Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA JOÃO LOPES | ||
Descritores: | LIBERDADE DE EXPRESSÃO DIREITO ABSOLUTO RESTRIÇÕES DE DIREITOS DIREITO À HONRA ADVOGADO MANDATO FORENSE DIREITO DE DEFESA LIMITES OFENSA À HONRA OFENSA AO BOM NOME COMPARTICIPAÇÃO CRIMINOSA | ||
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Nº do Documento: | RP202501221687/21.6T9PVZ.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/22/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
Decisão: | PROVIDO O RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO | ||
Indicações Eventuais: | 4.ª SECÇÃO CRIMINAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Do estatuído nos artigos 18.º/2 da CRP, 10.º/2 da CEDH e 19.º/3 do PIDCP resulta que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, sofrendo as restrições decorrentes da defesa de outros direitos, como os da honra e reputação das pessoas. II - O Advogado, pelos especiais conhecimentos que detém, deve discernir, de acordo com as instruções que recebeu e o objectivo conferido através do mandato, quais os factos relevantes para a procedência da sua pretensão processual e aqueles que nada acrescentam a essa defesa, reconduzindo-se a meras ofensas da honra da assistente. III - No plano das regras do mandato judicial e da experiência comum, presumindo-se que entre Mandatário e Mandante, existe uma relação de lealdade, e afirmando-se que o teor dos articulados ou as imputações que neles se fazem, são falsos e ofensivos da honra e consideração do assistente, presume-se que o arguido assim o teria comunicado ao seu Advogado. IV - E, se assim não era, tal deveria constar da acusação particular; não constando, resta concluir estarmos perante uma situação de comparticipação criminosa. VI - A queixa apresentada deveria ter sido apresentada contra todos os comparticipantes, em obediência ao “princípio da indivisibilidade” e tendo sido deduzida apenas contra o Mandante, olvidando-se sempre o Mandatário e não podendo a queixa ser renovada por há muito ter decorrido o prazo a que se reporta o artigo 115º/1 do C.P., tendo já sido formulada acusação apenas contra o primeiro, operou a extinção do direito de queixa e de acusação particular quanto a todos os (com)participantes. (da responsabilidade da relatora) | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1687/21.6T9PVZ.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Criminal da ... Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório 1. Por sentença de 25-07-2024, atinente ao arguido AA, com os demais sinais dos autos, proferida no âmbito dos autos n.º 1687/21.6T9PVZ do Juízo Local Criminal da ..., decidiu-se, ao que ora releva: - condenar o arguido como autor material de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º 1, do código penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 8 (oito euros); - condenar o arguido/demandado civil no pagamento da quantia de € 750 (setecentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais. 2. O arguido recorreu, requerendo a revogação desta sentença e substituição por outra que absolva o recorrente pela prática do crime de difamação previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º1 do Código Penal e, caso assim não se entenda, a redução da multa ao limite mínimo legal. Rematou o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever parcialmente: “a) O presente recurso vem alicerçado na violação do preceituado pelas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal. b) A incorreta apreciação da prova produzida nos autos conduziu a uma decisão inadequada relativa à matéria de facto dada por assente pelo Tribunal a quo e, consequentemente, à prolação de sentença desprovida de justiça. c) Com relevância para o presente recurso, importa atentar nos factos n.ºs 6, 7, 8, 9, 12, 14, 16, dados como provados e no facto e), f) e g) da matéria não provada da contestação do Recorrente. d) Atento ao depoimento do Recorrente que explicou detalhadamente o que pretendia transmitir com as expressões da contestação, mencionando que de forma alguma pretendeu transmitir que tinha um caso extraconjugal com a Recorrida. e) Bem como, no entendimento do Recorrente a intenção da Recorrida com as alegadas conversas no carro seriam apenas para os empregados não saberem que os pagamentos estavam em atraso. f) Valorando o referido meio de prova o facto 6 deveria ter sido dado como não provado. g) Ao contrário do que é dado como provado no ponto 7.º, não existe qualquer lesão à honra, reputação e bom nome da Recorrida, porquanto, o Recorrente nunca insinuou ter um caso extraconjugal com a Recorrida. h) Devendo mais uma vez, ser valorado o depoimento do Recorrente relativamente a esta matéria e o facto 7 ser inserido no leque dos factos não provados. i) Bem como nunca foi intenção do Recorrente desviar as atenções do processo para um desfecho favorável conforme o Tribunal a quo dá como provado no ponto 8.º, devendo também este facto estar inserido no leque dos factos não provados. j) No que diz respeito ao facto 12 dado como não provado, o julgador do Tribunal a quo decidiu ignorar os depoimentos relativos a este tópico, apesar de além de o Recorrente confirmar o telefonema, bem como uma testemunha arrolada por si. k) A versão do Recorrente, no geral, acaba por ser corroborada por uma testemunha, não obstante a prova foi completamente ignorada pelo Tribunal a quo, pelo que o facto 12 encontra-se incorretamente julgado. l) Devendo constar nos factos provados com o seguinte teor: “É verdade que a Recorrida ligou para o café em .... m) Relativamente ao facto 16, a posição assumida pelo Tribunal a quo é contraditória, na medida em que por um lado considera provado que a Recorrida viu posta em causa a sua honra e consideração perante a senhora magistrada do processo civil, não obstante considera como não provado que a mesma se sentiu envergonhada perante os presentes, nomeadamente a magistrada que presidia o julgamento. n) O que também carece de fundamento e de prova. o) Ademais, os Magistrados, no âmbito da sua profissão estão já acostumados a tomar conhecimento de factos privados da vida das pessoas, pelo que, mesmo que estivessem em causa expressões com o intuito difamatório, que mais uma vez reforçamos que não foi o caso, o local onde a Recorrida menos sentiria a sua honra e consideração posta em causa seria perante a Magistrada. p) Isto porque, no âmbito da sua profissão, são questões às quais já estão acostumados a lidar e inseridas no âmbito do sigilo profissional. q) Por outro lado, é inaceitável que o Tribunal a quo considere como provado que a Recorrente viu a sua honra e consideração posta em causa perante a Magistrada, mas por outro lado, considere como não provado que a mesma se sentiu abalada e envergonhada perante a mesma. r) Na medida em que são emoções interligadas, isto é, uma pessoa quando sente a sua honra posta em causa, automaticamente sente-se abalada e envergonhada, verificando-se uma contradição na matéria de facto dada como provada e não provada. s) Pelo que, deveria o facto 16 estar inserido no leque dos factos não provados. t) Existe um erro notório na apreciação da prova, na medida em que o Tribunal conclui pela existência de factos assentes numa regra que não é de experiência comum e apenas corresponde a um convencimento subjetivo do juiz sem suporte objeto e racional. u) O sistema da livre convicção consagrado no ordenamento jurídico português não é um sistema irracionalista, subjetivo, de apreciação probatória, mas sim um sistema racionalista, assente na razão, nas regras de experiência social comprovada e em presunções probatórias racionalmente fundadas. v) Na medida em que, o depoimento da Recorrida é pouco consistente e sendo quanto a este facto o único elemento probatório além do sistema racionalista, que como suprarreferido também foi incorretamente aplicado, o facto 16 deveria estar inserido no leque dos factos não provados. w) O Tribunal a quo, relativamente à matéria factual dada como provada, refere que teve em consideração o depoimento da testemunha BB, marido da Recorrida, considerando como provado que era ele quem se deslocava mais à obra. x) No entanto, julgou o Tribunal a quo incorretamente este facto, na medida em que não foi isso que foi dito pelas testemunhas, nomeadamente o pai e mãe da Recorrida, que começaram por dizer que quem acompanhava mais a obra era a sua filha, bem como quem se dirigia à obra era a Recorrida. y) O pai da Recorrida, enquanto testemunha clarificou, que quem frequentava mais a obra e quem tratava de tudo relacionado com a mesma era a Recorrida. z) Na medida em que o Tribunal a quo, errada e diversamente daquilo que resultou da prova produzida dá como provado que a Recorrida raramente se deslocava à obra. aa) Pelo que deveria, de acordo com a prova, ter sido dado como provado que a Recorrida era quem mais se dirigia à obra. bb) A mãe da Recorrida com o seu depoimento, trouxe ao Tribunal um facto, que embora não conste da acusação poderá permitir outra perspetiva da acusação. cc) Isto porque, a referida testemunha mencionou que a Recorrida recebia mensagens do Recorrente a convidar para sair. dd) Ao ser verdade, a Recorrida omitiu por completo estes factos ao Tribunal, bem como ao seu marido, uma vez que este também nada referiu quanto às mensagens, ou se também ele teve conhecimento também as omitiu. ee) Pelo que, embora sejam factos que não constam da acusação, foram factos trazidos pela testemunha. E se a Recorrida alega que se sentiu humilhada e envergonhada pelas expressões escritas na peça processual, é no mínimo estranho que com estas mensagens não se tenha sentido ofendida e se tenha conformado. ff) Este facto, deixa-nos também a dúvida se a expressão “há coisas que o meu marido não precisa de saber”, não se referem a estas mensagens. gg) Isto porque, como já supra referido, o Recorrente achou que essa expressão poderia ser referente aos pagamentos em atraso, no entanto poderá também ser respeitante às referidas mensagens. hh) Pelo que, apenas a Recorrida saberá a que se referia com a designada expressão. ii) Sendo esta testemunha tão próxima da Recorrida, por ser sua mãe, e tendo descrito que teve conhecimento foi de umas mensagens, não relatando os factos que constam da acusação demonstrou não ter conhecimento dos mesmos, mas antes de outros, pela qual a Recorrida não se sentiu ofendida. jj) No que diz respeito à liberdade de expressão versus a tutela do direito à honra e consideração cumpre referir que estes podem colidir um com o outro, na medida em que devem ser harmonizados de acordo com as circunstâncias. kk) No presente caso é extremamente importante salientar de que as expressões aqui em causa foram escritas numa peça processual, no âmbito de uma ação, de forma a fazer valer os seus direitos, para explicar os factos integrantes do litígio. ll) Pelo que, mais não foi do que o exercício do direito de liberdade de expressão, para fazer valer um direito seu e informar a sua versão ao Tribunal. mm) Pelo que, estando em causa uma ação cível de um incumprimento contratual de um contrato de empreitada, torna-se relevante mostrar alguns dos motivos que conduziram ao mesmo, isto é, os pagamentos em atraso. nn) Ao contrário do entendido pelo Tribunal a quo, e salvo o devido respeito, entende o Recorrente, a liberdade de expressão deve ser amplamente considerada, não devendo tais expressões serem consideradas ofensivas da hora e consideração da Recorrida. oo) Cumpre ainda aferir sobre a comparticipação do arguido e do seu mandatário, pelo que a não apresentação de queixa contra o mandatário, determina a extinção da responsabilidade criminal do arguido. pp) Na queixa apresentada, pela Recorrida, não é possível concluir, através de nenhuma circunstância, pela responsabilidade exclusiva do arguido na apresentação em juízo de contestação, assinada pelo seu advogado de onde constam afirmações alegadamente difamatórias. qq) A Recorrida não deduziu acusação contra todos os comparticipantes, faltando o advogado subscritor da peça processual em causa e uma vez que nada alegou quanto a ele, de acordo com o princípio da indivisibilidade estabelecido nos artigos 114.º a 116.º do Código Penal, deve entender-se que Recorrida renunciou ao direito de apresentação de queixa contra o Advogado. rr) Não pode a queixa ser renovada, por já ter decorrido o prazo de 6 meses, a que se reporta o artigo 115.º, n.º1 do Código Penal, e tendo já sido formulada acusação apenas contra o Recorrente, operou a extinção do direito de queixa quanto ao seu Mandatário, e consequentemente, nenhum dos dois pode ser perseguido criminalmente. ss) Uma outra questão é o facto da conduta do arguido não ser punível, nos termos dos artigos 180.º, n.º2, alíneas a) e b), 180.º n.º 3, e 31.º n.º2, alínea b), todos do código penal. tt) Na medida em que as expressões utilizadas pelo Recorrente foram para demonstrar ao Tribunal os motivos do abandono da obra, explicando que as coisas que o marido não poderia saber seriam os pagamentos em atraso. uu) Tendo exercido o Recorrente o direito de contestar a ação que foi proposta contra a empresa da qual é legal representante e nunca com o teor que a Recorrida e Tribunal a quo transpareceram. vv) Para efeitos da aplicação do artigo 180.º n.º 2 alíneas a) e b), os factos alegados na contestação da ação já mencionada, não podem ser considerados relativos à vida íntima da Recorrida, uma vez que na ação foram admitidos para produção de prova, tendo sido considerados relevantes para a discussão do objeto da ação. ww) Não obstante, mesmo que se entendesse que os factos abrangem a intimidade da vida privada e familiar, a ilicitude dos mesmos é afastada por aplicação do artigo 31.º n.º2 alínea b) do Código Penal. xx) Pelo que, também aqui, encontra-se incorretamente aplicado o Direito, na medida em que, deveria ter sido aplicado 180.º, n.º2, alíneas a) e b), 180.º n.º 3, e 31.º n.º2, alínea b), todos do código penal, devendo a conduta do Recorrente ser considerada não punível, o que mudaria por completo o teor da presente sentença. yy) Igualmente as expressões em causa não preenchem os requisitos do tipo legal de crime previsto e punido pelo artigo 180.º do Código Penal. zz) Um dos requisitos para que se verifique o crime de Difamação é a “divulgação perante terceiros”, facto que não aconteceu, visto que, estão em causa factos alegados no âmbito de um processo, cujo conhecimento se limitou a um grupo muito restrito de profissionais, abrangidos pelo sigilo profissional. aaa) No que diz respeito ao elemento subjetivo do crime de Difamação também não se encontra preenchido, isto é, a voluntariedade e a vontade consciente de ofender uma certa pessoa na sua honra e consideração. bbb) Na realidade, as expressões proferidas pelo Recorrente não consubstanciam a prática de um ilícito criminal, tratando-se apenas de uma expressão para explicar os motivos de abandono da obra e proferidas no âmbito de uma peça processual, ao qual apenas um grupo restrito de pessoas tem acesso. ccc) O Recorrente apenas exerceu o seu direito de liberdade de expressão e de contestação e caso fosse realmente a intenção e objetivo do Recorrente ofender a honra e consideração da Recorrida, teria proferido as designadas expressões e com o entendimento que a Recorrida tentou transparecer num meio onde mais pessoas tivessem acesso. ddd) Também não se pode concluir que o Recorrente tenha atuado com a consciência de que a sua conduta era de molde a produzir a ofensa da honra e consideração de alguém. eee) Pelo que, face ao supra exposto, as expressões em causa, embora que em última análise possam ser censuráveis do ponto de vista ético, em hipótese alguma merecem censurabilidade penal. fff) Relativamente à escolha da medida da pena, o Tribunal a quo procedeu incorretamente, desde logo porque o Recorrente foi condenado com pena de multa de cento e cinquenta dias, no quantitativo diário de oito euros, fundamentando o Tribunal a quo a condenação no grau de ilicitude elevado, bem como a culpa e dolo direto. ggg) Pelo que, esta consideração faz-nos refletir qual seria então o grau de ilicitude atribuído a expressões alegadamente difamatórias, por exemplo, no meio televisivo, onde a quantidade de pessoas que tem acesso é muito maior. hhh) Salientando que as expressões foram produzidas no âmbito de uma peça processual ao qual apenas têm acesso os profissionais envolvidos no processo e os quais se encontram abrangidos pelo sigilo profissional. iii) Desta forma, não se justifica o grau elevado de ilicitude que o Tribunal a quo atribui ao Recorrente. jjj) No que diz respeito ao dolo direto, nunca o Recorrente nunca o Recorrente teve intenção ou consciência de ofender a honra e consideração da Recorrida. kkk) Apenas pretendia demonstrar os motivos de abandono da obra, não tendo imputado ou formulado qualquer juízo sobre a Recorrida, dado que o que quis referir foi que existiam pagamentos em atraso, não querendo a Recorrida que o marido tivesse conhecimento. lll) Face ao supra exposto, não se entende que o Recorrente tenha atuado com dolo direto. mmm) Depois, não deve ser ignorado o facto de o Recorrente não ter antecedentes criminais e estar bem inserido socialmente. nnn) O Recorrente é uma pessoa respeitadora e estimada nos meios que frequenta, e por todos os que consigo privam, amigos e familiares, bem como pelos que por qualquer motivo consigo contactam. ooo) Crê-se que as condições pessoais do Recorrente o favorecem e deveriam ter culminado na aplicação de uma pena menos gravosa. ppp) Alterando-se a pena concretamente aplicável e deve culminar-se na alteração da condenação do Recorrente, como é de Direito, sem prejuízo de tudo o que se disse sobre a discordância em relação à condenação pelo crime. qqq) Por último, no que diz respeito ao pedido de indemnização civil deduzido pela Recorrida assim como referiu o Tribunal a quo para que se conclua pela responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos é necessário a verificação cumulativa, e a não verificação de um deles determina a não condenação do Recorrente. rrr) O Tribunal a quo apesar de admitir que seria forçoso concluir pela verificação de todos os requisitos para a condenação em responsabilidade civil, acaba por condenar o Recorrente no pagamento do valor de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros). sss) Desde logo e como já analisado a ação voluntária não se encontra verificada, ao contrário do que foi entendido pelo Tribunal a quo. ttt) Ademais, face ao supra exposto, não existindo um facto ilícito praticado pelo Recorrente não deverá ser o Recorrente condenado em pedido de indemnização cível, ainda que parcialmente. uuu) E ainda que existisse lugar ao pedido de indemnização cível, o valor de setecentos euros seria extremamente elevado. (…)” 3. O M.P. em Primeira Instância respondeu ao recurso, defendendo a sua total improcedência. Em síntese alegou que: - não assiste razão ao Recorrente, desde logo quanto à impugnação da decisão de matéria de facto, visto que a imputação dos factos ao arguido se alicerçou em prova válida e abundante, que foi critica e objetivamente apreciada, como resulta da motivação da Sentença recorrida; - O arguido tentou convencer o tribunal que aquilo que a seu ver a assistente ocultava do marido era os atrasos no pagamento e que o caso extraconjugal a que aludiu na sua peça processual era com uma outra senhora e não com a recorrida. Se a intenção era essa então tê-lo-ia dito expressamente e não numa articulação cuja interpretação só podia ser aquela que o assistente, o Ministério Público e o Tribunal a quo fizeram; - bem andou o Tribunal ao atribuir credibilidade à assistente e não ao arguido e às testemunhas que arrolou; - da conjugação da prova documental, com as declarações da assistente e o depoimento das testemunhas BB e CC, devidamente conjugados entre si e de acordo com as regras da experiência comum, permite ao tribunal dar como assente que o arguido, na peça processual de contestação da ação cível intentada, entre outros, pela assistente contra a sociedade do arguido, formulou, sob a forma de insinuação ou suspeita, que a assistente pretendia manter um relacionamento extraconjugal consigo, o que é manifesto extravasa a liberdade de expressão, não era necessário a utilização dessa expressão para o arguido exercer o seu direito de defesa, pelo que se pode considerar que é uma legítima compressão da expressão mais ampla da liberdade de expressão, sendo considerada atentatória da honra e consideração devidas à assistente; - o real alcance das expressões escritas na peça processual pelo arguido, por intermédio do seu advogado, e a intenção com que as proferiu, resultou, como não poderia deixar de ser, num juízo de inferência do Tribunal, fundado nas regras da lógica, da experiência e do normal acontecer; - se as expressões foram de carácter vago e genérico, como o arguido referiu, tal circunstância só pode dever-se à vontade de formular uma insinuação; - o elemento subjetivo respeita ao foro interno, e por isso, muito excecionalmente é passível de prova direta, pelo que na generalidade das situações, o tribunal adquire essa prova por inferência, com base nas regras da experiência comum, segundo um processo lógico e racional; - a decisão é coerente e não enferma de nenhuma contradição relevante; - não existe erro de julgamento, menos ainda um erro notório na apreciação da prova, tanto mais que aquilo que o recorrente invocou foi a suposta violação do princípio da livre apreciação da prova; - quanto ao enquadramento jurídico, também não merece censura a sentença do Tribunal; - em face dos factos dados como provados, não se pode concordar que as expressões constantes do articulado de defesa do então legal representante da ré na ação cível intentada, entre outros, pela aqui assistente, se enquadrem na liberdade de expressão, pois são objetivamente atentatórias da honra e consideração da visada e não eram necessários para a defesa da então ré, extravasando essa necessidade de defesa, visto que estando em causa nessa ação cível um cumprimento defeituoso ou incumprimento contratual de um contrato de empreitada, não se demonstra de que modo lançar suspeitas sobre o caráter da então autora, aqui assistente, tenha a ver com o desfecho do caso judicial. 4. Também a assistente respondeu ao recurso, pugnando pela total manutenção da decisão recorrida. Apartou da motivação as conclusões que se passam a transcrever: “1. O douto Tribunal formou a sua convicção analisando todos os elementos probatórios ao dispor do Tribunal em confronto entre si e de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e apreciação da prova pelo julgador, pelo que a douta sentença recorrida não evidencia quaisquer contradições entre a prova produzida nos autos e a decisão final proferida e não foi ignorada pelo Julgador qualquer prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, pelo que, não existiu de todo. 2. O Recorrente transcreve parte do seu depoimento para concluir que nunca pretendeu transmitir que a Recorrida tinha consigo um caso extraconjugal, mas antes que a mesma disse que o Recorrente teria um caso extraconjugal com outra mulher, acrescentando que, quando na peça processual em causa foi mencionado no artigo 127º era referente ao telefonema que o Recorrente mencionou nas suas declarações em que a Recorrida terá dito que o Recorrente teria feito um filho a outra mulher, acrescentando que, ainda que as intenções da Recorrida com as alegadas conversas no carro seriam apenas para os empregados não saberem que os pagamentos estavam em atraso, pelo que conclui que, em momento algum insinuou ter um caso extraconjugal com a Recorrida, pelo que o facto 6º dado como provado deveria estar inserido no leque dos factos não provados. 3. Quanto a estes factos dados como provados, o douto Tribunal teve por base, na formulação da sua convicção, as declarações da assistente que relatou que no escritório do seu advogado teve conhecimento do teor da contestação apresentada pela sociedade Ré, onde constam as expressões dadas como provadas no artigo 5º da douta sentença, sendo que tal facto não corresponde à verdade não contactava com o aqui arguido e que não ligou para nenhum café em ... e que esta situação deixou-a perturbada emocionalmente, causando problemas no seu relacionamento com seu marido, bem como com os pais, sendo que as suas declarações foram prestadas de forma serena, objetiva, isenta e desinteressada, apesar de se sentir humilhada e envergonhada com a insinuação lançada pelo arguido sobre o seu caráter, merecendo acolhimento por parte do douto Tribunal e no que concerne à mesma matéria factual, o tribunal teve em consideração o depoimento do marido da assistente, que referiu que ao tomar conhecimento da contestação apresentada pela sociedade comercial do arguido, no escritório do seu mandatário, ficou incomodado e perturbado, com a insinuação de que a sua mulher podia ter um relacionamento extraconjugal com o arguido, tendo a esposa ficado incomodada, perturbada e se sentido humilhada. 4. Em relação aos artigos 6º e 7º, o douto Tribunal teve em consideração o depoimento do pai da assistente, que esclareceu que, quando se deslocou ao escritório do ilustre mandatário da filha, juntamente com a esposa, a filha e o genro, tomaram conhecimento do que foi escrito pelo arguido na contestação da ação cível e que ficaram incomodados, pois insinuava que a filha era ou queria ser amante do arguido, o que causou um mau estar entre o casal, a filha e marido, sendo que estas duas testemunhas, apesar dos laços familiares com a assistente, mas precisamente por isso, por serem parte na ação cível que intentaram contra a sociedade da qual o arguido é legal representante, e por conviverem com a assistente, sabendo o estado emocional como ficou com as expressões utilizadas pelo arguido, prestaram depoimento com conhecimento direto e profundo dos factos, merecendo acolhimento por parte do douto Tribunal. 5. No que diz respeito ao facto 8º, conclui o Recorrido que não teve como objetivo criar desvios de atenção que proporcionassem um desfecho favorável na acção em que a sua sociedade era Ré, interpretando que a expressão “há coisas que o meu marido não precisa de saber”, se refere aos pagamentos em atraso e a exposição do mesmo no processo tinha apenas como finalidade demonstrar os motivos de abandono da obra, todavia, não lhe assiste razão pois, quanto esta matéria respeitante ao elemento subjetivo, o dolo, expresso nos artigos 8º (9º e 10º), a mesma resulta provada tendo em conta o modo de atuação do arguido. 6. Conclui o Recorrente que, ao contrário do que é dado como provado no ponto 7º, não existe qualquer lesão à honra, reputação e bom nome da Recorrida, porquanto, o Recorrente nunca insinuou ter um caso extraconjugal com a Recorrida e conclui ainda que nunca foi intenção do Recorrente desviar as atenções do processo para um desfecho favorável conforme o Tribunal a quo dá como provado no ponto 8º, como acabou por acontecer, pugnando pela inserção destes factos no leque dos factos não provados, pelo que, entende que também os factos 7º e 8º inseridos nos factos dados como provados deveriam estar inseridos no leque de factos não provados, sendo que a prova em questão é insusceptível de produzir o almejado efeito processual pretendido pelo arguido, nomeadamente no que diz respeito aos factos da matéria provada 6º, 7º e 8º, razão pela qual o douto Tribunal a quo assim não entendeu, nem o poderia fazer, nem à luz do excerto transcrito, nem à luz de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento. 7. O Recorrente alega também a existência de erro notório na apreciação da prova relativamente ao facto da matéria provada n.º 12 e, para o efeito, transcreve parte do depoimento da testemunha por si arrolada, DD e bem assim de parte do seu depoimento, para concluir que a sua versão acaba por ser corroborada por uma testemunha, concluindo que o facto 12º se encontra incorrectamente julgado, mas, também aqui, a prova em questão é insusceptível de produzir o almejado efeito processual pretendido pelo arguido, nomeadamente no que diz respeito ao facto da matéria provada 12º, razão pela qual o douto Tribunal a quo assim não entendeu, nem o poderia fazer, nem à luz do excerto transcrito, nem à luz de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, pois, o depoimento da testemunha DD, que alegadamente se encontrava no café me ... habitualmente frequentado pelo arguido, confirmou que se encontrava nesse estabelecimento quando foi efetuada uma chamada, mas não referiu que a pessoa falou em qualquer obra nem se identificou – por conseguinte, pode o arguido ter deduzido que essa pessoa que alegadamente efetuou a chamada fosse a assistente, mas não existe qualquer elemento de prova desse facto – daí que o douto Tribunal entendeu, e bem, que seu depoimento seja inócuo e sem qualquer valor para o apuramento da verdade dos presentes autos. 8. O Recorrente alega também a existência de erro notório na apreciação da prova relativamente ao facto da matéria provada n.º 16, invocando uma contradição entre o mesmo considerado como provado e o facto d) dos factos não provados e, assim, entende que, dado que, por um lado, o Tribunal a quo considera como provado que a Recorrida viu posta em causa a sua honra e consideração perante a senhora magistrada do processo civil, não obstante considerar como não provado que a mesma se sentiu envergonhada perante os presentes, nomeadamente a magistrada que presidia o julgamento, todavia o que consta do facto d) dos factos não provados é que “A demandante é pessoa séria, honesta, com um comportamento irrepreensível e com boa reputação social” e não o que o Recorrente refere supra, havendo certamente lapso, referindo-se aquele ao facto c), no entanto, não assiste razão ao recorrente pois, é distinto, e não forçosamente interligado, ver-se a sua honra posta em causa e automaticamente sentir-se abalado e envergonhado, não se verificando qualquer contradição na matéria de facto dada como provada e não provada, pelo que, também aqui, a invocação da alegada contradição é insusceptível de produzir o almejado efeito processual pretendido pelo arguido, nomeadamente quanto ao facto da Assistente ter visto a sua honra e consideração posta em causa perante a senhora magistrada do processo cível, sendo certo que, quanto a este facto o douto Tribunal a quo sempre retiraria o fundamento para considerar como provado este facto no depoimento da Recorrida, o qual livremente apreciou e tendo o mesmo lhe mostrado credibilidade. 9. O Recorrente alega também a existência de erro notório na apreciação da prova relativamente ao facto do douto Tribunal a quo ter dado como provado que era o marido da Assistente quem se deslocava mais à obra, considerando que não foi isso que foi dito pelas testemunhas, nomeadamente o pai da Recorrida, que começaram por dizer que quem acompanhava mais a obra era a sua filha e, para o efeito, transcreve parte do depoimento do pai da Assistente, CC e, não obstante este, quando questionado, referir “Era a minha filha e o meu genro. [08-07-2024-16h30mn/16h45mn - 10mn:07sg.], concluir que quem frequentava mais a obra era a Assistente, mas, pese embora, a nosso ver, tal questão seja irrelevante, o douto Tribunal a quo não deu como provados factos contrários àquilo que resultou da prova. 10. O Recorrente alega a existência de prova ignorada pelo douto Tribunal a quo, considerando que, a mãe da Recorrida com o seu depoimento, trouxe ao Tribunal um facto, que embora não conste da acusação poderá permitir outra perspetiva da acusação, porque a referida testemunha mencionou que a Recorrida recebia mensagens do Recorrente a convidar para sair, entendendo o Recorrente que, ao ser verdade, a Recorrida omitiu por completo estes factos ao Tribunal, bem como ao seu marido, uma vez que este também nada referiu quanto às mensagens, ou se também ele teve conhecimento também as omitiu, e que se a Recorrida alega que se sentiu humilhada e envergonhada pelas expressões escritas na peça processual, é no mínimo estranho que com estas mensagens não se tenha sentido ofendida e se tenha conformado, fazendo uma ligação com a expressão “há coisas que o meu marido não precisa de saber”, não se referem a estas mensagens. 11. Pese embora, a nosso ver, esta questão seja também irrelevante, o douto Tribunal a quo não deu relevância a um depoimento totalmente confuso, certamente pelo, nem o teria que fazer visto a forma como o depoimento foi prestado. 12. Quanto aos factos dados como não provados, não foi feita qualquer prova certa, segura e cabal sobre esses factos, pelo que o douto Tribunal a quo andou bem, nomeadamente porque, da conjugação da prova documental, com as declarações da assistente e o depoimento das testemunhas BB e CC, devidamente conjugados entre si e de acordo com as regras da experiência comum, permite ao tribunal dar como assente que o arguido, na peça processual de contestação da ação cível intentada, entre outros, pela assistente contra a sociedade do arguido, formulou, sob a forma de insinuação ou suspeita, que a assistente pretendia manter um relacionamento extraconjugal consigo, o que é manifesto extravasa a liberdade de expressão, não era necessário a utilização dessa expressão para o arguido exercer o seu direito de defesa, pelo que se pode considerar que é uma legítima compressão da expressão mais ampla da liberdade de expressão, sendo considerada atentatória da honra e consideração devidas à assistente. 13. Perante essa prova, analisada na sua globalidade, o douto Tribunal, com razão, não conferiu credibilidade às declarações prestadas pelo arguido em sede de julgamento, em que pretendeu passar a versão de que o que pretendia dizer, com a expressão “que há coisas que o meu marido não precisa de saber”, se referiria a atrasos nos pagamentos dos trabalhos executados. 14. Andou bem o douto Tribunal a quo ao entender que não passa, esta versão, de tentar compor e aligeirar o que foi dito em sede de ação cível, não confirmado por mais qualquer meio de prova, pelo que não mereceu e não podia merecer credibilidade ao douto Tribunal, pelo que, a douta Sentença encontra-se devidamente atende aos depoimentos e não merece qualquer tipo de censura, nomeadamente a que lhe aponta o Recorrente de erro notório na apreciação da prova, pois faz uma correcta e perfeita apreciação da prova, 15. O crime em apreciação nos presentes autos é um crime de perigo “abstractoconcreto”, em que o perigo não surge como resultado, mas sim como referência ao modo de ser objectivo da acção, o que terá forçosamente reflexos ao nível da imputação subjectiva e o dolo nos crimes de perigo não está diretamente correlacionado com o dano/violação, mas sim com o próprio perigo, não sendo necessário que o agente com o seu comportamento queira ofender a honra ou consideração alheias, nem mesmo que se haja conformado com esse resultado, ou sequer que haja previsto o perigo, bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio da acção previsto na norma incriminatória respectiva. 16. Para devidamente balizar em sede de direito o caso concreto não basta fazer apelo à Constituição da República Portuguesa e ao Código Penal português pois que a Convenção Europeia dos Direitos do Homem vigora na ordem jurídica com valor infra-constitucional, é dizer, no mínimo e como é doutrina maioritária, com valor superior ao direito ordinário português. 17. A jurisprudência convencional é clara na atribuição de uma valoração de peso a esse direito que só pode ser sujeito a restrições nos termos bastante claros e restritivos do n.º 2 do artigo 10 da C.E.D.H., ao reconhecer que esse direito “pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática. 18. A tutela da honra deve situar-se então na análise dos tipos penais em presença, sendo que, em face dos factos dados como provados, não se pode concordar que as expressões constantes do articulado de defesa do então legal representante da Ré na ação cível intentada pela aqui assistente, se enquadrem na liberdade de expressão, pois são objetivamente atentatórias da honra e consideração da visada e não eram necessários para a defesa da então Ré, extravasando essa necessidade de defesa, pois não se demonstra de que modo lançar suspeitas sobre o caráter da então autora, aqui assistente, tenha a ver com o desfecho do caso judicial. 19. No caso concreto, a liberdade de expressão não pode ser amplamente considerada, no sentido de que pode ser comprimida, pelo facto de conter expressões que atentam contra a honra e consideração da assistente e, assim, nenhuma censura pode ser feita à douta sentença em apreço, nomeadamente no que diz respeito à preterição da liberdade de expressão perante a tutela do direito à honra e consideração. 20. O não exercício do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, nos casos em que também estes não puderem ser perseguidos sem queixa, não se podendo escolher quem deve ser perseguido em caso de comparticipação, pois, o que está em causa é o crime”. 21. Este princípio da indivisibilidade da queixa – e da acusação – tem como objectivo evitar que o titular do direito de queixa escolha apenas um dos comparticipantes, perdoando aos demais, caso em que a perseguição teria então mais natureza pessoal do que em razão do crime praticado. 22. No caso sub judice, temos uma situação em que se discute a eventual comparticipação criminosa, entre o advogado subscritor da peça dita injuriante e o respectivo mandante, estando em causa a prática de actos por advogado, ora, para haver comparticipação num crime de difamação, numa peça processual, é necessário que exista um acordo prévio, mesmo que tácito, entre mandatário e mandante, para afirmar ou propalar factos inverídicos, ou seja, o conhecimento e vontade de realização do facto anti-jurídico, com consciência da ilicitude. 23. O mandatário forense escreve na peça processual os factos que lhe são transmitidos pelo seu cliente, convencido de que correspondem à verdade, sendo este o princípio que deve estar subjacente na análise da questão, pois, os princípios da boa-fé e da colaboração entre os intervenientes processuais impõem tal premissa. 24. Não há na queixa dos autos a mínima referência a que o respectivo mandatário, ao transferir para a peça processual aquilo que lá consta, soubesse que afirmava ou propalava factos inverídicos, não tendo fundamento para, em boa-fé, reputar verdadeiros esses factos inverídicos, pois, em lado algum da acusação se escreveu que o advogado subscritor do requerimento sabia que as imputações que aí descreveu não correspondiam à verdade e o recorrente não apresentou qualquer elemento no sentido de que as expressões difamatórias tivessem sido congeminadas num conluio entre mandante e mandatário. 25. Não existe qualquer facto que possa atestar que existiu acordo prévio entre arguido e advogado, para fazer constar da peça processual inserta na ação cível suspeitas sobre o caráter da aqui assistente e, como tal, nenhum facto é indicado que permita concluir que existiu uma situação de comparticipação na elaboração da peça processual, por forma a que o crime de difamação possa ser assacado também ao mandatário do arguido. 26. O advogado do arguido inseriu na mencionada peça processual, factos que lhe foram relatados pelo seu cliente, não se demonstrando que tenha existido qualquer forma de comparticipação do advogado na prolação dessas expressões atentatórias da honra e consideração da assistente, pelo que não existem factos que possam afastar a censurabilidade da conduta do arguido, mormente, a extinção do procedimento criminal, por não ter sido deduzida acusação também contra o mandatário do arguido, nenhuma censura podendo ser feita à douta sentença em apreço, ao considerar não haver comparticipação do arguido e do seu mandatário, pelo que a não apresentação de queixa contra o mandatário não determina, de forma alguma, a extinção da responsabilidade criminal do arguido. 27. Compulsada a ação cível, constata-se que está em causa um cumprimento defeituoso ou incumprimento contratual de um contrato de empreitada, não se demonstra de que modo lançar suspeitas sobre o caráter da então autora, aqui assistente, tenha a ver com o desfecho do caso judicial e, a suspeita contém em si mesma um juízo depreciativo e atentatório da dignidade da visada e foi isso que o arguido escreveu na mencionada ação cível, quando lança a suspeita que a assistente pretendia ter um relacionamento amoroso consigo, pondo em causa a honorabilidade da assistente, pessoa casada, sendo que não se demonstra de que modo essa suspeita era necessária ao exercício do direito de defesa do arguido, pois nessa tem a ver com a causa de pedir na ação cível. 28. A suspeita lançada sobre o caráter da assistente não se enquadra no mero exercício de um direito, não sendo causa de exclusão da responsabilidade criminal do arguido, pelo que, nenhuma censura pode ser feita à douta sentença em apreço, nomeadamente ao considerar que a conduta do arguido é punível, nos termos dos artigos 180º, n.º 2, alíneas a) e b); 180º, n.º 3 e 31º, n.º 2, alínea b, todos do Código Penal. 29. A medida da pena a aplicar ao arguido, enunciando que, de acordo com o estatuído no 180º, n.º 1, do código penal, o crime de difamação é abstratamente punível com pena de prisão até 6 meses ou multa até 240 dias. 30. A aplicação de uma pena pecuniária satisfazia as finalidades da punição, sendo desnecessária a aplicação de uma pena privativa da liberdade, e assim, optou pela pena de multa, por a considerar a mais adequada ao caso concreto. 31. Entendeu correctamente o douto Tribunal a quo que a conduta do arguido devia ser censurada com a pena concreta de 150 dias de multa e fixou, e bem, o quantitativo diário da pena de multa em € 8,00 Euros, sendo que, deste modo, nenhuma censura pode ser feita à douta sentença em apreço, nomeadamente quanto à escolha e medida da pena concreta. 32. A assistente/demandante civil deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, demandado civil AA, peticionando a condenação deste no pagamento da quantia de € 1.500, a título de danos não patrimoniais, ora a indemnização de perdas e danos emergentes de crime enxertada no processo penal é regulada pela lei civil, sendo que o artigo 71.º e seguintes do código de processo penal, apenas se refere à indemnização civil fundada na prática de um crime, mas “a expressão usada pelo Código de Processo Penal é insuficiente, como resulta dos artigos 84° e 377° do Código de Processo Penal que admitem a condenação em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado. 33. Nos termos do disposto no artigo 483°, n.º 1, do código civil, quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação, há, pois, assim, que aferir da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, fixados no artigo 483º, do código civil, a saber: o facto voluntário, a ilicitude, a culpa, os danos e o nexo de causalidade entre o facto e os danos. 34. Verifica-se uma ação voluntária do demandado, ao proferir expressões que atingem a honra e bom nome da demandante; existe uma atuação ilícita, violadora do direito da demandante ao seu bom nome, honra e consideração; existe comportamento culposo, dado que atuou prevendo e querendo adotar a conduta que adotou; existem danos, dado que os factos vindos de descrever provocaram na assistente sentimentos de vergonha, desânimo e indignação; e existe um nexo causal entre a conduta do demandado e estes danos. 35. Assim sendo, forçoso será concluir pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, existindo obrigação do demandado indemnizar a demandante e, por conseguinte, condenou o arguido/demandado civil pagar à assistente/demandante civil a quantia de € 750,00 Euros. 36. Pelo que, nenhuma censura pode ser feita à douta sentença em apreço, nomeadamente ao considerar que a conduta do arguido é punível, nos termos dos artigos 180º, n.º 2, alíneas a) e b); 180º, n.º 3 e 31º, n.º 2, alínea b, todos do Código Penal. (…)” 5. Subidos os autos a este Tribunal, pronunciou-se Sr. Procurador Geral Adjunto nos seguintes termos: “Estando em causa apenas um crime de natureza particular, acompanho a resposta do Ministério Público às motivações de recurso.” 6. Cumprido que foi o estatuído no artigo 417.º/2 do CPP, nada mais se acrescentou. 7. No exame preliminar a relatora deixou exarado que nada obstava ao conhecimento do recurso, que, por sua vez, havia sido admitido com o regime de subida adequado, tendo-se ainda exarado por que razão não se convidou o recorrente a aperfeiçoar as suas conclusões de recurso. 8. Seguiram-se os vistos legais. 9. Foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão. * II. Fundamentação1. O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), quanto a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º/2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro). Assim e tendo presente ainda que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como não visam criar decisões sobre matéria nova, então as questões suscitadas no presente recurso são as seguintes: - saber se a sentença recorrida violou o artigo 410.º, n.º 2, alíneas b) e c) do artigo do Código de Processo Penal; - erros de julgamento; - saber se o recorrente não actuou com consciência da punibilidade da sua conduta da sua conduta; - da comparticipação do arguido e do seu mandatário, pelo que a não apresentação de queixa contra o mandatário, determina a extinção da responsabilidade criminal do arguido; - não punibilidade da conduta do arguido, nos termos do preceituado no artigo 180.º/2, a) do CP; - não preenchimento dos elementos típicos do crime de difamação; - carácter excessivo da pena a aplicar ao arguido; - carácter excessivo da indemnização fixada à assistente/demandante. 2. Comecemos por nos debruçar sobre a suscitada questão da comparticipação do arguido e do seu mandatário porque, se a julgarmos procedente, naturalmente que ficarão prejudicadas as demais questões suscitadas, isto não sem antes tecermos algumas breves considerações sobre o crime de difamação. 2.1. Por ser relevante para apreciação da dita questão, passaremos a transcrever a acusação particular deduzida contra o arguido (integralmente confirmada pelo despacho de pronúncia datado de 21-11-2023 e que para aquela remeteu integralmente): “1. A Ofendida/Assistente e o seu marido contrataram com a A... Unipessoal, Lda., através do seu representante legal, o Arguido, uma empreitada de remodelação e requalificação de imóvel sito na Rua ..., ..., lugar do ..., na União de freguesias ..., ... e ..., o concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...90 e descrito na Conservatória do registo predial de Matosinhos sob o nº ...11. 2. A contratação da obra foi finalizada em Fevereiro de 2020, tendo a Empreiteira iniciado os trabalhos no dia 2 de Março de 2020. 3. A execução da referida obra e do referido contrato foi objeto de uma acção judicial, interposta pelos Donos da Obra contra a Empreiteira, no seguimento de incumprimento contratual por parte desta última, encontrando-se em fase de recurso. 4. Acção essa interposta no dia 2 de Junho de 2021, e a que corresponde o processo nº ..., cuja tramitação decorre no Juízo Central Cível da ... - Juiz 3. 5. Ora, nos referidos autos, veio a Ré Empreiteira deduzir contestação com reconvenção, no dia 28 de Junho de 2021, da qual o mandatário da Ofendida/Assistente foi notificado em 30 de Junho de 2021, via citius, e na qual, com relevância para a presente acusação particular, afirmava o seguinte, nos arts. 127.º e 128.º, referindo-se à atitude da Ofendida/Assistente para com o Arguido e legal representante da Ré: «127.º Em diversas situações distintas, aquela enviava mensagens ao legal representante da R., solicitando-lhe que se encontrassem no veículo automóvel dela, adicionando comentários na senda de “há coisas que o meu marido não precisa de saber”, o que o incomodava profundamente. 128.º Aquela foi ainda mais longe e chegou a contactar telefonicamente o café, em ..., que o legal representante da R. frequenta, acompanhado da sua esposa, com o intuito de criar nesta a dúvida de que estaria a ter um caso extraconjugal.» 6. Tais declarações são atestáveis mediante a certidão de peça processual constante dos autos, e pretenderam acusar a Ofendida/Assistente de procurar um relacionamento extraconjugal com o Arguido (Doc.1 junto com o requerimento de queixa-crime). 7. O teor das alegações reproduzidas é grave e totalmente falso, e constitui uma lesão da honra, reputação e bom nome da Ofendida/Assistente, bem como viola a intimidade da sua vida particular e familiar. 8. Simplesmente, pretendeu com estas acusações o Arguido criar desvios de atenção que proporcionassem um desfecho favorável na acção em que a sua sociedade é Ré, não olhando a meios para atingir esse fim, agindo de má – fé com o intuito claro de difamar, envergonhar e vexar a Ofendida/Assistente em sede pública, 9. Bem conhecendo a circunstância agravada de proferir as acusações em sede solene, de processo judicial, e, com certeza, devidamente advertido das consequências pelo seu mandatário. 10.Embora proferidas em sede de requerimento de Contestação da Sociedade Ré, o Arguido é o seu sócio único e tais declarações apenas foram incluídas na peça processual através do seu testemunho e afirmações. 11. E com base nas afirmações do Arguido, em sede de julgamento do processo supra referido, o seu mandatário recalcou de tal forma e insinuou por diversas vezes as insinuações supra referidas, que teve que ser interrompido pela senhora magistrada que presidia ao julgamento. Assim, 12. 0 arguido agiu voluntária, deliberada, consciente e livremente. com intenção, conseguida, de ofender a Ofendida/assistente na sua honra e consideração, 13. Bem sabendo que aquela conduta e comportamento lhe era proibido e punido por lei. 14.Cometeu, pelo exposto, o Arguido um (1) crime de difamação. 15. Esta conduta está prevista e é punida por lei, nos termos do nº 1 do artigo 180º do Código Penal. (…)” 2.2. Dispõe o artigo 180.º do Código Penal, que: “1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias. 2 - A conduta não é punível quando: a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira. 3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar. 4 - A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.” O artigo 31.º do C.P. refere que o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade (n.º 1) e, nomeadamente, não é ilícito o facto praticado, no exercício de um direito (n.º 2, alínea b) e no cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade (n.º 2, alínea c). O crime de difamação tutela o bem jurídico - pessoalíssimo e imaterial – da honra, assente na imputação indirecta de factos e juízos desonrosos. A difamação consiste na imputação a alguém, levada a terceiros e na ausência do visado, de facto ou conduta que encerre em si uma reprovação ético-social, sendo ofensivos da honra e consideração do visado, enquanto pretensão de respeito que decorre da dignidade da pessoa humana e pretensão ao reconhecimento da dignidade moral da pessoa por parte dos outros. A lei não exige o propósito de ofender a honra e consideração de alguém, bastando a consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é de molde a produzir a ofensa da honra e consideração de alguém. O tipo objectivo de difamação estará preenchido com a imputação de factos, palavras ou juízos desonrosos, desonestos ou vergonhosos, a par do dolo genérico, em qualquer uma das suas modalidades. Em sentido amplo, o bom nome e reputação, incluem, enquanto síntese do apreço pelas qualidades determinantes da identidade de cada indivíduo e pelos valores pessoais adquiridos pelo mesmo, quer no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político. A honra é encarada numa perspectiva dual – normativa e fáctica – como bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer apropria reputação ou consideração exterior. – cf. Comentário Conimbricense, Prof. Faria Costa. O direito ao bom nome e reputação “consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação” - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., 180/1. A honra constitui um “bem de personalidade e imaterial, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor a que a Constituição atribui a relevância de fundamento do Estado português; enquanto bem da personalidade e nesta sua vertente externa, trata-se de um bem relacional, atingindo o sujeito enquanto protagonista de uma actividade económica, com repercussões no campo social, profissional e familiar e mesmo religioso” - Maria Paula G. Andrade, Da Ofensa do crédito e do bom nome, 1996, 97. “Só deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem, aquilo que, razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais. O que pode ser uma ofensa ilícita em certo lugar, meio, época, ou para certas pessoas, pode não o ser em outro lugar ou tempo, do mesmo modo que a circunstância de ser ou não injuriosa uma palavra depende, em grande parte, da opinião, dos hábitos, das crenças sociais” (cf. ac. deste Tribunal de 31-01-96, processo nº 9540900, www-dgsi.pt). Segundo Nélson Hungria (citado por Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado), a difamação “é a manifestação, por qualquer meio, de um conceito ou pensamento que importe ultraje, menoscabo ou vilipêndio contra alguém, dirigida ao visado”. Ainda segundo o mesmo autor, “o bem jurídico lesado é, prevalentemente, a chamada honra subjectiva, isto é, o sentimento da própria honorabilidade ou a respeitabilidade pessoal”. Por outro lado “os valores jurídico-penais que o legislador quis proteger com a punição da difamação e com a injúria, foram a honra e a consideração de uma pessoa: “a honra diz respeito à estima, ao não desprezo moral por si próprio, que sente em geral qualquer pessoa", e a consideração, ao juízo do público, isto é, ao apreço ou não "desconsideração que os outros tenham por ele” - Prof. Beleza dos Santos, Algumas Considerações Jurídicas sobre crimes de difamação e de injúria, RLJ, ano 92 e 95. “A honra refere-se ao apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral. A consideração ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém, um bom elemento social, ou ao menos de o não julgar um valor negativo”. “O bem jurídico honra, traduz uma pretensão de respeito por parte dos outros, que decorre da dignidade humana. O seu conteúdo é constituído basicamente por uma pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros. Sem a observância social desta condição não é possível à pessoa realizar os seus planos de vida e os seus ideais de excelência na multiplicidade de contextos e relações sociais em que intervém. O bem jurídico constitucional assim delineado apresenta um lado individual (o bom nome) e um lado social (a reputação ou consideração) fundidos numa pretensão de respeito que tem como correlativo uma conduta negativa dos outros; é, ao fim e ao cabo, uma pretensão a não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade” – cf. Augusto Silva Santos, Alguns aspectos do regime jurídico dos crimes de difamação e de injúrias, A.A.F.D.L., pág. 17/8. No fundo, o que está em causa é a pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros. O bem jurídico assim delineado apresenta um lado individual - bom nome - e um lado social - a reputação ou consideração - fundidos numa pretensão de respeito que tem como correlativo uma conduta negativa por parte dos outros. O artigo 25.º/1 da Constituição da República, dispõe que “a integridade moral e física das pessoas é inviolável”. Dispondo depois o artigo 26.º que, “a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de descriminação” Por seu lado, estabelece o artigo 37.º da Constituição da República, que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento por palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e ser informados, sem impedimentos ou discriminações”. Ambos os direitos, merecem tutela e garantia constitucionais, enquanto direitos fundamentais das pessoas, inscritos na Constituição da República – ao mesmo nível hierárquico de tutela - no mesmo Título II – Direitos, liberdades e garantias - e Capítulo I – Direitos, liberdades e garantias pessoais – da Parte I. “A liberdade de expressão deve considerar-se como uma manifestação essencial das sociedades democráticas e pluralistas, nas quais a crítica e a opinião livres contribuem para a igualdade e aperfeiçoamento dos cidadãos e instituições. Todavia direito fundamental de idêntico valor protege a integridade moral do cidadão, nomeadamente o seu nome e reputação” - cfr. ac. STJ de 12.01.00, in BMJ 493º, 156. Também, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, garante no seu artigo 10.º/1, o direito de qualquer pessoa à liberdade de expressão, compreendendo a liberdade de opinião e de receber ou transmitir ideias, sem ingerências de quaisquer autoridades públicas e sem consideração de fronteiras, bem como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos protege, igualmente, tal direito, no seu artigo 19º/2. Da mesma forma, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, consagra no seu artigo 19º, o direito dos indivíduos à liberdade de opinião e expressão, que implica o direito de procurar, receber, difundir informações por qualquer meio de expressão e sem consideração de fronteiras. “Tão importante, assim, vem a ser assegurar o livre exercício dos direitos de informação e de livre expressão do pensamento, de que a liberdade de imprensa constitui modo qualificado” – cf. ac. TC 113/97 de 5.2.97, BMJ 464, 119 - enquanto “elemento imprescindível ao funcionamento e aperfeiçoamento das instituições democráticas” (cfr Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Coimbra, 39 e ss), “como garantir o respeito pelos demais direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, em que, em idêntico plano constitucional, se inclui a da dignidade humana, dos direitos à integridade moral e ao bom nome e reputação” - cfr. ac. STJ de 26.2.2004, processo 03B3898, www.dgsi.pt. A Constituição reconhece a existência de limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento, bem como ao exercício do direito da liberdade da imprensa, preceituando, no artigo 37.º/3, que “as infracções cometidas no exercício destes direitos - de expressão e informação - ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei”. Deste n.º 3 conclui-se, que a liberdade de expressão não é ilimitada, “há certos limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento. A liberdade de expressão e de informação não pode efectivamente prevalecer sobre direitos fundamentais dos cidadãos ao bom nome e reputação, à sua integridade moral, à reserva da sua vida privada. Esses limites encontram-se concretizados na lei penal. A injúria e a difamação não podem reclamar-se de manifestações da liberdade de expressão ou informação” - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 110-111. “O direito de liberdade de expressão e o direito à consideração e à honra, ambos constitucionalmente garantidos, quando em confronto, devem sofrer limitações, de modo a respeitar-se o núcleo essencial de um e outro” - cfr. ac. STJ de 24.4.96, processo 97A652, www.dgsi.pt Se, nos termos do artigo 18.º/2 da Constituição da República, a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, para resolver o conflito entre bens ou interesses de igual valor constitucional ter-se-á que obter a “harmonização” ou “concordância prática” dos bens em colisão, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível. Também, a CEDH, no artigo 10.º/2 e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, no artigo 19.º/3, consagram que a liberdade de expressão não é absoluta, sofrendo as restrições - necessárias à coexistência numa sociedade democrática – de outros direitos como os da honra e reputação das pessoas. A própria Lei de Imprensa assume tais limites, ao dispor no seu artigo 3.º, que, a liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, por forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida provada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse e a ordem democrática. A expressão liberdade de expressão tem longínquas raízes históricas, surpreendendo-se na Constituição dos EUA, o primeiro texto legal a referir-se claramente a tal liberdade, (a par da liberdade de imprensa - cfr. 1º Aditamento na Declaração de Direitos e Garantias (Bill of Rights), sendo, que ainda no ano de 1789 é formalmente consagrada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, emergente da Revolução Francesa, a “livre comunicação dos pensamentos e das opiniões”, conquanto, logo aqui se previsse a responsabilização do cidadão pelos abusos da liberdade de falar, escrever e imprimir livremente. São cada vez mais frequentes os conflitos entre o direito à honra, bom nome e reputação, por um lado, e o direito de expressão do pensamento, por outro, mormente num tempo de frequentes intromissões, na vida privada das pessoas, cada vez mais facilitadas, pelo progresso da ciência e da técnica e consequente avanço e modernização dos meios de comunicação social. Mas numa sociedade democrática, a liberdade de expressão reveste a natureza de verdadeira garantia institucional, impondo por vezes, um recuo da tutela jurídico-penal da honra. Recuo, que tem que ser justificado por um correcto exercício da liberdade de expressão, aferido pelo interesse geral. Não se colocando a questão, tanto, na hierarquização dos dois direitos constitucionalmente consagrados (Ac do T.C. de 05-02-97, no processo 62/96), o conflito concreto que surja entre ambos, deve ser decidido, num quadro de “coordenação, compatibilidade ou concordância prática em casos de confluência ou conflito devem considerar o efeito recíproco de mútuo condicionamento entre normas protectoras de diferentes bens jurídicos, que impõe a violação do núcleo essencial do direito ao bom nome de reputação, dificilmente poderá ser legitimada com base no exercício de um outro direito fundamental” - cfr. Jónatas Machado, Liberdade de Expressão: dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, 767. “Na consideração do efeito recíproco de mútuo consentimento, a demonstração da existência de um interesse socialmente relevante - não estritamente político ou público - que justifique a conduta expressiva, constitui um elemento essencial de avaliação, uma vez que dadas as dimensões públicas do crédito e do bom nome, há que ponderar o impacto negativo efectivo da expressão nos bens jurídicos em presença, comparando-a com o impacto positivo das expressões na transparência e na verdade das relações sociais” - ibidem, 770. Tendo presente o carácter fragmentário e subsidiário do direito penal, que deve ser entendido como a ultima ratio da política social, será o critério constitucional da “necessidade social” que deve orientar o legislador na tarefa de determinar quais as situações em que a violação de um bem jurídico, justifica a intervenção do direito penal. De resto, esta temática tem sido objecto de cada vez mais variadas decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, assim se construindo uma doutrina vinculante (artigos 1.º e 46.º), com decisivo relevo, a propósito da interpretação dos valores em causa e da compatibilidade entre liberdade de expressão e direito ao bom nome, reputação e imagem. A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada pessoa. Sob reserva do parágrafo 2.º do artigo 10.º da CEDH, a liberdade de expressão vale não só para as informações ou ideias acolhidas com favor ou consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também, para aquelas que melindram, chocam ou inquietam. Assim é exigido pelo pluralismo, pela tolerância e espírito de abertura sem os quais não existe sociedade democrática. Como se prevê no referido parágrafo 2.º, esta liberdade está sujeita a excepções que devem, contudo ser interpretadas restritivamente e a necessidade de qualquer restrição deve ser demonstrada convincentemente. “No conflito entre o direito à honra e a liberdade de expressão, tem vindo a verificar-se um ponto de viragem, tendo por base e fundamento o relevo, a dignidade e a dimensão da liberdade de expressão considerada numa dupla dimensão, concretamente como direito fundamental individual e como princípio conformador e essencial à manutenção e aprofundamento do Estado de Direito democrático, reconhecendo-se que o exercício do direito de expressão, designadamente enquanto direito de opinião e de crítica, constitui o próprio fundamento do sistema democrático, o que justifica a assunção de uma nova perspectiva na resolução do conflito. Neste contexto, temos vindo a defender, na esteira da orientação assumida por Costa Andrade, deverem considerar-se atípicos os juízos de apreciação e de valoração crítica vertidos sobre realizações científicas, académicas, artísticas, profissionais, etc., ou sobre prestações conseguidas nos domínios do desporto e do espectáculo, quando não se ultrapassa o âmbito da crítica objectiva, isto é, enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, às realizações ou prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoa dos seus autores ou criadores, posto que não atingem a honra pessoal do cientista, do artista, do desportista, do profissional em geral, nem atingem a honra com a dignidade penal e a carência de tutela penal que definem e balizam a pertinente área de tutela típica. Mais entende aquele insigne Mestre que a atipicidade da crítica objectiva pode e deve estender-se a outras áreas, aqui se incluindo as instâncias públicas, com destaque para os actos da administração pública, as sentenças e despachos dos juízes, as promoções do MP, as decisões e o desempenho político de órgãos de soberania como o Governo e o Parlamento. Por outro lado, segundo ele, a atipicidade da crítica objectiva não depende do acerto, da adequação material ou da “verdade” das apreciações subscritas, as quais persistirão como actos atípicos seja qual for o seu bem fundado ou justeza material, para além de que o correlativo direito de crítica, com este sentido e alcance, não conhece limites quanto ao teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas, isto é, não exige do crítico, para tornar claro o seu ponto de vista, o meio menos gravoso, nem o cumprimento das exigências da proporcionalidade e da necessidade objectiva. Costa Andrade defende mesmo que se devem considerar atípicos os juízos que, como reflexo necessário da crítica objectiva, acabam por atingir a honra do visado, desde que a valoração crítica seja adequada aos pertinentes dados de facto, esclarecendo, no entanto, que se deve excluir a atipicidade relativamente a críticas caluniosas, bem como a outros juízos exclusivamente motivados pelo propósito de rebaixar e humilhar e, bem assim, em todas as situações em que os juízos negativos sobre o visado não têm nenhuma conexão com a matéria em discussão, consignando expressamente que uma coisa é criticar a obra, outra muito distinta é agredir pessoalmente o autor, dar expressão a uma desconsideração dirigida à sua pessoa. Parte da jurisprudência dos nossos tribunais superiores vem sufragando tal orientação, sendo que, de acordo com a mesma, entendemos que o direito de expressão, na sua vertente de direito de opinião e de crítica, quando se exerça e recaia nas concretas áreas atrás referidas e com o conteúdo e âmbito mencionados, caso redunde em ofensa à honra, se pode e deve ter por atípico, desde que o agente não incorra na crítica caluniosa ou na formulação de juízos de valor aos quais subjaz o exclusivo propósito de rebaixar e de humilhar” - cfr. ac. STJ de 07-03-2007, no processo 07P440, www.dgsi.pt. Como ensina o Prof. Costa Andrade (Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, pág. 236), “a tese da atipicidade da crítica objectiva não depende do acerto, da adequação material ou da verdade das apreciações susbcritas. Que persistirão como actos atípicos seja qual for o seu bem fundado ou justeza material ou, inversamente, a sua pertinência….O direito de crítica com este sentido e alcance não conhece limites quanto ao teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas”. No caso concreto, arredando-se, por ora, as demais questões suscitadas, assume decisiva importância a questão de quem pode/deve penalmente responsabilizado pelo escrito assinado pelo advogado do arguido. Na verdade, o que se discuta é o teor de dois pontos insertos num articulado de contestação, assinado pelo então Ilustre Mandatário do ora arguido, no âmbito de uma acção judicial cível, movida pela ora assistente e o seu marido contra a empreiteira, da qual o ora arguido é o único sócio e legal representante: «127.º Em diversas situações distintas, aquela enviava mensagens ao legal representante da R., solicitando-lhe que se encontrassem no veículo automóvel dela, adicionando comentários na senda de “há coisas que o meu marido não precisa de saber”, o que o incomodava profundamente. 128.º Aquela foi ainda mais longe e chegou a contactar telefonicamente o café, em ..., que o legal representante da R. frequenta, acompanhado da sua esposa, com o intuito de criar nesta a dúvida de que estaria a ter um caso extraconjugal.» E, o enquadramento destes factos em termos do direito tem que se ater ao libelo acusatório (que como é consabido atento o princípio da vinculação temática, delimita o âmbito de cognição do tribunal, como salvaguarda do princípio do contraditório e das garantias de defesa do arguido). Defende o arguido que na queixa apresentada, pela recorrida, não é possível concluir, através de nenhuma circunstância, pela sua responsabilidade exclusiva na apresentação em juízo de contestação assinada pelo seu advogado de onde constam afirmações alegadamente difamatórias. Assim, não tendo a recorrida deduzido acusação contra todos os comparticipantes, faltando o advogado subscritor da peça processual em causa e uma vez que nada se alegou quanto a ele, de acordo com o principio da indivisibilidade estabelecido nos artigos 114.º a 116.º do Código Penal, deve entender-se que recorrida renunciou ao direito de apresentação de queixa contra o Advogado. A assistente, por sua vez, defende que não há na queixa dos autos a mínima referência a que o respectivo mandatário, ao transferir para a peça processual aquilo que lá consta, soubesse que afirmava ou propalava factos inverídicos, não tendo fundamento para, em boa-fé, reputar verdadeiros esses factos inverídicos. Se dos autos resultasse que o crime foi praticado em comparticipação entre o ora recorrente e o seu Exmo. Advogado que subscreveu o requerimento em causa, seria de considerar, sem dúvida, a falta de uma condição legal de procedibilidade, nos termos do artigo 115.º, n.º 3, do Código Penal, por não ter sido deduzida queixa contra a Exmo. Advogado que subscreveu o requerimento, com a consequente extinção do procedimento criminal. Se, como acontece nos autos, em lado algum da acusação se escreveu que o advogado subscritor do requerimento sabia que as imputações que aí descreveu não correspondiam à verdade, então deverá ser demandado única e exclusivamente, como aconteceu no caso sub judice, o arguido. Em abstracto, a situação retratada nos autos – tendo presente que é o advogado que assina a peça processual, em nome do seu constituinte - suscita a possibilidade de ocorrência de situações substancialmente diversas e, com consequências jurídicas, também, elas, com diferente enfoque. Como se refere no ac. RC de 23-05-2012 (processo n.º 1289/10.2T3AVR.C1 a) uma em que o autor do escrito é apenas o advogado, sem qualquer interferência do cliente, que, inclusive, é surpreendido por aquilo que é imputado (injúria) ou difundido (difamação); b) outra em que o cliente relata factos que sabe não serem verdadeiros para que o advogado os verta para o articulado, no convencimento de que correspondem à verdade; c) e outra em que o advogado transfere para a peça processual aquilo que o cliente lhe disse, estando ambos cientes de que os factos relatados são injuriosos ou difamatórios, por não corresponderem à verdade. Na primeira hipótese existe um ilícito apenas praticado pelo advogado, na segunda hipótese apenas o cliente é autor mediato do crime de injúria ou difamação (sendo o advogado apenas um seu instrumento) e na terceira hipótese existe comparticipação criminosa — cf., neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 01.03.1989 (in Colectânea de Jurisprudência, Ano XIV, Tomo 2, pág. 76), o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no processo n.° 0006593, em 17.01.1996, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo n.° 0213271, em 05.03.2003, e os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra proferidos nos processos n.° 725/05 e n.° 1544/04.OTACBR.C1, em 06.04.2005 e em 14.02.2007, respectivamente (disponíveis para consulta em www. dgsi.pt). Ou seja, para um advogado responder criminalmente pela prática de um crime de injúria através de peça processual é necessário que estejamos perante a primeira ou a terceira hipóteses e só na primeira hipótese é que o processo pode prosseguir apenas contra o advogado, desacompanhado do cliente. Fora dessa primeira hipótese não pode afastar-se a responsabilidade do mandante, pelo que o procedimento criminal não pode ser instaurado nem prosseguir apenas contra mandatário, atento o dito princípio da indivisibilidade da queixa, aplicável também à acusação pública e particular.” Como se refere no ac. RE de 18-06-2024 (processo n.º 88/21.0T9MMN.E1, www.dgsi.pt) “Equacionando aquelas três hipóteses, segundo o Acórdão do TRP de 14.04.2021 proferido no processo n.º 219/18.8T9AND.P1 (www.dgsi.pt), fazendo expressa alusão ao Acórdão deste TRE de 17.09.2013 proferido no processo n.º 854/11.5TASTR.E1, devemos entender o seguinte: “A primeira hipótese, configurará um exemplo de comparticipação criminosa. Ou seja (…) advogado e cliente são coautores do crime de difamação, pois, «melhor do que ninguém o advogado deve saber em que consiste o crime de difamação e avaliar quando a prolação de factos suscetíveis de ofender a honra e a consideração de outrem não é necessária para a defesa da causa que lhe foi confiada». Compete-lhe, por isso, a função de filtrar aquilo que lhe é relatado pelo cliente, não deixando transparecer quaisquer expressões que se não contenham dentro das margens da veemência e da energia que a defesa dos interesses daquele exigem.” Como se escreveu no ac. da RLx de 17-05-2016 (proc. n.º 3359/13.6TACSC.L1-5, www.dgsi.pt), “A responsabilidade exclusiva do cliente deve ser liminarmente excluída quando na peça processual elaborada por advogado seja relatado um facto ofensivo da honra de outrem, porque o advogado, profissional forense com a responsabilidade de conduzir técnica e processualmente a lide, em nome e em representação dos seus constituintes, está vinculado por um dever geral de urbanidade (art. 89.º do Estatuto da Ordem dos Advogados), devendo, no exercício da sua actividade, evitar a prolação de factos susceptíveis de ofender a honra e a consideração de outrem.” Ora, admitindo, para efeitos de raciocínio, que os factos referidos na acusação particular são ofensivos da honra da assistente, nenhuma prova, nem sequer alegação, foi feita nos autos, no sentido de se concluir que o arguido recorrente relatou factos que sabia não serem verdadeiros, para que o advogado os vertesse para o articulado, actuando o mandatário no convencimento de que correspondiam à verdade. E, por outro lado, nem sequer tal consta da dita acusação particular, - como deveria necessária e obrigatoriamente constar, - por forma a afastar a responsabilidade do Ilustre Mandatário, o que vale por dizer que os factos da acusação, tal como dela constam, são de imputar ao arguido e ao seu Ilustre advogado mandatário. E, assim, estamos perante um caso de comparticipação criminosa. O artigo 26.º do Cód. Penal, sob a epígrafe de autoria, estatui que: “É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”. Este normativo engloba, indubitavelmente, a figura da comparticipação criminosa, sendo que “para definir uma decisão conjunta parece bastar a existência da consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime juntamente com outro ou outros. É evidente que na sua forma mais nítida tem de existir um verdadeiro acordo prévio, podendo mesmo ser tácito, que tem igualmente de se traduzir numa contribuição objectiva conjunta para a realização típica. Do mesmo modo que, em princípio, cada co-autor é responsável como se fosse autor singular da respectiva realização típica” – cf. Faria Costa, Formas do Crime, Jornadas de Direito Criminal, Centro de Estudos Judiciários, Livraria Almedina, pp. 169 e ss. No caso dos autos das posições assumidas pelo arguido e pela assistente, acima explanadas, resulta inequívoco que a contestação apresentada na dita acção de âmbito cível, foi elaborada pelo então Exm.º Mandatário do ora arguido, sendo o respectivo teor resultado da laboração intelectual do Ilustre Advogado. E o Advogado, atendendo aos seus especiais conhecimentos, “é, sempre, livre de discernir, de acordo com as instruções que tem e o objectivo conferido através do mandato, quais os factos relevantes para a procedência da sua pretensão processual, carreando para os autos, por seu mote próprio e pessoalíssima interpretação, o que o mesmo considera relevante para o bom exercício da defesa do respectivo constituinte” – cf. ac. RLX acima mencionado. Ora, não sendo o arguido, no caso concreto um técnico de direito, mas empreiteiro, este, terá transmitido ao seu Ilustre Mandatário os factos que, na sua perspectiva das coisas, sucederam, e que poderiam ser pertinentes em relação à litigância em que se mostrava envolvida, sendo mais do que provável que desconheça as regras próprias da tramitação processual, dos seus limites e consequências específicas, bem assim como a possibilidade concreta de incorrer na responsabilidade criminal, que ora se lhe imputa. O mesmo já não acontece com o Ilustre Advogado subscritor da contestação e, se da mesma constavam expressões alegadamente ofensivas da honra da assistente, não tendo sido alegado, mesmo na peça acusatória, que o Exm.º Advogado agiu no convencimento de que os factos que lhe foram relatados pela cliente, ora arguido, correspondiam à verdade, a responsabilidade criminal será de imputar a ambos. Na verdade, no plano das regras do mandato judicial e da experiência comum, presumindo-se que, entre Mandatário e Mandante, existe uma relação de lealdade, e afirmando-se que o teor dos articulados em apreço, assim como as imputações que neles se fazem, são falsos e ofensivos da honra e consideração do assistente, o arguido assim o teria comunicado àquele. E, se assim não era, tal deveria constar da acusação particular, o que, no caso dos autos, não foi cumprido, pelo que resta concluir estarmos perante uma situação de comparticipação criminosa. Não se desconhece decisões com um entendimento diverso do acima exposto: Desde logo o ac. do TRE 07-03-2017 (processo n.º 488/14.2PBELV.E1, www.dgsi.pt), onde se refere o seguinte: “De notar que desta forma se entende e expressa a ideia de que a imunidade não está dependente de uma ponderação de valores de compatibilização que tenha em vista evitar a liberdade de expressão do advogado, de forma que se possa afirmar que quando atinge a honra de alguém a imunidade já não opera. Essa sempre seria uma imunidade ridícula, que apenas existiria caso não ferisse ninguém. Ou seja, só existiria nos casos em que seria inútil a sua existência. Porque, entende-se, a imunidade existe para operar quando ofende mas a ofensa se justifica pela necessidade de defesa. A não ser assim a imunidade de advogado assemelhar-se-ia a certos seguros de saúde que implicam o pagamento de prémios mas que a seguradora cancela se o segurado ficar doente. No caso a “imunidade” existiria enquanto fosse desnecessária e ficaria cancelada quando fosse necessária. Assim, o juízo a formular não assenta numa ponderação igualitária e não se limita ao círculo liberdade de expressão do advogado versus direito à honra e consideração do visado pelo escrito. Isso é esquecer o básico em confronto. O juízo a formular exige a análise da necessidade do escrito em função da defesa de um direito e demanda a proporcionalidade entre esse dito por necessidade e aquelas honra e consideração.” Por sua vez, no ac. TRC de 06-11-2011 (proc. n.º 129/10.7TATMR.C1, prurisprudência.pt) defendeu-se que “Face a um articulado processual, subscrito por advogado, alegadamente contendo factos difamatórios, e não havendo elementos que permitam concluir por qualquer forma de comparticipação, o facto de não ter sido apresentada queixa contra o mandatário do arguido em nada obsta ao prosseguimento do procedimento criminal contra o arguido”. Não obstante, não nos parece que afirmar dever ser efetuada uma ponderação de valores entre a legal e estatutariamente assegurada liberdade de expressão do advogado e os bens jurídicos tutelados pelos crimes de difamação / injúria, ou seja, a honra e consideração dos cidadãos, “tenha em vista evitar a liberdade de expressão do advogado”. Articulado com o artigo 20.º da CRP que assegura o acesso de todos os cidadãos ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, encontra-se o artigo 208.º do mesmo diploma (epigrafado precisamente “patrocínio forense”), onde se prescreve que “(a) lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça.” Por seu turno, do Estatuto da Ordem dos Advogados resultam um conjunto normativo com aqueles princípios conexo, sublinhando-se: “Artigo 92.º 1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente: a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste; (…)” “Artigo 97.º 1 - A relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca. 2 - O advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas.” Parece-nos pacífico que a responsabilidade criminal do mandatário forense deve constituir exceção, pois, quando intervém em representação do seu cliente não defende interesses próprios e atua no exercício do mandato forense que lhe foi conferido, podendo socorrer-se de meios “incómodos” – porque firmes e contundentes – na defesa da posição daquele. Não obstante, este princípio não significa, nem pode significar, que “o exercício livre da defesa de uma causa” não tenha “os limites que lhe são impostos pela colisão com outros direitos fundamentais, entre os quais se conta o direito à honra e à consideração.” Não nos parece, de todo, que a liberdade de expressão do advogado para a defesa dos direitos do seu constituinte constitua um valor ilimitado, insuscetível de compressão, nomeadamente quando tal “liberdade” afeta bens jurídicos tutelados pelas normas penais, nomeadamente a honra e consideração dos cidadãos, especialmente quando não estão em causa figuras públicas ou existe um interesse público na divulgação de determinados factos. Em síntese, quando aquela “liberdade” atinge aqueles bens jurídicos, já a atuação do advogado não se justifica, não se pode justificar, pela defesa de um direito (ou direitos) do seu constituinte, pois ninguém tem “direito” a praticar crimes. Assim sendo, e uma vez que estamos perante factos referenciados numa peça processual assinada pelo Mandatário do arguido, alegadamente suscetíveis de configurarem a prática de um crime de difamação, não pode, sem mais, aceitar-se a responsabilidade exclusiva do arguido. Flui do exposto que, in casu, também o Sr. Advogado que subscreveu a mencionada contestação deveria ter sido visado na queixa, pressupondo a lei que esta omissão equivale a uma desistência, quer da queixa, quer da acusação, que aproveita ao arguido, de onde resulta que o procedimento criminal não podia prosseguir apenas contra este, atento o disposto no artigo 115.º/3. Na verdade, nos termos do estatuído nos artigos 180.º e 188.º/1, ambos do CP, o crime de difamação é de natureza particular, o que vale por dizer que, para instauração do procedimento criminal, é necessária a apresentação de queixa, e, posteriormente, a dedução de acusação particular – cfr. artigo 50.º/1 do CPP. A queixa deveria, assim, ter sido apresentada contra todos os comparticipantes e isto porque no sistema processual penal se português consagrou o chamado “princípio da indivisibilidade”, quando, no artigo 115.º/3 do Código Penal, se estipula que: “o não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, nos casos em que também estes não puderem ser perseguidos sem queixa”. Assim, como no caso em análise, a queixa e a acusação particular, foram deduzidas apenas contra o arguido, olvidando-se, sempre, o seu Ilustre Mandatário e não podendo a queixa ser renovada por há muito ter decorrido o prazo a que se reporta o artigo 115º/1 do C.P. e tendo já sido formulada acusação apenas contra o arguido, operou a extinção do direito de queixa e de acusação particular quanto a todos os (com)participantes. Verifica-se, pois, in casu, a falta uma condição legal de procedibilidade, imposta pelos artigos 115.º/3 e 117.º, ambos do Código Penal, o que importa a, consequente e necessária, declaração de extinção do procedimento criminal, procedendo, assim este segmento do recurso e ficando prejudicadas as demais pretensões recursórias. * III – Dispositivo Nos termos e com os fundamentos invocados, decide este Tribunal declarar provido o recurso interposto pelo arguido AA e, em face da falta uma condição legal de procedibilidade, revogar a decisão recorrida, declarando-se extinto o procedimento criminal intentado contra o arguido e ordenando-se o arquivamento dos autos, ficando prejudicado o conhecimento das restantes pretensões recursórias. * Sem tributação, nos termos do artigo 513.º/1 do CPP, a contrário. * Notifique.* Porto, 22-01-2025 Elaborado e integralmente revisto pela relatora, nos termos do artigo 94.º/2 do CPP. Assinado digitalmente pela relatora e pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos Maria João Lopes José António Rodrigues da Cunha Carla Carecho |