Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0416017
Nº Convencional: JTRP00037960
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: SUBSÍDIO
TRABALHO SUPLEMENTAR
FÉRIAS
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
Nº do Documento: RP200504180416017
Data do Acordão: 04/18/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: I - A retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem ao serviço efectivo, pelo que a mesma compreende todos os suplementos ou complementos salariais auferidos pelo trabalhador que integrem a sua retribuição, incluindo o subsídio de agente único.
II - A partir da entrada em vigor do Dec. Lei 88/96, que atribuiu a todos os trabalhadores o direito ao subsídio de Natal, de valor igual a um mês de retribuição, também o referido subsídio de agente único deve integrar o subsídio de Natal.
II - Deve integrar a remuneração de férias e respectivo subsídio, a média das remunerações auferidas pelo trabalhador, a título de trabalho suplementar, nos 12 meses de trabalho anteriormente prestado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
B.......... instaurou no Tribunal do Trabalho de Guimarães contra C.........., acção emergente de contrato de trabalho pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 20.757,96 e juros legais a contar da citação.
Fundamenta o Autor o seu pedido no facto de ter sido admitido ao serviço da empresa D.......... para exercer as funções de motorista de veículos pesados de transporte de passageiros, funções que passou a exercer para a Ré, a partir de 1.1.02, mantendo todos os direitos que adquiriu na empresa anterior. Acontece que o Autor sempre cumpriu o seu período normal de trabalho em regime de agente único, ou seja, não acompanhado de cobrador - bilheteiro, sendo certo que a Ré, e também a sua anterior entidade patronal, nunca lhe pagaram o estabelecido na cl. 16 nº3 do CCTV aplicável, reclamando, assim, as diferenças verificadas no pagamento do dito subsídio no período compreendido entre Janeiro de 1992 a Novembro de 2003, e também nas férias e subsídios de férias e de natal referentes aos anos de 1992 a 2003. Alega ainda o Autor ter prestado trabalho suplementar nos anos de 1992 a 2003 e não lhe ter sido concedido o respectivo descanso compensatório, reclamando o seu pagamento pelo não gozo, bem como a integração da remuneração por trabalho suplementar nas férias, subsídios de férias e natal.
A Ré contestou alegando que o Autor não tem direito ás prestações que reclama a título de diferenças no subsídio de agente único e sua inclusão nas férias, subsídios de férias e de natal.
Procedeu-se a julgamento, consignou-se a matéria dada como provada e foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e a condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 10.888,39 acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
A Ré veio recorrer da sentença - na parte em que julgou procedente a acção relativamente à integração das médias dos valores auferidos a título de agente único e de trabalho suplementar nas férias, subsídios de férias e de natal respeitantes aos anos de 1992 a 2003 - pedindo a sua revogação, e para tal formula as seguintes conclusões:
1. Nos termos do CCTV aplicável - cl.45 - o Autor teria direito a um subsídio de natal correspondente a um mês de retribuição.
2. A cl.39 do mesmo CCTV remete o conceito de retribuição para o conceito de retribuição de base.
3. Até 2002 foi prática constante da totalidade das empresas do sector, não fazer integrar, quer o trabalho suplementar quer o subsídio de agente único no cômputo do subsídio de natal.
4. Só em 2001 tal prática começou a ser alterada, por força da negociação da alteração ao CCT com o Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários e Afins - SITRA - no sentido de o subsídio de agente único passar a ser pago a 14 meses, de forma faseada e sem efeitos retroactivos.
5. O sindicato a que pertence o Autor não logrou alcançar idêntico acordo.
6. À luz da vontade das partes que negociaram o CCTV, bem como da prática e usos das empresas do sector ao longo do tempo, resulta inequívoco o entendimento que o subsídio de natal seria definido por um cálculo assente na remuneração base.
7. Os quantitativos a perceber por força da realização de trabalho em regime de agente único ou de trabalho suplementar dependem da prestação efectiva de trabalho nessa qualidade.
8. Traduzem, nessa medida e pela sua própria natureza, prestações irregulares, variáveis, não integrando o conceito de retribuição para efeitos de cálculo do valor remuneratório de férias e respectivo subsídio.
O Autor veio recorrer subordinadamente pedindo a revogação da sentença na parte que julgou improcedente o pedido de pagamento do subsídio de agente único e para tal formula as seguintes conclusões:
1. Ficou demonstrado nos autos que o Autor aderiu ao estatuto de agente único que a Ré lhe propôs desde a data de admissão na empresa recorrida.
2. Em face dessa adesão o Autor presta diariamente serviço para a Ré com aquele estatuto de agente único.
3. Por isso não é indispensável averiguar as horas praticadas em tal regime, porquanto a qualidade de agente único e o estatuto que daí advém para o praticante que aderiu, confere-lhe o direito a receber a percentagem de 25% sobre a sua retribuição normal.
4. A sentença violou o estabelecido na Convenção Colectiva de Trabalho e também o art.82 da LCT.
A Ré contra alegou pugnando pela improcedência do recurso do Autor.
A Exma. Procuradora da República junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de os recursos improcederem.
Admitidos os recursos e corridos os vistos cumpre decidir.
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II
Matéria dada como provada pelo Tribunal a quo.
Porque a matéria dada como provada não foi impugnada e dado que no caso não há lugar à sua alteração, ao abrigo do art.713 nº6 do CPC., remete-se, nesta parte, para os termos da decisão da 1ª instância.
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Recurso principal.
Questões a apreciar.
1. Se o subsídio de agente único deve ser integrado no cálculo da retribuição devida a título de férias, subsídios de férias e de natal.
2. Se o trabalho suplementar deve ser integrado no cálculo da retribuição devida a título de férias, subsídios de férias e de natal.
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IV
Se o subsídio de agente único deve integrar o cálculo da retribuição de férias, subsídios de férias e de natal.
Na sentença recorrida concluiu-se que o subsídio de agente único pago ao Autor é feito com carácter de regularidade e continuidade e como tal deve integrar as férias, subsídios de férias e de natal, atento o disposto no art.6 do DL 874/76 de 28.12 e art.2 do DL 88/96 de 3.7.
A recorrente defende que face ao teor das cls. 45 e 39 do CCTV aplicável o subsídio de natal corresponde a um mês de retribuição de base, e que dependendo a realização de trabalho em regime de agente único da prestação efectiva de trabalho, o dito subsídio é uma prestação irregular e variável, não integrando o conceito de retribuição.
Analisemos então.
A. Se o subsídio de agente único deve integrar o cálculo da retribuição devida a título de férias e subsídio de férias.
Nos termos do art.6 nº1 e 2 do DL 874/76 de 28.12 «a retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo»...«os trabalhadores têm direito a um subsídio de férias de montante igual ao dessa retribuição».
O STJ tem entendido, uniformemente, que provado que os suplementos ou complementos salariais auferidos pelo trabalhador integram a sua retribuição, para efeitos do disposto no art.82 nº2 da LCT, os mesmos «relevam para o cômputo da remuneração de férias e respectivo subsídio e para o subsídio de natal, nos termos do art.6 nºs.1 e 2 do DL.874/76 de 28.12, e do art.2 nº1 do DL.88/96 de 3.7, respectivamente» - acórdão do STJ de 18.6.03, publicado nos Sumários de Acórdãos do STJ, nº71, p.109 (e também acórdãos do STJ de 19.2.03, de 19.2.03, de 19.3.03 e de 8.7.03, publicados nos Sumários de Acórdãos do STJ nºs. 68 p.118, 68 p.120, 69 p.92 e 73 p.176, respectivamente, e ainda o acórdão do STJ de 24.4.02, na C.J. acórdãos do STJ, ano 2002, tomo II, p.253, este último versando a questão em apreço).
E não se vê razão para não seguir tal entendimento.
Acresce que o DL 874/76 tem carácter imperativo e prevalece sobre as cls. do CCT quando estas estabelecerem regime menos favorável.
Assim, tem o Autor direito a receber nas férias e subsídio de férias o subsídio de agente único atento o disposto no art.6 do DL 874/76.
B. Se o subsídio de agente único deve integrar o subsídio de natal.
O DL 88/96 de 3.7 veio instituir o subsídio de natal para a generalidade dos trabalhadores, sem prejuízo daqueles que estão abrangidos por instrumentos de regulamentação colectiva que prevejam a concessão do dito subsídio. Mas neste caso, se o subsídio é inferior ao montante previsto no DL 88/96 prevalecerá este na parte relativa ao seu montante - art.1.
Tal significa que até à publicação do DL 88/96 o subsídio de natal será pago de acordo com o estipulado nas convenções colectivas por inexistência de regulamentação imperativa neste particular.
Logo, e não dispondo a lei retroactivamente, mas para o futuro - art.12 do CC. - há que aplicar apenas as regras impostas nas convenções colectivas, no caso, o CCT, mais precisamente a cl.45ª.
Tal clª. Dispõe que «todos os trabalhadores abrangidos por este CCTV têm direito a um subsídio correspondente a um mês de retribuição»...
Ora, na referida clª. empregou-se a expressão «retribuição», a significar, na falta de outros elementos interpretativos, que as partes quiseram abranger todos os componentes que a integram tal como vem definida no art.82 da LCT.
Assim sendo, conclui-se que mesmo antes da publicação do DL 88/96 já o Autor tinha direito a receber no subsídio de natal o dito complemento salarial - o subsídio de agente único.
A partir do DL 88/96 então há que ter em conta o disposto no seu art.2 nº1:«os trabalhadores têm direito a subsídio de natal de valor igual a um mês de retribuição»..., a significar que o montante do subsídio de natal «é equivalente ao que recebe o trabalhador em cada um dos 12 meses do ano, tudo se passando como se ao 12º se seguisse um 13º mês, recebendo neste o que lhe é pago naquele» - Jorge Leite, Questões Laborais, ano III, 1996, nº8, p.215.
Por isso, tem o Autor direito a ver incluído no subsídio de natal o montante devido a título de subsídio de agente único.
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V
Se o trabalho suplementar deve integrar o cálculo da remuneração de férias, subsídios de férias e de natal.
Tendo em conta a matéria provada o Tribunal a quo considerou que o trabalho suplementar prestado pelo Autor deverá integrar as férias, subsídios de férias e de natal.
A recorrente entende o contrário por o trabalho suplementar depender da efectiva prestação do trabalho, sendo uma prestação irregular e variável, não integrando, assim, o conceito de retribuição. Que dizer?
Nos termos do art.86 da LCT «não se considera retribuição a remuneração por trabalho extraordinário, salvo quando se deva entender que integra a retribuição do trabalhador».
Comentando tal preceito legal diz-nos Monteiro Fernandes o seguinte:...«no tocante ao trabalho suplementar, a remuneração acrescida pode ser ou não computada no salário global conforme se verifique ou não a regularidade do recurso a horas suplementares de serviço» - Direito do Trabalho, vol. I, 7ª edição, p.364.
Também Menezes Cordeiro refere ...«deve ser feita a distinção entre o maior trabalho efectivo, isto é, aquele que surge de modo inabitual ou não foi procurado pelas partes quando celebraram o contrato, ou que não é permanente, e que obriga de facto a entidade empregadora a um pagamento também suplementar, e o trabalho regular. Neste último caso, a retribuição surge como um complemento á retribuição de base e não como verdadeira retribuição por maior trabalho» - Manual de Direito do Trabalho, p.727 e 728.
Tudo ponderando, e conjugando a matéria dada como provada - em especial a referida nos nºs.8, 14, 16 a 27 -, verifica-se que o Autor prestou trabalho suplementar durante todos os anos que esteve ao serviço da empresa D.......... e da Ré, e que lhe foi pago mensalmente a retribuição devida a esse título.
E se assim é, e tendo em conta o disposto nos DL 874/76 e 88/96 há que concluir que o Autor tem direito a receber nas férias e nos subsídios de férias e natal a média desses valores, calculada pelos 12 meses de trabalho anterior.
Aliás, analisando a contestação verifica-se que a Ré nada referiu quanto á questão em apreço, não tendo impugnado a integração da retribuição por trabalho suplementar no cálculo das férias, subsídios de férias e de natal.
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VI
Recurso subordinado.
Questão a apreciar.
Se o cálculo do subsídio de agente único deve ser feito com base na percentagem de 25% sobre a retribuição normal do Autor.
O Autor veio reclamar, a título de diferenças no pagamento de subsídio de agente único, o valor correspondente a 25% da totalidade da sua remuneração mensal, alegando que com a extinção do quadro dos cobradores - bilheteiros o mesmo passou a cumprir a totalidade do seu período normal de trabalho em regime de agente único.
A Ré defende que atento o teor da cl.16 nº3 do CCTV deveria o Autor ter alegado o número de horas diárias de «serviço efectivo» executado na qualidade de agente único - o que não fez -, sendo certo que a sua prestação de trabalho normal não é integralmente preenchida no regime de agente único.
O Mmo. Juiz a quo considerou que o Autor não tem direito à dita percentagem de 25% sobre a retribuição normal por o mesmo não ter alegado e provado o número de horas de serviço prestado em regime de agente único.
O Autor, no recurso subordinado, veio defender que estando provado que o mesmo sempre trabalhou no regime de agente único, tal é suficiente para se concluir que tem direito a auferir a percentagem de 25% sobre a sua retribuição normal. Que dizer?
Nos termos da cl.16 nº3 do CCTV aplicável ao caso - publicado no BTE nº8 de 29.2.80 e nº14 de 15.5.82 -, todos os motoristas de veículos pesados de serviço público que trabalhem em regime de agente único «será atribuído um subsídio especial de 25% sobre a remuneração da hora normal, durante o tempo efectivo de serviço prestado naquela qualidade, com um pagamento mínimo correspondente a 4 horas de trabalho diário nessa situação».
Sobre a interpretação da clª em análise já este Tribunal se pronunciou no acórdão de 8.7.02 proferido no processo 427/02 da 4ª secção, que passámos a transcrever na parte que interessa:...«o subsídio especial pelo exercício de funções em regime de agente único só é devido em relação ao tempo efectivo de serviço prestado naquela qualidade. Deve, por isso, ser calculado em função do número efectivo de horas prestado naquele regime. A situação não se altera, mesmo que o motorista preste a sua actividade a tempo inteiro naquele regime, uma vez que há que levar em conta as faltas ao serviço, as férias, as baixas por doença, etc. O trabalhador terá, por isso, de alegar e provar o número exacto de horas em que trabalhou no regime de agente único, por se tratar de facto constitutivo do seu direito ao subsídio»....
Também é essa a posição do STJ - ac. de 24.2.02 na CJ, acórdãos do STJ, ano 2002, tomo 2, p.253.
Ora, e sufragando a posição assumida nos referidos acórdãos, e não tendo o Autor alegado e provado o número exacto de horas que trabalhou no regime de agente único, independentemente de o fazer a tempo inteiro, nenhum reparo merece a sentença recorrida ao ter julgado improcedente o pedido nesta parte.
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Termos em que se julga os recursos - principal e subordinado - improcedentes e se confirma a sentença recorrida.
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Custas do recurso principal a cargo da Ré.
Custas do recurso subordinado a cargo do Autor.
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Porto, 18 de Abril de 2005
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Domingos José de Morais