Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00036314 | ||
Relator: | CIPRIANO SILVA | ||
Descritores: | DECLARAÇÃO NEGOCIAL INTERPRETAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP200311240312915 | ||
Data do Acordão: | 11/24/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | T TRAB MATOSINHOS | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Obrigando-se a entidade empregador a pagar ao trabalhador determinada quantia líquida, é essa a quantia que lhe deve pagar, não podendo deduzir-lhe os descontos para a Segurança Social nem o IRS. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto H ......, por apenso à acção com processo comum que instaurou no Tribunal do Trabalho de Matosinhos contra R ................, S.A., deduziu contra este execução de sentença pedindo a nomeação à penhora dos veículos que identificou, o saldo, valores e títulos depositados ou a creditar nas contas bancárias que a executada possui no grupo BCP - Banco Comercial Português, S.A., com sede na Rua Júlio Dinis, n.º 705, no Porto. Alegou que, por sentença transitada em julgado, a executada obrigou-se a pagar-lhe o valor líquido de € 58.600 a título de compensação global, em 20 prestações de € 2.930 cada, vencendo-se a primeira no dia 1-12-2002 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes; que a executada pagou-lhe pontualmente a 1ª e a 2ª prestação, pelo valor líquido estipulado, mas a 3ª prestação que a executada lhe pagou foi apenas do valor líquido de € 1.775,23 e que procedeu a descontos de IRS e de Segurança Social do que lhe pagou, o que determinou a redução do valor líquido do cheque. O Mº Juiz proferiu despacho indeferindo liminarmente o requerimento executivo, dada a manifesta falta de fundamento. Inconformado com o despacho, dele agravou o exequente pedindo a sua revogação e o prosseguimento da execução. Contra-alegou a executada, defendendo o acerto da decisão recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. São os seguintes os factos com interesse para conhecimento do recurso: Em acordo realizado em acta de audiência de julgamento de 22-11-2002, cuja legalidade foi confirmada pelo Mº Juiz, as partes disseram: « 1º - o Autor reduz a quantia peticionada ao valor líquido de €58.600,00 que a Ré se obriga a pagar, a título de compensação global. 2º - o pagamento será efectuado em 20 prestações, sendo de 2.930,00 cada, vencendo-se a 1ª no dia 1-12-2002 e as restantes em igual dia de cada um dos meses subsequentes, por cheque a enviar para o escritório do Ilustre Mandatário do Autor. 3ª (...)». O direito No douto despacho recorrido pode ler-se: « (...) A questão de a quantia acordada ser líquida ou ilíquida não se coloca, porquanto, independentemente do acordado, as partes não ficaram desobrigadas do cumprimento das normas legais imperativas, nomeadamente no que respeita às obrigações fiscais. Ora, a Ex.da pagou por inteiro a prestação, embora como era sua obrigação legal, substituindo-se ao Ex.te no pagamento de impostos da responsabilidade deste. De resto, nem o Ex.te alega que os impostos retidos não sejam devidos, nem a este tribunal cabe tal decisão, questão que cabe à administração fiscal, sendo que, no caso de não serem devidos sempre o Ex.te poderá obter o seu reembolso (...)». Salvo o devido respeito, não concordamos com a fundamentação do Mº Juiz para o indeferimento liminar do requerimento executivo. Com efeito, nos termos do acordo já referido, a recorrida obrigou-se a pagar ao recorrido a quantia líquida de 58.600 euros, em 20 prestações e, é nítido que líquido significa livre de quaisquer encargos, inclusive, IRS e descontos para a Segurança Social. Ou seja, com aquele acordo a recorrida comprometeu-se a pagar, expensas suas, os referidos encargos que competiam ao recorrente. É este o sentido que mais se coordena com o preceituado no art. 236º do C. Civil, que segundo o seu n.º 1 «a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não poder razoavelmente contar com ele». E, tratando-se, como se trata no caso vertente, de declarações recepticias de vontade, mesmo que as partes não tivessem entendido do mesmo modo a declaração desconhecendo cada uma a vontade real da outra, a interpretação da declaração negocial tem de se fazer no sentido em que o declaratário normal colocado na sua posição podia e devia entender e não como pretende a recorrida, prevalecer o sentido menos gravoso para ela, nos termos do art. 237º do C.C. por isso que, o sentido menos gravoso a que se refere o artigo citado só tem razão de ser nos negócios gratuitos, o que não é o caso dos autos devendo, ao invés, prevalecer o sentido que conduzir ao maior equilíbrio das prestações, conforme o mesmo artigo. Conforme Mota Pinto in Teoria Geral do Direito Civil, 1980, pág. 421, “o art. 236º, n.2 representa a consagração legal do chamado “teoria da impressão do declaratário” teoria esta que entende que a declaração negocial deve ser interpretada, como um declaratário medianamente capaz, diligente e prudente a interpretaria, colocado na posição concreta do declaratário. Na interpretação das declarações de vontade serão atendiveis “todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e capaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta”. E salta à evidência que qualquer declaratária com as características referidas, mormente a própria recorrida, compreenderia que assumiu a responsabilidade de pagar uma quantia líquida que é sinónimo de quantia livre de quaisquer encargos, ou seja, que assumiu a responsabilidade de pagar os montantes referentes a imposto e descontos para a Segurança Social, o que a lei não proíbe. Contudo, o recurso não pode proceder como se verá. Nele é suscitado apenas a questão de saber se o recorrente pode exigir o pagamento das restantes prestações pelo facto da recorrida ter procedido aos mencionados descontos no pagamento da 3ª. Entendemos que o art. 781º do CC., segundo o qual, « se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas» não se aplica aqui porquanto a recorrida não deixou de pagar qualquer prestação, tendo-se limitado a proceder aos descontos já aludidos, indevidamente cremos. Por outro lado, o recorrente nem alegou que tivesse interpelado a recorrida sendo que, no caso previsto neste artigo, o credor tem de interpelar o devedor para exigir antecipadamente as prestações vincendas - cfr. Almeida Costa in Direito das Obrigações, 5ª edição, pág. 867. Assiste ao recorrente o direito ao reembolso das quantias descontadas na referida prestação, mas esta via não é a normal para o fazer. Pelo exposto, embora com fundamentos diferentes, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar o douto despacho recorrido. Custas pelo recorrente. 24-11-03 João Cipriano Silva José Carlos Dinis Machado da Silva Maria Fernanda Pereira Soares |