Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00042700 | ||
Relator: | OLGA MAURÍCIO | ||
Descritores: | PROIBIÇÃO DE PROVA NULIDADE DE SENTENÇA | ||
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Nº do Documento: | RP20090617290/07.8GNPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/17/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO - LIVRO 377 - FLS 02. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | A utilização na fundamentação da decisão proferida sobre matéria de facto de provas nulas integra a nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do art. 379º do Código de Processo Penal, a qual se sana com a desconsideração dessas provas. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 290/07.8GNPRT 3º Juízo Criminal de Vila Nova de Gaia Relatora: Olga Maurício Adjunto: Jorge Jacob Acordam na 2ª secção criminal (4ª secção judicial) do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO 1. No .º Juízo Criminal de Vila Nova de Gaia, B………. foi absolvido do crime de homicídio por negligência grosseira, previsto e punível pelo art. 137º, nº 1 e 2, do Código Penal, em concurso real com a contra-ordenação ao disposto no art. 24º, nº 1 e 3, do Código da Estrada. 2. Inconformado o Ministério Público interpôs recurso da decisão proferida, retirando da motivação as seguintes conclusões: «1. Do texto da decisão recorrida não conseguimos perceber qual foi o processo lógico de raciocínio da Mmª Juiz a quo para atenuar negativamente os factos dados como não provados bem como para dar como provados os factos assentes sob os números 4 a 7. 2. Na verdade se é certo que a versão do arguido não foi corroborada por qualquer outra prova pericial, documental ou testemunhal, sendo que ao arguido é permitido mentir em audiência de julgamento quanto aos factos pelos quais é acusado, não menos certo é que as declarações apresentadas pela assistente - a qual, apesar de não prestar juramento está obrigada a responder às perguntas que lhe são feitas com a verdade - se encontram corroboradas quer pela única testemunha que presenciou o acidente, quer pelas fotografias juntas aos autos, quer pelo disco tacógrafo relativo ao veículo conduzido pelo arguido, quer pela prova pericial realizada pelo I.M.T.T já em sede de audiência de julgamento. 3. A Srª Juiz, porém, não explicita as razões pelas quais não acreditou na assistente, apenas mencionou, na fundamentação da matéria de facto, que a sua versão é contraditório com a do arguido, nenhuma lhe merecendo superior credibilidade, sendo certo que, aquela versão dos factos é a única versão que se coaduna com a demais prova produzida. 4. Entendeu a Srª Juiz que o depoimento da testemunha de acusação C………. apresentou diversas contradições, não esclarecendo, porém, que contradições são essas para além do facto da referida testemunha ter dito que o veiculo conduzido pelo arguido tinha as insígnias "D………." quando, na verdade, o veículo que se encontrava na berma é que tinha tais inscrições. Esqueceu-se a Srª Juiz de referir que esta testemunha admitiu também poder estar a fazer confusão com as insígnias dos pesados e depois de olhar para um papel que trazia consigo na data do julgamento e onde na altura do acidente tinha anotado as matriculas e posições dos veículos intervenientes esclareceu correctamente a matricula do pesado conduzido pelo arguido. 5. Refere a Sr Juiz que este depoimento no que respeita à parte do veículo ligeiro que foi embatido pelo pesado conduzido pelo arguido, não é coincidente com a demais prova mas não explicitada naquela fundamentação, com que demais prova é que este depoimento não é coincidente. Colocamos assim a seguinte questão: não é coincidente com as declarações do arguido em quem a Srª Juiz não acreditou? Não sabemos porque a Srª Juiz não o diz. 6. Por outro lado, a Srª Juiz não fundamentou a decisão da matéria de facto dada como não provada, nomeadamente os factos números 1 e 6. 7. Em que prova se alicerçou para dar com não provada a velocidade a que circulava o veículo conduzido pelo arguido? Não sabemos porque a Sr. Juiz não o diz. 8. É que, da prova produzida não restam duvidas de que o veículo conduzido pelo arguido circulava a cerca do 90Km/hora. Isso resulta, desde logo, do disco tacógrafo que a Sr Juiz não analisou e, igualmente, do relatório pericial. 9. Por outro lado, da análise da sentença recorrida não vislumbramos os motivos de facto que levaram a Sr. juiz a dar como não provados os factos 2 e 5, porque a Sr. Juiz não o explica, tanto mais que, para além do relatório pericial junto aos actos e dos esclarecimentos prestados pelo sr. perito, que são no sentido de que o acidente se deu dessa forma, também as declarações da assistente vão nesse seguimento, bem como, as fotografias juntas aos autos, das quais resultam claras as posições em que ficaram os veículos, bem como, os danos existentes nos mesmos, nomeadamente os danos existentes no depósito do veiculo conduzido pelo arguido. 10. Por outro lado, também a Srª Juiz não fundamenta os factos dados como provados sob os números 4 a 7. 11. É que, se a Srª Juiz não acreditou no arguido, se não acreditou na assistente, se não acreditou igualmente na testemunha C………. (muito embora não esclareça qual a parte do seu depoimento que considerou não ser inteiramente credível), nem valorou, como devia, o relatório pericial junto aos actos, em que prova se baseou para dar como provados tais factos? Não sabemos... 12. Uma vez que a douta sentença não fundamenta os factos que considerou não provados e, bem assim, os que considerou provados sob os números 4 a 7, verifica-se estarmos em presença da nulidade a que se refere o art. 379, al. a), com referência ao art. 374º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal, o que determina a nulidade da sentença. 13. Esta nulidade não é do conhecimento oficioso, pois não e insanável, visto não constar entre os enumerados do art. 119º do CPP e não ser como tal classificada em outra disposição legal, pelo que, depende de arguição (art. 120º, nº 1), arguição essa que pode ser feita na motivação do recurso interposto da sentença arguida de nula (art. 374º, nº 2, 379º, nº 1 al. a), e 410º, nº 3 do C.P.P. 14. A nulidade da sentença por falta de fundamentação, em violação da segunda parte do nº 2 do art. 374º, prevista no art 379º, al a), não é insanável, porque não está enquadrada nos art. 119º do CPP. 15. Pelo exposto, por falta de fundamentação da sentença, deverá a mesma ser declarada nula, por violação do disposto nos artigos 379º, 1, a) e 374º, nº 2 e 3, al b), ambos do CPP Sem prescindir, 16. Acresce que, desconhecemos se a MM Juiz valorou a perícia efectuada nos autos, pois que, na fundamentação da decisão da matéria de facto existe uma contradição ora se diz que se valorou a pericia, ora a se diz que não se valorou a perícia, por não ser conclusiva. 17. Mas, considerando-se que a Sr. Juiz, de facto, não a valorou, tal como parece resultar dos factos dados como não provados, e por se encontrar tal perícia subtraída à livre apreciação do julgador, teria que esclarecer que divergência existiu entre o juízo pericial e a sua convicção, descrevendo a contraprova realizada e fundamental, como legalmente se encontra obrigada, tal divergência 18. A Srª Juiz não fundamental divergência em relação ao relatório pericial, não esclarecendo em que meios de prova se alicerçou para discordou daquele juízo técnico. 19. A srª Juiz não considerou provado, contra o que se refere no referido relatório pericial e que foi ainda esclarecido e complementado pela Sr perito que depôs em audiência de julgamento, que o acidente se deu da forma ali descrita, nomeadamente, no que se refere as causas do acidente, à velocidade do veículo conduzido pelo arguido e às marcas de derrapagem existentes na via, mas também não fundamenta o porquê desta divergência relativamente à perícia. 20. Verifica-se, assim, uma contradição entre a sentença e a perícia realizada nos autos e porque sem a devida fundamentação da divergência, nos termos do disposto no art. 163º, nº 2 do CP.P, é igualmente a sentença nula, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, al. c), em virtude de se verificar uma omissão sobre uma questão que o tribunal deveria ter apreciado. 21. A nulidade da sentença, par falta de pronúncia, em violação do art. 379º, al c), não é insanável, porque não está enquadrada no art. 119° do C P P 22. Pelo exposto, por falta de pronúncia da sentença, deverá a mesma ser declarada nula, por violação do disposto nos artigos 379º, 1, c) do C P.P Sem prescindir, 23. Por seu turno, tal como consta da fundamentação da matéria de facto, valorou-se o depoimento da testemunha E………. . Porém, esta testemunha teve intervenção na investigação realizada ao inquérito, nomeadamente, e, nada mais, nada menos, na inquirição de todas as testemunhas de acusação, bem como, na constituição e interrogatório como arguidos da, agora, assistente e da, agora, testemunha F………. . 24. E confirmou em audiência o relatório elaborado por si em investigação no qual se dá conta de todas as diligências de investigação efectuadas no âmbito do inquérito, que, obviamente, nenhum valor probatório tem, muito embora a Sr Juiz a ele também aluda na fundamentação da decisão da matéria de facto, fundamentando também com base nesse relatório a decisão sobre a matéria de facto e a absolvição do arguido. 25. A opinião que deu, aquando da sua inquirição, sobre as causas do acidente baseou-se, óbvia o claramente, nas diligências de investigação que fez em sede de inquérito, entre as quais, nas diligencias que efectuou (inquirições c interrogatórios), sendo claramente por elas influenciado. 26. Por essa razão, a sentença e igualmente nula, por se fundamentar em prova nula, nos termos do disposto no artigo 122º, nº 1, 356º, nº 7 e 410º, nº 3, todos do C P.P. Sem prescindir, 27. Verifica-se um erro no julgamento na fixação da matéria de facto por terem sido valoradas as provas com violação das regras que regerá a apreciação da prova 28. Entendemos que a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento aliada a prova documental e pericial junta aos actos e conjugada com as regras de experiência e com os critérios lógico racionais, permitiriam ao tribunal a quo, considerar, com toda a certeza, provados os factos passíveis de preencherem os elementos objectivos c subjectiva os do tipo de ilícito por que vinha acusado o arguido. 29. De facto, as provas produzidas em audiência de julgamento e as que constavam dos autos foram valoradas com violação das regras que regem a apreciação da prova, não tendo a decisão sobre a matéria de facto qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo e totalmente desapoiada face às provas recolhidas 30. É certo que foram trazidas a julgamento duas versões sobre a forma como ocorreu o acidente em causa; uma trazida pelo arguido o qual não se encontra obrigado ao dever da verdade e outra trazida pela assistente que, apesar de não prestar juramento, está obrigada a depor com verdade ao que lhe foi perguntado. 31. A versão do arguido, na qual o tribunal recorrido não acreditou, não foi corroborada por qualquer outro elemento de prova, para além do depoimento daquela testemunha E………., que, muito embora tenha afirmado poder ter o acidente ocorrido da forma como o arguido o descreveu, admitiu, no entanto (muito embora tal não conste da fundamentação da decisão da matéria de facto), que possa ter ocorrido de forma diferente, nomeadamente que possa ter o veículo conduzido pelo arguido a embater no ligeiro, ainda que simultaneamente com a colisão deste no outro pesado. 32. A versão da assistente, ao invés, foi corroborada pelo depoimento da única testemunha que presenciou o acidente e que, na nossa perspectiva, assistiu a todo ele, desde o seu inicio, tendo prestado um depoimento credível e sem contradições do relevo, bem como, pelo relatório pericial elaborado pelo IMTT e pelos esclarecimentos do Sr. perito prestado esclarecimentos em audiência de julgamento, corroborando e esclarecendo o seu teor, estando aquela perícia subtraída ao principio da livre apreciação da prova, sendo certo que o perito subscritor deste relatório não teve intervenção na investigação, ao contrário da testemunha E………., e elaborou a referida perícia, objectivamente, e apenas com base nas fotografias, auto de participação do acidente e discos tacógrafos juntos aos autos, desconhecendo, em todos os momentos, o teor da acusação. 33. Quanto ao facto dado como não provado sob o número 1, resulta do disco tacógrafo junto aos autos a fls 21, que, à hora do acidente, o veículo conduzido pelo arguido circulava a cerca de 90 km/hora, pelo que, teria que ser dado, sem mais, como provado tal facto. 34. Quanto aos demais factos dados como não provados, tais factos foram comprovados pelas declarações da assistente, pelo depoimento da testemunha C………., pelo relatório pericial, pelos esclarecimentos do Sr. perito e pela prova documental constante dos autos. 35. Da leitura das passagens transcritas na motivação do presente recurso referentes aos depoimentos da assistente (dia 24-09-2008, minutos 10:45:12 a 15:17:38 e 11:19:43 a 11:34:18), da testemunha C………. (dia 24-09-2008, minutos 11:41:21 a 12:07:13) e da testemunha F………. (dia 29-10-2008, minutos 10:33:30 a 11:18:33), para as quais se remete para todos os efeitos legais, facilmente se constava que a única pessoa que descreve os factos de forma distinta da descrita pela assistente, da descrita pela da única testemunha presencial do acidente da descrita na perícia e da descrita pelo perito que a subscreveu, é o próprio arguido, ao qual, atente se, a Sr. Juiz não deu credibilidade... 36. Resulta, assim, dessa prova, analisada de forma conjugada entre si e com as regras da experiência comum, que o arguido ao conduzir a 90Km/hora a seu veiculo pesado e, por não guardar a necessária distancia de segurança relativamente aos veículos que seguiam à sua frente, não conseguiu evitar o embate, pois que, se tivesse guardado a exigida distancia de segurança e se circulasse a uma velocidade adequada às condições do local e tráfego que se fazia sentir, conseguiria adoptar uma manobra de recurso, evitando o acidente. 37. De facto, ficou devidamente comprovado que o arguido (tendo este confirmado tal facto dia 24.09.2008, minutos 9:42:11 a 10:54:12) apercebeu-se da mudança de direcção efectuada pelo veiculo conduzido pela assistente, apercebeu-se da existência do pesada parado na berma, apercebendo-se de que o veículo conduzido por aquela abrandou/travou ligeiramente mas, por não ter guardado a necessária margem de segurança, circulando em excesso de velocidade "não conseguiu evitar o embate, arrastando-o até colidir violentamente com o pesado que se encontrava na berma. 38. Só assim têm explicação a ocorrência do embate, as marcas existentes no pavimenta provocadas pelo arrastamento do veiculo ligeiro e as danos existentes em todos os veículos, nomeadamente os existente no depósito do combustível do veiculo do arguido, na parte lateral direita que foi, precisamente, a parte que colidiu com o ligeiro quando este já se encontrava a efectuar a manobra de mudança de direcção. 39. Deveriam, assim, tais factos terem sido julgados como assentes, com base na prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, concretamente, com base no depoimento da testemunha C………., com base nas declarações da assistente, com base em toda a prova documental junta aos autos, concretamente, as fotografias, o auto de participação do acidente e o disco tacógrafo e, ainda, com base no relatório pericial e esclarecimentos prestados pelo Sr perito que o subscreveu, conjugados entre si e analisados de acordo com as regras da experiência comum. 40. Foram violados os artigos 127 e 163º do C.P.P. e o artigo 137º do CP. 41. Fazendo apelo às considerações supra tecidas, consideramos, salvo o devido respeito, ao contrário do entendimento da Mm. Juiz. a quo, que resultaram provados todos os elementos objectivos e subjectives do tipo legal de crime de homicídio negligente, previsto o punido pelo artigo 137º, crime pelo qual o arguido foi julgado. 42. O arguido omitiu a acção de adequar a sua condução às particulares características daquela estrada e do veículo que dirigia violando as normas estradais supra citadas (artigos 24º, nº 1, e 18º, do Código da Estrada), cujo âmbito de protecção abrange a salvaguarda da segurança, da integridade tísica e da vida de todos aqueles que circulam na via publica. 43. O arguido violou, pois, o dever objectivo de cuidado, designadamente, de observar as sobreditas regras de trânsito, que se impunham a qualquer condutor médio, avisado e prudente, a transitar numa via com aquelas condições que, considerando aquele veículo, exigia uma circulação a uma velocidade inferior aquela a que seguia. 44. A necessidade de especial cuidado era perceptível para qualquer condutor minimamente prudente e hábil, pelo que, ao aperceber-se da mudança de direcção do veículo ligeiro de passageiros que seguia à sua frente e por circular àquela velocidade, o risco do não conseguir atempadamente evitar o embate, em caso de travagem ou abrandamento, a velocidade que circulava o veiculo conduzido pelo arguido, com a inerente probabilidade de colidir com aquele, era, segundo as regras da experiência e a normalidade do acontecer, objectivamente previsível. 45. Concluindo, o resultado da morte da menor G………. surge como consequência adequada, directa e necessária da conduta do arguido, sendo que, tanto esse resultado como o processo causal, ainda que nos seus traços essenciais, era objectivamente previsível. 46. Acresce que, sobre o arguido impendia um dever de cuidado acrescido, pois é motorista de profissão. 47. A omissão da acção adequada a evitar o resultado, por parte do arguido, só não seria punível se fosse de concluir que a morte provavelmente teria ocorrido mesmo que o arguido circulasse a uma velocidade mais reduzida e que tivesse guardado a devida distancia de segurança do veículo que seguia à sua frente. 48. Ora, nada se demonstrou nesse sentido, nem mesmo devido ao facto da menor circular no banco da frente, ainda que com o devido cimo de segurança, nem tão pouco devido ao facto de existir um veiculo pesado parado na benza da estuda, com o qual veio a chocar aquele ligeiro de passageiros conduzido pela assistente, uma vez que este embate apenas ocorreu em virtude do embate do veículo conduzido pelo arguido no veículo conduzido pela assistente. 49. O que se demonstrou é que foi a velocidade inadequada que o arguido imprimia ao veículo pesado de mercadorias que conduzia e o facto de não ter guardado a devida e necessária distancia de segurança do veiculo que seguia à sua frente que levou ao embate neste veículo no momento em que este lá se encontrava a efectuar a mudança de direcção com prévia sinalização. 50. Ficou devidamente comprovado conforme resulta da prova produzida em audiência de julgamento e da prova pericial junta aos actos que o arguido conduzia o seu veiculo pesado de mercadorias em excesso de velocidade para as condições do local - repare-se que o arguido tinha acabado de entrar na A-9 sendo aquele local objectivamente perigoso por ali existir uma entrada para essa estrada e uma saída para a ………. com poucos metros de distância - que se faziam sentir e que não guardou a necessária distancia de segurança relativamente ao veiculo que seguia à sua frente. 51. Aliás deu-se como provado que “Ali foi-se colocar nas traseiras do Peugeot conduzido por H………." e que "o arguido apercebe se do accionamento do sistema eléctrico de sinalização de mudança de direcção para a direita (pisca da direita) efectuado pela condutora do Peugeot já que era seu desejo sair no acesso para a localidade da ………., onde morava, e pela sua deslocação em direcção à hemi-faixa de rodagem mais a direita (faixa 3). 52. Com efeito se o arguido tivesse moderado a velocidade e tivesse guardado a devida margem de segurança do veiculo que seguia à sua frente o embate do seu veiculo naquele com o consequente embate no pesado que se encontrava na berma não teria ocorrido sendo certa que não se apuraram quaisquer circunstâncias anómalas ou excepcionais que tenham concorrido para o evento. 53. A morte da menor G………. foi causada pela conduta ilícita do arguido pois se este tivesse adoptado o comportamento li cito alternativo ou seja se tivesse adequado a velocidade do veiculo que conduzia às concretas características da estrada em apreço e da própria viatura e tivesse guardado a necessária margem de segurança do veículo que seguia imediatamente à sua frente e que tinha assinalado a mudança de direcção para a direita não teria embatido neste e a menor não teria morrido. 54. Ainda a propósito do principio in dubio pro reo, importa dizer que este e uma emanação ou corolário da garantia constitucional da presunção de inocência impondo-se que se trato de um dúvida seria argumentada e racional e que possa ser justificada perante terceiros excluindo assim dúvidas arbitrarias ou fundadas em meras conjecturas ou suposições. 55. Não havendo in caso e como vimos tal dúvida razoável e insanável não é defensável a aplicação do principio "in dubio pro reo". 56. Entendemos, pois, que a conduta do arguido preencheu, assim, os elementos objectivos do tipo legal de crime de homicídio por negligência, p e p no art. 137º, nº do C P, por referência aos elementos objectivos do tipo fundamental, previsto no antigo 131º do C P, e, bem assim, o correspondente elemento subjectivo, com referência ao artigo 15º, al a), do CP, pelo qual deverá ser condenado». 3. O recurso foi admitido. 4. O arguido respondeu ao recurso defendendo, em síntese, a manutenção do decidido. Nesta Relação, o Exmº P.G.A. emitiu parecer defendendo que seja concedido provimento ao recurso. 5. Foi cumprido nº 2 do art. 417º do C.P.P.. Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais. Cumpre decidir. * * FACTOS PROVADOS 6. Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos: «1 - No dia 2 de Julho de 2007, pelas 13.15 horas, ocorreu um acidente de viação (colisão), na A44, Km 3,570, sentido único Norte-Sul, na ………., nesta comarca de Vila Nova de Gaia. 2 - Nele foram intervenientes o tractor/semi-reboque de mercadorias, de matrícula ..-..-QG/L-……, marca Volvo, em uso pela firma “I………., Lda.”, conduzido pelo arguido B……….; o tractor/semi-reboque de mercadorias, de matrícula ..-..-ZA/L-……, marca DAF, utilizado pela firma “D1………., S.A.”, conduzido por F………. e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-FQ, da marca Peugeot, modelo …, conduzido por H………. . 3 - No local onde se deu a colisão a A44, classificada como Auto-Estrada pela EP-Estradas de Portugal, EPE, é constituída por dois sentidos opostos, separados por separador central em betão, sendo que o de Norte-Sul, se apresenta subdividido em três hemi-faixas, separadas por linhas longitudinais descontínuas a saber: a situada mais à esquerda e junto ao separador central, destinada aos veículos que se deslocam unicamente para Sul, que para melhor percepção se identifica como faixa 1; a seguinte, àqueles que se movimentam também para Sul assim como aos que pretendem sair à direita em direcção às localidades da ………. e de ………., que se identifica com faixa 2, e a terceira, junto à berma do lado direito, é a que faz a ligação entre a Auto-Estrada 1, Porto - Lisboa (A1) à A44, permitindo desse modo tanto a circulação para Sul como o acesso àquelas duas localidades, sendo certo que também é por esta via que os veículos que se deslocam pela hemi-faixa do meio da A44 têm que passar a circular no caso de pretenderem sair com destino àquelas localidades, que identificamos como faixa 3. 4 - Naquele dia e hora, o arguido B………. tinha iniciado a viagem nas ………. –Maia e dirigia-se para ………., acedeu à A44 através da hemi-faixa de rodagem situada mais à direita, ou seja, a mais próxima da berma desse lado, atento ao sentido Norte-Sul, provindo da A1 (faixa 3). 5 - Ali, foi-se colocar, nas traseiras do Peugeot conduzido por H………., que circulava a uma velocidade próxima dos 80 km/h, pela hemi-faixa do meio (faixa 2), vinda do ……….., transportando no seu interior, sentada no banco do passageiro da frente e com o respectivo cinto de segurança colocado, a filha G………., nascida em 3/3/98, e no banco de trás, uma outra mais nova. 6 - Depois de ter percorrido nesta condições cerca de 30 metros, a uma velocidade não concretamente apurada, não inferior a 80 km/h, o arguido apercebe-se do accionamento do sistema eléctrico de sinalização de mudança de direcção para a direita (pisca da direita) efectuado pela condutora do Peugeot, já que era seu desejo sair no acesso para a localidade da ………., onde morava, e pela sua deslocação em direcção à hemi-faixa de rodagem mais à direita (faixa 3). 7 - De seguida, em circunstâncias e de modo não concretamente apurados ocorreu colisão, envolvendo o tractor/semi-reboque de mercadorias, de matrícula ..-..-QG/L-…… conduzido pelo arguido e o Peugeot, conduzido por H………., vindo este último veículo a embater na traseira do lado esquerdo do semi-reboque de matrícula ..-..-ZA/L-……, da transportadora D1………., S.A., que se encontrava parado, a ocupar parcialmente a hemi-faixa mais à direita (faixa 3) da berma desse mesmo lado. 8 - Após a colisão o veículo Volvo foi-se imobilizar na hemi-faixa de rodagem junto ao separador central (faixa 1), a cerca de 9,70 metros de distância da frente do pesado DAF contabilizados numa linha recta imaginária, enquanto que o Peugeot ficou enfaixado e de forma ligeiramente enviesada na parte lateral esquerda do camião da transportadora D1…….., S.A., que corresponde à zona onde se deu o embate 9 - Em resultado da colisão, veio a menor G………. a sofrer as lesões traumáticas crânio-encefálicas descritas no relatório de autópsia de fls. 241 e segs., cujo conteúdo aqui se reproduz, nomeadamente, fractura cominutiva ao nível da região frontal, fractura de forma linear da região parietal esquerda e occipital esquerda e fractura envolvendo bilateralmente o andar da base do crânio e os andares médio posterior à esquerda, que foram causa directa e necessária da sua morte. 10 - No local do acidente a faixa de rodagem tem 10,7 metros de largura e a berma do lado direito, atento ao sentido Norte-Sul, 1,90 metros. 11 - Fazia bom tempo e o piso estava seco. 12 - De acordo com a sinalização vertical existente na via, a velocidade máxima estava limitada a 90 km/h (sinal C13). 13 – O arguido é motorista profissional, auferindo mensalmente cerca de €1.300,00. 14 - O arguido vive com a esposa e dois filhos. 15 – A esposa do arguido é doméstica e não aufere qualquer rendimento. 16 – O arguido possui o 6º ano de escolaridade. 17 - Do certificado de registo criminal do arguido nada consta. Não se logrou provar qualquer outro facto susceptível de influir na boa decisão da causa». 7. E foram julgados não provados quaisquer os seguintes factos, com relevância para a causa: «1 – Que o arguido circulava a velocidade superior a 80 Kms por hora. 2 – Que por circular muito próximo do ligeiro de passageiros e a velocidade que não lhe permitia fazer parar o Volvo sem embater na sua traseira, o arguido efectuou manobra de recurso, tendo por via disso procurado contornar o Peugeot pela esquerda. 3 – Que dessa forma, direccionou o pesado para a hemi-faixa de rodagem da esquerda e mais próxima do separador central (faixa1), tendo ao efectuar esta manobra, raspado com o depósito de combustível de forma cilíndrica, existente no lado direito do pesado, por baixo do tractor, logo a seguir à cabina, na zona de junção entre a parte lateral esquerda e a parte traseira esquerda do Peugeot, que entretanto se tinha movimentado e se encontrava ligeiramente obliquado a efectuar o movimento de entrada na hemi-faixa de rodagem mais à direita (faixa 3) que a conduziria à saída no acesso para a ………. . 4 – Que devido a esse contacto, a condutora H………., perdeu o controlo do ligeiro de passageiros que conduzia e, de forma desgovernada, foi embater violentamente com a frente do lado direito do Peugeot na traseira do lado esquerdo do semi-reboque de matrícula L-…… da transportadora D1………., S.A.. 5 – Que antes do embate no DAF da transportadora D1………., S.A., o Peugeot deixou atrás de si uma marca de travagem efectuada pelo pneumático esquerdo e duas de derrapagem, sendo, neste último caso, uma referente à sua rotação e outra efectuada pelo pneumático direito, tudo numa extensão de 3,10 metros. 6 – Que o acidente ficou a dever-se exclusivamente à condução do arguido, pois que imprimia velocidade muito próximo do limite máximo permitido por lei, mas inadequada não só para o local, já que se tratava de zona de grande movimentação de veículos com interpenetração de entrada e saída de vias, mas também às características do próprio camião, que por ser veículo longo, torna o seu manuseamento mais difícil. 7 – Assim como, ao facto de circular muito próximo da traseira do ligeiro de passageiros, o que o impediu, em face da manobra de mudança de direcção para a direita efectuada pelo Peugeot, perfeitamente previsível e previamente anunciada, de o fazer parar no espaço livre e visível existente à sua frente. 8 – Tendo o arguido, como manobra de recurso e para não vir a colidir com a frente do pesado que conduzia na traseira daquele, procurado controlá-lo pela esquerda, sem sucesso. 9 – Que o arguido agiu em desrespeito pelas regras estradais e sem o cuidado, zelo e atenção exigíveis a todos quantos conduzem veículos, e de que era capaz já que, estava ao seu alcance não só circular a velocidade inferior como também deixar entre o Volvo que conduzia e o Peugeot que o precedia espaço suficiente para realizar com segurança qualquer manobra necessária e previsível para evitar colisão com aquele, muito em especial em caso de travagem ou de mudança de direcção do ligeiro». 8. O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados e não provados nos seguintes termos: «A decisão da matéria de facto tem por base a análise critico-reflexiva do conjunto dos meios de prova produzidos em sede de audiência de julgamento, tendo tido em consideração: As declarações do arguido, o qual, em síntese, não assumiu a responsabilidade pelo acidente em causa nos autos. O arguido admitiu que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação conduzia o veículo aí indicado, apresentando uma versão do acidente totalmente distinta da constante na acusação. Concretizando, o arguido referiu o seguinte: circulava a 80 Kms por hora pela faixa do meio a cerca de 20/30 metros da condutora do peugeot; a certa altura, esta condutora fez o pisca da direita duas ou três vezes no máximo e deu uma guinada para a direita; logo a seguir à guinada, viu os sinais de stop do peugeot ligados; o peugeot enfiou-se na traseira do lado esquerdo do camião que estava imobilizado na berma com a parte direita do carro; olhou para o espelho do lado esquerdo e viu um carro ao seu lado esquerdo que o ia ultrapassar; travou por causa do carro ligeiro, sendo sua intenção fugir para a faixa da esquerda, mas o peugeot veio projectado do outro camião e veio bater-lhe no depósito do combustível do lado direito e no pneu traseiro do tractor do lado direito do veículo que conduzia; posteriormente, o peugeot foi novamente projectado contra o pesado que estava parado; de seguida passou e não soube esclarecer como é que se deu tal embate; atrás de si circulava um veículo ligeiro; não travou por causa desse carro; apercebeu-se do veículo ligeiro quando já se estava a colocar na faixa do meio; só se apercebeu do pesado quando viu o ligeiro a travar; posteriormente, foi travando lentamente e imobilizou-se mais à frente a cerca de 10 metros do local do acidente; saiu do seu veículo e apercebeu-se de um senhor num carro dos bombeiros; o peugeot ficou encostado ao pesado; o veículo peugeot circulava pelo menos a 80 Kms por hora; o depósito de combustível e pneu do lado direito do veículo que tripulava ficaram riscados; nas braçadeiras de tal depósito ficaram vidros espetados; a velocidade máxima no local do acidente era de 90 Kms por hora; havia pouco movimento no local; fazia bom tempo e o piso estava seco; é motorista profissional há 18 anos e este foi o seu primeiro acidente; possui a carta de condução desde os 21/22 anos de idade; o carro que tripulava ia vazio; a existirem rastos de travagem eles terão ficado atrás do camião; nenhuma das testemunhas prestou declarações no local do acidente; tal como o condutor do veículo imobilizado prestou declarações no local do acidente. O arguido foi, igualmente, confrontado com as fotografias juntas aos autos, nomeadamente, os de fls. 42 a 54 . As declarações da assistente H………., condutora do veículo peugeot, a qual, em síntese, apresentou uma versão do acidente diferente da do arguido, declinando qualquer responsabilidade da sua parte, atribuindo a culpa pelo acidente ao arguido. Concretizando, declarou, o seguinte: seguia nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação e conduzia o veículo ligeiro peugeot a menos de 90 Kms por hora; seguia pela faixa do meio; circulava um camião à sua frente; apercebeu-se do veículo pesado parado quando já estava na faixa de rodagem mais à direita e travou um bocadinho; apanhou uma pancada por trás de um veículo, no lado esquerdo traseiro; não soube esclarecer quantas travagens fez; se não fosse abalroada, ainda tinha tempo para passar; não tem a certeza se olhou ou não, nomeadamente, para trás quando fez a travagem; fazia o aludido trajecto todos os dias; a filha que faleceu no acidente media 1,55m e pesava 38 Kg; bateu na parte traseira esquerda da esquina do pesado que se encontrava parado; se este veículo não estivesse parado onde estava não se tinha dado o acidente; após o acidente ficou consciente; na altura do acidente não identificou ninguém como sendo quem lhe embateu; não soube esclarecer em que data disse que tina sido embatida; a testemunha C………. esteve no local do acidente; tal testemunha é conhecida da sua família e frequenta o supermercado que é da família. Os depoimentos das testemunhas de acusação K………., C………., F………., L………. e M………. . A testemunha K………., bombeiro, à data do acidente, declarou, em síntese, que teve como missão dar auxílio às vítimas do acidente em causa nos autos e por isso foi socorrer a menina; no local do acidente tapou uma poça de sangue por causa dos familiares da vítima; de relevante, nada mais soube esclarecer sobre o acidente. A testemunha C………, conhecido e cliente do supermercado da família dos assistentes desde há cerca de 2 anos, declarou, em síntese, o seguinte: viu o acidente em causa nestes autos; a casa da sua filha situa-se em frente ao local do acidente; presenciou o acidente porque estava a colocar o lixo num contentor que fica junto à A44 em frente ao local do acidente; de repente olhou para a auto-estrada, nada lhe chamou a atenção; estava a pôr o lixo no contentor, olhou pelo meio de uns arbustos para a A44 e viu um veículo ligeiro que vinha do lado do ………. com o pisca ligado para virar para a ……….; um camião do D1………., S.A. abalroou o carro, fez uma espécie de uma guinada e foi-se enfaixar junto de um camião que estava parado, encostado; o ligeiro não travou, abrandou um bocado; o veículo pesado bateu na parte traseira do Peugeot na parte do meio e fez um rodopio; o camião bateu com a parte lateral; o camião vinha da VCI; o camião vinha a entrar para a faixa do meio, entrou nessa faixa e foi para a faixa da esquerda; o veículo ligeiro fez um pequeno rodopio e “enfaixou-se” na traseira do camião que estava parado; o condutor deste último camião encontrava-se fora do mesmo; saltou a vedação e aproximou-se do local do acidente; não havia nada de derrapagem; quando chegou a polícia dirigiu-se junto desta e deu-se como testemunha; só se encontrava no local o condutor do camião parado; o veículo ligeiro rodopiou para a esquerda; o carro ligeiro só chocou depois de ser embatido; não se apercebeu se à frente do ligeiro seguia qualquer outro camião; o veículo ligeiro não derrapou; na altura uns senhores tiraram fotografias aos arbustos; declarou, novamente, que estava a olhar para a auto-estrada no exacto momento em que o camião embateu no carro ligeiro; o camião que embateu no ligeiro tinha um oleado de cor creme e as insígnias D……….. A testemunha F………., motorista do veículo pesado, o tractor/semi-reboque de mercadorias, de matrícula ..-..-ZA/L-……, marca DAF, utilizado pela firma “D1………., S.A., declarou, em síntese, o seguinte: não se encontrava imobilizado no momento do acidente, mas a circular devagar; a sua intenção era, assim, que pudesse avançar para a faixa da esquerda; no momento do acidente encontrava-se no interior do camião; a certa altura, sentiu uma pancada, olhou pelo retrovisor e viu o carro enfaixado no camião, na traseira da galera do lado esquerdo; não se apercebeu de nenhuma travagem; não soube explicar como é que aconteceu o embate; disse não se recordar sobre quem é que chegou primeiro; teve que travar quando foi embatido; no momento do acidente não estava a falar ao telemóvel. A testemunha L………. declarou, em síntese, o seguinte: ia a circular na referida auto-estrada (A44), no sentido Norte-sul; apercebeu-se de um camião da frente que trava e que continuou a sua marcha; foi, igualmente, obrigada a travar e foi para a valeta, parando poucos metros à frente do acidente; viu o carro enfaixado; quando passou já tudo se tinha passado; não soube esclarecer como se deu o acidente em virtude não o ter presenciado. A testemunha M………., que conhece a assistente, declarou, em síntese, o seguinte: conduzia um veículo na via onde se deu o acidente em causa; vinha do ………. e dirigia-se para a ……….; reparou num camião estacionado e viu uma pessoa à sua frente, que pensou tratar-se do condutor; na altura assustou-se, guinou e conseguiu passar; sentiu o estrondo, olhou pelo retrovisor e viu o carro enfaixado; não soube explicar o que se passou; não conseguiu identificar a pessoa que estava parada junto do camião. A testemunha N………., Guarda da Brigada de Trânsito da GNR, que chegou ao local do acidente, referiu, em síntese, o seguinte: não viu o acidente; quando lá chegou já lá estava uma ambulância e muitos populares, nomeadamente, junto da vedação que tinha visibilidade; tirou as medições no local do acidente; conseguiu as declarações da condutora em momento posterior; disse recorda-se vagamente de na altura do acidente lhe ter surgido um senhor a dizer-lhe que tinha presenciado em parte ou na totalidade o que aconteceu, tendo-o identificado; daquilo que viu e do que se pôde aperceber não conseguiu retirar conclusão sobre quem é que foi o responsável e o que esteve na origem do acidente, porque nesse acidente foram depois vistos outros vestígios; os bombeiros ao prestarem auxílio à vítima limparam vidros e plásticos e não os pôde mencionar no croqui porque tinham sido limpos e varridos; no local ouviam-se versões contraditórias sobre o modo como o acidente se deu; nessa mesma altura não percebeu se o referido veículo pesado estava ou não parado; ficou com muitas dúvidas sobre a dinâmica do acidente. Tal testemunha, foi, igualmente, confrontada com o teor de fls. 17, 430 e 431 e segs.; a este propósito, referiu o seguinte: foi quem elaborou o croqui junto da participação do acidente; os veículos estavam nessas posições e o rasto de travagem era visível; tendo sido questionado se a aludida testemunha podia ter visto o acidente, referiu que podia ter visto o veículo pesado (referindo-se ao veículo pesado D1………., S.A.); a sua atenção focou-se entre o ligeiro e o pesado que eventualmente estaria parado, porque eram os veículos que estavam embatidos na sua posição final; tendo sido confrontado com as duas versões contraditórias do acidente apresentadas pelo arguido e assistente, referiu que qualquer uma delas podia ter acontecido. Os depoimentos das testemunhas apresentadas pelo arguido E………., O………., P………., Q………. e S………. . A testemunha E………., militar da GNR, subscritor do relatório junto aos autos a fls. 197 a 207, declarou, em síntese, o seguinte; tirou as conclusões aí descritas pelos vestígios que recolheu no local do acidente; confirmou o teor do croqui junto aos autos a fls. 17; confirmou as marcas de travagem em linha recta e referiu que quando se dá o embate, é que se verifica desvio para a esquerda; na sua opinião quem desencadeou o acidente foi o veículo que estava parado; pensa que o ligeiro estava atravessado quando foi embatido pelo veículo do arguido; a senhora bateu por trás e a direito; o veículo da senhora rodou, havendo marcas de pneumáticos; na sua opinião quem embateu no camião foi a D. H……….; se fosse o camião a embater o ligeiro iria rodopiar, teria mudado de direcção e embatido de lado no camião; confirmou o teor de fls. 53, tendo sido ele quem tirou as fotografias; confirmou, igualmente, o teor de fls. 47, 48, 51 e 53; as testemunhas disseram-lhe que o referido camião estava parado; o Sr. C………. disse-lhe que tinha presenciado o acidente e que o camião estava parado. A testemunha O………., administrador da empresa “T……….., S.A.”, declarou, em síntese, que o arguido trabalha na empresa há 17 anos, tendo-o referenciado como bom condutor. A testemunha P………., colega de trabalho do arguido, declarou, em síntese, que o arguido é bom motorista, responsável e cuidadoso. Referiu que em 17 anos o arguido nunca teve nenhum acidente. Declarou que o arguido lhe relatou a versão do acidente tal como a apresentou na audiência de julgamento; referiu não acreditar que os vidros ficassem retidos na braçadeira do depósito do combustível se a colisão fosse no mesmo sentido. Referiu que o camião conduzido pelo arguido é de lona de cor azul, o tractor é azul e cor de laranja, não é de cor creme e tem as insígnias “T1……….”. As testemunhas Q………. e S………., amigos do arguido. Tais testemunhas, em síntese, referenciaram o arguido como pessoa humilde, trabalhadora e honesta. O depoimento do perito U………., subscritor da perícia realizada pelo IMTT junta aos autos a fls. 455 e segs., em síntese, confirmou o seu teor. Referiu que para tirar as conclusões que dela constam baseou-se na participação do acidente e fotografias. Referiu que os rastos de travagem não são travagem mas marcas de arrasto. Referiu que a condutora ao sentir o carro a bater ou muito perto pôs os pés no travão e o condutor do camião podia ter feito uma ligeira travagem. Declarou que na sua opinião não houve um recuo e que se o impacto fosse em borracha podia haver um ricochete. Referiu que põe fora de questão que a condutora tenha travado, sendo que a mesma podia ter afrouxado e não ter tido o cuidado de ver quem vinha atrás. Declarou que da análise dos tacógrafos juntos aos autos a fls. 20 e 21, não sabe explicitar o momento do embate. Referiu não acreditar que o condutor do referido camião estivesse parado. Declarou que na sua opinião o acidente se deu porque a distância de segurança por parte do arguido não foi respeitada. O teor dos documentos juntos aos autos, nomeadamente, a participação de fls. 16 e segs., fls. 21, 22, fotografias de fls. 42 e segs., 77 e segs., fls. 87, relatório de autópsia de fls. 241 e segs. e o teor do certificado de registo criminal do arguido junto a fls. 404. A perícia constante de fls. 455 e segs. Da análise da prova produzida em audiência de julgamento, resulta que não é possível formar a convicção segura de que o arguido tenha cometido o crime de que vem acusado, tendo o Tribunal ficado com muitas dúvidas sobre o modo como se desenrolou o acidente em causa. Começando pelas declarações e depoimentos prestados, estes apresentam-se contraditórios entre si. Concretizando e começando pelas versões apresentadas pelo arguido e pela assistente quanto ao modo como se deu o acidente as mesma são completamente opostas, já que cada um deles declina a sua responsabilidade na produção do acidente e atribui-a ao outro. Tais versões do acidente apresentam-se contraditórias e nenhuma delas se nos apresenta mais credível do que a outra. No que concerne à prova testemunhal, começando pela testemunha C………. que se apresentou como sendo a única testemunha presencial do acidente, não obstante a mesma tenha declarado que viu o acidente desde o seu início e tenha dito que quem embateu no ligeiro foi o camião, a verdade, é que a mesma testemunha referenciou esse camião como tendo sido o camião de cor vege e insígnias D………., que como sabemos não era o camião conduzido pelo arguido, mas sim, aquele que se encontrava na berma a ocupar parte da faixa de rodagem no momento do acidente. A este propósito, diga-se, ainda, que a parte em concreto do veículo ligeiro que a testemunha referiu como tendo sido embatida pelo camião não é, igualmente, coincidente com os demais depoimentos. Não pondo o Tribunal em causa que a testemunha esteve no local que indicou no momento do acidente, ficamos na dúvida se a mesma viu efectivamente o acidente, se o presenciou na sua totalidade, ou se apenas presenciou parte do mesmo. Da análise feita ao depoimento da testemunha C………., concluímos, que o mesmo pelas contradições evidenciadas não se nos apresentou inteiramente credível no sentido de o valorar quanto à dinâmica e modo como se desenrolou o acidente dos autos. Por outro lado, a testemunha N………., Guarda da Brigada de Trânsito da GNR, que chegou ao local do acidente pouco depois de ter acontecido e observou os vestígios aí deixados declarou, além do mais, que qualquer das hipóteses e versões apresentadas sobre a dinâmica do acidente podia ter acontecido. Cumpre, igualmente, salientar o depoimento da testemunha que teve intervenção na investigação realizada em sede de inquérito, e que confirmou o teor do relatório e conclusões juntas aos autos a fls. 197 a 207, do qual se evidencia existirem sérias dúvidas quanto ao modo como se deu o acidente. A este propósito, tal testemunha imputou a responsabilidade pelo acidente ao camião que estava parado na berma, tendo, igualmente, defendido que quem embateu no veículo conduzido pelo arguido foi a aqui assistente. O depoimento da testemunha F………. na parte em que referiu que no momento do acidente não estava imobilizado e estava a circular devagar não se nos apresentou credível, já que outras testemunhas, conforme acima salientamos, afirmaram que viram tal veículo imobilizado e uma pessoa parada junto do mesmo, ao que cremos, o seu condutor. Assim, o Tribunal ficou convencido de que tal veículo estava de facto imobilizado no local descrito na acusação, estando, o seu condutor, a aqui testemunha fora do mesmo. Finalmente, quanto à perícia realizada pelo IMTT, a mesma e não obstante o depoimento do seu subscritor em audiência, que confirmou as conclusões aí plasmadas, revela-se do nosso ponto de vista inconclusiva, já que aí se conclui no sentido de “parecer de admitir que a causa do acidente foi o arguido ter embatido no veículo conduzido pela assistente que originou o despiste e consequente embate violento”. Tal perícia, embora, nela se refira que o arguido não respeitou a distância de segurança relativamente ao veículo ligeiro, conjugado com os demais meios de prova produzidos em audiência, não contribuiu para dissipar as dúvidas do Tribunal quanto ao modo e dinâmica do acidente em causa. Pelo exposto, conclui-se que em face da prova produzida, o Tribunal não dispõe de elementos seguros que lhe permitam concluir que o arguido foi o causador e único culpado pelo acidente tal como vem descrito na acusação. Tal non liquet que se atingiu, em sede de prova, neste particular aspecto, tem de ser resolvido em benefício do arguido, tanto quanto é certo que os factos imputados ao arguido na acusação têm de ser estabelecidos para além de qualquer dúvida razoável, pois, caso tal não se verifique, ou melhor, quando factos relevantes para a decisão não ultrapassem aquela dúvida, como ocorre in casu, e na ausência de elementos de prova suficientemente seguros, terão de ser valorados em benefício do arguido, em obediência ao princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Este princípio considera-se também associado ao princípio "nulla poena sine culpa" pois que o princípio da culpa é violado se, não estando o juiz convencido sobre a existência dos pressupostos de facto, ele pronuncia uma sentença de condenação. Conforme salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 1º vol., 3ª ed., 1993, pág. 204, os princípios da "presunção de inocência" e "in dubio pro reo" constituem a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da culpa. Decorre, assim, que se por um lado o processo há-de assegurar todas as necessárias garantias práticas de defesa de um inocente, por outro lado, não há razão para não considerar inocente quem ainda não foi julgado culpado por sentença transitada». * * DECISÃO Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código. Por via dessa delimitação definem-se como questões a decidir por este Tribunal da Relação do Porto as seguintes: I – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto II – Nulidade da sentença recorrida * Antes de entrarmos, concretamente, na análise de cada um dos pontos de censura da decisão recorrida, vamos, por facilidade de exposição, abordar uma questão que é repetidamente referida ao longo das conclusões e a propósito das várias questões suscitadas. Estamos a falar na “prova pericial” constante dos autos e no respectivo valor probatório. Efectivamente, todo o recurso assenta na tal «prova pericial realizada pelo I.M.T.T já em sede de audiência de julgamento» (conclusão 2ª). O presente processo iniciou-se com a comunicação efectuada pela GNR ao Ministério Público, dando notícia de um acidente de viação ocorrido em 2-7-2007 e que vitimou a pequena G………., de 9 anos de idade (dado que nasceu em 3-3-1998). Poucos dias depois a autoridade policial enviou a participação (fls. 16 a 19). Esta contém uma descrição do acidente, foi redigida pelo autor da participação e teve por base, segundo se pode ler a fls. 16 verso, a posição final dos veículos, os vestígios encontrados no local do acidente e as declarações prestadas pelos condutores dos veículos intervenientes. Nesta participação indica-se como testemunha dos factos C………. . A participação ia acompanhada dos tacógrafos dos veículos nº 2 (..-..-ZA/L-…… – fls. 20) e nº 3 (..-..-QG/L-……, conduzido pelo arguido – fls. 21), bem como de fotografias tiradas aos veículos 1 e 2, intervenientes no acidente (o veículo nº 1 é o ligeiro onde a menor seguia), e ao local e arredores. No inquérito foram constituídos como arguidos: 1º -F………., condutor do veículo nº 2 (fls. 107/108); 2º - B………., condutor do veículo nº 3 (fls. 131); 3º - H………., condutora do veículo nº 1 (fls. 162/163). O veículo nº 1 é o ligeiro de matrícula ..-..-FQ, onde a menor seguia, no lugar ao lado do condutor. Dos dados do processo resulta que F………. foi constituído arguido porque se entendeu que ele contribuiu para o acidente, na medida em que tinha parado o pesado que conduzia na via/auto-estrada, ocupando a berma e parte da faixa de rodagem. Quanto a H………., condutora do ligeiro e mãe da G………., esta foi constituída porque transportar a G………., de 9 anos de idade, no banco da frente do veículo. No mesmo sentido apontam os documentos de fls. 24; 64 a 66; 168/170; 183 a 185 e 64 a 66; 150 a 152. Terminado o inquérito o Ministério Público tomou a seguinte posição no despacho final: 1º - não acusou nem H………. e nem F………. dizendo que «das diligências realizadas foi possível apurar que os arguidos H………. e F………. não foram causadores do acidente em apreço». Esta foi a única explicação dada; 2º - determinou a extracção de certidão de fls. 16/21, 64/66, 75, 87, 109, 168/170, 207 e do próprio despacho com vista ao levantamento de auto de contra-ordenação contra F………. por este ter imobilizado o veículo que conduzia ao km 3,750, na A44, sentido norte-sul, a ocupar a berma e parcialmente a via, por razões não apuradas; 3º - determinou a extracção de certidão de fls. 16/21, 207 e do próprio despacho com vista ao levantamento de auto de contra-ordenação contra H………., por esta transportar no banco da frente a sua filha G………., falecida no acidente; 4º - deduziu acusação contra B………. pela prática do acidente, imputando-lhe o crime de homicídio por negligência grosseira do art. 137º, nº 1 e 2, do Código Penal, em concurso real com a contra-ordenação ao art. 24º, nº 1 e 3 do Código da Estrada. No texto da acusação deduzida contra o arguido B………. podemos ler que H………. transportava a sua filha no banco do passageiro da frente e que o veículo conduzido por F………. estava «parado, a ocupar parcialmente a hemi-faixa mais à direita (faixa 3) e a berma desse mesmo lado». Para prova dos factos o Ministério Público juntou documentos e indicou testemunhas. Já durante a audiência o Ministério Público formulou o seguinte requerimento: «… Estamos, pois, perante duas versões contraditórias acerca da forma como se deu o acidente, e das suas causas, pelo que, nos parece de crucial importância solicitar-se uma avaliação técnica e pericial sobre as circunstâncias em que o mesmo ocorreu. Assim, por se mostrar essencial à descoberta da verdade material, requer-se, ao abrigo do disposto no artigo 340º do C.P.P., se solicite ao I.M.T.T. … a realização de uma avaliação tecnico-pericial sobre as circunstâncias em que ocorreu o acidente em causa, nomeadamente no que respeita às características e condições do local, trajectórias dos veículos após o embate, velocidades presumidas bem como se possível a determinação das causas do acidente concretamente, se em face dos rastos de travagem, dos vestígios no local e dos danos verificados nos três veículos, é possível concluir ter sido o ligeiro embatido pelo pesado conduzido pelo arguido e, em consequência ter sido batido contra o pesado que se encontrava estacionado na berma, ou se, pelo contrário, foi o ligeiro que depois de travar embateu no pesado que se encontrava estacionado, junto à traseira, e depois recuou, tendo embatido na parte lateral do pesado conduzido pelo arguido, junto ao deposito, quando este já circulava na faixa da esquerda. Deverão ser remetidas cópias das fotografias juntas aos autos e do cd dessas mesmas fotografias que se encontra junto ao processo a fls. 91, do auto de participação do acidente de fls. 16 a 19, dos discos tacógrafos de fls. 20 e 21, bem como, do presente requerimento para melhor esclarecimento, solicitando-se que a referida avaliação pericial seja remetida aos presentes autos até ao dia que for designado para a continuação da presente audiência de julgamento, o que se requer». Apesar do requerido, conforme já vimos as versões contraditórias acerca das causas do acidente existiam desde o início do processo. Aquele pedido foi atendido, «por se afigurar útil à boa decisão da causa e à descoberta da verdade material», deferindo-se «a realização da requerida perícia …». Enviado ao IMTT o pedido de «avaliação técnico-pericial em acidente de viação» este organismo informou o tribunal recorrido de que havia pedido a elaboração da «reconstituição do acidente» ao um seu técnico de Viana do Castelo (fls. 448/449). Finalmente, em 21-10-2008 foi junto ao processo o relatório elaborado (fls. 454 a 460), para cuja realização foram considerados os elementos do processo (que foi consultado, conforme nele mesmo se diz), nomeadamente os discos de cada um dos veículos pesados intervenientes no acidente. O Regulamento (CEE) n.º 3820/85 estabeleceu as regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e passageiros, na tentativa de melhorar as condições de trabalho e a segurança rodoviária. Com o objectivo de comprovar e registar o cumprimento de tais determinações veio o Regulamento (CEE) n.º 3821/85 introduzir um aparelho de controlo, designado por tacógrafo [1]. O tacógrafo é o equipamento instalado a bordo dos veículos rodoviários para indicação, registo e armazenamento dos dados sobre a marcha desses veículos – distância percorrida, velocidade de referência, velocidade instantânea, etc. –, assim como sobre os períodos de trabalho dos condutores – condução, pausas, repouso, outros trabalhos e disponibilidade. A folha de registo – disco – foi concebida para receber e fixar os registos. Sobre ela os dispositivos de marcação do tacógrafo inscrevem de forma contínua os diagramas, já referidos, a registar. Estes aparelhos procedem à monitorização contínua da viagem registando, portanto e como dissemos, todas as ocorrências: distância percorrida, velocidades desenvolvidas, tempos de condução, tempos de paragem, hora de início e de fim da viagem, hora de cada paragem, etc. Conhecidos os dados que os discos registam e o modo como o fazem, a sua leitura é passível de ser feita por qualquer pessoa. Não obstante a valia fundamental de conhecimentos específicos, o que queremos dizer é que a leitura de um disco não se insere no conceito de perícia, que é aquela que carece de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos para percepção ou apreciação dos factos (art. 151º do C.P.P.): apesar daqueles conhecimentos serem importantes, não são indispensáveis para proceder à leitura do disco. Daí que podendo, embora, tratar-se de um parecer técnico, seguramente que não estamos perante uma perícia. E esta é uma distinção fundamental. É que uma perícia tem o tal valor vinculado, imposto pelo nº 1 do art. 163º do C.P.P., de que tanto fala o Ministério Público ao longo de todo o recurso. Ao invés, o parecer técnico não está sujeito a uma tal regra de apreciação e valoração. E percebe-se bem a diferença de regimes: o que determina que o juiz fique vinculado ao juízo emitido pelo perito é o seu carácter “técnico, científico ou artístico”, que resulta, precisamente, dos tais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos especiais de que se presume dotado o perito que realiza a perícia. Portanto, e não obstante a etiqueta que lhe foi colocada, esta diligência não se enquadra em prova pericial, pelas razões referidas. E se se tratasse de uma perícia, quid iuris? Neste caso estaríamos, então, perante uma prova vinculada, que apenas poderia ser posta em causa por uma prova semelhante, isto é, por uma outra perícia? O facto de termos no processo uma prova pericial não significa, por si só, que esta tenha valor probatório absoluto. Tudo depende do seu concreto conteúdo. A ilustrar esta afirmação, vejamos com atenção o que se diz no relatório em análise. Do seu ponto 3 consta que «relativamente ao cálculo da velocidade a que circulavam os veículos refere-se o seguinte: Para os veículos 2 e 3 está representada nos respectivos discos tacógrafos, cerca de 90 km/h à hora do acidente …». E no ponto 4 lê-se: «Causas do acidente em função das peças do processo: a) O veículo nº 1 circulava na A44 sentido N/S na fila central (via com três filas de trânsito) e que pretendia mudar de fila para a direita (relato da condutora ao participante do acidente). b) O veículo nº 2 circulava na A44 sentido N/S na fila da direita. c) O veículo nº 3 circulava na A44 sentido N/S na fila central. O embate do veículo nº 3, no veiculo nº 1 poderá ter como origem no: - Desrespeito pela distancia de segurança por parte do veiculo nº 3 ou - Pela travagem brusca do veículo nº 1 ao pretender mudar de fila para reduzir a sua velocidade.». Finalmente, são as seguintes as conclusões nele apresentadas: ● «O condutor do veículo nº 3 não terá guardado a distância de segurança. ● O veículo nº 3 circulava a uma velocidade de cerca 90km/h, leitura do disco de tacógrafo. ● A distância de reacção do condutor a circular a 90 km h para um tempo de reacção de 1s é de 25m. ● A distância percorrida pela reacção dos travões 6,13m daria uma distância de paragem de 31 m. ● A distancia de paragem do veiculo nº 3 a calcular com base na travagem, não e possível (?) por não ter havido travagem (ver croqui da participação), na apresentação nº 5 verifica se os danos causados pelo embate do veiculo nº 3 no veiculo nº 1. ● A distância total seria 25+6,13+?> 31m. ● O relato do condutor 3 parece não corresponder à realidade, porque após a colisão do veiculo nº l, no veiculo nº 2 não parece dar-se o recuo do veiculo nº 1, este fica “preso” na traseira lado esquerdo do veiculo nº 3 (ver apresentação 2). Para se dar um recuo, era necessário que a energia de deformação não fosse dissipada pelo veículo e como se pode verificar o veículo ficou “todo” muito danificado. Parece ser de admitir, que a causa do acidente foi o condutor do veículo nº 3 ter embatido na traseira do veículo nº 1 que originou o despiste e consequente embate violento». Face a estas considerações uma primeira surpresa nos surge: sendo seguro que o técnico que elaborou o relatório consultou o processo, não se percebe como é que ele refere que o veículo nº 2 estava a circular, que seguia a cerca de 90 km/h, quando dos elementos que lhe estavam acessíveis no processo resultava que este mesmo veículo estava parado. A esta objecção podemos socorrer-nos do tacógrafo, por ser esta, afinal, a informação que daí resultaria. Mas esta afirmação não colhe, porque não é necessariamente assim: dado que os tacógrafos colocados nos veículos nº 2 e 3 eram analógicos (os digitais não têm discos) e dado que estes registam de forma automática apenas o tempo de condução, sendo necessário que o motorista assegure a comutação do aparelho para que os restantes registos se façam correctamente, era sempre necessário que se demonstrasse que o motorista tinha procedido àquela comutação. A quem afirme que esta prova não era necessária, era seguramente indispensável que o técnico fundamentasse devidamente a afirmação de que o veículo nº 2 estava a circular, quando todas as outras provas indicavam que ele estava parado. Em qualquer circunstância era sempre necessária uma explicação cabal de todas as conclusões, principalmente das que contrariavam a restante prova já feita. Uma perícia, parecer, estudo, etc., tal como uma sentença, não se basta com as conclusões. Estas conclusões, as decisões, têm que ser explicada, isto é, tem que dar a conhecer ao destinatário os motivos que levaram a decidir num determinado sentido. No caso, para que a “perícia” tivesse o valor que se reclama, para poder ser considerado, tinha que fundamentar o seu conteúdo, nomeadamente as desconformidades com provas existentes no processo. Mas este não é o único óbice à consideração desta “perícia” como prova plena. Um outro obstáculo existe que obsta à sua valoração. Da leitura do relatório resulta que o “perito” fez de conta que o veículo nº 2 não existe, pois desconsiderou-o completamente. Lembremos que foram três os veículos que intervieram no acidente e não dois. Isto por um lado. Por outro lado, e sendo evidentemente certo que é legítimo que o “perito” tire as suas próprias conclusões, exige-se que as conclusões estejam estribadas em razões, razões que afirmem as conclusões do seu relator e que afastem as outras que se lhe oponham. Ou seja, mesmo tendo concluído de uma determinada forma, exigia-se que o estudo se debruçasse sobre as outras hipotéticas causas do acidente e que explicasse as razões do seu afastamento. A final o “perito” remata o seu parecer dizendo que «parece ser de admitir [2], que a causa do acidente foi o condutor do veículo nº 3 ter embatido na traseira do veículo nº 1 que originou o despiste e consequente embate violento». Quando se diz «parece ser de admitir» o que o “perito” afirma é que não tem a certeza da afirmação que faz a seguir: apesar de ser a sua opinião, não tem a certeza. Ou seja, a “perícia” não indica uma razão inequívoca para a verificação do acidente. O “perito” não faz uma afirmação, não emite uma pronúncia sustentada: limita-se a produzir um juízo opinativo, adianta uma mera probabilidade, avança um palpite, uma suposição. Assim, dado que a “perícia” avança uma mera hipótese como causa do acidente, nunca se lhe pode atribuir força vinculativa absoluta, simplesmente porque o “perito” afirma que não tem a certeza do que sucedeu. Então, aqui, fica à responsabilidade do tribunal a valoração de tal prova, nos termos do art. 127º do C.P.P. [3]. Mesmo que estivéssemos perante uma perícia – e não estamos –, nunca ela poderia ser tida como vinculativa, simplesmente porque a conclusão apresentada não surge de forma afirmativa: é uma possibilidade, apresentada de forma condicional. Dito isto concluímos estarmos perante uma prova de livre apreciação, como as demais provas disponíveis no processo. Urge, agora, tratar as questões suscitados no recurso. * I – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto O Ministério Público impugna a decisão que deu como provados os factos 4º a 7º e que desconsiderou todos os factos não provados. Dispõe o nº 3 do art. 412º do C.P.P. que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas». Acrescenta o nº 4 que quando as provas tenham sido gravadas, as especificações das alíneas b) e c) fazem-se por referência ao consignado na acta, devendo indicar-se concretamente as passagens em que se funda a impugnação. Quanto aos factos dados como provados, estão impugnados os seguintes: «4 - Naquele dia e hora, o arguido B………. tinha iniciado a viagem nas ………. –Maia e dirigia-se para ………., acedeu à A44 através da hemi-faixa de rodagem situada mais à direita, ou seja, a mais próxima da berma desse lado, atento ao sentido Norte-Sul, provindo da A1 (faixa 3). 5 - Ali, foi-se colocar, nas traseiras do Peugeot conduzido por H………., que circulava a uma velocidade próxima dos 80 km/h, pela hemi-faixa do meio (faixa 2), vinda do ………., transportando no seu interior, sentada no banco do passageiro da frente e com o respectivo cinto de segurança colocado, a filha G………., nascida em 3/3/98, e no banco de trás, uma outra mais nova. 6 - Depois de ter percorrido nesta condições cerca de 30 metros, a uma velocidade não concretamente apurada, não inferior a 80 km/h, o arguido apercebe-se do accionamento do sistema eléctrico de sinalização de mudança de direcção para a direita (pisca da direita) efectuado pela condutora do Peugeot, já que era seu desejo sair no acesso para a localidade da ………., onde morava, e pela sua deslocação em direcção à hemi-faixa de rodagem mais à direita (faixa 3). 7 - De seguida, em circunstâncias e de modo não concretamente apurados ocorreu colisão, envolvendo o tractor/semi-reboque de mercadorias, de matrícula ..-..-QG/L-…… conduzido pelo arguido e o Peugeot, conduzido por H………., vindo este último veículo a embater na traseira do lado esquerdo do semi-reboque de matrícula ..-..-ZA/L-……, da transportadora D1………., S.A., que se encontrava parado, a ocupar parcialmente a hemi-faixa mais à direita (faixa 3) da berma desse mesmo lado». E são os seguintes os factos não provados que o Ministério Público entende terem sido mal julgados: «1 – Que o arguido circulava a velocidade superior a 80 Kms por hora. 2 – Que por circular muito próximo do ligeiro de passageiros e a velocidade que não lhe permitia fazer parar o Volvo sem embater na sua traseira, o arguido efectuou manobra de recurso, tendo por via disso procurado contornar o Peugeot pela esquerda. 3 – Que dessa forma, direccionou o pesado para a hemi-faixa de rodagem da esquerda e mais próxima do separador central (faixa 1), tendo ao efectuar esta manobra, raspado com o depósito de combustível de forma cilíndrica, existente no lado direito do pesado, por baixo do tractor, logo a seguir à cabina, na zona de junção entre a parte lateral esquerda e a parte traseira esquerda do Peugeot, que entretanto se tinha movimentado e se encontrava ligeiramente obliquado a efectuar o movimento de entrada na hemi-faixa de rodagem mais à direita (faixa 3) que a conduziria à saída no acesso para a ………. . 4 – Que devido a esse contacto, a condutora H………., perdeu o controlo do ligeiro de passageiros que conduzia e, de forma desgovernada, foi embater violentamente com a frente do lado direito do Peugeot na traseira do lado esquerdo do semi-reboque de matrícula L-…… da transportadora D1………., S.A.. 5 – Que antes do embate no DAF da transportadora D1………., S.A., o Peugeot deixou atrás de si uma marca de travagem efectuada pelo pneumático esquerdo e duas de derrapagem, sendo, neste último caso, uma referente à sua rotação e outra efectuada pelo pneumático direito, tudo numa extensão de 3,10 metros. 6 – Que o acidente ficou a dever-se exclusivamente à condução do arguido, pois que imprimia velocidade muito próximo do limite máximo permitido por lei, mas inadequada não só para o local, já que se tratava de zona de grande movimentação de veículos com interpenetração de entrada e saída de vias, mas também às características do próprio camião, que por ser veículo longo, torna o seu manuseamento mais difícil. 7 - Assim como, ao facto de circular muito próximo da traseira do ligeiro de passageiros, o que o impediu, em face da manobra de mudança de direcção para a direita efectuada pelo Peugeot, perfeitamente previsível e previamente anunciada, de o fazer parar no espaço livre e visível existente à sua frente. 8 - Tendo o arguido, como manobra de recurso e para não vir a colidir com a frente do pesado que conduzia na traseira daquele, procurado controlá-lo pela esquerda, sem sucesso. 9 – Que o arguido agiu em desrespeito pelas regras estradais e sem o cuidado, zelo e atenção exigíveis a todos quantos conduzem veículos, e de que era capaz já que, estava ao seu alcance não só circular a velocidade inferior como também deixar entre o Volvo que conduzia e o Peugeot que o precedia espaço suficiente para realizar com segurança qualquer manobra necessária e previsível para evitar colisão com aquele, muito em especial em caso de travagem ou de mudança de direcção do ligeiro». As provas que, na tese do recurso, demonstram os apontados erros da decisão, são «a prova documental e pericial junta aos actos» e os depoimentos prestados pela assistente, pelo “perito” e pelas testemunhas C………. e F………. . Analisemos, então, a prova oral produzida em audiência (a “perícia” e o seu valor probatório já estão decididos). Começando pelo depoimento da assistente H………., disse ela quando foi ouvida: - aquando do acidente seguia na A44 e preparava-se para sair para a ……….; - consigo seguiam as suas duas filhas, a G………., que ia na frente, ao seu lado, e a V………., com três anos e meio na altura, que ia atrás; - seguia na faixa do meio, vê um camião azul a passar, deixa-o passar à frente, este também fica na faixa do meio, e passa a circular atrás deste camião; - quando este camião passou por si não se apercebeu que estava outro camião parado: «na faixa da direita da direita está um camião parado, quando eu vejo o camião parado eu afrouxei … estava parado»; - quando se apercebeu do camião parado já estava a entrar na faixa onde este pesado estava parado: «afrouxei que era para não chocar com o pesado e entretanto é quando sou abalroada … ainda vi uma pessoa parada à frente do camião… ainda vi uma pessoa parada à frente do camião»; - quando se apercebeu do pesado que estava parado não sabe a que distância estava deste: «afrouxou para se desviar do camião»; - de repente apanhou uma pancada por trás, não sabe de quem, do lado esquerdo traseiro do seu veículo; - era sua intenção virar para a ………. e já tinha dado o pisca; - só se apercebeu do veículo pesado que estava parado quando estava a entrar na faixa da direita; - na altura do acidente estava lá o sr. C……….; - na altura não compreendeu como é que o seu carro tinha ficado naquela posição, a sua ideia foi que com a pancada que levou girou: «… eu ia direita, o carro fica-me de lado, para mim não tinha explicação …»; - antes do embate não sabe quantas travagens fez porque depois foi tudo muito rápido; - à pergunta se tinha travado respondeu que pelo menos uma vez travou, que foi aquela quando estava mais na direita; - quando lhe foi referido se a travagem foi efectuada quando estava próximo do camião parado respondeu «eu estava próxima, aquilo também foi tudo muito rápido, à partida estava longe mas ao mesmo tempo é tudo muito rápido»; - quanto ao veículo parado, repetiu que o camião estava parado, que não tinha sinal de avariado, que à frente do camião estava uma pessoa parada e que quando o viu já estava mais na faixa da direita, mais para a direita, à frente do camião que estava a circular; - quando vê o camião parado tinha tempo de passar à vontade, quando faz a travagem não estava em cima do camião, estava longe do camião, dava tempo para passar; - quando fez a travagem ainda estava a fazer a manobra de sair da faixa do centro para a faixa da direita, mas «aquilo foi muito rápido»; - quando foi perguntada se teve cuidado ao fazer essa travagem – dado que estava a atravessar da faixa do meio para a faixa da direita, parte do seu veículo ainda estava na faixa do centro -, se quando estava a mudar de faixa de rodagem atentou aos carros que vinham atrás de si, se nessa altura verificou se vinha alguém atrás, se verificou isso ou não, ou achou que não era uma manobra que exigisse tais cuidados disse «não, não era uma manobra perigosa, porque é assim, uma pessoa tem que dar a distância, conforme eu estava a dar a distância o camião, quem vinha atrás tinha que me dar a devida distância e eu quando faço a travagem, porque é assim, aquilo é um sítio que é muito complicado, as pessoas têm que ter o devido cuidado e têm que dar a devida distância, e eu dei a devida distância em relação ao camião da frente, por isso é que eu digo que podia passar à vontade, e quem vinha atrás, é assim, eu afrouxei e não tenho a certeza … é assim, foi tudo muito rápido … não sei … ou bem que olhava para a frente, ou bem que olhava para trás, eu estava a tomar atenção, tanto estava a tomar atenção que vejo o camião parado, quando vejo o camião parado afrouxei …»; - sobre o facto de a filha ir no banco da frente disse que pensava que a podia levar na frente, dada a altura e o peso da filha. C……… declarou: - na altura do acidente estava a pôr o lixo no contentor, que está colocado mesmo em frente ao local do acidente; ele não fica na A44, mas fica mesmo junto; - estava a por o lixo, olhou pelo meio de uns arbustos que lá estavam e viu um carro ligeiro a vir da A44, da parte do “……….”; - foi quando assistiu ao carro ligeiro vir da parte de cima, da A44 do lado do ………., a virar para a faixa da direita; nesse preciso instante vinha um carro do “D1………., S.A.”, que abalroou esse carro, bateu-lhe por trás, e o carro fez uma espécie de uma guinada e foi-se enfaixar na traseira esquerda do camião que estava parado na faixa da direita, encostado à berma, «mais à frente um bocadinho»; - o carro estava a ir da faixa do meio para a faixa da direito, para entrar na faixa da ……….; - o carro não travou, só abrandou quando viu o tal camião parado na berma, à frente do carro um bocadinho, a poucos metros; - insistiu que foi o camião do “D1………., S.A.” que bateu; - o pesado bateu com a sua parte lateral na parte traseira, do meio, do carro; «na altura em que a senhora vai a passar o camião vai também em simultâneo a virar para a faixa do meio, é quando lhe bate …» quando se dá o choque o camião já está na faixa do centro; - quando é embatido o carro faz um pequeno rodopio, para a esquerda, e enfaixa-se na parte traseira do camião; - o outro camião estava parado e o condutor estava cá fora, ao telemóvel; - não viu rastos de travagem do carro ligeiro, não ouviu barulho a travar, rastos, nada; - não se apercebeu de mais nenhum camião à frente do carro ligeiro; - quando foi embatido o carro não derrapou. F………. era o condutor do camião do “D1………., S.A.”. Sobre os factos declarou: - «estava a andar devagar, mas estava a andar … estava sozinho»; - não se apercebeu do acidente: sentiu uma pancada e quando olha pelo retrovisor viu lá o carro, enfaixado na traseira da galera do lado esquerdo; - antes disso não se apercebeu de nada. U………., autor do relatório de fls. 455 e segs., declarou: - para fazer o relatório baseou-se na participação da Brigada de Trânsito e em alguns testemunhos dos intervenientes; - as premissas da conclusão retirou-as dos elementos analisados; quanto ao rasto de travagem desprezou-o: na avaliação que fez do acidente, analisou as fotografias da polícia e as que tirou no local e concluiu que aquele rasto de travagem «não é rasto de travagem, é marca de arrasto … a condutora do veículo ligeiro, ao sentir, ao sentir, o camião atrás … ou sentiu a bater ou assustou-se com ele muito perto, e nessa altura, penso eu, é a minha opinião, ela devia ter posto os pés ao travão … a propósito de quê ela ia travar ali … ela eventualmente, como eu também digo … aceito aquilo que ela diz, também, que é ela quer virar para a fila mais para a direita, e como quer virar para a fila mais para a direita, como qualquer condutor faz duas coisas ou acelera e ultrapassa o veículo e passa para a direita ou afrouxa e põe-se atrás dele … ao afrouxar ela eventualmente poderia ter posto o pés ao travão, ligeiramente, não faz aquelas marcas …»; - a certa altura quando é confrontado com a possibilidade de o outro camião estar parado na via, referiu ele que, de facto, se fala que o veículo estava parado mas não deu qualquer valor a isto porque o camião estava a andar; - quanto ao recuo, ele não aconteceu. Perante tudo quando já expusemos o mínimo que se pode dizer é que as declarações de U………. são estranhas. De todas as provas resulta que o camião conduzido por F………. estava parado, ocupando a berma e parte da via para a qual H………. se dirigia. Não obstante isto – que já estava amplamente indiciado no inquérito, desde o primeiro momento -, esta testemunha afirma que este veículo circulava a 90 km/h. E ao ser confrontado com o contrário, limitou-se a afastá-la. Ora, a pergunta que desde já se impõe é a seguinte: perante um tão flagrante desvio face aos factos, perante uma premissa absolutamente falsa, como é possível pretender atribuir o menor valor que seja a este parecer/perícia/estudo? É evidente que o seu valor é nulo. Mas há uma outra conclusão que se retira da prova, conclusão esta que também contraria a certeza que se percebe das declarações de U………. (e que contraria, ainda, o que C………. disse): a assistente, quando viu o camião de F………. parado (camião que na tese de U………. circulava a 90 km/h e que segundo F……… seguia devagar), ocupando parcialmente a faixa de rodagem para onde pretendia entrar, travou. Esta travagem, de 3,10 metros de extensão, ficou marcada no pavimento. Lembremos que a assistente circulava atrás de um outro camião e que só viu o camião que estava parado quando começou a deslocar-se para a faixa da direita, que estava ocupada pelo camião. E das palavras seguintes percebe-se que H………. viu o camião parado quando estava próxima deste: «eu estava próxima, aquilo também foi tudo muito rápido, à partida estava longe mas ao mesmo tempo é tudo muito rápido». E esta conclusão é reforçada com as seguintes palavras: «aquilo é um sítio que é muito complicado». Daí que tenha travado. E então começamos a perceber como é que, provavelmente, o acidente aconteceu. E também aqui as palavras da assistente são decisivas para essa compreensão: «… uma pessoa tem que dar a distância, conforme eu estava a dar a distância o camião, quem vinha atrás tinha que me dar a devida distância e eu quando faço a travagem, porque é assim, aquilo é um sítio que é muito complicado, as pessoas têm que ter o devido cuidado e têm que dar a devida distância, e eu dei a devida distância em relação ao camião da frente, por isso é que eu digo que podia passar à vontade, e quem vinha atrás, é assim, eu afrouxei e não tenho a certeza … é assim, foi tudo muito rápido … não sei … ou bem que olhava para a frente, ou bem que olhava para trás …». E quando percebeu que estava um veículo a ocupar parte da via a assistente fez o que a esmagadora dos condutores faria, fez o que o condutor normal faria em situação semelhante: quando se apercebeu do obstáculo que estava na faixa por onde pretendia seguir travou repentinamente, sem cuidar de verificar o trânsito que seguia na sua rectaguarda. Agora, se com esta travagem a assistente interceptou a linha de trânsito do camião conduzido pelo arguido, determinando o embate deste no seu próprio veículo, ou se, apesar da travagem, não conseguiu imobilizar o veículo que conduzia e chocou com o camião parado sendo, depois, embatida pelo camião conduzido pelo arguido é algo que não se consegue apurar da prova. Dispõe o art. 127º do C.P.P. que «salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente» A nossa lei optou pelo sistema da prova livre na questão da apreciação da prova. Apreciação livre da prova significa, na sua feição negativa, ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova; na sua feição positiva significa liberdade de apreciação de acordo com o dever de perseguir a verdade material, razão pela qual essa apreciação deve reconduzir-se a critérios objectivos, portanto susceptíveis de motivação e controlo [4]. A convicção assente na livre apreciação da prova é aquela que se firma para além de toda a dúvida razoável [5] e ocorre quando o tribunal tenha logrado afastar todas as dúvidas face à certeza apresentada. Assentando a decisão recorrida na atribuição de credibilidade a determinadas fontes de prova em detrimento de outras, só haverá fundamento válido para proceder à alteração da decisão se esta não se apresentar como uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência. Dito de outro modo, se a decisão do julgador for uma das soluções a retirar da prova produzida, prova esta analisada e valorada segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que julgue de acordo com a sua livre convicção. E a livre convicção, assente na credibilidade de determinadas provas em detrimento de outras, só se pode ter como viciada, e portanto insubsistente, se existirem elementos objectivos bastantes para tornar inverosímil tal convicção. Por isso a lei exige a especificação das provas que impõem decisão diferente da recorrida: impor é diferente de permitir e só naquele caso é que o erro existe. A verdade processual – não a verdade ontológica, mas aquela que resulta do processo e por isso sujeita a todas as limitações a que o tribunal está sujeito na sua busca – é o resultado probatório processualmente válido, ou seja, a convicção de que certa alegação singular de facto é justificavelmente aceitável como pressuposto da decisão, por ter sido obtida por meios processualmente válidos [6]. A lei processual não impõe a busca da verdade absoluta, porque sabe que este sempre seria um objectivo inalcancável: a verdade obtida, com todas as limitações nos métodos e meios, é uma verdade histórico-prática, uma determinação humanamente objectiva de uma realidade humana [7]. A valoração da prova por declarações e testemunhal depende do seu conteúdo, mas também do modo como os mesmos são assumidos pelos declarantes e testemunhas, da forma como são transmitidos ao tribunal, das circunstâncias relevantes, da postura, do comportamento. Tudo isto, afinal, releva para efeitos de atribuição da credibilidade [8] a um determinado depoimento. É que, conforme diz Bacon, as provas não se contam, antes se pesam. Apreciando a prova produzida – oral, documental e “pericial” -, concordamos com a decisão recorrida, de considerar provado o facto 7 da matéria provada. Quanto aos factos 4 a 6, a prova dos mesmos resultou do depoimento do arguido (vide fls. 5 da sentença recorrida). Ora, no recurso este depoimento não foi apontado como sendo uma das provas demonstrativas dos erros da decisão. E porque o não foi, este tribunal não procedeu à sua análise (sanção aplicável ao incumprimento do preceituado no art. 412º, nº 3 e 4, do C.P.P.). Quanto aos factos não provados, a prova apresentada não impõe, também aqui, decisão diferente da recorrida. Quanto ao facto 1º, a demonstração da velocidade seguida pelo arguido consta, ao que se alega, do relatório “pericial” constante do processo. Conforme já vimos este mesmo documento indica como sendo de 90 km/h a velocidade a que a testemunha F………., quando se apurou que este estava imobilizado na via. Assim, e uma vez que aquele estudo carece de credibilidade, é insusceptível de impor a alteração do decidido. Quanto a todos os demais factos, nem dos documentos constantes do processo, nem da prova produzida em audiência se pode concluir, com segurança, pela responsabilidade do arguido na produção do acidente. Aliás, a responsabilidade exclusiva do arguido na sua verificação parece-nos resultar com razoável certeza. No entanto, independentemente deste juízo o que é seguro é que não resultou que o comportamento do arguido tenha dado causa, só por si, ao acidente. Ora, é quanto basta para se aderir à decisão tomada. * * II – Nulidade da sentença recorrida O Ministério Público alega, ainda, que a decisão recorrida é nula, isto por três ordens de razões: 1ª - porque utiliza provas nulas. 2ª - porque não fundamenta devidamente a decisão tomada sobre a matéria de facto, no que respeita aos factos 4 a 7 da matéria provada e 1 a 6 da matéria não provada; 3ª - porque, não esclarecendo, como devia, a sua divergência face ao juízo pericial elaborado, isto para se poder subtrair à força probatória de tal juízo, incorreu em omissão de pronuncia. Relativamente à 3ª questão, já está decidido que o relatório de fls. 454 e segs. não incorpora uma perícia e que, mesmo que incorporasse, nunca poderia ter a força probatória vinculada avançada no recurso, por lhe faltar um juízo afirmativo (limita-se a avançar uma possibilidade - «… parece ser de admitir que …»). Carece, pois, de sentido toda a alegação baseada no pressuposto que estamos perante um elemento de prova pericial. Quanto ao mais, curaremos de analisar esta questão a propósito da fundamentação. 1ª Ao invocar a nulidade decorrente do recurso a provas nulas o Ministério Público alega que ao valorar o depoimento prestado por E………. a sentença violou o disposto nos art. 122º, nº 1, 356º, nº 7, e 410º, nº 3, do C.P.P. porque esta testemunha «teve intervenção na investigação realizada no inquérito, nomeadamente … na inquirição de todas as testemunhas de acusação … na constituição e interrogatório como arguidos da, agora, assistente e da, agora, testemunha F………. … A opinião que deu, aquando da sua inquirição, sobre as causas do acidente baseou-se … nas diligências de investigação que fez em sede de inquérito, entre as quais, nas diligencias que efectuou (inquirições e interrogatórios), sendo claramente por elas influenciado». O termo prova pode ser considerado ou como meio, ou como actividade probatória ou, ainda, enquanto resultado. Enquanto meios de prova, as provas são os elementos com base nos quais os factos são demonstrados. Como resultado da actividade probatória, prova é a motivação da convicção do julgador sobre os factos que, para si, resultaram provados da discussão. É o convencimento do juiz: em certa medida poderíamos dizer que é o resultado subjectivo dos meios de prova. Tendo em conta todo o cuidado que a lei, constitucional e ordinária, dispensa à matéria e todo o trabalho doutrinal e jurisprudencial que tem vindo a ser desenvolvido, podemos dizer que aqui a prova surge no seu conteúdo essencial, de exposição das razões ou motivos extraídos dos meios de prova sobre a existência ou inexistência do crime. Finalmente, temos a prova no sentido de prova material, enquanto objecto relacionado com o crime em investigação. É a manifestação formal da prova. A prova, qualquer que seja o sentido em que se tome, subjaz à investigação, ao julgamento e à decisão. Determinam os art. 374º, nº 2, e 379º, nº 1, al. a) do C.P.P. que a sentença deve conter, sob pena de nulidade, a fundamentação, da qual consta, nomeadamente, a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Vejamos a decisão recorrida para apurarmos se esta acolheu, indevidamente, declarações prestadas por órgão de polícia criminal reproduzindo depoimentos cuja leitura não era permitida. É o seguinte o conteúdo da motivação da decisão, no que à testemunha E………. respeita: «a testemunha … militar da GNR, subscritor do relatório junto aos autos a fls. 197 a 207, declarou, em síntese, o seguinte; tirou as conclusões aí descritas pelos vestígios que recolheu no local do acidente; confirmou o teor do croqui junto aos autos a fls. 17; confirmou as marcas de travagem em linha recta e referiu que quando se dá o embate, é que se verifica desvio para a esquerda; na sua opinião quem desencadeou o acidente foi o veículo que estava parado; pensa que o ligeiro estava atravessado quando foi embatido pelo veículo do arguido; a senhora bateu por trás e a direito; o veículo da senhora rodou, havendo marcas de pneumáticos; na sua opinião quem embateu no camião foi a D. H……….; se fosse o camião a embater o ligeiro iria rodopiar, teria mudado de direcção e embatido de lado no camião; confirmou o teor de fls. 53, tendo sido ele quem tirou as fotografias; confirmou, igualmente, o teor de fls. 47, 48, 51 e 53; as testemunhas disseram-lhe que o referido camião estava parado; o Sr. C………. disse-lhe que tinha presenciado o acidente e que o camião estava parado … tal testemunha imputou a responsabilidade pelo acidente ao camião que estava parado na berma, tendo, igualmente, defendido que quem embateu no veículo conduzido pelo arguido foi a aqui assistente». Vejamos, agora, se tais declarações podiam, validamente, ter sido consideradas. Nos termos do art. 125º deste diploma são admissíveis as provas que não forem proibidas. A regra é, portanto, a da inexistência de numerus clausus de meios de prova. No entanto, para que estes possam ser considerados não podem resultar do uso de métodos proibidos de prova [9], nem podem violar determinações concretas da lei. Versando os art. 122º, nº 1, e 410º, nº 3, do C.P.P. sobre as consequências de nulidade cometida em acto processual, é sobre o art. 356º que deve recair a nossa atenção para apurar se a decisão usou, ou não, prova proibida. O art. 356º do C.P.P. regula a leitura, visualização e audição em audiência de depoimentos anteriormente prestados, enumerando os casos em que a leitura é permitida em audiência. Os nºs 1 a 6 da norma referem os casos em que os autos e declarações prestadas antes da audiência podem nestas ser lidos. Quanto ao nº 7 estabelece que «os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas». Do nº 8 consta a decorrência lógica de tudo o que antes foi estabelecido: a visualização ou audição das gravações de actos de processo só é permitida quando o for a leitura do respectivo auto. Finalmente, o nº 9 determina que a leitura ou visualização, bem como a respectiva justificação, terão que constar da sentença. Assim, e no que às testemunhas respeita, é permitida a leitura em audiência de declarações prestadas em acto processual anterior presidido por órgão de polícia criminal quando nisso concordarem o Ministério Público, o arguido e o assistente. Para garantir a eficácia da proibição surgiu o nº 7: o órgão de polícia criminal que tenha recolhido declarações cuja leitura não tenha sido autorizada não pode ser inquirido como testemunha sobre o conteúdo daquelas declarações [10]. E………. é militar da G.N.R. e, nessa qualidade, inquiriu várias pessoas que vieram, depois, a ser ouvidas em julgamento a vários títulos (como arguido, testemunhas e assistente). Entretanto, ele também foi ouvido como testemunha, sendo inquirido sobre o conteúdo das audições que tinha efectuado, o que contraria a norma referida. O caso não é, portanto, de inadmissibilidade de depoimento, antes de impossibilidade de uma tal testemunha ser perguntada sobre o conteúdo de declarações prestadas por outras testemunhas ouvidas em acto a que presidiu. Então, tendo a decisão recorrida considerado prova nula, conheceu de questão que não podia ter conhecido. Nos termos do nº 1, al. c), do art. 379º do C.P.P. «é nula a sentença quando o tribunal … conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». A decisão recorrida, que conheceu de prova que não podia ter conhecido, cometeu, pois, esta nulidade. Segundo o nº 2 daquela mesma norma «as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las …». No nosso caso a supressão da nulidade significa que teremos que desconsiderar o depoimento prestado por E………. e, consequentemente, expurgar a sentença recorrida de toda e qualquer referência a este depoimento. Feito isto ficamos, então, com a seguinte motivação da decisão da matéria de facto: «A decisão da matéria de facto tem por base a análise critico-reflexiva do conjunto dos meios de prova produzidos em sede de audiência de julgamento, tendo tido em consideração: As declarações do arguido, o qual, em síntese, não assumiu a responsabilidade pelo acidente em causa nos autos. O arguido admitiu que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação conduzia o veículo aí indicado, apresentando uma versão do acidente totalmente distinta da constante na acusação. Concretizando, o arguido referiu o seguinte: circulava a 80 Kms por hora pela faixa do meio a cerca de 20/30 metros da condutora do peugeot; a certa altura, esta condutora fez o pisca da direita duas ou três vezes no máximo e deu uma guinada para a direita; logo a seguir à guinada, viu os sinais de stop do peugeot ligados; o peugeot enfiou-se na traseira do lado esquerdo do camião que estava imobilizado na berma com a parte direita do carro; olhou para o espelho do lado esquerdo e viu um carro ao seu lado esquerdo que o ia ultrapassar; travou por causa do carro ligeiro, sendo sua intenção fugir para a faixa da esquerda, mas o peugeot veio projectado do outro camião e veio bater-lhe no depósito do combustível do lado direito e no pneu traseiro do tractor do lado direito do veículo que conduzia; posteriormente, o peugeot foi novamente projectado contra o pesado que estava parado; de seguida passou e não soube esclarecer como é que se deu tal embate; atrás de si circulava um veículo ligeiro; não travou por causa desse carro; apercebeu-se do veículo ligeiro quando já se estava a colocar na faixa do meio; só se apercebeu do pesado quando viu o ligeiro a travar; posteriormente, foi travando lentamente e imobilizou-se mais à frente a cerca de 10 metros do local do acidente; saiu do seu veículo e apercebeu-se de um senhor num carro dos bombeiros; o peugeot ficou encostado ao pesado; o veículo peugeot circulava pelo menos a 80 Kms por hora; o depósito de combustível e pneu do lado direito do veículo que tripulava ficaram riscados; nas braçadeiras de tal depósito ficaram vidros espetados; a velocidade máxima no local do acidente era de 90 Kms por hora; havia pouco movimento no local; fazia bom tempo e o piso estava seco; é motorista profissional há 18 anos e este foi o seu primeiro acidente; possui a carta de condução desde os 21/22 anos de idade; o carro que tripulava ia vazio; a existirem rastos de travagem eles terão ficado atrás do camião; nenhuma das testemunhas prestou declarações no local do acidente; tal como o condutor do veículo imobilizado prestou declarações no local do acidente. O arguido foi, igualmente, confrontado com as fotografias juntas aos autos, nomeadamente, os de fls. 42 a 54. As declarações da assistente H………., condutora do veículo peugeot, a qual, em síntese, apresentou uma versão do acidente diferente da do arguido, declinando qualquer responsabilidade da sua parte, atribuindo a culpa pelo acidente ao arguido. Concretizando, declarou, o seguinte: seguia nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação e conduzia o veículo ligeiro peugeot a menos de 90 Kms por hora; seguia pela faixa do meio; circulava um camião à sua frente; apercebeu-se do veículo pesado parado quando já estava na faixa de rodagem mais à direita e travou um bocadinho; apanhou uma pancada por trás de um veículo, no lado esquerdo traseiro; não soube esclarecer quantas travagens fez; se não fosse abalroada, ainda tinha tempo para passar; não tem a certeza se olhou ou não, nomeadamente, para trás quando fez a travagem; fazia o aludido trajecto todos os dias; a filha que faleceu no acidente media 1,55m e pesava 38 Kg; bateu na parte traseira esquerda da esquina do pesado que se encontrava parado; se este veículo não estivesse parado onde estava não se tinha dado o acidente; após o acidente ficou consciente; na altura do acidente não identificou ninguém como sendo quem lhe embateu; não soube esclarecer em que data disse que tina sido embatida; a testemunha C………. esteve no local do acidente; tal testemunha é conhecida da sua família e frequenta o supermercado que é da família. Os depoimentos das testemunhas de acusação K………., C………, N………., L………. e M………. . A testemunha K………., bombeiro, à data do acidente, declarou, em síntese, que teve como missão dar auxílio às vítimas do acidente em causa nos autos e por isso foi socorrer a menina; no local do acidente tapou uma poça de sangue por causa dos familiares da vítima; de relevante, nada mais soube esclarecer sobre o acidente. A testemunha C………., conhecido e cliente do ………. da família dos assistentes desde há cerca de 2 anos, declarou, em síntese, o seguinte: viu o acidente em causa nestes autos; a casa da sua filha situa-se em frente ao local do acidente; presenciou o acidente porque estava a colocar o lixo num contentor que fica junto à A44 em frente ao local do acidente; de repente olhou para a auto estrada, nada lhe chamou a atenção; estava a pôr o lixo no contentor, olhou pelo meio de uns arbustos para a A44 e viu um veículo ligeiro que vinha do lado do ………. com o pisca ligado para virar para a ……….; um camião do D1………., S.A. abalroou o carro, fez uma espécie de uma guinada e foi-se enfaixar junto de um camião que estava parado, encostado; o ligeiro não travou, abrandou um bocado; o veículo pesado bateu na parte traseira do Peugeot na parte do meio e fez um rodopio; o camião bateu com a parte lateral; o camião vinha da VCI; o camião vinha a entrar para a faixa do meio, entrou nessa faixa e foi para a faixa da esquerda; o veículo ligeiro fez um pequeno rodopio e “enfaixou-se” na traseira do camião que estava parado; o condutor deste último camião encontrava-se fora do mesmo; saltou a vedação e aproximou-se do local do acidente; não havia nada de derrapagem; quando chegou a polícia dirigiu-se junto desta e deu-se como testemunha; só se encontrava no local o condutor do camião parado; o veículo ligeiro rodopiou para a esquerda; o carro ligeiro só chocou depois de ser embatido; não se apercebeu se à frente do ligeiro seguia qualquer outro camião; o veículo ligeiro não derrapou; na altura uns senhores tiraram fotografias aos arbustos; declarou, novamente, que estava a olhar para a auto-estrada no exacto momento em que o camião embateu no carro ligeiro; o camião que embateu no ligeiro tinha um oleado de cor creme e as insígnias D………. . A testemunha F………., motorista do veículo pesado, o tractor/semi-reboque de mercadorias, de matrícula ..-..-ZA/L-……, marca DAF, utilizado pela firma “D1………., S.A., declarou, em síntese, o seguinte: não se encontrava imobilizado no momento do acidente, mas a circular devagar; a sua intenção era, assim, que pudesse avançar para a faixa da esquerda; no momento do acidente encontrava-se no interior do camião; a certa altura, sentiu uma pancada, olhou pelo retrovisor e viu o carro enfaixado no camião, na traseira da galera do lado esquerdo; não se apercebeu de nenhuma travagem; não soube explicar como é que aconteceu o embate; disse não se recordar sobre quem é que chegou primeiro; teve que travar quando foi embatido; no momento do acidente não estava a falar ao telemóvel. A testemunha L………. declarou, em síntese, o seguinte: ia a circular na referida auto-estrada (A44), no sentido Norte Sul; apercebeu-se de um camião da frente que trava e que continuou a sua marcha; foi, igualmente, obrigada a travar e foi para a valeta, parando poucos metros à frente do acidente; viu o carro enfaixado; quando passou já tudo se tinha passado; não soube esclarecer como se deu o acidente em virtude não o ter presenciado. A testemunha M………., que conhece a assistente, declarou, em síntese, o seguinte: conduzia um veículo na via onde se deu o acidente em causa; vinha do ………. e dirigia-se para a ……….; reparou num camião estacionado e viu uma pessoa à sua frente, que pensou tratar-se do condutor; na altura assustou-se, guinou e conseguiu passar; sentiu o estrondo, olhou pelo retrovisor e viu o carro enfaixado; não soube explicar o que se passou; não conseguiu identificar a pessoa que estava parada junto do camião. A testemunha N………., Guarda da Brigada de Trânsito da GNR, que chegou ao local do acidente, referiu, em síntese, o seguinte: não viu o acidente; quando lá chegou já lá estava uma ambulância e muitos populares, nomeadamente, junto da vedação que tinha visibilidade; tirou as medições no local do acidente; conseguiu as declarações da condutora em momento posterior; disse recorda-se vagamente de na altura do acidente lhe ter surgido um senhor a dizer-lhe que tinha presenciado em parte ou na totalidade o que aconteceu, tendo-o identificado; daquilo que viu e do que se pôde aperceber não conseguiu retirar conclusão sobre quem é que foi o responsável e o que esteve na origem do acidente, porque nesse acidente foram depois vistos outros vestígios; os bombeiros ao prestarem auxílio à vítima limparam vidros e plásticos e não os pôde mencionar no croqui porque tinham sido limpos e varridos; no local ouviam-se versões contraditórias sobre o modo como o acidente se deu; nessa mesma altura não percebeu se o referido veículo pesado estava ou não parado; ficou com muitas dúvidas sobre a dinâmica do acidente. Tal testemunha, foi, igualmente, confrontada com o teor de fls. 17, 430 e 431 e segs.; a este propósito, referiu o seguinte: foi quem elaborou o croqui junto da participação do acidente; os veículos estavam nessas posições e o rasto de travagem era visível; tendo sido questionado se a aludida testemunha podia ter visto o acidente, referiu que podia ter visto o veículo pesado (referindo-se ao veículo pesado D1………., S.A.); a sua atenção focou-se entre o ligeiro e o pesado que eventualmente estaria parado, porque eram os veículos que estavam embatidos na sua posição final; tendo sido confrontado com as duas versões contraditórias do acidente apresentadas pelo arguido e assistente, referiu que qualquer uma delas podia ter acontecido. Os depoimentos das testemunhas apresentadas pelo arguido – O………., P………., Q………. e S………. . A testemunha O………., administrador da empresa “T………., S.A.”, declarou, em síntese, que o arguido trabalha na empresa há 17 anos, tendo-o referenciado como bom condutor. A testemunha P………., colega de trabalho do arguido, declarou, em síntese, que o arguido é bom motorista, responsável e cuidadoso. Referiu que em 17 anos o arguido nunca teve nenhum acidente. Declarou que o arguido lhe relatou a versão do acidente tal como a apresentou na audiência de julgamento; referiu não acreditar que os vidros ficassem retidos na braçadeira do depósito do combustível se a colisão fosse no mesmo sentido. Referiu que o camião conduzido pelo arguido é de lona de cor azul, o tractor é azul e cor de laranja, não é de cor creme e tem as insígnias “T1……….”. As testemunhas Q………. e S……….s, amigos do arguido. Tais testemunhas, em síntese, referenciaram o arguido como pessoa humilde, trabalhadora e honesta. O depoimento do perito U………., subscritor da perícia realizada pelo IMTT junta aos autos a fls. 455 e segs., em síntese, confirmou o seu teor. Referiu que para tirar as conclusões que dela constam baseou-se na participação do acidente e fotografias. Referiu que os rastos de travagem não são travagem mas marcas de arrasto. Referiu que a condutora ao sentir o carro a bater ou muito perto pôs os pés no travão e o condutor do camião podia ter feito uma ligeira travagem. Declarou que na sua opinião não houve um recuo e que se o impacto fosse em borracha podia haver um ricochete. Referiu que põe fora de questão que a condutora tenha travado, sendo que a mesma podia ter afrouxado e não ter tido o cuidado de ver quem vinha atrás. Declarou que da análise dos tacógrafos juntos aos autos a fls. 20 e 21, não sabe explicitar o momento do embate. Referiu não acreditar que o condutor do referido camião estivesse parado. Declarou que na sua opinião o acidente se deu porque a distância de segurança por parte do arguido não foi respeitada. O teor dos documentos juntos aos autos, nomeadamente, a participação de fls. 16 e segs., fls. 21, 22, fotografias de fls. 42 e segs., 77 e segs,. fls. 87, relatório de autópsia de fls. 241 e segs. e o teor do certificado de registo criminal do arguido junto a fls. 404. A perícia constante de fls. 455 e segs. Da análise da prova produzida em audiência de julgamento, resulta que não é possível formar a convicção segura de que o arguido tenha cometido o crime de que vem acusado, tendo o Tribunal ficado com muitas dúvidas sobre o modo como se desenrolou o acidente em causa. Começando pelas declarações e depoimentos prestados, estes apresentam-se contraditórios entre si. Concretizando e começando pelas versões apresentadas pelo arguido e pela assistente quanto ao modo como se deu o acidente as mesma são completamente opostas, já que cada um deles declina a sua responsabilidade na produção do acidente e atribui-a ao outro. Tais versões do acidente apresentam-se contraditórias e nenhuma delas se nos apresenta mais credível do que a outra. No que concerne à prova testemunhal, começando pela testemunha C………. que se apresentou como sendo a única testemunha presencial do acidente, não obstante a mesma tenha declarado que viu o acidente desde o seu início e tenha dito que quem embateu no ligeiro foi o camião, a verdade, é que a mesma testemunha referenciou esse camião como tendo sido o camião de cor bege e insígnias D………., que como sabemos não era o camião conduzido pelo arguido, mas sim, aquele que se encontrava na berma a ocupar parte da faixa de rodagem no momento do acidente. A este propósito, diga-se, ainda, que a parte em concreto do veículo ligeiro que a testemunha referiu como tendo sido embatida pelo camião não é, igualmente, coincidente com os demais depoimentos. Não pondo o Tribunal em causa que a testemunha esteve no local que indicou no momento do acidente, ficamos na dúvida se a mesma viu efectivamente o acidente, se o presenciou na sua totalidade, ou se apenas presenciou parte do mesmo. Da análise feita ao depoimento da testemunha C………., concluímos, que o mesmo pelas contradições evidenciadas não se nos apresentou inteiramente credível no sentido de o valorar quanto à dinâmica e modo como se desenrolou o acidente dos autos. Por outro lado, a testemunha N………., Guarda da Brigada de Trânsito da GNR, que chegou ao local do acidente pouco depois de ter acontecido e observou os vestígios aí deixados declarou, além do mais, que qualquer das hipóteses e versões apresentadas sobre a dinâmica do acidente podia ter acontecido. O depoimento da testemunha F………. na parte em que referiu que no momento do acidente não estava imobilizado e estava a circular devagar não se nos apresentou credível, já que outras testemunhas, conforme acima salientamos, afirmaram que viram tal veículo imobilizado e uma pessoa parada junto do mesmo, ao que cremos, o seu condutor. Assim, o Tribunal ficou convencido de que tal veículo estava de facto imobilizado no local descrito na acusação, estando, o seu condutor, a aqui testemunha fora do mesmo. Finalmente, quanto à perícia realizada pelo IMTT, a mesma e não obstante o depoimento do seu subscritor em audiência, que confirmou as conclusões aí plasmadas, revela-se do nosso ponto de vista inconclusiva, já que aí se conclui no sentido de “parecer de admitir que a causa do acidente foi o arguido ter embatido no veículo conduzido pela assistente que originou o despiste e consequente embate violento”. Tal perícia, embora, nela se refira que o arguido não respeitou a distância de segurança relativamente ao veículo ligeiro, conjugado com os demais meios de prova produzidos em audiência, não contribuiu para dissipar as dúvidas do Tribunal quanto ao modo e dinâmica do acidente em causa. Pelo exposto, conclui-se que em face da prova produzida, o Tribunal não dispõe de elementos seguros que lhe permitam concluir que o arguido foi o causador e único culpado pelo acidente tal como vem descrito na acusação. Tal non liquet que se atingiu, em sede de prova, neste particular aspecto, tem de ser resolvido em benefício do arguido, tanto quanto é certo que os factos imputados ao arguido na acusação têm de ser estabelecidos para além de qualquer dúvida razoável, pois, caso tal não se verifique, ou melhor, quando factos relevantes para a decisão não ultrapassem aquela dúvida, como ocorre in casu, e na ausência de elementos de prova suficientemente seguros, terão de ser valorados em benefício do arguido, em obediência ao princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Este princípio considera-se também associado ao princípio “nulla poena sine culpa” pois que o princípio da culpa é violado se, não estando o juiz convencido sobre a existência dos pressupostos de facto, ele pronuncia uma sentença de condenação. Conforme salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 1º vol., 3ª ed., 1993, pág. 204, os princípios da “presunção de inocência” e “in dubio pro reo” constituem a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da culpa. Decorre, assim, que se por um lado o processo há-de assegurar todas as necessárias garantias práticas de defesa de um inocente, por outro lado, não há razão para não considerar inocente quem ainda não foi julgado culpado por sentença transitada». E agora, quid iuris? Como se pode facilmente concluir, a conclusão a que a decisão recorrida chegou mantém-se na íntegra, expurgada que foi da menção ao depoimento de E………. . A tanto basta os depoimentos do arguido, da assistente, de C………., M………. e de U………. . Repetindo, diz-se naquela decisão: a) arguido: «… circulava … pela faixa do meio a cerca de 20/30 metros da condutora do peugeot; a certa altura, esta condutora fez o pisca da direita duas ou três vezes no máximo e deu uma guinada para a direita; logo a seguir à guinada, viu os sinais de stop do peugeot ligados; o peugeot enfiou-se na traseira do lado esquerdo do camião que estava imobilizado na berma com a parte direita do carro; olhou para o espelho do lado esquerdo e viu um carro ao seu lado esquerdo que o ia ultrapassar; travou por causa do carro ligeiro, sendo sua intenção fugir para a faixa da esquerda, mas o peugeot veio projectado do outro camião e veio bater-lhe no depósito do combustível do lado direito e no pneu traseiro do tractor do lado direito do veículo que conduzia; posteriormente, o peugeot foi novamente projectado contra o pesado que estava parado …»; b) assistente: «… conduzia o veículo ligeiro peugeot a menos de 90 Kms por hora; seguia pela faixa do meio; circulava um camião à sua frente; apercebeu-se do veículo pesado parado quando já estava na faixa de rodagem mais à direita e travou um bocadinho … a filha que faleceu no acidente media 1,55m e pesava 38 Kg; bateu na parte traseira esquerda da esquina do pesado que se encontrava parado; se este veículo não estivesse parado onde estava não se tinha dado o acidente …»; c) C……….: «… um camião do D1………, S.A. abalroou o carro, fez uma espécie de uma guinada e foi-se enfaixar junto de um camião que estava parado, encostado … o veículo ligeiro fez um pequeno rodopio e “enfaixou-se” na traseira do camião que estava parado; o condutor deste último camião encontrava-se fora do mesmo … só se encontrava no local o condutor do camião parado …»; d) M……….: «… conduzia um veículo na via onde se deu o acidente em causa; vinha do ………. e dirigia-se para a ……….; reparou num camião estacionado e viu uma pessoa à sua frente, que pensou tratar-se do condutor; na altura assustou-se, guinou e conseguiu passar; sentiu o estrondo, olhou pelo retrovisor e viu o carro enfaixado; não soube explicar o que se passou …»; e) U……….: «… a condutora ao sentir o carro a bater ou muito perto pôs os pés no travão e o condutor do camião podia ter feito uma ligeira travagem … na sua opinião não houve um recuo … põe fora de questão que a condutora tenha travado, sendo que a mesma podia ter afrouxado e não ter tido o cuidado de ver quem vinha atrás … da análise dos tacógrafos juntos aos autos a fls. 20 e 21, não sabe explicitar o momento do embate … não acreditar que o condutor do referido camião estivesse parado … na sua opinião o acidente se deu porque a distância de segurança por parte do arguido não foi respeitada». Apenas F………., o condutor do outro camião, disse que «não se encontrava imobilizado no momento do acidente». 2ª E neste momento “saltamos” para a análise da outra causa de nulidade da decisão recorrida, invocada pelo Ministério Público, e que reside na falta de fundamentação. A matéria de facto que, na tese do recorrente, não está fundamentada é a seguinte: «Factos provados: 4 – Naquele dia e hora, o arguido B………. tinha iniciado a viagem nas ……….–Maia e dirigia-se para ………., acedeu à A44 através da hemi-faixa de rodagem situada mais à direita, ou seja, a mais próxima da berma desse lado, atento ao sentido Norte-Sul, provindo da A1 (faixa 3). 5 – Ali, foi-se colocar, nas traseiras do Peugeot conduzido por H………., que circulava a uma velocidade próxima dos 80 km/h, pela hemi-faixa do meio (faixa 2), vinda do ………., transportando no seu interior, sentada no banco do passageiro da frente e com o respectivo cinto de segurança colocado, a filha G………., nascida em 3/3/98, e no banco de trás, uma outra mais nova. 6 – Depois de ter percorrido nesta condições cerca de 30 metros, a uma velocidade não concretamente apurada, não inferior a 80 km/h, o arguido apercebe-se do accionamento do sistema eléctrico de sinalização de mudança de direcção para a direita (pisca da direita) efectuado pela condutora do Peugeot, já que era seu desejo sair no acesso para a localidade da ………., onde morava, e pela sua deslocação em direcção à hemi-faixa de rodagem mais à direita (faixa 3). 7 – De seguida, em circunstâncias e de modo não concretamente apurados ocorreu colisão, envolvendo o tractor/semi-reboque de mercadorias, de matrícula ..-..-QG/L-…… conduzido pelo arguido e o Peugeot, conduzido por H………., vindo este último veículo a embater na traseira do lado esquerdo do semi-reboque de matrícula ..-..-ZA/L-……, da transportadora D1………., S.A., que se encontrava parado, a ocupar parcialmente a hemi-faixa mais à direita (faixa 3) da berma desse mesmo lado; … Factos não provados: 1 – Que o arguido circulava a velocidade superior a 80 Kms por hora. 2 – Que por circular muito próximo do ligeiro de passageiros e a velocidade que não lhe permitia fazer parar o Volvo sem embater na sua traseira, o arguido efectuou manobra de recurso, tendo por via disso procurado contornar o Peugeot pela esquerda. 3 – Que dessa forma, direccionou o pesado para a hemi-faixa de rodagem da esquerda e mais próxima do separador central (faixa 1), tendo ao efectuar esta manobra, raspado com o depósito de combustível de forma cilíndrica, existente no lado direito do pesado, por baixo do tractor, logo a seguir à cabina, na zona de junção entre a parte lateral esquerda e a parte traseira esquerda do Peugeot, que entretanto se tinha movimentado e se encontrava ligeiramente obliquado a efectuar o movimento de entrada na hemi-faixa de rodagem mais à direita (faixa 3) que a conduziria à saída no acesso para a ……….. 4 – Que devido a esse contacto, a condutora H………., perdeu o controlo do ligeiro de passageiros que conduzia e, de forma desgovernada, foi embater violentamente com a frente do lado direito do Peugeot na traseira do lado esquerdo do semi-reboque de matrícula L-…… da transportadora D1………., S.A.. 5 – Que antes do embate no DAF da transportadora D1………., S.A., o Peugeot deixou atrás de si uma marca de travagem efectuada pelo pneumático esquerdo e duas de derrapagem, sendo, neste último caso, uma referente à sua rotação e outra efectuada pelo pneumático direito, tudo numa extensão de 3,10 metros. 6 – Que o acidente ficou a dever-se exclusivamente à condução do arguido, pois que imprimia velocidade muito próximo do limite máximo permitido por lei, mas inadequada não só para o local, já que se tratava de zona de grande movimentação de veículos com interpenetração de entrada e saída de vias, mas também às características do próprio camião, que por ser veículo longo, torna o seu manuseamento mais difícil». Na fundamentação da matéria de facto a decisão recorrida optou por fazer uma resenha das declarações do arguido, da assistente e das testemunhas ouvidas em julgamento. Feita esta exposição refere que «da análise da prova produzida em audiência de julgamento, resulta que não é possível formar a convicção segura de que o arguido tenha cometido o crime de que vem acusado, tendo o tribunal ficado com muitas dúvidas sobre o modo como se desenrolou o acidente em causa». Concretamente sobre os depoimentos do arguido e da assistente diz que são «contraditórios entre si … nenhuma delas se nos apresenta mais credível do que a outra». Sobre a prova testemunhal, tece as seguintes considerações: «… C………. … ficamos na dúvida se a mesma viu efectivamente o acidente, se o presenciou na sua totalidade, ou se apenas presenciou parte do mesmo … pelas contradições evidenciadas não se nos apresentou inteiramente credível no sentido de o valorar quanto à dinâmica e modo como se desenrolou o acidente dos autos»; «… N………., Guarda da Brigada de Trânsito da GNR, que chegou ao local do acidente pouco depois de ter acontecido e observou os vestígios aí deixados declarou, além do mais, que qualquer das hipóteses e versões apresentadas sobre a dinâmica do acidente podia ter acontecido»; «… F………. … não se nos apresentou credível, já que outras testemunhas, conforme acima salientamos, afirmaram que viram tal veículo imobilizado e uma pessoa parada junto do mesmo, ao que cremos, o seu condutor. Assim, o Tribunal ficou convencido de que tal veículo estava de facto imobilizado no local descrito na acusação, estando, o seu condutor, a aqui testemunha fora do mesmo …»; «… quanto à perícia realizada pelo IMTT … revela-se do nosso ponto de vista inconclusiva, já que aí se conclui no sentido de “parecer de admitir que a causa do acidente foi o arguido ter embatido no veículo conduzido pela assistente que originou o despiste e consequente embate violento …». E mais adiante diz-se, em jeito de conclusão: «… em face da prova produzida, o tribunal não dispõe de elementos seguros que lhe permitam concluir que o arguido foi o causador e único culpado pelo acidente tal como vem descrito na acusação. Tal non liquet que se atingiu, em sede de prova, neste particular aspecto, tem de ser resolvido em benefício do arguido, tanto quanto é certo que os factos imputados ao arguido na acusação têm de ser estabelecidos para além de qualquer dúvida razoável, pois, caso tal não se verifique, ou melhor, quando factos relevantes para a decisão não ultrapassem aquela dúvida, como ocorre in casu, e na ausência de elementos de prova suficientemente seguros, terão de ser valorados em benefício do arguido, em obediência ao princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa». Portanto a decisão recorrida, depois de afirmar que face às provas produzidas não foi possível formar a convicção sobre as causas do acidente, resolveu o problema cuja solução se lhe impunha – verificação da culpa do arguido – com recurso ao princípio in dubio pro reo. Esta é, precisamente, a saída do sistema para os casos de impasse da prova, isto é, quando a prova produzida não permite a formação da convicção do julgador no sentido da condenação, e quando a inocência também não resulte demonstrada. O princípio in dubio pro reo é um princípio vinculativo na decisão da matéria de facto quando, finda a prova, o julgador se mantenha em estado de dúvida sobre a autoria do facto e/ou sobre a responsabilidade do agente na verificação do mesmo. Portanto, produzida toda a prova e mantendo o julgador dúvidas positivas, isto é, dúvidas lógicas e objectiváveis (e não dúvidas negativas, superficiais) sobre a dinâmica do caso, sobre a participação do agente e sobre a sua culpa na ocorrência do mesmo, a ultrapassagem destas dúvidas faz-se com o recurso – necessário, obrigatório – àquele princípio, que determina que a decisão seja tomada de acordo com o que se mostrar mais favorável ao agente. Portanto, dado que o julgador não está em condições de decidir, então o sistema criou esta válvula de escape para os casos de impasse: quando o julgador, perante toda a panóplia de provas disponível, não formou a sua convicção nem no sentido da responsabilização do agente, nem no sentido da sua inocência, os factos favoráveis ao arguido ter-se-ão como provados, sejam certos ou duvidosos, e os factos desfavoráveis ao arguido ter-se-ão como não provados, a menos que sobre eles exista a certeza contrária [11]. O princípio constitui, pois, um limite normativo ao princípio da livre apreciação da prova, do artigo 127º do Código de Processo Penal: impondo esta orientação vinculativa, limita a liberdade de apreciação do juiz. Ora, se a matéria de facto é decidida na base deste princípio, então o que há a fazer é, seguindo o rol dos factos imputados, dá-los como provados ou não provados conforme tenham ficado demonstrados ou, não tendo ficado, conforme sejam favoráveis ou desfavoráveis ao agente. Os factos 1 a 12 da matéria provada e todos os factos não provados são retirados da acusação. Assim, e aplicando aquele princípio da forma referida, há que segui-los um a um e, tendo sempre presente a orientação fornecida pelo princípio, considerá-los como provados ou não provados segundo o que se mostrar mais favorável ao arguido. Foi isto, precisamente, o que a decisão recorrida fez: perante cada parágrafo da acusação (considerando cada um deles como um facto) a decisão considerou cada um deles como provado ou não provado de acordo com a prova feita, quanto àqueles sobre os quais não havia dúvidas, e de acordo com o princípio in dubio pro reo, quando aos factos desfavoráveis relativamente aos quais não se obteve a convicção da sua prática pelo arguido. E deste modo é evidente que mais nenhuma consideração caberia ser feita a propósito da fundamentação. Pois se a dúvida foi decidida de acordo com o princípio do in dubio pro reo, carece de sentido invocar, a propósito desta ou daquela resposta, este ou aquele depoimento, ou até a “perícia”, pois que nenhuma prova se mostrou apta a basear uma convicção firme. Repetindo, dado que a convicção do julgador não se formou em nenhum sentido – assim é dito na sentença, de forma cabal –, a matéria de facto teve que ser decidida com recurso ao princípio do in dubio pro reo, não fazendo sentido que a mesma decisão viesse, depois, a referir em sede de fundamentação provas que, acima, já tinha dito que não lograram convencer quanto às causas do acidente. * * DISPOSITIVO Pelos fundamentos expostos: I – Nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida. II – Sem custas. Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P. Porto, 2009-06-17 Olga Maria dos Santos Maurício Jorge Manuel Miranda Natividade Jacob ____________________ [1] A origem do nome advém do gego “tacos” “graphos”, que significa escrita em movimento. [2] Sublinhado nosso. [3] Acórdão do S.T.J. de 1-10-2008, processo 08P2035. [4] Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 2004, pág. 201 e segs. [5] Kenny-Turner, citado por Figueiredo Dias na obra citada. [6] João de Castro Mendes in Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal II, 2002, pág. 115. [7] Acórdão do S.T.J. de 3-10-2002, processo 045931. [8] Acórdão do T.R.C. de 3-11-2004, processo 1417/04. [9] Estabelecidos no art. 125º do C.P.P. [10] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2002, pág. 173/174, e Paulo P. Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 1ª ed., pág. 880. [11] Acórdão do S.T.J. de 3-10-2002, processo 045931. |