Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00036646 | ||
Relator: | FONSECA RAMOS | ||
Descritores: | EMPRÉSTIMO ERRO CULPA IN CONTRAHENDO ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS | ||
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Nº do Documento: | RP200312050355837 | ||
Data do Acordão: | 12/05/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | 2 J CIV OLIVEIRA AZEMÉIS | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Não há erro sobre a base do negócio se uma cliente de um Banco, sendo portadora de deficiência física, lhe comete o estudo de um empréstimo para aquisição de habitação própria e realização de obras, confiando em absoluto na actuação deste, que lhe concede o empréstimo bonificado para aqueles fins, sem nunca informar das suas dúvidas sobre se o diploma legal aplicável abrangia a possibilidade de bonificação para a realização de obras. II - Se na vigência do contrato, a Direcção-Geral do Tesouro informa o Banco mutuante de que a bonificação estava a ser indevidamente concedida, este não pode, unilateralmente, retirá-la debitando à cliente prestações superiores, por tal comportamento infringir as regras da boa-fé, por violador de dever acessório de conduta - omissão do dever de informar - a mutuária do "risco" de diversa interpretação da que fizera, incorrendo em responsabilidade pré-contratual, ou culpa in contrahendo. III - A actuação do Banco exprime "erro-impróprio", sendo ele responsável pelas consequências da sua errada interpretação do diploma legal fundante do contrato celebrado com a sua cliente, já que não ignorava que, caso a cliente não pudesse obter bonificação para o empréstimo para obras, não teria concluído o negócio - essencialidade do erro. IV - A alteração anormal das circunstâncias - artigo 437 n.1 do Código Civil - pressupõe imprevisibilidade e excepcionalidade de factos supervenientes, que causem manifesto desequilíbrio das prestações recíprocas dos contraentes, alterando o quadro negocial existente à data, quer dos preliminares, quer da conclusão do negócio. V - Tal não sucede, no caso em apreço, se a lei que vigorava à data das negociações e da celebração do contrato, não foi alterada, mas o Banco mutuante apenas viu a sua posição agravada pelo facto de a entidade estadual competente retirar a bonificação dos juros, por entender dela não beneficiar o empréstimo em causa. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto Maria ..................., intentou, em 18.9.2001, pelo Tribunal Judicial de ............. - .. Juízo Cível - acção declarativa de condenação, na forma ordinária, contra: “Banco .............., S.A.”, alegando, em síntese, que: - se verifica incumprimento, por parte do Réu, do contrato de mútuo, com hipoteca e fiança, para aquisição de habitação permanente e realização de obras (para esta finalidade no valor de 4.000 contos), no valor total 12.000.000$00, com crédito bonificado, celebrado entre as partes, em 16.6.1998, por violação das suas cláusulas 5ª, 6ª e 7ª, já que o Réu, unilateralmente, alterou a taxa de juro do empréstimo, retirando-lhe, a partir de Outubro de 2000, a bonificação que fora contratada (assim elevando a prestação mensal de 17.173$00 para 27.879$00), e sem a qual a Autora, portadora de incapacidade (deficiência) de 70,6%, não celebraria o contrato. Concluiu pedindo a condenação da Ré a cumpri-lo, calculando as prestações mensais, a que a Autora se obrigou, com base de 65% da taxa de desconto do Banco de Portugal, com a taxa anual efectiva de 3,9%, bem como a pagar à Ré a quantia correspondente aos montantes indevidamente por si debitados na conta da Autora, que equivalem à diferença, entre a aplicação da taxa de juro contratualmente estabelecida no contrato, e a taxa de juro que foi aplicada a partir de 30.11.00, acrescida que foi de 2,25 pontos percentuais. Contestou e deduziu reconvenção o Banco Réu, alegando, em síntese: - haver erro sobre a base do negócio ou, se assim não se entender, modificação do contrato por alteração das circunstâncias, a permitir ao Réu, como fez, modificar o contrato, alterando, unilateralmente, a taxa de juro contratada. Concluiu no sentido da improcedência da acção e no da procedência da reconvenção, declarando-se a modificação do contrato, nos termos indicados no art. 18º do seu articulado, e com efeitos desde a data em que foi modificada a taxa de juro, por se verificar erro sobre a base do negócio e, subsidiariamente, declarar-se equitativa a alteração da taxa efectuada pelo banco, por se verificar alteração das circunstâncias durante a execução do contrato. Replicou a Autora, alegando que não se verifica, quer o apontado erro, quer os requisitos do art. 437º do Código Civil, perfilando-se como injustificada a decisão da Ré em alterar, unilateralmente, o contrato, pelo que concluiu no sentido da improcedência das excepções e da reconvenção. *** A final foi proferida sentença que: I) - Julgou a acção procedente, por provada e, em consequência, condenou o Réu a cumprir o contrato de mútuo com hipoteca e fiança, nos termos acordados e exarados na escritura pública outorgada no Cartório Notarial de ..........., no dia 16.06.98, lavrada de fls. 53 a 57, ou seja, calculando as prestações mensais, a que a Autora se obrigou, com base de 65% da taxa de desconto do Banco de Portugal, com a taxa anual efectiva de 3,9%; II) - Mais condenou o Réu a pagar à Autora a quantia correspondente aos montantes indevidamente debitados pela Ré, na conta da Autora, que equivalem à diferença entre a aplicação da taxa de juro contratualmente estabelecida no contrato de mútuo, com fiança e hipoteca, e a taxa de juro que foi aplicada, a partir de 30/11/00, acrescida que foi de 2,25 pontos percentuais. III) - Julgou a reconvenção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu a Autora do pedido. *** Inconformado recorreu o Banco que, alegando, formulou a seguintes conclusões: 1. Face à matéria dada como assente, maxime, os arts. 3°, 4° e 9° da Base Instrutória, é entendimento do apelante que se verificam os pressupostos do erro sobre a base do negócio. 2. Pelo que houve fundamento para a alteração da taxa de juro que vigorava até então. 3. De facto, sendo elemento essencial para a formação da vontade das partes, a subsunção do empréstimo para obras a deficientes no regime jurídico do crédito à habitação para deficiente – DL. 230/80, de 16.7 e 98/86, de 17.05 - (ver resposta ao art. 3° da base instrutória), e, 4. Estando provado que nenhuma das partes contrataria se previsse que o Estado deixaria de bonificar a taxa de juro (ver resposta ao art. 9° da base instrutória), mostram-se verificados os pressupostos para a aplicação do erro sobre a base do negócio. 5. Não sendo, salvo melhor opinião, correcta a análise jurídica que o Tribunal “a quo” fez dos factos assentes ao não considerar a existência da bilateralidade do erro. 6. Em suma, deve entender-se que ocorreu erro sobre a base do negócio e nessa medida considerar-se procedente o pedido reconvencional, declarando-se a modificação do contrato, mediante a aplicação da taxa de juro praticada actualmente pelo Banco: - Euribor a 6 meses + 2,25 %, conforme alegado no art. 18° da contestação. 7. Se se entender que não ocorreu erro sobre a base do negócio, o que não se concede, deve entender-se que se mostram preenchidos os requisitos de “modificação do contrato por alteração das circunstâncias” - 437° Código Civil. 8. Com efeito, a decisão a Direcção-Geral do Tesouro de deixar de bonificar o empréstimo foi imprevisível, já que nenhuma das partes o previu quando celebrou o contrato. 9. Não cabendo no risco normal do contrato, já que se coubesse nenhuma das partes o contrataria (ver resposta ao art. 9° da base instrutória). 10. E provocou um desequilíbrio nas obrigações assumidas pelas partes, que, embora não se traduza na impossibilidade de cumprimento do contrato, traduz-se em algo extremamente oneroso para o apelante. 11. Na medida em que tem que acarretar com um prejuízo que, no mínimo, não será inferior a 1.856.027$00 (€ 9.257,83). 12. Pelo que se impõe o reconhecimento judicial de que a modificação da taxa operada é válida e juridicamente sustentada. 13. Nessa medida deve entender-se, a título subsidiário, como procedente o pedido reconvencional, por força da verificação dos pressupostos da “alteração das circunstâncias”. 14. O Tribunal “a quo”, ao decidir de modo diverso, violou o art. 252º, n°2, e 437°, n°5, do Código Civil. Termos em que, revogando-se a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, e julgando-se improcedente o pedido reconvencional se fará Justiça. Não houve contra-alegações. *** Colhidos os vistos legais, cumpre decidir tendo em conta a seguinte matéria de facto: A) - Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, outorgada no Cartório Notarial de .......... no dia dezasseis de Junho de 1998, lavrada de fls. 86 a 89 verso do Livro de Escrituras número setecentos e noventa do Cartório Notarial de .........., a Autora declarou comprar a fracção autónoma, designada pela letra “H”, que faz parte integrante do prédio constituído sob o regime da propriedade horizontal, sito em ........., ..........., correspondente ao primeiro andar direito, inscrita na matriz urbana da freguesia de ............ sob o artigo 2.726 - H, descrita na Conservatória do Registo Predial de ........... sob o nº00027/121284-H, actualmente inscrita a seu favor, conforme doc. de fls. 10 a 22, cujo teor se considera reproduzido. B) - O mútuo referido em A), foi concedido pela Ré, mediante a oneração da fracção por hipoteca. C) - A Autora só poderia adquirir a fracção, se na mesma fizesse algumas adaptações, mais propriamente obras, de que o imóvel carecia. D) - Nesse âmbito a Autor e Réu celebraram um outro contrato de mútuo, com hipoteca e fiança, no dia 16 de Junho de 1998, em que foi formalizada a compra e venda, por escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança, lavrada de fls. 53 a 57 do Livro de Notas para Escrituras Diversas número setenta e um-C, do Cartório Notarial de .............., ou seja, no mesmo dia e no mesmo Cartório Notarial de .............., conforme doc. de fls. 23 a 32, cujo teor se considera reproduzido. E) - Foi o Réu quem instruiu tal contrato de mútuo com hipoteca e fiança, designadamente pelos esclarecimentos prestados, definição da aplicação e condições do financiamento, maxime taxas de juro que iriam vigorar durante o período de vigência do contrato de mútuo. F) - A Autora requereu junto do Réu dois tipos de empréstimo, um para aquisição do imóvel, outro para a realização das obras no mesmo. G) - O empréstimo referido em D) e E), foi no valor de Esc. 4.000.000$00. H) - Tendo tido por objecto a realização de obras no prédio referido em A). I) - O empréstimo foi aprovado pelo Réu, em 8 de Maio de 1998, nas condições constantes do doc. de fls. 33 e 34, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. J) - De entre a várias condições a que forçosamente deveria obedecer o contrato de mútuo, a taxa de juro era correspondente a 65% da taxa básica de desconto do Banco de Portugal, ao tempo fixada em 3,83%, sendo a taxa anual efectiva (taxa correspondente ao custo real do empréstimo, que tem em conta, além do montante e do prazo de duração, todos os custos associados) de 3,9%. K) - A referida taxa de juro resultava da aplicação de bonificações, a que, segundo o Réu, a Autora teria direito durante o período de vigência do contrato, em virtude de esta ser portadora de uma incapacidade de 70,6%. L) - Foi pelo enquadramento da Autora como pessoa portadora de deficiência, que o Réu lhe concedeu o empréstimo com a bonificação supra referida, constando do doc. de fls. 33 “atenta a incapacidade, devidamente comprovada, de 70,6% e atento o disposto nos D.L. nº43/76, de 20 de Janeiro, Dec. Lei 230/80, de 16 de Julho e D.L. 98/96, de 17 de Maio, informamos que o empréstimo em causa será concedido...”. M) - Só após a aprovação deste crédito, em regime bonificado, dada a circunstância da Autora ser deficiente, admitiu esta como possível a compra da fracção identificada em A). N) - Tendo sido essa taxa de juro que determinou a Autora a celebrar com o Réu o contrato de mútuo com hipoteca e fiança em 16/06/1998. O) - A Autora, em contrapartida, teria que proceder ao reembolso do empréstimo referido em G), através da realização de 300 (trezentas) prestações mensais e sucessivas de capital e juros. P) - A primeira prestação seria de Esc. 19.493$00 (dezanove mil, quatrocentos e noventa e três escudos), à qual acresceria o valor referente aos prémios de seguro e demais despesas da responsabilidade da Autora. Q) - As restantes prestações mensais seriam calculadas a uma taxa correspondente a 65% da taxa básica de desconto do Banco de Portugal, traduzindo-se, nessa altura, numa taxa de juro nominal de 3,25%. R) - O valor de cada uma prestações era e é debitado pelo Réu à Autora, na conta de depósitos à ordem nº235/20/1734, sacada sob a agência do Banco ..........., S.A. de ............ S) - Em Outubro de 2000, a Autora recebeu uma notificação do Réu, nos termos da qual a Autora deixaria de ter direito à bonificação do empréstimo em regime de deficiente, conforme doc. de fls. 35, cujo teor se considera reproduzido. T) - Constando do mesmo, nomeadamente que “reportamo-nos ao empréstimo de que V.ª. Exª. é titular, destinado à realização de obras na sua habitação própria permanente fomos informados pela Direcção-Geral de Tesouro de que, por não haver lugar à concessão de bonificação de nos empréstimos destinados à realização de obras em habitação permanente em regime de Deficiente, foi suspenso o respectivo pagamento em todos os processos celebrados nessas circunstâncias, como é o caso do empréstimo concedido a V.ª Exª.” U) - E que “atento a este facto, a que somos alheios... tomou o Banco .........., S.A. a decisão de aplicar uma taxa de juro, indexada à Euribor a 6 meses acrescida de 2,25 pontos percentuais ...a partir de 2000.11.16 inclusive, a prestação mensal passará a ser de 28.903,00 Esc.”. V) - A Autora deixou de pagar 17.173$00 de prestação mensal (prestação mensal de Outubro de 2000, para passar a pagar 27.879$00 (prestação de Novembro de 2000). W) - A Autora, entregou nas instalações do Réu dois requerimentos, respectivamente no dia 1.11.00 e no dia 24.11.00, nos quais explicava a sua impossibilidade em pagar as mensalidades no montante unilateralmente fixado pelo Réu, demonstrando a sua indignação e solicitando uma análise mais cuidada da sua situação, conforme doc. de fls. 38 e 39, cujo teor se considera reproduzido. X) - O Réu, em resposta, remeteu à Autora a carta de fls. 40, cujo teor se considera reproduzido. Y) - Junto com essa resposta entregou o Réu à Autora, uma comunicação da Direcção- Geral do Tesouro, segundo a qual a legislação reguladora do crédito bonificado de deficiente não contempla a situação em apreço, uma vez que só há concessão da bonificação no caso de o empréstimo se destinar à aquisição ou construção de habitação própria permanente e não no caso de obras de beneficiação, conforme doc. de fls.41,42, cujo teor se considera reproduzido. Z) - O Réu passou a debitar na conta da Autora os montantes referentes às prestações mensais seguintes à sua decisão, nos quais incidiu a nova taxa de juro. Da Base Instrutória: 1) - Sem as condições referidas em J) a L), a Autora não tinha possibilidade de adquirir a fracção. 2) - E de pagar as prestações. 3) - Quando as partes decidiram reciprocamente emprestar e receber de empréstimo o montante de 4.000.000$00, com a finalidade da mutuária realizar obras na sua habitação de forma a adequá-la às suas necessidades, fizeram-no na convicção de que o citado empréstimo se subsumia no regime jurídico do crédito à habitação para deficientes. 4) - Durante 16.07.98 a 16.10.2000, o Estado assumiu o pagamento do diferencial, enviando ao Banco, mensalmente, a diferença entre os juros determinados de acordo com a taxa de desconto praticada pelo Banco de Portugal e os juros calculados sobre 65% dessa taxa que era a cobrada pelo Réu à Autora. 5) - A Direcção-Geral do Tesouro, deixou de pagar esse diferencial a partir de Novembro de 2000. 6) - Declarando que o crédito destinado à realização de obras não cabe no regime legal de crédito a deficientes. 7) - Foi o referido em 3) que determinou a Autora a solicitar o empréstimo. 8) - E o Réu a conceder-lho. 9) - Se qualquer uma das partes admitisse a inexistência da bonificação do empréstimo a deficientes, para obras em habitação própria, não celebrariam o contrato que celebraram. 10) - A perda de bonificação implicaria para o Réu prejuízo não inferior a Esc. 1.856.027$00, até ao termo de vigência do contrato. 11) - Decorrente do apuramento da diferença entre o juro calculado sobre o capital em dívida a 16.10.01, à taxa Euribor actual (3,913 %) mais spread de 2,25 % e o juro bonificado que cobraria. 12) - O enquadramento do regime jurídico do crédito à habitação para deficientes foi efectuado exclusivamente pelo Réu. 13) - Em virtude da Autora ser leiga na matéria. 14) - A Autora limitou-se a ser receptora das informações fornecidas pelo Réu. 17) - O relevante e o compreendido pela Autora era o facto de ir pagar uma taxa de juro de cerca de 3,8%. 18) - Tendo sido o Réu quem conduziu todo o processo de atribuição do financiamento. 19) - Tendo-se o Réu cobrado pelo serviço prestado. Fundamentação: As questões objecto do recurso, delimitadas pelo teor das conclusões do recorrente, que equacionam o respectivo âmbito de conhecimento, consistem, essencialmente, em saber: - se houve erro sobre a base do negócio, celebrado entre o recorrente e a recorrida; - se se considerar pela negativa, saber se o procedimento adoptado pelo recorrente - ao retirar a bonificação dos juros do empréstimo - encontra apoio na consideração de que houve alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar. Vejamos: A Autora, por ser portadora de deficiência física, que lhe confere o estatuto de deficiente, recorreu ao Réu para estudar a possibilidade de um empréstimo destinado à aquisição de habitação própria e à realização de obras, para adaptar o imóvel à sua condição de deficiente, sabedora da existência de crédito bonificado. O Réu conduziu, sob o ponto de vista técnico e negocial, a operação de financiamento e, ao abrigo dos diplomas legais reguladores do crédito bonificado para deficientes, celebrou o contrato em causa, com tal benefício para a Autora. A partir de Novembro de 2002, sob a invocação que a Direcção-Geral de Tesouro não entendia que o regime da bonificação pudesse ser concedido a empréstimos para obras, o Réu retirou tal bonificação, pretendendo que a Autora passe a pagar juros, na base da taxa Euribor a seis meses, acrescida de 2,25%. Com a acção, a demandante pretende que o Banco actuou em violação do contrato e pede a reposição da situação anterior. O Banco, em sede reconvencional, alega erro sob a base do negócio – mas não pede a anulabilidade do contrato - e, subsidiariamente, pede que se considere que o seu procedimento tem fundamento legal no art. 437º do Código Civil – alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar – do ponto em que, só por imposição do Estado, não pode continuar concedendo à apelada a bonificação contratual. A sentença considerou, no que concerne ao pedido da Autora, que o Réu foi quem conduziu toda a operação, inclusivamente, procedendo ao enquadramento jurídico da operação, por a Autora ser “leiga na matéria” e, por isso, não pode, invocando a interpretação da Direcção-Geral do Tesouro, privar a apelada da bonificação constante do contrato. No que concerne à tese do Banco considerou que a haver erro, ele não teria sido bilateral, mas apenas do Réu, que interpretou erradamente a lei fundante do contrato – a que confere bonificação a deficientes físicos. No que se refere à invocada alteração das circunstâncias, entendeu-se na sentença ser de afastar a argumentação do apelante, porquanto, a interpretação feita pelo Réu não poderia ser desconforme com a que oficialmente foi feita pelo Estado, pelo que o Réu não podia deixar de contar com tal diversa interpretação, cuja possibilidade não salvaguardou. Apreciando: A declaração negocial, para ser válida e eficaz, pressupõe que os sujeitos contratantes representem correctamente, ou seja, de harmonia com a sua vontade livre e esclarecida, a realidade determinante e decisiva para a celebração do contrato. A declaração de vontade, para ser válida não deve ter sido provocada por “erro” entendido este como a “ignorância ou falsa representação de uma realidade que poderia ter intervindo ou interveio entre os motivos da declaração negocial”- Castro Mendes, “Teoria Geral”, 1979, III, 60. Como ensina Heinrich Horster, in - “A Parte Geral do Código Civil Português”, pág. 532- “Por via de regra a vontade e a manifestação da mesma coincidem na declaração negocial. Mas podem surgir situações em que falte a coincidência entre o substrato volitivo interno e a sua aparência externa. A vontade que aparece como manifestada não existe como tal”. A divergência entre a vontade real e a manifestada pode ser intencional ou não intencional. Casos de divergência intencional são a simulação – art. 240º do Código Civil – a reserva mental – art. 244º - e a declaração não séria, art. 245º - do mesmo diploma. Por sua vez, a declaração não intencional, pode ser forçada, como é o caso da coacção física - art. 246º do Código Civil - ou ignorada, como são os casos da falta de consciência da declaração – art. 246º - e de erro - art. 247º do citado Código. Dispõe o art. 252º do Código Civil: “O erro que recaia nos motivos determinantes da vontade, mas se não refira à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconhecido, por acordo a essencialidade do motivo”. –nº1. “Se, porém, recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído”. No erro que atinge os motivos determinantes do negócio: “O objecto não se identifica neste caso, com os efeitos do negócio, mas com aquilo sobre que versa o negócio. É o objecto mediato e não objecto imediato ou conteúdo do negócio que está em causa”- “Código Civil Anotado”, de Pires de Lima e Antunes Varela, Volume I, pág. 235. Na lição do Professor Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, pág. 386, 1976: “O erro-vício traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio. Se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância - se tivesse exacto conhecimento da realidade - o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou. Trata-se, pois, de um erro nos motivos determinantes da vontade - daí que os juristas alemães falem de erro-motivo (Motivirrtum) a propósito do erro como vício da vontade”. O Professor Menezes Cordeiro no seu - “Tratado de Direito Civil Português”, Tomo I, págs. 547, escreve: “Quanto aos concretos elementos que integrem a base do negócio e ao quantum de erro que justifique a intervenção do tribunal, há que apelar para o regime da figura, no seu todo. A lei manda aplicar o regime da alteração das circunstâncias. Pois bem: integram a “base do negócio” os elementos essenciais para a formação da vontade do declarante e conhecidos pela outra parte, os quais, por não corresponderem à realidade, tornam a exigência do cumprimento do negócio concluído gravemente contrário aos princípios da boa fé”. Nos preliminares do negócio, devem as partes actuar com lealdade, prudência e observar deveres acessórios de conduta, padronizados pela actuação de boa-fé – art. 762º do Código Civil - sob pena de incorrerem em culpa in contrahendo. “Deveres acessórios de conduta são os que, não respeitando directamente, nem à perfeição, nem à perfeita (correcta) realização da prestação debitória (principal), interessam todavia ao regular desenvolvimento da relação obrigacional, nos termos em que ela deve processar-se entre contraentes que agem honestamente e de boa fé nas suas relações recíprocas” - José João Abrantes, “A Excepção de Não Cumprimento do Contrato...”, edição de 1986-42, nota 8. No caso em apreço, uma vez que a Autora era uma cliente do Banco com quem pretendia negociar um contrato de mútuo, pretendendo que o Banco estudasse a sua situação e encontrasse uma solução contratual que considerasse a sua condição de deficiente, temos de considerar que – sendo a Autora “leiga na matéria” – ao Banco competia – como aliás fez – estudar a situação e buscar um enquadramento legal para a operação, de modo a que a Autora estivesse informada e pudesse assentir, ou não, à proposta do Banco. O Banco como instituição lucrativa (não podemos ignorar que ao tempo do contrato o “boom” do financiamento bancário à habitação era, diríamos, muito apelativo) naturalmente, que pretendia conquistar a sua cliente. Mas, ante a situação peculiar da Autora, o contrato postulava estudo e ponderada análise dos diplomas legais fundantes do contrato celebrando. Numa actuação conforme aos deveres de lealdade, ou seja, aquela que não induz o outro contraente em erro, protegendo a sua confiança no Banco, implicava que este a advertisse para o risco da interpretação que fazia dos diplomas legais não ser a que possivelmente fariam as entidades oficiais, já que não era seguro que a lei vigente, contemplasse a possibilidade de bonificação a empréstimos para obras em habitação de deficientes, por a bonificação apenas abranger a aquisição de casa pelo deficiente. Mas o Banco, com o devido respeito, infringiu esses deveres de informação incorrendo em “culpa in contrahendo”, do ponto em que nem sequer advertiu a Autora, durante as negociações, de que a interpretação dos textos legais que estava fazendo, poderia não ser aquela que o Banco de Portugal e as entidades estaduais que comparticipavam na bonificação acolhiam. Pois o Banco sabia da essencialidade para a Autora desse facto; se o empréstimo para obras não fosse bonificado a Autora não contrataria. Para haver bilateralidade no erro, importaria que o Banco também assim considerasse. Admitindo, que assim procedeu, o facto de não ter feito uma correcta leitura da lei – o que teve reflexos indiscutíveis na decisão da Autora – apenas ao Banco pode ser imputado. O que houve, salvo melhor opinião, foi um erro de direito do Banco – “erro impróprio” – cfr. Mota Pinto , in “Notas Sobre alguns temas...”. O Banco actuou com culpa, do ponto em que nele tendo a Autora confiado, quanto à preparação e estudo do contrato, não actuou com a diligência requerida, facto tanto mais relevante para a apreciação da culpa, em casos como o que nos ocupa, já que se não deve dissociar o erro da capacidade do sujeito que tem a obrigação de não errar. Aqui relevam as suas qualificações profissionais bancárias e a situação em que se encontrava para se auto-determinar. Se usasse a diligência devida o Banco celebraria o contrato? Ele próprio admite que só se a interpretação acolhida pelo Estado fosse aquela que fez é que teria celebrado o contrato. Mas, com o devido respeito, isto não traduz erro sobre os motivos, nem sobre a decisão que determinou a sua vontade contratual; antes revela culpa sua na avaliação e estudo da situação, ou seja, “culpa in contrahendo”, que não pode “vitimar” a Autora que confiou, sem leviandade, na diligência e conhecimentos profissionais de um Banco reputado e, só por isso, celebrou o contrato. O “erro de direito” pode fundar responsabilidade “in contrahendo” se o errante actuou com culpa; havendo “culpa in contrahendo” da parte do contraente que deveria ter actuado de forma mais diligente, por estar particularmente habilitado técnica e profissionalmente, e sendo esse erro causal da outorga no contrato, pela contraparte, aquele não pode invocá-lo, desde logo porque não há bilateralidade e também por lhe ter dado causa. A Autora “como leiga na matéria” não se apercebeu desse “erro” por confiar no Banco a quem cometeu o estudo e arquitectura jurídica da operação; pelo que não agiu com culpa. O Banco se dúvidas tinha e em face da Lei (e elas eram legítimas como se veio a demonstrar) deveria ter colocado a Autora perante elas. Mas não o fez violando o dever de informação, que é um dos mais relevantes deveres acessórios de conduta. “Se o ilícito pré-contratual for o do errante, que culposamente tenha cometido o erro declarativo, a forma privilegiada da respectiva sanção será a irrelevância jurídica da divergência valendo o negócio com o conteúdo que resultou da declaração”. – “Notas sobre Responsabilidade Pré-Contratual”, pág. 108.” – Ana Prata. “Castro Mendes, in “Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 178, tomando posição sobre o papel da declaração e da vontade no negócio jurídico, inclina-se também para o acolhimento da chamada teoria da responsabilidade, escrevendo: “Mas se a situação for tal que a divergência entre a vontade real e a vontade declarada seja imputável ao declarante, então a lei trata esta situação em termos de responsabilidade, isto é, procurando estabelecer aquela situação que se verificaria se a divergência entre vontade e declaração não houvesse existido (cfr. artigo 562.° do Código Civil). Ora, é fácil estabelecer tal situação, é dar o negócio como válido”- citação em nota de rodapé da obra da Ana Prata- pág. 108. “Entre os deveres resultantes da chamada “relação de negociações”, a que o art. 227º do Código Civil se refere, conta-se o esclarecimento de certos factos: cada uma das partes pode, segundo a boa fé, esperar a comunicação dos factos que a outra parte deva admitir serem importantes para a sua decisão de contratar e de que por si só não pode obter conhecimento”- Vaz Serra, RLJ, 110-276. A omissão de informação, pelo Réu, que não podia ignorar que se a Autora soubesse da existência de dúvidas sobre o regime jurídico aplicável não celebraria o contrato, significa ser ele conhecedor da essencialidade, para a Autora do “elemento sobre que incidiu o erro”. O art. 247º do Código Civil estabelece: “Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial e anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro”. Comentando este normativo o Professor Menezes Cordeiro, na obra citada, pág. 532, ensina: “ Para a relevância do erro na declaração, a lei portuguesa apenas exige: - a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre erro; - o conhecimento dessa essencialidade, pelo declaratário ou o dever de a conhecer. A essencialidade permite excluir o erro indiferente e o erro incidental: no primeiro caso, o declarante concluiria o negócio tal como resultou no final; no segundo, concluí-lo-ia igualmente, ainda que com algumas modificações. A bitola da essencialidade é subjectiva: cada um, determina livremente, os factores que o possam levar a contratar. O conhecimento da essencialidade do elemento, por parte do declaratário é, também, um dado subjectivo: ou conhece ou não conhece. Em regra, o conhecimento derivará duma comunicação expressa, todavia, ele poderá advir do conjunto das circunstâncias que rodeiam o negócio”. Concluímos, assim, que, no caso em apreço, não houve erro sobre a base do negócio, mas antes culpa do Banco na sua actuação pouco diligente na preparação e condução das negociações que conduziriam à celebração do contrato, pelo que não pode, sob pena de infracção grave dos deveres de boa-fé, pretender prevalecer-se de acto de terceiro, com que razoavelmente teria que contar, face à temerária interpretação da Lei que fez, para se escusar a cumprir o contrato, alterando-o unilateralmente. Queixa-se o Banco do facto de, se se mantiver o contrato, tal como foi inicialmente celebrado, será para si gravemente oneroso, já que não beneficia da comparticipação nos juros bonificados pelo Estado. Ajustam-se as palavras do Professor Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”- Vol. I, pág. 340: “A presença, através da boa fé dos valores profundos do ordenamento, na fase negocial preparatória, faculta à culpa in contrahendo horizontes alargados, que apenas aos poucos têm vindo a ser isolados pela doutrina. Tome-se o problema dos contratos injustos, isto é, dos contratos que, uma vez celebrados, revelem desequilíbrios não pretendidos pelas partes. Quando surja um contrato que patenteie desequilíbrios não queridos por alguma das partes, algo terá corrido mal nos preliminares. A parte que, de antemão, conheça ou deva conhecer o desequilíbrio em causa tem o dever de, disso, dar conhecimento à contraparte. Chega-se, por esta via, à ideia da protecção da parte fraca num contrato. O contratante que, por razões económicas ou de conhecimento, se deva considerar inferiorizado, tem como que o direito, na fase preliminar a esclarecimento e a uma lealdade acrescidos; quando os correspondentes deveres não sejam acatados, há responsabilidade por inobservância da boa fé”. A situação objecto da acção e do recurso não é a nosso ver enquadrável no art. 252º, nº2, do Código Civil, porquanto não houve erro sobre as circunstâncias que constituíram a base do negócio – erro sobre os motivos – o que houve foi uma actuação do Réu que, ulteriormente, ele próprio reconheceu que se deveu a uma errada interpretação da lei – “erro impróprio”, para qual em nada contribuiu, como se demonstrou, a Autora. Houve um erro de análise e interpretação jurídica, apenas imputável ao apelante, e que “arrastou” para a situação actual a apelada. Mesmo que houvesse erro desta, segundo a pesada consideração de que é irrelevante a “ignorantia juris”, o facto é que o “erro” determinante foi do Réu, mais a mais, por se repercutir na situação jurídica da Autora. Mas, como antes dissemos, seria irrealista colocar, num mesmo plano ontológico os deveres de informação e esclarecimento, entre um particular “leigo na matéria” e um Banco com o seu arsenal de técnicos, economistas, juristas e a panóplia de meios ao seu alcance no contexto negocial (publicidade, marketing, etc). No caso em apreço, o “risco da realidade” que o futuro revelou, deve ser colocado a cargo do apelante, protegendo a Autora que, confiadamente, se fiou no saber e experiência profissionais do Réu. Afastada, em desfavor, a tese do apelante, no que respeita à primeira questão, importa apreciar a segunda. Se no caso em apreço é aplicável o regime legal do art. 437º do Código Civil. “Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”. – nº1 do indicado normativo. Requisito elementar da aplicação do regime legal citado é que, durante a execução do contrato, alterações anormais, imprevisíveis, das circunstâncias criem um desequilíbrio contratual, “gravemente” lesivo dos princípios da boa fé e que não esteja coberto pelos riscos próprios do contrato. A alteração para ser relevante não pode ser coeva da celebração do contrato nem previsível num quadro temporal próximo, segundo as regras da experiência. O exemplo de escola dos “coronations cases” é ilustrativo desta realidade. O art. 437º do Código Civil não prevê “remédio” para o “error in futurum”, este cabe no âmbito de aplicação do art. 252º, nº2, do Código Civil . O normativo do art. 437º, nº1, do Código Civil só se aplica se, o quadro negocial que conduziu as partes à celebração do contrato, sofrer tão graves e imprevistas alterações, que as regras da boa-fé e do equilíbrio das prestações imponham como única solução, a alteração ou modificação do contrato segundos juízos de equidade. Temos de trazer à colação, agora, muito do que antes dissemos. Não há alteração enquadrável no normativo citado, porquanto do que se tratou foi que a lei vigente à data das negociações e do contrato, já não consentia ao Banco fazer a interpretação jurídica que perfilhou e com base na qual propôs à Autora a celebração do contrato de empréstimo bonificado para obras. O Banco ao interpretar a lei não o fez correctamente e, ulteriormente, veio a ser surpreendido pela diferente interpretação da mesma lei pelo Banco de Portugal, nem sequer, tendo, ao que consta, a ela ripostado. Não há, assim, qualquer alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar. Para haver alteração anormal tem de haver imprevisibilidade, excepcionalidade. Tal não sucede no caso em apreciação. Se tivesse sido prudente a interpretação da lei por parte do Banco, ele concluiria que o DL.98/96, de 17.5, ao tempo vigente, não concedia bonificação a créditos bancários concedidos a deficientes para a realização de obras em habitação própria, situação que, “obter dictum”, é socialmente injusta. É certo que a manter-se o contrato, tal situação traz consequências para o Réu, que não beneficia da comparticipação estadual inerente à bonificação dos juros, mas tal facto, além de não violar de forma clamorosa o equilíbrio do contrato, dadas as posições relativas dos contraentes, resulta de facto, apenas ao Réu imputável, não sendo razoável que a Autora veja afectada, unilateralmente, por decisão do Banco a sua posição contratual. A base negocial objectiva não foi quebrada quando a Direcção-Geral do Tesouro, informou o Banco no sentido de que a legislação reguladora do crédito bonificado a deficientes não contemplava a situação em apreço, uma vez que só havia concessão da bonificação no caso de o empréstimo se destinar à aquisição, ou construção de habitação própria permanente, e não no caso de obras de beneficiação. A base negocial, antes e depois desta comunicação, era a mesma, o que sucedeu foi que só nesta altura o Réu soube do “erro” de interpretação da lei que cometera e que esteve na base da celebração do contrato. A alteração a que alude o art. 437º, nº2, do Código Civil tem que ser alteração com que as partes, de qualquer modo, não pudessem contar, ao tempo da conclusão do negócio. Tal requisito, manifestamente, não se verifica, pois que o quadro legal na base do qual foi apreciada a pretensão da Autora não se alterou; apenas o Banco passou a saber, por via “oficial”, que o contrato que celebrara não estava conforme com a Lei ao tempo vigente. Considerar que a anteriormente referida comunicação legitima a modificação do contrato será infringir as regras da boa-fé, do ponto em que, na génese do “erro”, esteve a actuação de quem seria beneficiado se se concedesse a possibilidade alterar a taxa de juro aplicável ao contrato. Não se verificam, pois, os requisitos de aplicação do art. 437º, nº1, do Código Civil, pelo que a sentença não merece censura. Decisão: Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelo apelante. Porto, 5 de Dezembro de 2003 António José Pinto da Fonseca Ramos José da Cunha Barbosa José Augusto Fernandes do Vale |