Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6647/03.6TVPRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP00042915
Relator: M. PINTO DOS SANTOS
Descritores: INCIDENTE DE HABILITAÇÃO
CISÃO DE SOCIEDADES
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP200909156647/03.6TVPRT-C.P1
Data do Acordão: 09/15/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 322 - FLS. 72.
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTIGO 690.°-A, N.° 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL;
ARTS. 118° N° 1 AL. A), 122° E 123° DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
Sumário: I- Nos casos de cisão simples de uma sociedade comercial [nos termos permitidos pelos arts. 118° n° 1 al. a), 122° e 123° do Código das Sociedades Comerciais, com transferência do crédito exequendo para a nova sociedade constituída, não há lugar à dedução do incidente de habilitação, para substituição da primitiva exequente por esta última, porque aquela cisão não determina a extinção da sociedade cindida e dela resulta um regime de solidariedade activa entre ambas as sociedades (a cindida e a nova! beneficiária).
II- A nova sociedade pode passar a ser parte activa na acção intervindo espontaneamente na mesma, nos termos permitidos pelos arts. 320° e segs. do Código de Processo Civil .
III- Por não haver lugar ao incidente de habilitação (nem mesmo ao previsto no art. 376° do Código de Processo Civil), também a instância não se suspende (para habilitação da nova sociedade) com a realização da operação de cisão, ou com o registo desta, já que tal suspensão só se compagina com os casos de morte ou extinção de alguma das partes por só nestes casos haver necessariamente lugar à habilitação dos sucessores para que a demanda possa prosseguir os seus termos — art. 276° n°s 1 ai. a) e 2 do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pc. 6647/03.6TVPRT-C.P1 – 2ª Secção
(agravo)
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Relator: Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Marques de Castilho
Des. Henrique Araújo
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Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

Por apenso à acção executiva que a B……………, SA instaurou contra C………….., SA, deduziu a D………….., S.A o presente incidente de habilitação de cessionário/a, alegando:
● que por escritura outorgada em 02/08/2004, rectificada por escritura de 30/09/2004, operou-se a cisão simples da sociedade B…………, S.A mediante a constituição de cinco novas sociedades, entre as quais a B1………….., S.A que sucedeu nos direitos e obrigações que recaíam sobre a actividade do negócio de importação, comercialização e distribuição de betumes que pertenciam àquela primeira sociedade e, bem assim, em diversos litígios em curso entre os quais o da acção executiva a que este incidente está apenso
● e que, por escritura de 01/10/20004, a B1………., S.A alterou a sua denominação para D…………, S.A,
pelo que requereu a habilitação desta, como cessionária da primitiva exequente, a fim de poder fazer prosseguir a acção executiva.

Notificada, a executada-requerida contestou o incidente, excepcionando:
● a inexistência jurídica da requerente, por não fazer prova do registo da invocada cisão;
● a ineptidão do requerimento (do incidente), por não conter a alegação de todos os factos necessários à sua procedência;
● a ilegitimidade activa da requerente, por considerar que da escritura de cisão não resulta que o crédito exequendo se tenha transferido para a B1……….., SA, pelo que a habilitação deveria, em seu entender, ter sido requerida por todas as novas sociedades ou, pelo menos, além da requerente, pela B2…………, SA, pela B3………… (…), SA e pela B4…………. (…), ………., SA;
● a nulidade do processado da acção executiva (principal) levado a cabo entre a data da apresentação do pedido de registo da dita cisão simples e a da dedução do incidente de habilitação [embora, quanto a esta, haja dúvidas, como adiante explicitaremos, se a requerida a arguiu efectivamente ou se só alude à possibilidade de a poder invocar em momento posterior e em “sede” própria].
Pugnou, no final do articulado, pela procedência destas excepções e pela improcedência do incidente de habilitação de cessionário/a.

Foi depois apresentado um articulado de resposta à contestação por parte da D1………….., SA, no qual afirma que:
● por escritura de 01/10/2004, a (exequente) B………….. alterou a sua denominação para D2……………., SA,
● por escritura de 28/12/2005, esta última incorporou, por fusão – que foi levada a registo -, diversas sociedades, entre as quais a D…………., SA que, por isso, foi extinta,
● pela mesma escritura, a sociedade incorporante, D2……….., SA, alterou a sua denominação para D1……….., SA.
Concluiu no sentido de que deve ser julgada titular dos direitos e obrigações que pertenciam à habilitanda D……….., SA e que a habilitação requerida deve proceder.

Depois de mais alguns requerimentos e contra-requerimentos das partes, foi, a fls. 368 a 377, proferida decisão final que julgou “improcedente o incidente de habilitação deduzido por D……………, SA contra a executada”.

A requerida-executada requereu, a fls. 383 e 384, a aclaração de tal decisão, na parte (pg. 9 da mesma) em que nela se exarou que “sem prejuízo, e quanto à questão alegada de os actos processuais praticados pela exequente serem nulos, resulta que face à improcedência do incidente a mesma ficaria prejudicada, no entanto cumpre dizer que mesmo que tal não ocorresse que não haveria nenhuma nulidade nos actos praticados anteriormente porque o incidente de habilitação do cessionário é facultativo e que o transmitente continua a ter legitimidade para a causa (art. 271º do Código de Processo Civil)”, requerimento que foi julgado improcedente por despacho de fls. 387.

Inconformada, na versão da recorrente, com “parte” da decisão final proferida a fls. 368 a 377, mais propriamente com o segmento em que, segundo ela, ali se decidiu da inexistência de qualquer nulidade processual na acção executiva (resultante de, na sua óptica, a exequente ter continuado a intervir nessa acção e de nela ter praticado actos judiciais entre a data do eventual registo da cisão da mesma em cinco novas sociedades e a data em que o presente incidente de habilitação foi deduzido), a requerida-executada interpôs o presente recurso de agravo, cuja motivação culminou com as seguintes conclusões:
1ª. O PROBLEMA EM CAUSA NOS AUTOS ESTÁ EM SABER QUAL DAS CINCO SOCIEDADES RESULTANTES DE CISÃO SIMPLES DA PESSOA COLECTIVA PRIMITIVA EXEQUENTE (B…………) "RECEBEU" O DIREITO (DE) FAZER PROSSEGUIR (A) EXECUÇÃO PARA RECEBIMENTO DE (UM ALEGADO) CRÉDITO EXEQUENDO, TITULADO POR CHEQUES NOMINATIVOS EMITIDOS EM NOME DAQUELA.
2ª. SE TAL CRÉDITO FOI RECEBIDO PELA "B1…………" (DEPOIS D………., AGORA D1……………) TERÁ ESTA ÚLTIMA LEGITIMIDADE PARA FAZER PROSSEGUIR A EXECUÇÃO; NA HIPÓTESE CONTRÁRIA, SERÁ ELA PARTE ILEGÍTIMA (E NULOS OS ACTOS PRATICADOS).
3ª. ORA, NÃO SE ENCONTRA PROVADO NOS AUTOS QUAL DAS CINCO SOCIEDADES RESULTANTES DA "CISÃO" REALIZADA ADQUIRIU VALIDAMENTE DA SOCIEDADE CINDIDA OS DIREITOS E OBRIGAÇÕES RESULTANTES DA RELAÇÃO MATERIAL CONTROVERTIDA EM DISCUSSÃO NOS AUTOS (ATENTOS OS DEDUZIDOS EMBARGOS / OPOSlÇÃO À EXECUÇÃO).
4ª. A DECISÃO EM CAUSA DECIDIU: A/ JULGAR IMPROCEDENTE A DEDUZIDA HABILITAÇÃO DE CESSIONÁRIO; B/ NÃO EXISTIR QUALQUER NULIDADE PROCESSUAL, JULGANDO IMPLICITAMENTE VÁLIDA A SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL DA PRIMITIVA EXEQUENTE (B…………..) PELA SOCIEDADE "D……………".
5ª. NO PRESENTE RECURSO NÃO SE PÕE EM CAUSA A PRIMEIRA DELAS (IMPROCEDÊNCIA DA HABILITAÇÃO), FICANDO, NO ENTANTO, EM CAUSA (CONSTITUINDO, ASSIM. O OBJECTO DO PRESENTE RECURSO) A SEGUNDA: A (IN)EXISTÊNCIA DE NULIDADES PROCESSUAIS E A DECISÃO IMPLÍCITA DE VÁLIDA SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL.
6ª. A DOUTA DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU, ERRADAMENTE, QUE, NOS TERMOS DO PONTO "2" DA MATÉRIA DADA COMO PROVADA, OS DIREITOS DA B……………… RELATIVOS À ORA ALEGANTE C………… TERIAM SIDO TRANSMITIDOS PARA A B1……………...
7ª. FÊ-LO COM BASE NA DOCUMENTAÇÃO EM TAL DECISÃO INVOCADA QUE NÃO PERMITE TAL CONCLUSÃO.
8ª. DECIDIU, POIS, CONTRA OS FUNDAMENTOS POR SI PRÓPRIA INVOCADOS, O QUE IMPORTA A SUA NULIDADE (ARTº 668 CPC).
9ª. POR OUTRO LADO, DECIDINDO PELA IMPROCEDÊNCIA DA DEDUZIDA "HABILITAÇAO DE CESSIONÁRIO" ENTENDEU NÃO SE VERIFICAR QUALQUER NULIDADE ATENTO O CARÁCTER "FACULTATIVO" DAQUELE INCIDENTE (ARTº 271 CPC), O QUE, IGUALMENTE, IMPORTA A SUA NULIDADE, POR CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E O DECIDIDO.
10ª. A PRETENDIDA "CISÃO" E POSTERIOR AQUISIÇÃO LEVAM IMPLÍCITA A CESSÃO DOS CRÉDITOS INVOCADOS PELA B………….. (SOBRE A C………..) PARA A D…………….. A QUAL FUNDAMENTOU, NA TESE DA RECORRIDA D……………, O PEDIDO DE HABILITAÇÃO.
11ª. ORA, A ALEGAÇÃO DOS FACTOS QUE, A PROVAREM-SE VERIFICADOS, PERMITEM A PROCEDÊNCIA DA SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL, PASSA TAMBÉM POR AQUELES (FACTOS) QUE SE PRENDEM COM A VALIDADE DE TAL CESSÃO DE CRÉDITOS.
12ª. A PRETENDIDA CESSÃO DE CRÉDITOS SEMPRE CONSUBSTANCIARIA UMA ALTERAÇÃO DO CONTEXTO CONTRATUAL EXISTENTE ENTRE A B…………. E A C…………, NOMEADAMENTE, QUANTO ÀS GARANTIAS PATRIMONIAIS QUE AQUELAS SOCIEDADES (B………. E D…………..) DIVERSAMENTE OFERECEM, SENDO CERTO QUE TAL ALTERAÇÃO SÓ SERIA VÁLIDA E EFICAZ RELATIVAMENTE À RECORRENTE C……….. SE POR ESTA (FOSSE) CONSENTIDA E/OU AUTORIZADA (ARTS. 577° E 424° DO C. CIVIL), O QUE NUNCA ACONTECEU E NEM SEQUER FOI ALEGADO PELA D…………….
13ª. NÃO É POIS POSSÍVEL A SUBSTITUIÇAO PROCESSUAL PRETENDIDA NOS AUTOS SEM QUE SE ALEGUE E PROVE A VÁLIDA E EFICAZ (PERANTE A RECORRENTE) CEDÊNCIA DE TAL CRÉDITO DA B………….. PARA A D…………….
14ª. SUBSIDIARIAMENTE, AINDA QUE ASSIM SE NÃO ENTENDESSE, DO PRÓPRIO TEOR DOS DOCUMENTOS E ACTOS NOTARIAIS JUNTOS PELA D…………… E PRESSUPONDO A SUA VALIDADE - NO QUE NÃO SE CONCEDE - FLUI QUE OS DIREITOS E OBRIGAÇÕES EM CAUSA TERIAM - ENTÃO - TRANSITADO PARA OUTRAS ENTIDADES PARA ALÉM DA SOCIEDADE D………...
15ª. DAÍ QUE, NOMEADAMENTE POR EXISTÊNCIA DE DÚVIDA FUNDAMENTADA ACERCA DO TITULAR DA RELAÇÃO JURÍDICA CONTROVERTIDA, DEVERIAM TER SIDO AS CINCO SOCIEDADES CINDITÁRIAS A SUBSTITUIR A ORIGINÁRIA EXEQUENTE, NOS TERMOS DOS ARTS. 31º-B, 269º/2 E 325º DO CPC.
16ª. EM CONSEQUÊNCIA, SE OS DIREITOS / OBRIGAÇÕES AQUI EM LITÍGIO FORAM TRANSMITIDOS PARA AS SOCIEDADES CINDITÁRIAS APÓS A CISÃO, DESDE O REGISTO DA MESMA, É EVIDENTE QUE A B…………… DEIXOU DE SER TITULAR DE TAIS POSIÇÕES JURÍDICAS, PELO QUE, PARA TODOS OS EFEITOS, DEIXA DE "EXISTIR" NO PROCESSO (OU SEJA, DE SER PARTE LEGÍTIMA) - PARA A PRÁTICA DOS ACTOS EM CAUSA.
17ª. DE IGUAL MODO, A HAVER SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL (E ATENTA A INCERTEZA DO TITULAR DOS RESPECTIVOS DIREITOS) OS ACTOS SÓ PODERIAM SER PRATICADOS EM CONJUNTO PELAS CINCO SOCIEDADES CINDITÁRIAS, E NÃO APENAS POR UMA DELAS.
18ª. DONDE A NULIDADE DE TODOS OS ACTOS PRATICADOS NOS AUTOS PELAS PRETENDIDAS SOCIEDADES "SUBSTITUIDORAS" (NOMEADAMENTE A "D………….").
19ª. EM QUALQUER DAS HIPÓTESES, ESTAMOS PERANTE NULIDADES ESSENCIAIS, ARGUÍVEIS A TODO O TEMPO, SUSCEPTÍVEIS DE FUNDAMENTAR A DECISÃO E RESULTADO DA CAUSA, DE CONHECIMENTO OFICIOSO (NULIDADES SUCESSIVAS SEQUENCIAIS).
20ª. O QUE DEVERIA TER SIDO DECLARADO PELA DOUTA DECISÃO RECORRIDA.
21ª. A DOUTA DECISÃO RECORRIDA FEZ ERRADA INTERPRETAÇÃO DAS DISPOSIÇÕES LEGAIS APLICÁVEIS, PELO QUE, CASO NÃO SE ENTENDA SER NULA A SENTENÇA RECORRIDA, DEVE ELA SER REVOGADA, E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE JULGUE NO SENTIDO ANTES DEFENDIDO.

Não foram apresentadas contra-alegações pela parte contrária.

Foi proferido despacho de sustentação/manutenção da decisão recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.
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II. Questões a apreciar e decidir:

Em atenção à delimitação decorrente das conclusões das alegações da apelante - art. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do C.Proc.Civ. (na redacção dada pelo DL 329-A/95, de 12/12, aqui aplicável «ex vi» do estabelecido no art. 11º nº 1 do DL 303/2007, de 24/08, de acordo com o qual as alterações introduzidas por este último diploma legal “não se aplicam aos processos pendentes à dará da sua entrada em vigor”, ou seja, a 01/01/2008, segundo o nº 1 do art. 12º do mesmo DL) – e não esquecendo que nos recursos se apreciam questões e não razões ou argumentos e que não visam criar decisões sobre matéria nova, a principal questão que importa apreciar e decidir consiste em saber se a decisão recorrida enferma dos vícios (nulidade e errada interpretação das disposições legais aplicáveis) invocados pela agravante.
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III. Factos provados:

Na decisão recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
1) Por escritura de 02/08/2004 do 5º Cartório Notarial de Lisboa junta a fls. 5 a 20 destes autos, foi declarado que foi aprovado por unanimidade um projecto de cisão simples da sociedade (B……….., SA) com vista à constituição de cinco novas sociedades anónimas, mediante o destaque de cinco partes do seu património, as quais se encontram agrupadas de modo a formarem cinco unidades económicas autónomas da sua representada e que serão totalmente afectos, a cada uma, à criação das novas sociedades visando a autonomização das actividades ali discriminadas, entre as quais a de importação, comercialização e distribuição de betumes, que dessa cisão resulta a criação de cinco novas sociedades anónimas, sendo a B1…………, SA uma dessas cinco e cuja actividade se traduz no negócio de importação comercialização e distribuição de betumes.
2) Mais declararam constituir a B1……….., SA para suceder nos direitos e obrigações posições contratuais litígios a que pertenciam à B…………… S.A, conforme o teor da escritura de fls.5 a 101 cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado [nos termos dos arts. 749º, 713º nº 2 e 659º nº 3 do CPC consigna-se que no documento de fls. 91, que faz parte integrante da escritura de rectificação junta a fls. 83 a 90, sob a epígrafe “identificação dos litígios, processos judiciais e contra-ordenacionais que passam para as sociedades cinditárias” consta, na penúltima linha do segundo quadro, a menção ao débito da C…………., aqui requerida-recorrente, em causa na acção executiva a que estes autos de habilitação estão apensos].
3) A B…………., SA, por escritura de 01/10/2004, alterou a sua denominação para “D2…………, SA, conforme teor da escritura de fls. 102 a 106, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado [por manifesto lapso, aludiu-se no ponto 3 dos factos provados da decisão recorrida, respectivamente, à “B1…………., SA” e à “D…………, SA”, mas da escritura constante de fls. 102 a 105 resulta inequivocamente que a sociedade que alterou a denominação foi a “B………….., SA” e que a nova denominação passou a ser “D2………….., SA”, pelo que se rectifica o facto em apreço].
4) Por escritura de 28/12/2005 outorgada no Cartório Notarial de Lisboa, a sociedade “D2…………, SA” incorporou, por fusão, diversas sociedades, uma das quais a sociedade “D……………, SA”, conforme teor da escritura de fls.206 a 216, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
5) O projecto de cisão simples [aludido em 1] foi registado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa e foi posteriormente registada a cisão simples que consistiu no destaque do património da sociedade cindida para com ele se constituírem cinco novas sociedades.
6) Uma dessas sociedades assim constituídas é a sociedade habilitanda, que então tinha a firma “B1……….., SA”.
7) A habilitanda estava matriculada na Conservatória sob o nº14608, conforme teor do documento junto a fls.205 a 216, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
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IV. Apreciação jurídica:

Afere-se do relatório deste acórdão (ponto I) e consta expressamente da motivação e das conclusões das alegações da agravante que esta circunscreve o recurso à “parte” da decisão da 1ª instância (decisão final do incidente de habilitação exarada a fls. 368 a 377 dos autos) que, segundo ela, decidiu “não existir qualquer nulidade processual” na acção executiva principal (por a exequente ter continuado a intervir, enquanto tal, nessa mesma acção entre o momento em que a sua cisão em cinco novas sociedades foi registada e aquele em que a requerente destes autos deduziu o presente incidente de habilitação de cessionário/a, para, em substituição daquela, passar a ter ela a qualidade de exequente), sem, no entanto, colocar em causa a improcedência da habilitação de cessionário/a ali decidida – nem podia fazê-lo, por a decisão lhe ser favorável, tal como decorre da “pretensão” que formulou na parte final da contestação em que pugnou pela improcedência da habilitação deduzida pela requerente.
Acontece, porém – adiantamos já -, que o presente recurso está votado ao total insucesso, por duas razões: uma de natureza puramente processual, a outra de natureza mista – substantiva e processual.

Começando pela primeira, é manifesto que inexiste objecto para o recurso em apreço, pois em parte alguma da decisão de fls. 368 a 377 consta a declaração da “inexistência de nulidades processuais”, nem tinha que constar, não só (nem tanto) por tal questão – a admitir-se que foi suscitada pela requerida-agravante nos arts. 39º a 43º da sua contestação [do que temos sérias dúvidas, pelos termos em que a requerida, ora recorrente, ali se expressou, pois no art. 42º referiu que “… serão nulos (porque praticados por entidade inexistente) todos os actos processuais da autoria da “B………….., SA” após a (eventual) data da apresentação do pedido de registo da cisão em causa” e no art. 43º acrescentou “o que oportunamente será apreciado”, o que parece querer dizer que ela se reservava o direito de, futuramente (e no local próprio que, adianta-se, seria na acção executiva e não neste incidente de habilitação), após a junção da certidão de registo da cisão da “B…………, SA” (o que só foi feito em momento posterior à apresentação da contestação), invocar essa nulidade] – ter ficado prejudicada pela improcedência da habilitação pretendida pela requerente (exequente na acção executiva principal), como se disse na parte final da pg. 9 (fls. 376 dos autos) daquela decisão, mas também (e principalmente) porque tal problemática não poderia ser arguida (nem decidida) nestes autos de habilitação (de cessionário), cujo objecto de cingia (sem mais) à admissão ou não da requerente (“D………….., SA”) como habilitada, em substituição da exequente (a sociedade já supra referenciada), não cabendo no âmbito de tal incidente processual (regulado no art. 376º do CPC) a apreciação de eventuais nulidades ocorridas na acção executiva principal (estas tinham que ser arguidas na execução).

Mas ainda que se admita que a agravante podia recorrer do excerto da citada decisão em que se exarou que “sem prejuízo, e quanto à questão alegada de os actos processuais praticados pela exequente serem nulos, resulta que face à improcedência do incidente a mesma ficaria prejudicada; no entanto, cumpre dizer que mesmo que tal não ocorresse (…) não haveria nenhuma nulidade nos actos praticados anteriormente porque o incidente de habilitação de cessionário é facultativo e (…) o transmitente continua a ter legitimidade para a causa (artigo 271 do Código de Processo Civil)”, mesmo assim não lhe assiste razão quer na invocação de que a decisão enferma de nulidade, por, na sua opinião, ter decidido “contra os fundamentos por si própria invocados” [conclusão 8ª], quer na de que “fez errada interpretação das disposições legais aplicáveis” [conclusão 21ª].
Aliás, como tentaremos demonstrar de seguida, a «nulidade» e o «erro de interpretação de disposições legais» que a agravante aponta à dita parte da decisão recorrida resulta unicamente do errado enquadramento da situação fáctica que descreve nas suas alegações e da desconsideração/omissão de normas jurídicas específicas para a solução da questão que ora nos ocupa.
Comecemos por relembrar a realidade factológica que importa ter em conta, resultante do que ficou descrito em III.
Em momento posterior ao da instauração da acção executiva a que estes autos estão apensos (mais propriamente em 02/08/2004) e com aquela pendente, a exequente, B…………., SA, mediante operação (negócio unilateral – neste sentido, Ac. desta Relação de 22/01/2007, proc. 0656686, disponível in www.dgsi.pt/jtrp) de cisão (registada, tal como registado havia anteriormente sido o respectivo projecto), constituiu cinco novas sociedades (também anónimas) para as quais transferiu, mediante destaque, partes determinadas do seu património e dos seus créditos, sem que, no entanto, aquela (a exequente) se extinguisse, como claramente se afere de fls. 16 (1ª escritura junta aos autos) onde está expresso que “com a projectada cisão o valor do património da sociedade cindida não se torna inferior à soma do seu capital e reserva legal” e que “por força da cisão não se verifica qualquer alteração no contrato social da sociedade cindida”. Uma das novas sociedades assim constituídas foi a “B1………….., SA”, para a qual, além de outros, foi transferido o crédito exequendo [cfr. parte final do nº 2 do ponto III]. A exequente (“B…………, SA”) alterou posteriormente (a 01/10/2004) a sua denominação (facto que também levou a registo, conforme decorre do averbamento nº 4 constante da 2ª folha da certidão junta a fls. 244 e segs.) para “D2…………, SA”. Finalmente, esta última (em 28/12/2005) veio a incorporar, por fusão, diversas sociedades, entre as quais a “D……………, SA”, requerente da habilitação objecto destes autos.
Estes os factos provados.
A requerente, para fundamentar a dedução do incidente de habilitação, alegou, ainda, que em data posterior à da citada cisão e constituição da “B1…………., SA” (mais propriamente a 01/10/2004 e através de escritura pública) alterou a sua denominação para “D……………., SA” (sendo esta que surge como requerente do incidente).
Mas não fez prova deste facto, contrariamente ao que, por manifesto lapso, foi dado como provado (sem documento de suporte, pois a certidão junta a fls. 102 a 105 prova outra realidade – e aquele facto só por documento autêntico podia ser provado) na decisão recorrida sob o nº 3 do item em que foi elencada a matéria de facto apurada [em função daquela certidão procedemos nós à alteração do mesmo número, nos termos que ora constam do nº 3 do ponto III deste acórdão].
Esta circunstância (falta de prova de que a “B1…………, SA” alterou a sua denominação para “D…………, SA”) é, contudo, irrelevante quer no que concerne ao incidente de habilitação propriamente dito, que foi julgado improcedente pela decisão de fls. 368 a 377 (que não está sequer aqui em causa), quer no que tange à questão que a agravante traz a este Tribunal de recurso (única que nos cabe apreciar).
Relevante para este efeito é a natureza da cisão que esteve na base da constituição, entre outras, da “B1…………, SA” e os efeitos daí decorrentes quanto à situação processual da primitiva exequente (“B…………., SA”) na acção executiva a que estes autos estão apensos.
A aludida cisão, documentada na escritura certificada a fls. 5 e segs., foi feita nos termos da al. a) do nº 1 do art. 118º, com referência à al. b) do nº 1 do art. 124º, ambos do Código das Sociedades Comerciais (abreviadamente, CSC), como expressamente consta da parte inicial da mesma (cfr. fls. 7 dos autos). Tratou-se de uma «cisão simples» – como o declarou a decisão de fls. 368 a 377 – que o primeiro daqueles preceitos define como o “destacar (de) parte do património da sociedade para com ela constituir outra sociedade” (cfr. também os arts. 123º e 124º do mesmo corpo de normas) [as outras duas modalidades de cisão previstas, respectivamente, nas als. b) e c) do nº 1 do mesmo art. 118º são a «cisão-dissolução» e a «cisão-fusão» (para melhor conhecimento destas figuras e das suas diferenças – que aqui não interessa levar a cabo -, cfr. Raúl Ventura, in “Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades”, 1990, pgs. 336 e 337 e Joana Vasconcelos, in “A Cisão de Sociedades”, 2001, pg. 21)].
Esta modalidade de cisão caracteriza-se por dois elementos (que a distinguem das restantes modalidades) relacionados, um deles, com a sua existência jurídica e, o outro, com o modo como a operação incide no património da sociedade cindida; quanto ao primeiro, a «cisão-simples» não determina a extinção desta sociedade e, no que diz respeito ao segundo, apenas parte do património da mesma é dividido e transmitido à(s) nova(s) sociedade(s) - beneficiária(s). Significa isto que “a realização da cisão parcial não põe (…) em causa a existência da sociedade cindida, que prossegue a sua actividade com o património remanescente” (Joana Vasconcelos, obr. e loc. cit. e Ac. da Relação de Lisboa de 02/10/2007, proc. 3668/2007-1, disponível in www.dgsi.pt/jtrl; idem, Ac. do STJ de 12/10/2006, proferido no agravo nº 2644/07-7ª, certificado a fls. 356 a 365).
Volvendo ao caso dos autos, temos então como certo, por um lado, que a cisão da exequente (e a constituição das cinco novas sociedades, entre as quais a já várias vezes mencionada “B1…………., SA”) não determinou a sua extinção e, por outro, que o crédito em questão na acção executiva a que estes autos estão apensos se transferiu, com aquela operação, para a “B1…………., SA” (transmissão «inter vivos»).
Perante esta situação duas questões poderiam suscitar-se: se haveria necessidade de dedução do incidente de habilitação da sociedade beneficiária (para substituir a sociedade cindida) e se a dita cisão impunha a suspensão da instância, pelo menos a partir do momento em que foi registada na competente Conservatória, já que se trata de facto sujeito a registo (também o é o projecto de cisão) e que só em função deste produz efeitos contra terceiros – arts. 120º e 111º do CSC, 3º nº 1 al. r) e 14º nº 1 do Cód. Registo Comercial.
Ambas as questões merecem, no entanto, respostas negativas.
No primeiro caso (que não é o que está em causa neste recurso – só nos referimos a ele para completa compreensão do regime da habilitação em questão), porque tratando-se, como se tratou, de uma transmissão «inter vivos», a demanda podia continuar com a transmitente, ou seja, a execução podia continuar com a exequente inicial – não obstante a transmissão do crédito para outra sociedade em resultado da «cisão simples», como dissemos -, já que a sua substituição pela beneficiária-cessionária é meramente facultativa (assim, Lopes-Cardoso, in “Manual dos Incidentes da Instância”, 1965, pgs. 345 e 346, para quem, nos casos de transmissão «inter vivos», “a habilitação não é obrigatória, podendo e devendo a demanda prosseguir com o cedente, até que o cessionário seja habilitado e consequentemente admitido a substitui-lo”; no mesmo sentido e já com base na actual redacção do art. 376º do CPC, que regula a habilitação do adquirente ou cessionário – e que é a aqui aplicável -, escreve Salvador da Costa, in “Os Incidentes da Instância”, 1999, pg. 239, que em tais casos a substituição é “facultativa, tanto mais que o transmitente por acto entre vivos do direito litigioso continua a ter legitimidade para a causa”, o que se compreende porque “enquanto a morte ou a extinção de uma das partes implica necessariamente a modificação subjectiva da instância na sequência da sua suspensão, a transmissão por acto entre vivos da coisa ou do direito objecto do litígio só a implica se o adquirente ou o transmitente, o cessionário ou o cedente, o requererem através do incidente de habilitação”).
E se nos casos normais de transmissão da coisa ou do direito objecto do litígio por actos entre vivos não há necessidade de se proceder à habilitação do cessionário ou do adquirente, mais razões existem para que assim também aconteça nas transmissões decorrentes de (ou inerentes a) cisão de uma determinada sociedade, já que de acordo com o art. 122º do CSC a sociedade cindida continua a responder “solidariamente pelas dívidas que, por força da cisão, tenham sido atribuídas à sociedade incorporante ou à nova sociedade”. E como nos casos de solidariedade activa cada um dos credores pode demandar sozinho o devedor exigindo-lhe a prestação integral, ficando este liberado da totalidade da dívida se a pagar integralmente àquele – art. 512º nº 1, parte final, do CCiv. -, logo se vê que nestas situações não há sequer lugar à dedução do incidente de habilitação, pois o que a nova sociedade (sociedade beneficiada) pode fazer é intervir espontaneamente na acção, nos termos previstos nos arts. 320º e segs. do CPC (aplicáveis à acção executiva com as devidas adaptações), associando-se à sociedade cindida e passando a lide (o processo) a correr com ambas.
No segundo, porque dos nºs 1 al. a) e 2 do art. 276º do CPC resulta que a instância só se suspende nos casos de falecimento (de pessoa singular) ou de extinção (de pessoa colectiva ou sociedade) de alguma das partes, mas não já nos de transformação ou fusão de pessoa colectiva ou sociedade (à cisão é aplicável o regime da fusão – art. 120º do CSC), pois nestes “a instância não se suspende, apenas se efectuando, se for necessário, a substituição dos representantes” (assim, Ac. da Relação de Lisboa de 02/10/2007, supra citado, que decidiu, num caso de cisão-fusão, que “… não ocorrendo a extinção da sociedade cindida e só sendo transmitida para a sociedade beneficiária uma parte dos bens daquela, …, está, evidentemente, excluído que deva ter lugar a suspensão da instância” e que “se, porventura, o direito litigioso figura no elenco dos bens da sociedade cindida transmitidos à sociedade beneficiária …, nem por isso a sociedade cindida deixa de ter legitimidade para a causa …”).
Como a dita cisão (ou o seu registo) - e a consequente transmissão do crédito exequendo para a nova sociedade - não determinava a suspensão da instância na acção executiva e a exequente manteve plena legitimidade para continuar na lide, fácil é a constatação de que, como se disse na decisão recorrida e contrariamente ao que sustenta a recorrente, jamais poderia ocorrer qualquer nulidade pelo facto da exequente ter continuado a intervir (e a praticar actos processuais) na mesma após aquele momento.
É o que basta – sem necessidade de outros considerandos – para que se conclua pela total improcedência do agravo e consequente manutenção da decisão recorrida.
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Síntese conclusiva:
● Nos casos de cisão simples de uma sociedade comercial [nos termos permitidos pelos arts. 118º nº 1 al. a), 122º e 123º do CSC], com transferência do crédito exequendo para a nova sociedade constituída, não há lugar à dedução do incidente de habilitação, para substituição da primitiva exequente por esta última, porque aquela cisão não determina a extinção da sociedade cindida e dela resulta um regime de solidariedade activa entre ambas as sociedades (a cindida e a nova/beneficiária).
● A nova sociedade pode passar a ser parte activa na acção intervindo espontaneamente na mesma, nos termos permitidos pelos arts. 320º e segs. do CPC.
● Por não haver lugar ao incidente de habilitação (nem mesmo ao previsto no art. 376º do CPC), também a instância não se suspende (para habilitação da nova sociedade) com a realização da operação de cisão, ou com o registo desta, já que tal suspensão só se compagina com os casos de morte ou extinção de alguma das partes por só nestes casos haver necessariamente lugar à habilitação dos sucessores para que a demanda possa prosseguir os seus termos – art. 276º nºs 1 al. a) e 2 do CPC.
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V. Decisão:

Em conformidade com o exposto, os Juízes desta secção cível da Relação do Porto acordam em:
1º) Negar provimento ao agravo e confirmar a decisão recorrida (no segmento que estava em questão neste recurso).
2º) Condenar a agravante nas custas.
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Porto, 2009/09/15
Manuel Pinto dos Santos
Augusto José B. Marques de Castilho
Henrique Luís de Brito Araújo