Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00042681 | ||
| Relator: | GUERRA BANHA | ||
| Descritores: | CONTRATO DE FINANCIAMENTO AQUISIÇÃO DE BENS A CRÉDITO TÍTULO EXECUTIVO | ||
| Nº do Documento: | RP200906022974/07.1TBGDM.P1 | ||
| Data do Acordão: | 06/02/2009 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | PROVIDO. | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO - LIVRO 314 - FLS 91. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - O contrato de financiamento para aquisição de bens a crédito constitui título executivo das prestações em dívida, em execução movida pela entidade financiadora contra o adquirente dos bens financiados, quando preenche os seguintes requisitos: 1) esteja formalizado por escrito e contenha a assinatura do beneficiário do crédito (o consumidor); 2) seja demonstrada por documento a entrega ao executado dos bens adquiridos através desse crédito; 3) seja comprovada por documento a entrega pelo financiador do montante do crédito concedido ao consumidor/comprador. II - Para efeitos de prosseguimento da execução, vale como comprovativo da entrega ao vendedor do montante do crédito, o «print» ou talão informático da operação bancária através da qual foi realizada a entrega da respectiva quantia. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 2974/07.1TBGDM.P1 Recurso de Agravo Autuado em 19-02-2009 Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto. I – RELATÓRIO 1. B……….., S.A., com sede na Rua ………., em Lisboa, instaurou, no Tribunal Judicial da comarca de Gondomar, acção executiva para pagamento de quantia certa contra C………. e D……….., residentes em ………., para obter o pagamento coercivo da quantia de € 1.641,80, acrescida de juros de mora calculados à taxa contratual até integral pagamento. Para servirem de título executivo à referida execução, juntou: 1) o documento a fls. 14, denominado “contrato de financiamento para aquisição a crédito” com o n.º ………, datado de 09-07-2003, contendo as assinaturas dos dois executados na qualidade de “clientes” beneficiários do crédito; 2) o documento a fls. 15, denominado “plano de amortização do empréstimo”, que constitui o anexo I daquele contrato; 3) o documento a fls. 66, contendo as assinaturas dos dois executados, em que estes declaram que receberam os bens informáticos cuja aquisição foi financiada pelo exequente e que figuram descritos na cópia da factura a fls. 67; 4) o documento a fls. 68, que constitui cópia de documento informático relativo ao “valor pago para o contrato ………”. Por despacho de 08-01-2008, a fls. 75-76, foi decidido indeferir liminarmente o requerimento executivo, com os seguintes fundamentos: «O exequente intentou a presente execução juntando como título executivo um contrato de financiamento. Resulta do disposto no artigo 46.º/1/c) do CPC que são títulos executivos os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético. Do normativo em apreço resulta que o título executivo, para a sua qualificação como tal, necessita, por si só, e embora de forma ilidível, de certificar a existência do direito que o exequente quer ver satisfeito (neste sentido, cfr J. Lebre de Freitas, Código de processo Civil Anotado, Volume I, p. 87). Ora, no caso concreto, não vemos que o título dado à execução tenha a virtualidade de certificar a existência do direito que o exequente quer ver satisfeito. De facto, o que resulta do contrato é que o exequente se compromete a conceder aos executados um crédito no montante de € 799,00; o que não se sabe face ao título é se efectivamente tal crédito foi disponibilizado aos executados. Perante o título, o que existe é uma obrigação de facere por parte do exequente, que não se confunde com a entrega efectiva de determinada quantia monetária à executada; e só na medida em que ocorrer a concretização da operação decorrente do contrato é que ocorre a obrigação de pagamento por parte da executada (neste sentido, cfr. Ac. RP, 09/03/2006, in http//www.dgsi.pt). Uma vez que não resulta do título junto que tal entrega tenha ocorrido, procedeu-se à notificação do exequente para juntar aos autos prova documental complementar de que a quantia referida no contrato foi efectivamente prestada (cfr. despacho de fls. 24). No entanto, o documento junto não é apto a constituir tal prova, uma vez que constituiu um mero "print" do exequente, o qual não tem a virtualidade de comprovar a entrega. Face ao exposto, concluímos que o documento junto não constitui título executivo, o que conduz ao indeferimento liminar do requerimento executivo (artigo 812.º/2/a) do CPC). Termos em que se decide indeferir liminarmente o requerimento executivo.» 2. Dessa decisão agravou a exequente, que extraiu das suas alegações as conclusões seguintes: a) O presente recurso de agravo vem interposto do despacho que indeferiu liminarmente o requerimento executivo por manifesta falta de título. b) Salvo o devido respeito, o douto Tribunal a quo fez uma errada aplicação das normas jurídicas aos factos alegados no requerimento executivo. c) O título executivo junto aos autos trata-se de um contrato de crédito ao consumo. d) O contrato de crédito ao consumo é definido como o contrato [pelo] qual o consumidor recebe do estabelecimento comercial ou prestador de serviço, o bem ou serviço, e o preço é pago directamente ao estabelecimento vendedor pelo concedente do crédito, tornando-se este credor do consumidor. e) No contrato de crédito ao consumo, junto aos autos estão identificadas as partes, o bem financiado, o montante financiado, o montante total a pagar, o número e montante de cada uma das prestações, além do contrato estar assinado pelos executados e pela financeira, pelo que constitui título executivo nos termos da al. c) do art. 46.º do Código do Processo Civil. f) Além disso a dívida exequenda mostra-se certa, exigível e líquida. g) Defende a jurisprudência que “constitui titulo executivo o documento representativo de um contrato de concessão de crédito ao consumo, no qual se encontra aposta a assinatura, no local correspondente ao nome do executado. Tal documento traduz o reconhecimento presuntivo de uma dívida, por parte do subscritor (mutuário), destinado directamente à aquisição de um bem. Valendo tal documento como título executivo, presume-se a exigibilidade e liquidez da obrigação dos executados; ao exequente mais não compete, relativamente à existência da obrigação, do que exibir o título executivo, pelo qual ela é constituída ou reconhecida” – Acórdão da Relação do Porto, de 17/05/2004, in www.dgsi.pt proc. n.º 0452592. h) Sendo também defendido que “o contrato de concessão de crédito (para consumo), em que o financiador proporciona ao consumidor crédito para aquisição de um bem junto de um estabelecimento comercial com o qual aquele celebrou protocolo de colaboração, e em que menciona o crédito concedido, o montante, o numero de prestações mensais e o seu montante constituí titulo executivo contra o consumidor (mutuário) que o subscreveu” – Acórdão da relação do Porto de 12/10/2000, Col. Jur. 2000-4.º-208. i) A recorrente na exposição dos factos do requerimento executivo, alegou os termos em que os executados se confessaram devedores à recorrente, o número das rendas vencidas e não pagas, bem como a cláusula contratual que prevê a aplicação de juros de mora e a comissão por despesas de comissão e gestão pelos créditos concedidos. Além disso alegou e juntou como documento a carta de interpelação enviada à executada a 29/05/2007. j) O meritíssimo juiz a quo entendeu convidar a exequente a comprovar documentalmente se a quantia referida no contrato foi efectivamente entregue à executada. k) Na sequência de tal despacho, a exequente veio juntar aos autos os documentos comprovativos do cumprimento da sua prestação. l) De acordo com a alínea a) da cláusula A das “Condições Gerais” do contrato, a exequente paga directamente ao fornecedor/vendedor o valor financiado, correspondente ao preço do bem adquirido, necessitando para tal que o cliente lhe confirme ter recebido o bem objecto do financiamento. m) Ora a exequente juntou aos autos a declaração assinada pelos executados na qual os mesmos declaram ter recebido o equipamento cuja aquisição foi financiada. n) A exequente juntou também a cópia da factura emitida pelo vendedor, com a descrição do equipamento adquirido pelos executados, e o valor da venda. o) Sucede que a exequente, enquanto sociedade financeira, procede ao pagamento aos vendedores, em nome do cliente dos contratos de financiamento, através de transferência bancária para a conta dos respectivos fornecedores. p) Ora, a exequente juntou aos autos um print informático do B1………., no qual consta que foi efectuado o pagamento para o contrato n.º ……… no valor de € 799, que corresponde ao valor dos bens cuja aquisição foi financiada. q) Além disso, a exequente juntou aos autos o Aviso de Recepção da carta de interpelação enviada á executada a 29/05/2007. r) Além disso, por força do art. 368.º do Código Civil “As reproduções fotográficas, os registos fonográficos e, de um modo geral, quaisquer outras reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão”. s) Os documentos juntos aos autos por si só implicariam um despacho diferente do proferido pelo juiz a quo. t) Consequentemente, o douto despacho [recorrido], ao indeferir o requerimento executivo por manifesta falta do titulo, viola a al. c) do art. 46.º, n.º 4 do art. 812.º, n.º 1 do art. 802.º e n.º 1 do art. 805.º do Código do Processo Civil. Não foram apresentadas contra-alegações. O Sr. Juiz manteve o despacho recorrido. 3. Ao presente recurso é ainda aplicável o regime processual anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, porquanto respeita a acção instaurada antes de 1 de Janeiro de 2008 (foi instaurada em 30-07-2007). E por força do disposto no n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, o regime introduzido por este diploma legal não se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2008 (art. 12.º do mesmo decreto-lei). De harmonia com as disposições contidas nos arts 684.º, n.ºs 2 e 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, são as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação que delimitam o objecto do recurso, sem prejuízo das questões de que, por lei, o tribunal deve conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela agravante, o objecto do recurso compreende, como única questão, apreciar se os documentos que a exequente apresentou para fundamentar o requerimento executivo reúnem os requisitos de exequibilidade exigidos pela al. c) do n.º 1 do art. 46.º do Código de Processo Civil. Assim, cumpridos os vistos legais, cabe decidir. II – FUNDAMENTOS DE FACTO 4. Relevam para o conhecimento do objecto do recurso os seguintes factos certificados nos presentes autos: 1) No requerimento executivo, a fls. 10, a exequente alegou que: «A) No exercício da sua actividade comercial, que é o financiamento da aquisição a crédito de bens e serviços, a exequente celebrou com os executados um Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito, contrato esse que teve o n.º ……… . B) Nos termos do referido contrato, a exequente acordou com os executados em financiar um equipamento informático. C) Em cumprimento do contrato, a exequente entregou ao vendedor, por conta dos executados, o montante de € 799. D) Na data de assinatura do contrato, os executados confessaram-se devedores à exequente da quantia de € 1.143. E) Nos termos das “Condições Particulares” do contrato, ficou acordado que o montante total a pagar pelos executados à exequente seria de € 1.143, montante esse a liquidar em 36 prestações de € 31,75, iguais e sucessivas. F) Sucede que os executados não pagaram à exequente 22 prestações vencidas até à data de 05/07/2006, no valor total de € 698,50. G) Nos termos do n.º 8 das “Condições Gerais” do contrato, ficou convencionado que sobre o montante total das prestações vencidas e não pagas, incidiriam juros de mora, comissão de gestão por créditos concedidos e despesas judicias, juros esses que, calculados até 13/06/2007, ascendem a € 943,30. H) Por carta de 29/05/2007, enviada para a morada constante do contrato, a exequente interpelou os executados para procederem ao pagamento da quantia de € 1.641,80, correspondente às prestações vencidas e não pagas, prestações vincendas e respectivos juros. Até há presente data, os executados não liquidaram a referida quantia em dívida, que ascende a € 1.641,80.» 2) Com o requerimento executivo, os agravantes juntaram os seguintes documentos: - O documento a fls. 14, denominado “Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito”, datado de 09-07-2003, contendo a identificação e as assinaturas dos ora executados C………. e D………., na qualidade de “outorgantes/clientes” beneficiários do financiamento, constando ainda do referido documento as seguintes menções: «Contrato n.º ………»; «Fornecedor: E………., Lda.»; «Condições Particulares: Equipamento Financiado: Bens informáticos – 799,00€; Condições de Pagamento: Montante financiado: 799,00€; Montante total a pagar: 1143,00€, em 36 prestações mensais de 31,75€ (cada prestação)». - O documento a fls. 15, denominado “Plano de Amortização do Empréstimo”, que constitui o anexo I do contrato referido em a). 3) Posteriormente, na sequência da notificação do despacho proferido a fls. 24, “para comprovar documentalmente que a quantia referida no contrato foi efectivamente entregue ao(s) executado(s)”, a exequente apresentou os documentos seguintes: - O documento a fls. 66, contendo as assinaturas dos dois executados, em que estes declaram que receberam os bens informáticos cuja aquisição foi financiada pela exequente; - O documento a fls. 67, que constitui cópia da factura n.º …….., emitida em 07-07-2003, por “E………., LDA”, em nome de C………., com vencimento em 15-07-2003, contendo a descrição do material informático vendido, pelo preço global de 799,00€ (IVA incluído). - O documento a fls. 68, que constitui cópia de documento informático, emitido pelo B1………., relativo a operação bancária designada “CB – Cobranças Normalizadas”, processada em 10-07-2003, e contendo a seguinte menção: “O valor pago para o contrato ……… foi de 799,00€”. Perante estes factos, importa apreciar o objecto do agravo. III – FUNDAMENTOS DE DIREITO 5. O recurso da agravante coloca, como questão essencial, apreciar quais os requisitos de exequibilidade do contrato de financiamento para aquisição a crédito ou contrato de concessão de crédito. Dito em termos mais concretos, trata-se de saber se os documentos apresentados pela exequente confirmam a existência da obrigação exequenda, aqui materializada na obrigação de os executados pagarem à exequente a quantia peticionada. 5.1. De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 45.º do Código de Processo Civil, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva. Segundo ARTUR ANSELMO DE CASTRO (em A acção executiva singular, comum e especial, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1977, p. 14), o título executivo é “o instrumento que é considerado condição necessário e suficiente da acção executiva”. É condição necessária porque sem ele não pode praticar-se nenhum dos actos em que se desenvolve a acção executiva; e é condição suficiente no sentido de que “na sua presença, seguir-se-á imediatamente a execução sem que se torne necessário efectuar qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere”. Isto porque o próprio título já contém a declaração ou “acertamento” desse direito e, consequentemente, contém a definição dos elementos subjectivos e objectivos da relação jurídica que é objecto da acção executiva (cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, em A acção executiva depois da reforma, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2004, p. 20-21 e 35). Esta especial relevância que a lei confere ao título executivo deriva da segurança tida por suficiente da existência do direito substantivo cuja reparação se pretende efectivar por via da acção executiva. Por conseguinte, “o fundamento substantivo da acção executiva é a própria obrigação exequenda, constituindo o título executivo o seu instrumento documental legal de demonstração. Ele constitui, para fins executivos, condição da acção executiva e a prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fáctico-jurídicas, assumindo, por isso, autonomia em relação à realidade que envolve” (cfr. o ac. do STJ de 17-04-2008 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 08B1052). Neste sentido, o título executivo é, no dizer do ac. do STJ de 19-02-2009 (em www.dgsi.pt(jstj.nsf/ proc. n.º 07B4427), “o invólucro sem o qual não é possível executar a pretensão ou o direito que está dentro. Sem invólucro não há execução, embora aquilo que vai realizar-se coactivamente não seja o invólucro mas o que está dentro dele”. Quer isto dizer que é pelo conteúdo do título que se há-de determinar qual o objecto da execução e quem pode ser executado (arts. 45.º, n.º 1, e 55.º, n.º 1, do CPC). Que é o mesmo que dizer que prestação ou prestações podem ser coercivamente exigidas e de quem. O que impõe a apreciação em concreto dos requisitos de exequibilidade dos documentos que constituem o título executivo. 5.2. Como já ficou dito, a presente execução destina-se a obter o pagamento de uma quantia determinada. O título executivo que lhe serve de base é constituído por um contrato de financiamento para aquisição de material informático a crédito, reduzido à forma escrita e devidamente assinado pelos dois executados na qualidade de beneficiários do crédito, complementado pelos seguintes documentos: um documento contendo o “plano de amortização do empréstimo” em 36 prestações mensais, nos termos acordados naquele contrato; cópia de uma factura emitida pela entidade fornecedora do equipamento informático, contendo a descrição desse equipamento e o respectivo preço; uma declaração escrita e assinada pelos executados em que estes declaram que receberam os bens informáticos cuja aquisição foi financiada pela exequente; e cópia de documento informático emitido por entidade bancária relativo à operação (transferência) que realizou o pagamento à entidade vendedora do valor dos bens informáticos adquiridos pelos executados. Trata-se, pois, de um título executivo constituído por documentos particulares e de feição complexa, na medida em que é integrado por vários elementos documentais, complementares entre si. O n.º 1 do art. 46.º do Código de Processo Civil prescreve que apenas podem servir de base à execução os títulos enumerados nas respectivas alíneas. O que quer dizer que essa enumeração é taxativa. E, portanto, só são exequíveis os documentos que se enquadrem em alguma das espécies de títulos aí enumeradas. Entre as espécies de títulos executivos aí enumeradas constam, sob a al. c), na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08/03, aqui aplicável, “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto”. Exige, assim, a lei, como requisitos de exequibilidade dos documentos particulares, que deles conste a obrigação de pagamento de uma quantia determinada ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de entrega de coisa ou de prestação de facto (requisito de fundo ou substancial), e que esses documentos estejam assinados pelo devedor (requisito formal) – cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, em A Acção Executiva (depois da reforma), 4.ª edição, Coimbra Editora, 2004, p. 57-58. Neste caso, está em causa o cumprimento de uma obrigação pecuniária. Que consta e está definida no contrato apresentado à execução, no qual os ora executados se declararam devedores da quantia global de 1143,00€ e se comprometeram a pagar em 36 prestações mensais de 31,75€ cada prestação. E referindo-se o requerimento executivo a 22 prestações não pagas, o montante da dívida exequenda é determinável por simples cálculo aritmético (31,75€ x 22). O que cabe no âmbito da al. c) do n.º 1 do art. 46.º do Código de Processo Civil. Acresce que o documento em causa está assinado pelos dois executados. Assim observando os dois requisitos previstos na citada disposição legal. 5.3. O contrato de financiamento para aquisição de bens a crédito mais não é do que um contrato de crédito ao consumo, regulado pelo Decreto-Lei n.º 359/91, de 21/09. O qual, na definição dada pela al. a) do n.º 1 do art. 2.º do referido decreto-lei, é “o contrato por meio do qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante”, para aquisição de bens ou serviços. A exequibilidade deste contrato é consensualmente aceite na doutrina e na jurisprudência quando preencha os seguintes requisitos, que decorrem da compatibilização da norma da al. c) do n.º 1 do art. 46.º do Código de Processo Civil com os requisitos formais do contrato a que alude o art. 6.º do Decreto-Lei n.º 359/91: 1) que esteja formalizado por escrito e contenha a assinatura do beneficiário do crédito (o consumidor), como exige o n.º 1 do art. 6.º do Decreto-Lei n.º 359/91; 2) que seja demonstrada, por via documental, a aquisição e consequente entrega ao executado dos bens financiados; 3) que seja comprovada por documento a entrega pelo financiador do montante do crédito ao vendedor. Em sentido convergente concluíram, para além dos acórdãos mencionados pela recorrente, os acórdãos desta Relação de 02-03-2000, 13-04-2000 e 13-05-2003, todos em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ procs. n.º 0030287, 0050327 e 0321805, e o acórdão da Relação de Lisboa de 07-04-2008, em www.dgsi.pt/jtrl.nsf/ proc. n.º 1832/2008-8. E é também este o entendimento expresso por FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, em Contratos de Crédito ao Consumo, Almedina, 2007, p. 212. 5.4. Sucede que o despacho recorrido não diverge deste entendimento, já que aceitou o princípio de que o contrato apresentado pela exequente pode valer como título executivo, desde que acompanhado do comprovativo da entrega do crédito aos executados. E foi apenas quanto à falta deste último comprovativo que motivou a decisão de indeferimento liminar do requerimento executivo. Ora, de tal interpretação discordou a exequente, e com razão, porquanto, neste tipo de contrato, o montante do crédito não se destina a ser entregue ao consumidor, mas ao vendedor dos bens por ele (consumidor) adquiridos. Trata-se de uma situação em que o contrato de concessão de crédito está funcionalmente associado a um contrato de compra e venda de bens de consumo: o crédito serve para financiar o pagamento dos bens cuja aquisição é objecto do contrato de compra e venda (cfr. ac. do STJ de 14-02-2008, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 08B074; ac. da Relação do Porto de 29-06-2006, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 0633128; e ac. da Relação de Lisboa de 02-11-2006, em www.dgsi.pt/jtrl.nsf/ proc. n.º 8956/2006-6). Aliás, essa relação de interdependência entre os dois contratos está bem patente no regime do contrato de crédito ao consumo, designadamente nos arts. 6.º, n.º 3, 7.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 359/91. Por força dos dois referidos contratos, estabelece-se uma relação tripartida entre o vendedor, o comprador e a entidade financiadora, em que: 1) a entidade financiadora entrega ao vendedor dos bens o montante do crédito acordado com o consumidor, para pagamento do preço dos bens objecto da compra e venda; 2) o vendedor entrega ao consumidor os bens adquiridos; 3) e o consumidor compromete-se a pagar ao financiador o montante do crédito, nas condições entre si acordados. No âmbito destas relações a três, não faz sentido que o tribunal exija ao financiador o comprovativo da entrega do montante do crédito ao executado. O que faz sentido é que se exija os comprovativos da entrega do crédito ao vendedor e da entrega dos bens ao consumidor/executado. Ora, como consta supra, a exequente entregou, para além do contrato de financiamento contendo as assinaturas dos executados e como complemento deste, os seguintes documentos: 1) uma declaração também assinada pelos dois executados, que consta a fls. 66, em que estes declaram que receberam os bens informáticos cuja aquisição foi financiada pela exequente; 2) uma cópia da factura emitida pelo vendedor, a fls. 67, com a descrição desses bens e o respectivo preço; 3) e uma cópia de documento informático, emitido pelo B1………., relativo a operação bancária designada “CB – Cobranças Normalizadas”, processada em 10-07-2003, e contendo a seguinte menção: “O valor pago para o contrato ……… foi de 799,00€”, que consta a fls. 68. No despacho de indeferimento, o Sr. Juiz considerou que este último documento “não é apto a constituir tal prova, uma vez que constitui um mero «print» do exequente, o qual não tem a virtualidade de comprovar a entrega”. É sabido que, actualmente, a generalidade deste tipo de operações bancárias são realizadas por meios informáticos, valendo como comprovativo o «print» ou talão informático da respectiva operação. Acresce que, no caso, a exequente esclareceu, no requerimento de junção daqueles documentos, que a entrega do crédito foi feita por “transferência bancária”, nos termos que consta demonstrado no dito «print». A este esclarecimento pode acrescentar-se ainda que, segundo o que está alegado no requerimento executivo, os executados já terão pago 14 das 36 prestações acordadas para a amortização integral do crédito, respeitando a dívida exequenda às restantes 22 prestações que deixaram de pagar. Ora, o pagamento das primeiras 14 prestações também pressupõe o reconhecimento pelos executados do crédito da exequente e da consequente obrigação de o pagar. E se algum elemento enunciado no requerimento executivo não estiver conforme à verdade, fica sempre em aberto aos executados o direito de oposição. É, pois, a nosso ver, excessivo e injustificável o indeferimento liminar do requerimento executivo fundado em mera razão formal sobre o documento que identifica a operação da entrega do montante do crédito ao vendedor. O que nos leva a concluir que os documentos apresentados pela exequente constituem título executivo bastante para o pagamento da quantia de 698,50€, correspondente ao valor das 22 prestações em dívida, à razão de 31,75€ cada prestação, nos termos alegados sob a al. F) do requerimento executivo, e respectivos juros de mora (art. 46.º, n.º 2, do CPC). 5.5. O que nos parece causar dúvidas é a proveniência (cálculo) da quantia de € 943,30 referida na al. G) do requerimento executivo, designadamente se tal quantia respeita apenas a juros de mora sobre o valor das prestações em dívida, e, na afirmativa, como foram calculados, dado que a exequente não apresentou, e deveria apresentar, o desenvolvimento ou demonstração do cálculo que conduziu a esse montante. Trata-se, porém, de questão que ainda não foi apreciada pelo tribunal e 1.ª instância. E não tendo constituído objecto de pronúncia no despacho recorrido, fica fora do objecto do recurso e do poder de conhecimento deste tribunal (art. 676.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). 6. Sumariando: 1 - O contrato de financiamento para aquisição de bens a crédito constitui título executivo das prestações em dívida, em execução movida pela entidade financiadora contra o adquirente dos bens financiados, quando preenche os seguintes requisitos: 1) esteja formalizado por escrito e contenha a assinatura do beneficiário do crédito (o consumidor); 2) seja demonstrada por documento a entrega ao executado dos bens adquiridos através desse crédito; 3) seja comprovada por documento a entrega pelo financiador do montante do crédito concedido ao consumidor/comprador. 2 - Para efeitos de prosseguimento da execução, vale como comprovativo da entrega ao vendedor do montante do crédito, o «print» ou talão informático da operação bancária através da qual foi realizada a entrega da respectiva quantia. IV – DECISÃO Pelo exposto, concedendo provimento ao agravo: 1) Revoga-se o despacho recorrido e determina-se que seja substituído outro que, se nenhum outro motivo impeditivo for encontrado, ordene o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de 698,50€, correspondente ao valor das 22 prestações em dívida, à razão de 31,75€ cada prestação, nos termos alegados sob a al. F) do requerimento executivo, acrescida dos respectivos juros de mora e outros acréscimos previstos no contrato de financiamento. 2) Custas pelo devedor das custas da execução e na mesma proporção (arts. 446.º, n.ºs 1 e 2, e 455.º do Código de Processo Civil). * Relação do Porto, 02-06-2009 António Guerra Banha Anabela Dias da Silva Maria do Carmo Domingues |