e conclui que, “atentos os depoimentos supra transcritos, quer da testemunha CC, quer da testemunha DD, da testemunha BB e ainda da Autora, salvo o devido respeito por opinião contrária, dever-se-á considerar que a angústia, desânimo, ansiedade, desmotivação, tristeza e humilhação a que a autora foi submetida com o despedimento ilícito de que foi alvo trouxe inevitavelmente repercussões no seu próprio humor, no seu estado anímico e ao ponto daquela chorar frequentemente, repercussões essas que se traduzem em danos não patrimoniais suficientemente relevantes para merecerem a tutela do direito, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo.”.

Termina, assim, com a alegação de que, “Por tudo o que resulta dos autos (prova documental e testemunhal) os factos 1) e 2) de que “1)A Autora viveu dias senão meses de grande insegurança, instabilidade e stress na procura de emprego”, e que “2) A autora teve grande transtorno, ansiedade, precariedade, instabilidade como única e exclusiva causa a cessação do contrato de trabalho” devem ser dados como provados.”.
Vejamos.
Antes de entrarmos, propriamente, na análise da impugnação cumpre relembrar, de forma breve, os ónus exigíveis e os critérios que devem presidir à reapreciação factual por parte deste Tribunal da Relação.
A apreciação desta questão, da impugnação da decisão proferida, pelo Tribunal “a quo” relativa à matéria de facto, por este Tribunal “ad quem” pressupõe que a recorrente cumpra determinados ónus, conforme decorre do art. 640º “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.Trabalho, que a este respeito dispõe que:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. (…)”.
Resulta da análise deste dispositivo que, o legislador concretizou a forma como se processa a impugnação da decisão, sobre a matéria de facto, tendo reforçado, neste novo regime, os ónus de alegação a cargo do recorrente, impondo-lhe que deixe expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação após a reapreciação dos concretos meios de prova que, considera, impõem decisão diversa da recorrida.
Nas palavras de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço dos ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objecto do recurso -, motivar o seu recurso através da indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, neste caso, procedendo à transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto - fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
Sendo, ainda, de dizer que a impugnação da matéria de facto não se basta com a simples transcrição dos depoimentos das testemunhas e com a indicação do início e o fim das passagens constantes da gravação. E exige, por parte do impugnante, uma análise crítica da prova de maneira a justificar as alterações ou o porquê da pretendida alteração, pese embora, como se lê, no (Acórdão do STJ de 22.02.2018, proferido no processo 8948/15.1T8CBR.C1.S1), “A omissão, a insuficiência ou a suficiência da análise crítica, pelo recorrente, das provas a reapreciar é questão que tem a ver com o mérito da impugnação, com a procedência ou improcedência do recurso, mas não com a sua liminar rejeição ou aceitação.”.
Cumpridos que se mostrem esses ónus por parte do recorrente, nada obsta a que o Tribunal da Relação proceda à peticionada reapreciação e, eventual modificabilidade da decisão de facto, nos termos do disposto no art. 662º.
Apesar de, importar, também, previamente, dizer que a reapreciação da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação não pode nem deve constituir um segundo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse mas, apenas, remédio jurídico destinado a corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente.
Donde, pese embora e sem prejuízo, da possibilidade da modificação da decisão da matéria de facto poder ocorrer se a Relação acabar, como diz, (Abrantes Geraldes “in” Cód. Proc. Civil, antes citado, pág. 247), por “formar uma diversa convicção sobre os pontos de facto impugnados deve reflectir em nova decisão esse resultado”, ou seja, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos à livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras da experiência, em princípio, só quando os elementos dos autos conduzam inequivocamente a uma resposta diversa da dada em 1ª instância é que deve este Tribunal “ad quem” alterar as respostas que ali foram dadas, situação em que estaremos perante erro de julgamento.
Transpondo o exposto para o caso, verifica-se que houve gravação dos depoimentos prestados em audiência e a apelante impugna a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto não provados, que considera incorrectamente julgados, prova a reapreciar e decisão que sugere e pretende seja dada àqueles.
No entanto, importa desde já dizer que, apenas, em relação à prova testemunhal que indica, a recorrente cumpre aqueles ónus, não o fazendo quanto aos documentos. Sendo que quanto a estes, nada mais diz, que não seja que defende a alteração dos pontos que impugna por, alegadamente, entender que, “resulta dos autos (prova documental e testemunhal)”. Incumprindo, assim, quanto à primeira o ónus de indicar quais os concretos documentos que impunham quanto àqueles pontos impugnados, alegadamente, decisão diversa da recorrida. Falta de especificação concreta dos documentos que, sem dúvida, atento o que decorre daquele art. 640º, nº 1, al. b), imporia que, desde já, se procedesse à rejeição da deduzida impugnação da decisão relativamente à matéria de facto que, conforme se verifica da alegação, a recorrente fundamenta em relação a todos os pontos – o que, no caso, se compreende, dado todos se referirem à mesma questão - nos trechos dos depoimentos da A. e das testemunhas, CC, DD e BB, que transcreve e no teor dos documentos juntos aos autos, alegadamente, apreciados de forma errada.
E, assim sendo, importará, averiguar se assiste razão à recorrente, quando defende a alteração da decisão de facto, apenas, com fundamento nos depoimentos da A. e das testemunhas que indica, relativamente aos quais, como dissemos, cumpre os ónus que se lhe impõem.
Ou seja, em nosso entender, resulta das alegações e das respectivas conclusões que, a considerar-se, apenas, a prova testemunhal, a recorrente, de modo satisfatório, impugna a decisão da matéria de facto dando cumprimento aos ónus impostos pelo art. 640º, nº 1 al.s. a), b) e c), não havendo motivo para a sua rejeição, nem total nem parcial. Faz referência aos concretos pontos, da matéria de facto não provada, que considera incorrectamente julgados, a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida, indicando os elementos probatórios, cujo registo gravado consta do processo e considera devem conduzir à alteração dos pontos impugnados e, ainda, transcreve as passagens da gravação, em que se funda o recurso, cfr. nº 2 al. a) daquele mesmo art. 640º, razão porque não ocorreriam, por esta via, motivos para a rejeição da apreciação desta questão.
Vejamos, então.
Comecemos, por transcrever os factos dados como não provados em 1) e 2) que a recorrente alega, assim foram considerados, pela Mª Juíza “a quo”, ao arrepio dos depoimentos prestados em sede de audiência.
Têm, os mesmos, o seguinte teor:
“1) A autora viveu dias senão meses de grande insegurança, instabilidade e stress na procura de emprego.
2) A autora teve grande transtorno, ansiedade, precariedade, instabilidade como única e exclusiva causa a cessação do contrato de trabalho.”.
E, porque não se podem olvidar as razões que estiveram na base da formação da convicção do Tribunal, para uma melhor compreensão do “iter” lógico-dedutivo que levou a Mª Juíza “a quo” a responder a toda a factualidade e, em concreto, as respostas dadas de provados e de não provados aos factos, (onde obviamente, se integram os, agora, impugnados) transcrevemos, já que, após a audição de toda a prova gravada, subscrevemos integralmente a apreciação e as considerações, aqui expostas, o seguinte:
«Quanto ao facto dado como provado foi considerado o depoimento da testemunha BB, irmão da autora que vive com a autora e que descreveu a ansiedade vivida por aquela perante a comunicação da cessação do contrato, sentimento que foi também referido pela autora, afigurando-se ao tribunal que esta descrição se mostra de acordo com as regras da experiência comum, atento o facto de a cessação ter acontecido em plena pandemia, que, como é sabido, foi uma altura de grande incerteza, nomeadamente ao nível de emprego.
O depoimento das testemunhas CC e DD não foi levado em conta pelo tribunal já que estas testemunhas não demostraram conhecimento directo sobre a situação vivida pela autora com a cessação do contrato.
Quanto à factualidade dada como não provada, foi a própria autora que esclareceu que começou a trabalhar numa nova empresa em 2/12/20, pelo que se constata que a autora esteve desempregada cerca de 10 dias e entre a data em que soube que o seu contrato ia cessar (15/10/20) e a data em que reiniciou a sua actividade profissional decorreu cerca de um mês e meio.
Ora, pese embora a descrição de sentimentos vividos pela autora que foi feita pela testemunha BB e pela própria autora, a verdade é que, perante a rapidez com que a autora conseguiu um novo emprego (que muito se valoriza) afigura-se ao tribunal que aquela descrição se mostra muito exagerada e desajustada ao período de tempo de que se fala.
É certo que, quer a autora, quer as testemunhas BB, CC e DD, insistiram na surpresa que foi a cessação do contrato da autora, já que todos pensavam que esta ia até ser promovida.
Mas a verdade é que, para além desta questão não ter sido alegada, nem sequer aflorada na petição inicial, a ideia de promoção da autora assentou apenas em convicções pessoais das testemunhas e da autora, não tendo sido materializadas em elementos objectivos ou em depoimentos das pessoas que teriam dado aquela esperança à autora.
Em face do exposto, entendeu o tribunal dar esta matéria como não provada.» (sublinhados nossos).
Como já referimos supra e decorre das suas alegações e conclusões, a apelante discorda desta fundamentação, no essencial, por considerar que das provas produzidas, alegadamente, documental e testemunhal, cremos com particular destaque para as que indica e transcreve, deveria ter-se dado como provada aquela factualidade que impugna. Pugnando, assim, pela alteração da decisão recorrida e da factualidade, dada como provada e não provada.
Assistir-lhe-á razão?
E, sempre com o devido respeito adiantamos, desde já, que não.
Desde logo e, sem necessidade de qualquer referência, ao que foi a nossa convicção, após a análise conjunta que fizemos dos meios de prova, (todos sujeitos ao princípio da livre apreciação), os considerados pela Mª Juíza “a quo” e os indicados pela recorrente, importa que se diga que, sufragamos inteiramente aquela fundamentação.
Na verdade, depois de apreciarmos os elementos probatórios em que a recorrente se baseia para fundamentar o seu desacordo quanto à decisão da matéria facto, de modo algum e em parte alguma, resulta infirmado o decidido pelo Tribunal “a quo”.
Como se constata, a recorrente está a pôr em causa a convicção do Tribunal “a quo”, mas, fazendo apelo, apenas, a parte, as concretas passagens que transcreve, dos mesmos meios de prova que são referidos na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto quanto àqueles pontos. Fá-lo, no entanto, descurando que o Tribunal “a quo”, além de referir os elementos de prova que não lograram convencer quanto àqueles factos, apreciou-os na sua globalidade e conjugadamente, para além das passagens que a apelante indica, mas, ainda assim, esta deixa claro que, apenas, face aos depoimentos cuja transcrição junta, daquelas referidas testemunhas e da A., impunha-se que os factos que impugna fossem considerados, como provados, querendo significar, com isso, que a prova foi suficiente para se dar como provada, a matéria constante daqueles dois pontos.
Mas, como dizem, (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 436), para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida”.
Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica.
Já, (Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil Coimbra Editora, Coimbra, 1979, pág. 191), dava como definição de “Meio de Prova (instrumento ou fonte de prova”. É todo o elemento (quid) sensível, através do qual, mediante actividade perceptiva ou simplesmente indutiva, o juiz pode, segundo a lei, formar a sua convicção acerca dos factos (afirmações de facto) da causa.”.
Ora, como resulta claramente da fundamentação, o Tribunal “a quo” entendeu que a prova produzida, em concreto, aquelas que refere, não permitiu criar no espírito do julgador um estado de convicção, positiva, assente na certeza relativa do facto. Ou seja, não se revelou cabal para dar como provados os factos dos pontos 1 e 2.
Logo, sendo desse modo e atento o que se deixou dito, só nos resta dizer que não é, pois, apenas, a invocação em parte, dos mesmos meios de prova que constituem fundamento bastante para sustentar a pretendida alteração. Ou seja, a prova daqueles factos, com a sua consequente eliminação do elenco dos factos não provados e a sua inclusão no elenco dos factos provados.
Pelo que, também, por esta razão, a pretensão da apelante não pode proceder.
Acrescendo que, ainda, que não fosse desse modo, fundamentalmente o que se verifica é que, não aponta a R. qualquer erro na apreciação das provas que foram produzidas nos autos (todas elas, provas sujeitas à livre apreciação do julgador), limita-se a dizer que há “erros notórios na apreciação da prova” e que em sua opinião, ao contrário do decidido pelo Tribunal “a quo”, face aos depoimentos que transcreve, aqueles factos que impugna, se provaram, o que desde logo revela que, do que a recorrente discorda, é, como já dissemos, da convicção que a Mª Juíza “a quo” firmou, fundamentada na globalidade e apreciação conjunta de todas as provas produzidas nos autos, considerando aquela que não é a correcta, indicando como fundamento da sua alegada convicção, como já se disse, apenas, as passagens que transcreve das mesmas provas que fundamentaram a convicção expressa na decisão recorrida, especificamente parte dos depoimentos daquelas três testemunhas que identifica e transcreve e das declarações da A. que, alega foram erroneamente apreciados, quer na sua interpretação quer na sua valoração, pela Mª Juíza “a quo”, com consequências a nível da matéria de facto, com relevância para a decisão da causa que, considera, deverá ser diversa da que foi proferida.
Mas, da análise que fizemos de todas as provas produzidas nos autos, consideradas pela Mª Juíza “a quo” quanto aos factos impugnados que, conjugadamente analisámos, só podemos dizer que a prova produzida não sustenta a alegada convicção da recorrente, o que é, claramente, evidente da simples leitura dos trechos dos depoimentos que transcreve. Não convencendo de modo diverso, a globalidade do que foi dito pelas referidas testemunhas.
Ao contrário do que defende a apelante, em nosso entender, só podemos adiantar que o Tribunal “a quo” fundamentou e bem a decisão de facto, em concreto, quanto aos factos não provados que se mostram impugnados, todos, no sentido em que foram decididos e nenhuma prova em contrário foi produzida nos autos, susceptível de impor a sua alteração nos termos sugeridos, ou seja, dando como provados, os pontos 1 e 2, nem o demonstra a transcrita por aquela. Não bastando, para convencer sobre o que não foi dado como provado, o que disseram. Os seus depoimentos, não tiveram a virtualidade de convencer quanto àqueles concretos factos do modo que a recorrente o considera na conclusão XXLV.
Verificados “um por um” os depoimentos prestados, só é possível concluir como o concluiu a Mª Juíza “a quo”. Pois, o que se verifica é que, o que foi dito por aquelas testemunhas e pela A., em concreto, quanto aos factos impugnados, não se revelou credível e convincente por parte desta Relação. Aliás, a Mª Juíza “a quo” explicou e, em nosso entender, acertadamente, a razão porque, não deu aquela factualidade provada.
Ou seja, em nossa convicção, ao contrário do que a A. sustenta, da interpretação integrada e conjugada das provas produzidas, nomeadamente, das passagens dos depoimentos das testemunhas e do seu próprio, não resulta que esteja incorrecta a decisão proferida, quanto àqueles factos. Estas provas, não têm a virtualidade, por si só, de convencer do modo que pretende, demostrando, nos termos que ela considera que, aqueles, resultaram provados.
Sem dúvida, o que este Tribunal ouviu e leu, em particular, nos trechos dos depoimentos transcritos, não se revelou credível de modo a firmar em nós a alegada convicção da recorrente ou infirmar convicção diversa da que consta da decisão recorrida. Coincidindo, a nossa convicção, como já dissemos, com o que a Mª Juíza “a quo” transcreveu na motivação da decisão de facto (que, diga-se, revela a análise crítica e apreciação das provas, que se lhe impunha, nos termos prescritos, no art. 607º, nº 4, do CPC, não se verificando qualquer aplicação errada deste), e não com a apreciação que consta do recurso, razão porque não ocorrem motivos para que se alterem aqueles factos impugnados, mantendo-se a decisão recorrida quanto aos mesmos.
Por fim, importa acrescentar, ainda, que face ao que decorre dos autos, o referido pela apelante na conclusão XXVIII, não corresponde à apreensão que fizemos.
Cremos, assim que, também, por esta via, a pretensão da recorrente não tem acolhimento, já que é nossa convicção que não tinha ela outro fundamento que não seja a sua própria convicção, evidentemente, diversa da que foi a livre convicção da Mª Juíza julgadora e é a nossa.
Também, a nós, não se nos suscitaram dúvidas sobre a ausência de prova convincente, quanto àqueles factos que não foram considerados provados, em concreto, o que consta dos pontos 1 e 2, concordando com a decisão recorrida, já que a mesma se mostra conforme com a convicção que formámos.
Aliás, reiterando o que dissemos, é óbvio das alegações e conclusões da recorrente e tivemos a oportunidade de o verificar, aquando da apreciação que fizemos, conjugadamente, de todas as provas, que a discordância da mesma não assenta em qualquer erro de julgamento das provas produzidas nos autos, mas, tão só, de uma diversa convicção da que firmou o Tribunal “a quo”, como bem o notam a recorrida e o Ex.mo Procurador, pugnando pela manutenção daquela.
A audição integral dos depoimentos, possibilitou-nos aferir isso mesmo e facilitou-nos a formação da nossa convicção, perante a análise conjunta de toda a demais prova produzida nos autos, não se nos suscitando dúvidas sobre o acerto da decisão recorrida e a falta de razão da recorrente.
Improcede, assim, esta questão da apelação.
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Vejamos, agora, a questão da indemnização por danos não patrimoniais
Reitera, nesta sede a A./apelante o pedido de que deve a apelada ser condenada no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de 5.000,00€, discordando, assim, da decisão recorrida que não considerou existir, no caso, fundamento que justifique uma condenação em indemnização dessa natureza.
E, fixada que está, definitivamente, a matéria de facto provada, precisamente nos termos considerados na decisão recorrida e supra transcritos, só pode improceder, também, esta questão, já que como decorre da alegação e conclusões, a pretensão da recorrente, no que toca à decisão de direito, tinha como premissa a confirmação, por este Tribunal, da conclusão expressa pela mesma de “erro de julgamento e erro notório na apreciação da prova”, com a consequente alteração da factualidade dada como provada pelo Tribunal “a quo”, o que não aconteceu.
Senão, vejamos.
Comecemos, então, por ver os fundamentos daquela, transcrevendo o seguinte:
«É pacífico que autora e ré celebraram um contrato de trabalho, tal como este vem definido no artigo 11.º do C. do Trabalho e que este cessou por despedimento levado a cabo pela ré, que foi já considerado ilícito.
De acordo com o n.º 1 do artigo 389º “Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais.
O direito à reparação não decorre do simples despedimento ilícito, antes dependendo da verificação dos pressupostos exigidos por lei, designadamente nos artigos 483º, nº 1 e 496º, nº 1, do Código Civil.
A este respeito, temos como provado que a autora, perante a comunicação da cessação do contrato de trabalho a que estava vinculada, ficou num estado de ansiedade, dada a conjuntura económica e pandémica derivada da COVID-19.
Nos termos do artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil, apenas serão ressarcíveis os danos não patrimoniais que face à sua gravidade mereçam a tutela do direito. Esta gravidade “há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos” (Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil anotado, I, 4.ª edição, pág. 501).
Citando o mesmo autor, “os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais”.
Como bem se refere no Acórdão da RP de 18/11/13, disponível em www.dgsi.pt,
Não basta, assim, alegar e provar que o despedimento causou danos não patrimoniais; não basta alegar e demonstrar, como sucedeu no caso presente, que o despedimento causou mágoa e tristeza. Por regra, como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16/01/2008, Pº 7884/2007-4, consultável em www.dgsi.pt, “todos ou quase todos os trabalhadores vítimas de despedimento ficam magoados, tristes, frustrados, ansiosos, angustiados e deprimidos, mas estas situações não justificam, só por si, a atribuição de uma indemnização. É necessário que essa mágoa, essa angústia, essa ansiedade, essa depressão sejam graves, e para aferir essa gravidade é necessário caracterizar, com elementos de facto concretos, cada uma destas situações; é necessário alegar e demonstrar que cada uma destas situações causou ao trabalhador danos relevantes, isto é, danos graves, pois, como resulta do art. 496º, n.º 1 do Cód. Civil, o juiz na fixação da indemnização deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Assim, o trabalhador apenas terá direito a ser indemnizado nestes moldes, quando demonstre ter sofrido danos não patrimoniais graves em virtude do despedimento ser considerado ilícito.
Ora, compreendendo o tribunal a situação vivida pela autora, afigura-se-me que, no seguimento do entendimento que acima se expressou, afigura-se-me que os danos por si sofridos não revelam gravidade suficiente que mereça a tutela do Direito e que justifique a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais.
Improcede, por isso, o pedido de indemnização por danos não patrimoniais.»
Desta, como já dissemos, discorda a A./apelante, alegando e concluindo, em síntese, o seguinte: “(…), In casu, e atentos os depoimentos supra transcritos, quer da testemunha CC, quer da testemunha DD, da testemunha BB e ainda da Autora, salvo o devido respeito por opinião contrária, dever-se-á considerar que a angústia, desânimo, ansiedade, desmotivação, tristeza e humilhação a que a autora foi submetida com o despedimento ilícito de que foi alvo trouxe inevitavelmente repercussões no seu próprio humor, no seu estado anímico e ao ponto daquela chorar frequentemente, repercussões essas que se traduzem em danos não patrimoniais suficientemente relevantes para merecerem a tutela do direito, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo. Conclui-se assim e face ao que decorre dos autos que a decisão recorrida não se revela consentânea com a Justiça e com o Direito, falecendo de uma correta análise da prova apresentada autos e daquela produzida em sede de audiência de julgamento. Designadamente, no que versa sobre a matéria de facto erradamente dada como não provada que antes deveria ter sido considerada provada porquanto e conforme decorre literalmente dos depoimentos que a Autora a partir do momento em que soube do seu despedimento até iniciar na nova empresa a Autora (in casu um mês e meio), viveu momentos de grande angústia, ansiedade, transtorno, stress. Angustia, ansiedade, transtorno, stress com perdas de sono e apetite afastamento social e familiar que são danos que tiveram origem na violação de direitos laborais, nomeadamente de um despedimento ilícito e são e devem, ser merecedores da tutela do direito. (…).”.
Analisando.
Como é sabido, no que concerne à indemnização, por danos morais ou não patrimoniais, para que seja devida, é necessário demonstrarem-se os requisitos da responsabilidade extracontratual (cfr. art.s 381º e 389º, nº 1, al. a), do CT) e que, aqueles revestem gravidade, nos termos do disposto no nº1 do art. 496º do CC e, em situações como é o caso “…, sempre será necessário atentar que os danos sofridos pelo trabalhador devem integrar uma lesão grave, que vá para além daquela que sempre acontece em situações similares de despedimento, porque o direito a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais não é de admitir como regra, mas apenas no caso singular de haver uma justificação segura, que leve a concluir pela necessidade de reparar uma lesão que restaria apoditicamente não satisfeita. Assim, se se verificar que esses danos não patrimoniais não têm especial relevo por se traduzirem nos que, comummente, se verificam em idênticas situações, como os do desgosto, da angústia e da injustiça, não se legitima a tutela do direito justificadora da condenação por danos não patrimoniais.”, (Ac. desta Relação, de 30.05.2018, Proc. nº 6676/17.2T8PRT.P1, in www.dgsi.pt e de 28.11.2022, Proc. nº 3675/20.0T8VNG.P2, com intervenção da, aqui, relatora e 1º adjunto – que seguiremos de perto).
Acrescendo que, como não poderia deixar de ser, essa análise tem sempre de ser feita, tendo em atenção a situação em concreto, atentos os factos que se mostrem provados relativos aos danos sofridos pela autora em consequência da conduta da ré só, assim, podendo condenar-se esta no pagamento de uma indemnização a título de danos não patrimoniais, caso contrário, impõe-se a sua absolvição, a este respeito, como aconteceu na decisão recorrida.
E, adiantando, desde já, em nosso entender, bem, atenta a factualidade que se apurou.
Justificando.
É certo que, sendo o despedimento declarado ilícito, o trabalhador tem direito, para além da reintegração, a indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados, cfr. art. 389º do CT.
No entanto, como decorre dos art.s 483º e 563º, a obrigação de indemnizar, em sede de responsabilidade civil por facto ilícito, pressupõe, para além da verificação do facto, que este seja imputável ao lesante a título de culpa e que exista um nexo de causalidade entre o mesmo facto (ilícito) e um resultado (danoso).
Sendo assim, o primeiro requisito para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade civil é que o agente tenha assumido uma conduta culposa, que seja merecedora de reprovação ou censura em face do direito constituído. Como sucederá, em termos gerais, se o agente, na situação concreta, podia e devia, ter agido de modo a não cometer o ilícito, e não o fez.
No que à culpa respeita, o nosso Código Civil, quer no âmbito da responsabilidade extraobrigacional (art. 487º nº 2), quer no da responsabilidade obrigacional (art. 799º nº 2) manda apreciá-la em abstracto, ou seja, segundo a diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso. Donde, existirá culpa sempre que o agente não proceda como procederia, no caso concreto, uma pessoa normalmente diligente.
Um segundo requisito, para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade civil, é a existência de um nexo causal entre o facto praticado pelo agente e o dano, segundo o qual ele fica obrigado a indemnizar todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art. 563º).
Sendo que, a obrigação de indemnizar, em qualquer dos casos, tem por finalidade reparar um dano ou prejuízo, ou seja, como refere (Mário Júlio de Almeida Costa, in Noções Fundamentais de Direito Civil, 4ª ed., pág. 171), “toda a ofensa de bens ou de interesses alheios protegidos pela ordem jurídica, tanto de carácter patrimonial (desvantagem económica), como de carácter não patrimonial (relativos à vida, à honra, ao bem estar, etc.”.
Acrescendo que, o obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º).
No entanto, a reparação não abrange, indiscriminadamente, todos e quaisquer danos mas, apenas, os que se encontrem em determinada relação causal com o evento que fundamenta a obrigação de ressarcir. Como decorre do já citado art. 563º “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”.
Nesta matéria, como refere (Inocêncio Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 7ª ed., págs. 404 e ss.), a nossa lei acolheu a doutrina da causalidade adequada, segundo a qual a causa juridicamente relevante de um dano será aquela que, em abstracto, se mostre adequada à produção desse dano, segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do agente. Ou seja, “a ideia fulcral desta doutrina é a de que se considera causa de um prejuízo a condição que, em abstracto, se mostra adequada a produzi-lo. Torna-se necessário, portanto, não só que o facto se revele, em concreto, condição “sine qua non” do dano, mas também que constitua, em abstracto, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção”, conforme (Mário Júlio de Almeida Costa, in ob. cit., pág. 172).
Assim, verificada a existência de culpa e o nexo causal entre o facto praticado pelo agente e o dano, conclui-se existir obrigação de indemnizar em sede de responsabilidade civil por facto ilícito, impondo-se, então, com vista a determinar o quantitativo indemnizatório, avaliar os danos produzidos e aferir do grau de responsabilidade do autor da lesão, que terá de ser feita em função da sua maior ou menor culpabilidade, da sua situação económica e do lesado e das demais circunstâncias do caso (art. 494º). Note-se que é ao devedor que cabe provar que a falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (art. 799º nº 1).
E a obrigação de indemnizar é extensível aos danos não patrimoniais, nos termos do art. 496º nº 1, “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, sendo que o nº 4 do mesmo preceito, reportando-se à mesma indemnização, acrescenta que, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494º...”, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Segundo (Galvão Telles in Direito das Obrigações, 7ª ed., pág. 378), os danos não patrimoniais são aqueles “prejuízos que não atingem em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. O património não é afectado; nem passa a valer menos nem deixa de valer mais. Há a ofensa de bens de carácter imaterial – desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. São bens como a vida, a integridade física, a saúde, a correcção estética, a liberdade, a honra, a reputação. A ofensa objectiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral”.
No mesmo sentido, refere (Menezes Cordeiro in Direito das Obrigações, 1980, pág. 285), que “há dano moral quando a situação vantajosa prejudicada tenha simplesmente natureza espiritual”.
Dentro daquela concepção, o ressarcimento por danos não patrimoniais não tem a natureza de uma verdadeira indemnização, dado não ser uma exacta contrapartida pelo dano, representando antes uma compensação a atribuir ao lesado por prejuízos por este sofridos, que não têm reparação directa através de satisfações de natureza pecuniária. Deste modo justifica-se que, no seu cálculo se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselha sejam tomadas em consideração (Vaz Serra, na R.L.J., Ano 113º, pág. 104). Com a reparação por danos não patrimoniais tem-se em vista compensar de alguma forma o lesado, proporcionando-lhe os meios económicos que constituam, de certo modo, um conforto para as mágoas e adversidades que sofrera e que, porventura, continue a suportar.
Ora, estes princípios respeitantes aos danos de natureza não patrimonial têm de ser observados no âmbito do direito laboral, já que este nada de específico prevê quanto a tal matéria.
Assim, para em direito laboral haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá o trabalhador de provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objectivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável.
No caso, de despedimento promovido pelo empregador que se venha a caracterizar de ilícito, para se aferir se o mesmo justifica, ou não, a condenação daquele por danos não patrimoniais é necessário tomar em consideração, antes de mais, que é inerente à cessação da relação laboral, indesejada pelo trabalhador, que a mesma acarrete para ele a lesão de bens de natureza não patrimonial, consubstanciados em sofrimento, inquietação, angústia, preocupação pelo futuro, etc. Isto, independentemente da licitude ou ilicitude do despedimento e de a entidade empregadora ter usado de maior ou menor precaução para obviar à lesão destes bens do trabalhador.
Acrescendo que mesmo, no caso, de a entidade empregadora promover um despedimento ilícito do trabalhador que, numa relação de adequada causalidade, produza danos não patrimoniais àquele, sempre haverá que indagar, se pelo grau de culpabilidade do empregador e pelo valor ou relevância dos danos, estes, são dignos da tutela do direito.
Porque, pode suceder que, apesar de, a entidade empregadora ter promovido um despedimento ilícito, o seu comportamento não seja gravemente culposo, consideradas as circunstâncias envolventes desse despedimento.
E, por outro lado, sempre será necessário apurar que os danos sofridos pelo trabalhador devem integrar uma lesão grave, que vá para além daquela que sempre acontece em situações similares de despedimento, porque o direito a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais não é de admitir como regra, como já dissemos.
Assim, analisando o exposto e transpondo-o para o caso, não há dúvidas que, também, neste aspecto, a recorrente não tem razão. Os argumentos que invoca, não são susceptíveis de infirmar os fundamentos subjacentes à decisão recorrida.
Pois, pese embora, a cessação do contrato, promovida pela ré, tenha sido considerado um despedimento ilícito, o certo é que, em nosso entender, tal como o considerou a Mª Juíza “a quo”, os factos que se apuraram, não demonstram que os danos sofridos pela Autora, decorrentes daquele, integrem qualquer lesão grave, além do que normalmente acontece em situações idênticas de despedimento, ou seja, que se traduzam em danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, em concreto, nos termos que a lei (art. 496º, nº 1, do CC) exige, para que sejam indemnizáveis.
O que se verifica da análise, quer das alegações quer das conclusões do recurso é que a recorrente insurge-se contra o decidido na sentença, com base em considerações e na interpretação que a própria pretende, seja efectuada de factualidade não apurada considerando, assim, estar demonstrada uma situação que, sempre com o devido respeito, não logrou ela sequer demonstrar, como lhe competia (art. 342º, nº 1, do CC).
As afirmações pela mesma efectuadas e as considerações que tece, não têm suporte factual, do mesmo modo que não permite a factualidade provada concluir pelos danos morais que alega lhe provocou a conduta da Ré, na sua saúde mental. E, pese embora, a ilicitude da conduta da empregadora, o mesmo não basta, ao contrário do que a recorrente pretende fazer crer, para que se conclua pela existência de danos na saúde da A./trabalhadora.
A mesma não logrou provar factos que demonstrem, por causa da conduta da empregadora, ter sofrido danos graves merecedores da tutela do direito, nomeadamente, consubstanciados nos transtornos que alega, nas alegações e conclusão XLV.
Em suma, em nosso entender, atenta a factualidade que se apurou, a decisão recorrida não merece qualquer censura, nem poderia ser diferente, já que não se apuraram factos que sustentem qualquer condenação da Ré, em indemnização por, alegados, danos não patrimoniais. A decisão recorrida, além de se mostrar devidamente fundamentada, verifica-se que a Mª Juíza “a quo” fez a correcta e adequada subsunção jurídica daquela factualidade, não nos merecendo a mesma qualquer reparo. E, desse modo, a falta de razão da recorrente.
Consequentemente, sem necessidade de outras considerações, improcede o recurso, também, nesta parte.
E, improcedem todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
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III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
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Porto, 18 de Março de 2024
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
António Luís Carvalhão
Rui Penha