Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
306/09.3TBPFR.P1
Nº Convencional: JTRP00043003
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: ADVOGADO
CONSTITUIÇÃO OBRIGATÓRIA DE ADVOGADO
REVELIA
APOIO JUDICIÁRIO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
Nº do Documento: RP20091006306/09.3TBPFR.P1
Data do Acordão: 10/06/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 324 - FLS. 68.
Área Temática: .
Sumário: I- Numa acção em que seja obrigatória a constituição de advogado se a parte não constituir advogado, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, notificá-lo-á para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, se a falta for do autor, ou de não ter seguimento a defesa, se a falta for do réu (art° 33 do CPC).
II- Todavia, o dever de prover pela sanação, no tocante ao réu, pela falta de constituição de advogado, a que a lei adstringe o juiz, só ocorre nos casos em que o réu não se tenha constituído na situação de revelia absoluta, e haja praticado qualquer acto no processo pendente, maxime, quando oferece o articulado em que deduz a defesa, subscrito por ele mesmo.
III- Como a consequência da inactividade do réu é a ineficácia dos actos praticados na acção pendente, se o réu não praticou qualquer acto na acção pendente, não há qualquer fundamento para que o juiz providencie pelo suprimento da falta de patrocínio judiciário.
IV- O requerente do apoio judiciário, na vertente de nomeação de patrono, caso queira beneficiar da interrupção do prazo judicial que estiver em curso, tem, portanto, o ónus de documentar no processo judicial, a promoção do processo administrativo de concessão daquela / modalidade de protecção jurídica.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 306/09.3
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

1.Relatório.
B…………. SA propôs, no …º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira, acção declarativa de condenação, sumária pelo valor, pedindo a condenação do réu, C…………., a pagar-lhe a quantia de € 19 337.12, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação até ao pagamento.
Como o réu, regulamente e pessoalmente citado, não contestou a acção, a Sra. Juíza de Direito daquele Tribunal, depois de julgar confessados os factos articulados pela autora, logo o condenou no pedido.
O réu apelou desta sentença, pedindo a declaração da sua nulidade e a sua revogação, tendo extraído da sua alegação, para mostrar o bem fundado da impugnação, estas conclusões:
1ª. Os presentes autos são de constituição obrigatória de advogado, art.° 32° n°1 a) do C.P.C.
2ª. O Réu não constituiu mandatário, por impossibilidade económica para suportar as suas expensas honorários e demais custas.
3ª. Tendo requerido nomeação de patrono ao abrigo da lei do Apoio Judiciário.
4ª. Ficando interrompido o prazo em curso para contestar, conforme art.° 24° n°1 da Lei do Apoio Judiciário.
5ª. Acontece que o ora apelante não juntou aos autos o documento comprovativo do Apoio Judiciário na modalidade referida.
6ª. Não o juntou porque dessa obrigação legal não tinha conhecimento, tal dever processual não é nem pode ser do conhecimento de um cidadão normal medianamente diligente, tal como o Réu/ apelante.
7ª. No entanto a M.ma Juiz "a quo", porque é obrigatória a representação de advogado nos presentes autos, deveria ter notificado o ora apelante para constituir advogado dentro de certo prazo e adverti-lo expressamente das comunicações legalmente previstas para a sua constituição, o que não fez, nos termos do art.° 33° do C.P.C., entendimento perfilhado pelo AC TRP 3.11.88.
8ª. Existindo portanto a omissão da prática de um acto que a lei consagra, e do qual resulta prejuízo grave para o Réu, ora apelante. 9ª. A saber, a prolacção da sentença condenatória ...
10ª. Deve pois a omissão dessa notificação ser determinada e reconhecida, devendo ser declarada a nulidade desse acto e de todos os subsequentemente praticados que dele directamente dependem, conforme AC TRP 17.12.96.
11ª. Devendo ser declarada a nulidade da sentença proferida nos presentes autos e consequentemente ordenado o cumprimento da notificação prevista no art.° 33° do C.P.C., tudo com as demais consequências legais.
12ª. Quando assim não se entenda, sempre deverá ser verificado o pedido tempestivo do Apoio Judiciário na modalidade de pedido de nomeação de patrono, com a consequente interrupção do prazo em curso.
13ª Devendo ser relevado o desconhecimento profundo da lei por parte do Réu e desrelevada a não junção aos autos do pedido de Apoio Judiciário.
14ª. Consequentemente anular - se a sentença proferida e concedido novo prazo para contestar
Na resposta, a recorrida pronunciou-se, naturalmente, pela improcedência do recurso.
2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto recurso.
O processo documenta os factos seguintes:
2.1. O réu, que foi citado para, no prazo de 20 dias, contestar a acção - a que foi atribuído o valor de € 19 337.12 - no dia 27 de Fevereiro de 2009, não ofereceu articulado de contestação.
2.2. O réu apresentou, no Instituto de Segurança Social IP, Centro Distrital de Segurança Social do Porto, Serviço Local de Paços de Ferreira, no dia 12 de Março de 2009, com a finalidade de contestar a acção referida em 2.1, requerimento de protecção jurídica, designadamente, na modalidade de apoio judiciário, nas vertentes de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento de compensação de patrono.
2.3. O requerimento referido em 2.2., contém na menção certificação, imediatamente antes da data e da assinatura do réu, a declaração que este tomou conhecimento de que devia entregar cópia dele no tribunal onde decorria a acção, no prazo que lhe tinha sido fixado na citação.
2.4. O réu não apresentou na acção referida em 2.1., no prazo que lhe foi assinado para a contestação, copia do requerimento referido em 2.2. e 2.3.
2.5. Por decisão de 8 de Maio de 2009, da entidade referida em 2.2. foi concedida ao réu o benefício de protecção jurídica nos exactos termos propostos.
3. Fundamentos.
3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.
Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).
Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].
Dada a vinculação temática deste Tribunal ao conteúdo da decisão impugnada e da alegação do recorrente, a questão concreta controversa que importa resolver é, no caso, a de saber se a decisão impugnada deve ser declarada nula e revogada.
A resolução deste problema exige que se examinem, ainda que só levemente, as questões do suprimento da falta de patrocínio judiciário e as condições de interrupção do prazo de oferecimento do articulado de contestação em consequência da promoção do procedimento administrativo de concessão do apoio judiciário, na vertente de nomeação de patrono.
3.2. Suprimento da falta de patrocínio judiciário.
O primeiro argumento que o recorrente adianta para imputar à decisão impugnada o vício grave da nulidade prende-se como a omissão, verificada no tribunal a quo, da sua notificação para constituir advogado.
Esta acção inscreve-se na competência de um tribunal com alçada, mas em que, por força do valor que lhe foi atribuído, è admissível recurso ordinário (artº 32 nº 1 a) do CPC e 24 nº 1 a) da LOFTJ, aprovada pela Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, com a alteração do DL nº 303/2007, de 24 de Agosto).
É irrecusável portanto, que nesta acção, é obrigatória a constituição de advogado (artºs 32 nº 1 a) do CPC).
Se a parte não constituir advogado, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, notificá-lo-á para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, se a falta for do autor, ou de não ter seguimento a defesa, se a falta for do réu (artº 33 do CPC).
Todavia, o dever de prover pela sanação, no tocante ao réu, pela falta de constituição de advogado, a que a lei adstringe o juiz, só ocorre, como é bem de ver, nos casos em que o réu não se tenha constituído na situação de revelia absoluta. Dito doutro modo: o dever do juiz de prover, oficiosamente, pelo suprimento daquela falta, só existe nos casos em que o réu pratica qualquer acto no processo pendente, maxime, quando oferece o articulado em que deduz a defesa, subscrito por ele mesmo. Como a consequência da inactividade do réu é a ineficácia dos actos praticados na acção pendente, exige-se, logicamente, que eles o tenha praticado, e, portanto, que tenha desenvolvido naquela acção, uma qualquer actividade.
Se o réu se constituiu na situação de revelia absoluta, quer dizer, não praticou qualquer acto na acção pendente, não há qualquer fundamento para que o juiz providencie pelo suprimento da falta de patrocínio judiciário. A contestação constitui um ónus da parte, não existindo, assim, qualquer dever de contestar. A revelia não determina a aplicação ao réu de qualquer sanção, v.g., de índole pecuniária, mas apenas certas desvantagens quanto à decisão da acção – a diminuição, ou mesmo exclusão, da probabilidade de uma decisão que lhe seja favorável.
No caso o recorrente constitui-se, na instância recorrida, até ao momento em que foi notificado da sentença final da causa, na situação de revelia absoluta. Ergo, o juiz daquele tribunal não estava vinculado ao dever de providenciar pela falta, pelo recorrente, de constituição de advogado. Nestas condições, o juiz a quo não omitiu qualquer acto cuja prática a lei lhe impusesse e, portanto, não se cometeu, ainda que por omissão, qualquer nulidade.
O juiz recorrido não providenciou pela sanação do vício da falta de patrocínio judiciário, porque a lei não lhe impunha que provesse pelo suprimento dessa falta.
Não tendo sido cometida a nulidade acusada, segue-se, com naturalidade, que não há motivo para julgar ferida, com o mesmo vício, a sentença final da causa.
Estas considerações são suficientes para mostrar que, neste ponto, o recurso não tem bom fundamento.
3.3. Interrupção do prazo de oferecimento do articulado de contestação em consequência da promoção do procedimento administrativo de concessão do apoio judiciário, na vertente de nomeação de patrono.
A contestação é a resposta do réu à petição inicial, ou seja a manifestação da posição do réu perante aquele articulado do autor (artº 487 nºs 1 e 2 do CPC).
O oferecimento do articulado de contestação está, naturalmente, sujeito a um prazo peremptório, que, no caso do processo sumário de declaração, é de apenas 20 dias (artºs 144 nºs 1 a 3, 145 nºs 1 e 3 e 783 do CPC).
Esse prazo é contínuo e só se suspende ou interrompe nos casos especificados na lei (artº 144 nº 1 do CPC).
Um dos casos previstos na lei de interrupção do prazo de apresentação do articulado de contestação é o da dedução do pedido de apoio judiciário apresentado na pendência da acção, que envolva aquela modalidade de protecção jurídica, na vertente de nomeação de patrono (artº 24 nº 4 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto).
Todavia, como consequência da autonomia do procedimento administrativo de protecção jurídica - decorrente do facto de a competência para dele conhecer pertencer a um decisor não judicial - o facto a que a lei associa o efeito interruptor do prazo judicial em curso, não é, simplesmente, a formulação daquele pedido – mas a junção ao processo na pendência do qual foi formulado, do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que foi promovido o procedimento administrativo (artº 24 nºs 1 e 4, 2ª parte da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho).
O requerente do apoio judiciário, na vertente de nomeação de patrono, caso queira beneficiar da interrupção do prazo judicial que estiver em curso, tem, portanto, o ónus de documentar no processo judicial, a promoção do processo administrativo de concessão daquela modalidade de protecção jurídica.
No caso, é seguro que o recorrente não documentou, na acção em que foi proferida a decisão impugnada, a apresentação do requerimento com que promoveu o procedimento administrativo de concessão da protecção jurídica, na modalidade de apoio judiciário, na vertente de nomeação de patrono. Por esse motivo, o prazo de contestação continuou o seu curso, com a consequente revelia do réu, traduzida na abstenção definitiva de contestação.
Diz, porém, o recorrente que não tinha conhecimento daquele ónus.
A esta alegação poderia responder-se, secamente, que a ignorância da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta o recorrente das sanções nela estabelecidas (artº 6 do Código Civil).
Todavia, a verdade é que o réu foi advertido da existência daquele ónus no requerimento mesmo que promoveu o procedimento administrativo de concessão do apoio judiciário, designadamente na vertente de nomeação de patrono, dado que nele declarou – em local imediatamente anterior ao da sua assinatura - que tinha tomado conhecimento do dever de entregar cópia daquele requerimento no tribunal onde decorria a acção, no prazo que lhe tinha sido fixado na citação.
Obtemperar-se-á que o recorrente não leu essa advertência tendo-se limitado a subscrever o requerimento. Mas se for esse o caso, então o réu só dele se deverá queixar, visto que não usou do grau de diligência que lhe é exigível, e, portanto, essa falta de prudência, não pode justificar a ignorância daquele ónus, nem subtraí-lo à consequência que a lei associa a falta do seu cumprimento.
O réu, por facto que lhe é imputável, não provocou a interrupção do prazo de que dispunha para oferecer a sua defesa. A revelia absoluta operante do réu, representada pela abstenção definitiva de contestação, produziu – ex-lege e não ex-voluntate - quanto à composição esta consequência: a confissão dos factos articulados pelo autor (artº 484 nº 1, ex-vi artº 463 nº 1 do CPC).
Nestas condições, não é necessário prodigalizar outras considerações para mostrar que o recurso não merece provimento.
Resta, por isso, sumariar o acórdão.
A retórica argumentativa do acórdão, de que se extrai a solução de improcedência do recurso, pode sintetizar-se nestas proposições simples: o dever do juiz de de providenciar pela falta de constituição de advogado pelo réu só existe se este não se tiver constituído na situação de revelia absoluta; o prazo peremptório e contínuo de oferecimento do articulado de contestação só se interrompe, em consequência da promoção do procedimento administrativo de concessão do apoio judiciário, na vertente de nomeação de patrono, se o requerente desta modalidade de protecção jurídica cumprir o ónus de documentar, no processo em que está em curso esse prazo, na pendência deste, ter promovido aquele procedimento.
O recorrente deverá suportar porque sucumbe no recurso, as respectivas custas (artº 446 nºs 1 e 2 do CPC).
4. Decisão.
Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.

Porto, 09/10/06
Henrique Ataíde Rosa Antunes
Ana Lucinda Mendes Cabral
Maria do Carmo Domingues
_____________
[1]Acs. do STJ de 16.10.86, BMJ nº 360, pág. 534 e da RC de 23.03.96, CJ, 96, II, pág.24.