Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00041831 | ||
Relator: | DEOLINDA VARÃO | ||
Descritores: | EXECUÇÃO PRINCÍPIO DO CUMPRIMENTO EXECUÇÃO POR EQUIVALENTE PRESTAÇÃO FACTO NEGATIVO EXECUÇÃO ESPECÍFICA INDEMNIZAÇÃO DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
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Nº do Documento: | RP200810160833700 | ||
Data do Acordão: | 10/16/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 772 - FLS 156. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – No domínio do direito das obrigações, deve ser dada prioridade ao princípio do cumprimento sobre a via residual e sucedânea da execução por equivalente. II – Como resulta do regime da execução para prestação de facto, maxime, da execução para prestação de facto negativo, o processo executivo é inapto para garantir a actuação específica da condenação por cumprimento de prestação de facto infungível, dado o limite natural da infungibilidade da prestação e a impossibilidade de substituição do devedor inadimplente. III – No art. 829º do CC apenas se permite a execução específica da prestação de facto negativo quando a violação da obrigação negativa é feita através da construção de uma obra, ou seja, quando existe um resultado material sobre o qual o tribunal pode actuar, fazendo demolir a obra por terceiro à custa do devedor, não tendo a lei querido alargar a possibilidade de execução específica a situações que impliquem a utilização de coerção pessoal sobre o devedor, que o nosso sistema jurídico não admite. IV – A indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da violação de prestação de facto negativo não pode ser obtida na “execução para prestação de facto”, antes impondo a instauração de execução para pagamento de quantia certa, com liquidação prévia, (no caso) nos termos dos arts. 805º e segs. do CPC na redacção anterior à introduzida pelo DL nº 38/03, de 08.03. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 3700/08 – 3ª Secção (Agravo) Rel. Deolinda Varão (311) Adj. Des. Freitas Vieira Adj. Des. Madeira Pinto Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. B………. e mulher C………. instauraram execução para prestação de facto, com fundamento em sentença, contra D………. e mulher E………. e contra F………., LDª. No requerimento inicial da execução, os exequentes requereram que: A) Se procedesse a perícia; B) Para o caso de se verificar a violação da prática da actividade industrial vedada pela sentença, fosse ordenado o encerramento do estabelecimento instalado na fracção autónoma J e fossem removidos os elementos desse estabelecimento afectos a essa proibida actividade industrial do ramo da fabricação de produtos de pastelaria e doçaria; C) A condenação dos executados em indemnização não inferior ao montante de € 8.500,00 por danos não patrimoniais resultantes da laboração do estabelecimento em causa. Foi realizada perícia, na qual se concluiu que os executados mantinham em laboração o estabelecimento comercial supra referido. Foi então proferido despacho que fixou a indemnização a pagar pelos executados aos exequentes em € 2.493,99 e, considerando não poder haver lugar à prestação do facto, ordenou que a execução prosseguisse os termos subsequentes convertida em execução para pagamento de quantia certa. Os exequentes recorreram, formulando as seguintes Conclusões …………………………………… …………………………………… …………………………………… Não foram apresentadas contra-alegações. O Mº Juiz sustentou o despacho. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II.Os elementos com interesse para a decisão do recurso são os que constam do ponto anterior e ainda os seguintes (que resultam da certidão junta aos autos): Na acção declarativa de que os presentes autos são dependência, os autores haviam pedido a condenação dos réus a: A) Cessar de imediato a actividade industrial do ramo da indústria de fabricação de pastelaria e doçaria, instalados na fracção J; B) Retirar imediatamente o aludido estabelecimento industrial do ramo de fabricação de pastelaria e doçaria, instalados nessa mesma fracção J) e os elementos que a compõem; C) Ou, caso assim não se entenda, proceder às necessárias e adequadas obras de insonorização e isolamento dessa mesma fracção, de modo a que os autores não sintam qualquer barulho ou vibração resultantes do funcionamento do estabelecimento explorado na dita fracção; D) Indemnizar os autores por todos os danos verificados e a verificarem-se na sua saúde e bem estar, quer físicos quer psíquicos, como consequência da laboração do referido estabelecimento industrial, e cujo apuramento do montante global dos referidos danos se relega para execução de sentença. Na sentença exequenda, decidiu-se, além do mais: A) (…); B) Condenar os réus a cessarem de imediato a actividade industrial exercida na fracção J, consistente na fabricação de produtos de pastelaria e doçaria, de molde a não darem a tal fracção fim diferente daquele que consta no título constitutivo da propriedade horizontal; C) Condenar os réus a pagar aos autores a indemnização atinente aos danos não patrimoniais causados a estes em virtude do ruído/barulho e vibrações causados pela actividade industrial exercida na fracção J) (e dados como provados na presente sentença), a liquidar em execução de sentença, ao abrigo do disposto no artº 661º, nº 2 do CPC; D) Absolver os réus do demais pedido. * III.As questões a decidir – delimitadas pelas conclusões da alegação dos agravantes (artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC) – são as seguintes: - Se na presente execução é possível proceder à remoção dos elementos que compõem o estabelecimento comercial dos executados ou ao encerramento deste; - Se deve ser fixada indemnização por danos não patrimoniais. 1. Remoção dos elementos que compõem o estabelecimento ou encerramento deste A prestação debitória pode revestir diversas variantes ou modalidades, interessando-nos aqui precisar os conceitos de prestação de facto positivo e negativo e de prestação fungível e infungível. A prestação de facto é aquela cujo objecto se esgota num facto, podendo ser positiva ou negativa consoante se traduz numa acção (num comportamento de sinal positivo) ou numa abstenção, omissão ou mera tolerância. Dentro da categoria da prestação de facto negativa, nota-se ainda a existência de duas variantes distintas. Nuns casos, o devedor compromete-se apenas a não fazer (non facere); noutros, o devedor fica apenas obrigado a consentir ou tolerar (pati) que outrem (o credor) pratique alguns actos a que, de contrário, não teria direito[1]. O conteúdo positivo ou negativo da prestação pode decorrer da lei ou da vontade das partes (cfr. artº 398º, nº 1 do CC). A prestação diz-se fungível quando pode ser realizada por pessoa diferente do devedor, sem prejuízo do interesse do credor, e será infungível no caso inverso. A fungibilidade aparece consagrada como regra no artº 767º, nº 2 do CC, que apenas ressalva os casos em que expressamente se tenha acordado em que a prestação deva ser feita pelo devedor (não fungibilidade convencional) ou em que a substituição prejudique o credor (não fungibilidade fundada na natureza da prestação)[2]. É nas prestações de facto que a distinção entre prestações fungíveis e não fungíveis tem verdadeiro interesse e o seu principal campo de aplicação, revelando o seu alcance prático, maxime, no caso de incumprimento, e, em consequência, reflectindo-se no regime da acção executiva[3]. O artº 1º do CPC proíbe a auto-defesa. Em consequência, o artº 2º do mesmo Diploma garante o acesso aos tribunais, num duplo sentido: atribui o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo; faz corresponder a todo o direito substantivo um direito de acção – salvo quando a lei diga o contrário. O titular do direito lesado ou simplesmente ameaçado pode fazê-lo reconhecer ou declarar judicialmente ou obter mesmo a sua realização coactiva (cfr. artºs 817º e seguintes do CC). Relativamente aos direitos de crédito, as formas mais importantes de que o credor, nesses momentos de crise da relação obrigacional, pode socorrer-se perante os órgãos judiciários, como instrumento do Estado, são a acção de cumprimento e a execução (cfr. a epígrafe da subsecção que encabeça o citado artº 817º do CC)[4]. Em rigor, pode falar-se apenas em realização coactiva da prestação, ou seja, em cumprimento coercivo, forçado da prestação inicial, quando o devedor é condenado numa acção declarativa e cumpre (de forma voluntária, mas não espontânea, e, por isso, forçada) ou quando, na acção executiva, o devedor paga a quantia, entrega a coisa ou presta o facto, voluntariamente, ainda que sob a cominação iminente da penhora[5]. Configuração própria tem a chamada execução específica, que tem em comum com a realização coactiva da prestação a circunstância de proporcionar ao credor a obtenção da prestação devida (ou, pelo menos, o resultado da prestação devida). Mas distingue-se dela pelo facto de a prestação não ser realizada pelo devedor, ou por terceiro em lugar dele, mas pelo próprio tribunal (que apreende e entrega a coisa devida ao credor, que substitui o promitente faltoso na emissão da declaração da vontade prometida)[6]. Como salienta Calvão da Silva[7], conseguir que o credor obtenha aquilo que foi estipulado, é, na verdade, o resultado perfeito e ideal que a Justiça, face ao devedor recalcitrante, pode proporcionar àquele. Pelo que o cumprimento, prestação daquilo que é devido (praestatio quod este in obligatione), e a execução específica aparecem, antes de tudo, como uma prioridade natural e temporal, lógica e teleológica. Por eles – cumprimento e execução in natura – se satisfaz plena e integralmente o interesse do credor, razão existencial da relação obrigacional, assegurando-lhe o mesmo resultado prático, a mesma utilidade que teria conseguido através do cumprimento pontual, voluntário e espontâneo do devedor. Se a prestação devida se torna impossível por causa imputável ao devedor e o credor vai a juízo requerer a indemnização a que tem direito; se o devedor citado para pagar, entregar a coisa ou prestar o facto, não o faz, e a execução prossegue para satisfação da indemnização a que o credor tem direito à custa dos bens do devedor ou para realização da prestação de facto (fungível) por terceiro à custa do devedor, já não há realização coactiva da prestação inicial devida. O que houve, sob o prisma do direito substantivo, foi a substituição, na moldura envolvente da relação creditória (do direito de obrigação, lato sensu), do direito (inicial) à prestação principal pelo direito à indemnização. Direito à indemnização a que corresponde ainda um verdadeiro dever de prestar, que é, porém, um dever secundário de prestação, inteiramente distinto do direito à prestação principal, mas que se enxerta na mesma relação de crédito, no mesmo direito (complexo) de obrigação[8]. À realização coactiva deste direito à indemnização dá-se o nome de execução por equivalente – que é o prolongamento e projecção daquela no processo executivo, constituindo o seu objecto[9]. A reparação do dano e a execução por equivalente constituem um sucedâneo, a que se recorre, como expediente jurídico, para compensar o credor dos danos provenientes do não cumprimento da obrigação. Expediente indispensável, sem dúvida, mas sempre expediente[10]. É fácil de ver que se a prestação devida (positiva ou negativa) for infungível, não é possível a sua realização coactiva nem a sua execução específica, nem sequer a sua realização por terceiro. Neste caso, o credor tem apenas direito a exigir do devedor a indemnização pelos danos resultantes do incumprimento, ou seja, em sede de acção executiva, tem direito à chamada execução por equivalente, pagando-se da indemnização pelo valor da venda dos bens que penhorar ao devedor[11]. As prestações de facto negativo, quer sejam de non facere, quer de pati, são, em regra, prestações infungíveis: só o próprio devedor se pode abster de determinada conduta ou só ele pode tolerar uma determinada conduta do credor. Exceptua-se o caso de a violação da obrigação negativa consistir na construção de uma obra: neste caso, a prestação é fungível porque a reconstituição da situação existente no momento anterior à violação é conseguida através da demolição da obra, que pode ser feita por terceiro à custa do devedor. Por isso, diz o artº 829º, nº 1 do CC que, se o devedor estiver obrigado a não praticar algum acto e vier a praticá-lo, tem o credor o direito de exigir que a obra, se obra feita houver, seja demolida à custa do que se obrigou a não a fazer. Vaz Serra entendeu e sugeriu que a doutrina daquele normativo não se devia aplicar apenas quando o facto positivo praticado pelo devedor tivesse um resultado material susceptível de demolição ou de destruição; a sua razão de ser levaria a aplicá-la também quando, embora não houvesse demolição ou destruição, fosse possível repor as coisas no estado anterior, como, por exemplo, em caso de encerramento de estabelecimento aberto com violação da obrigação de não fazer concorrência[12]. Segundo Pires de Lima e Antunes Varela[13], o texto do preceito revela que não se quis aceitar esta solução ampla. Correr-se-ia de outro modo o risco grave de confundir os factos puramente materiais, como a feitura de uma obra, que se pode demolir, e as atitudes pessoais do devedor, que são, em regra, insusceptíveis de coerção - a manus injectio sobre a pessoa do devedor foi abolida no direito romano pela Lex Poetelia Papiria, que a substitui pela pignoris capio sobre os seus bens[14]. A ideia latente no artº 829º do CC é a de que, nas prestações de facto não fungíveis, a linha de conciliação entre a fundada expectativa do credor no cumprimento e o respeito devido à liberdade do devedor como cidadão nunca passaria pela coerção directa sobre a vontade do obrigado. Por isso, permite-se apenas a destruição pela força (judicial) da obra material resultante do facto (ilícito) que, em contravenção da obrigação (de prestação de facto negativo) contraída, o devedor tivesse praticado[15]. A execução para prestação de facto está regulada nos artºs 933º a 943º do CPC[16]. Segundo o artº 933º, nº 1 daquele Diploma, se alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como a indemnização moratória a que tenha direito, ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação e a quantia eventualmente devida a título de sanção pecuniária compulsória. O disposto no artº 933º e a tramitação subsequente dos artºs 934º a a 940º, todos do CPC, aplica-se quando a execução tem por objecto a prestação de um facto positivo. Quando a execução tenha por objecto um facto negativo, ou, usando uma linguagem mais precisa, quando a execução tenha por objecto reparar a violação de uma obrigação negativa, rege o disposto nos artºs 941º e 942º do CPC, que, tradicionalmente, têm sido vistos como a adjectivação do artº 829º do CC e, antes dele, do artº 713º do CC de Seabra[17]. O exequente pode requerer que a violação da obrigação seja verificada por meio de perícia e que o tribunal ordene a demolição da obra que porventura tenha sido feita, a indemnização do exequente pelo prejuízo sofrido e o pagamento da quantia eventualmente devida a título de sanção pecuniária compulsória, conforme ao caso couber (artº 941º, nº 1 do CPC). Se o juiz reconhecer a falta de cumprimento da obrigação, ordenará a demolição da obra à custa do executado e a indemnização do exequente, ou fixará apenas o montante desta última, quando não haja lugar à demolição (artº 942º, nº 1 do CPC). Como dispõe o nº 2 do citado artº 941º, seguir-se-ão depois, com as necessárias adaptações, os termos prescritos nos artºs 934º a 938º do CPC, isto é: a) Se o exequente pretender a indemnização do dano sofrido, liquidará o seu valor e a execução será convertida em execução para pagamento de quantia certa, procedendo-se à penhora dos bens necessários para o pagamento da quantia apurada (artºs 934º e 931º, nºs 1 e 2 do CPC); b) Se o exequente optar pela prestação do facto por outrem, requererá a nomeação de perito que avalie o custo da prestação e procede-se logo, por nomeação do exequente à penhora dos bens necessários para se obter a quantia que se tiver determinado e o montante das custas (artº 935º, nºs 1 e 2 do CPC). Nesta fase da execução, a obrigação de facto negativo transforma-se: a) Na primeira hipótese, em uma obrigação de pagamento de quantia; b) Na segunda, em uma obrigação mista de pagamento de quantia e prestação de facto positivo[18]. Como resulta do regime da execução para prestação de facto, maxime, da execução para prestação de facto negativo, o processo executivo é inapto para garantir a actuação específica da condenação por cumprimento de prestação de facto infungível, dado o limite natural da infungibilidade da prestação e a impossibilidade de substituição do devedor inadimplente[19]. Concretamente, perante a violação da obrigação de não praticar certo facto, se não houver obra feita, o exequente terá apenas direito à indemnização compensatória[20]. Tendo em conta aquela inaptidão do processo executivo para realizar o cumprimento da prestação de facto infungível e com fundamento na prioridade que, no domínio do direito das obrigações, deve ser dada ao princípio do cumprimento sobre a via residual e sucedânea da execução por equivalente, impõe-se que, neste domínio, o ordenamento jurídico esteja aparelhado de meios de constrangimento indirecto, ou seja de medidas coercitivas que, sem actuarem directamente sobre a pessoa do devedor, sem o constrangerem fisicamente, actuem sobre a sua vontade, de modo a impeli-lo a cumprir voluntariamente[21]. Um desses meios de coerção é a sanção pecuniária compulsória, prevista no artº 829º-A do CC, introduzido pelo DL 262/83, de 16.06. Diz o nº 1 daquele normativo que nas obrigações de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso. A sanção pecuniária compulsória ali prevista é uma medida coercitiva, de carácter patrimonial, - que entronca no modelo da astreinte criada pela jurisprudência francesa, tendo-se o legislador apartado daqueles modelos que, como o alemão e o anglo-americano, consagram meios de coerção pessoal – seguida de sanção pecuniária na hipótese de a condenação principal não ser obedecida e cumprida[22]. Como se diz no relatório do DL 262/83, a sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis. A sanção pecuniária compulsória não pode ser fixada oficiosamente, mas apenas a pedido do credor, estando, no entanto, o tribunal impedido de recusar aquele pedido, devendo limitar-se a fixar a sanção quando é pedida, desde que o seja no âmbito da previsão do nº 1 do artº 829º-A. O DL 38/03 de 08.03 veio permitir que, quando a fixação da sanção não haja sido pedida na acção declarativa, o seja na execução (cfr. a actual redacção dos artºs 933º, nº 1 e 941º, nº 2). Segundo o nº 2 do artº 829º-A do CC, a sanção pecuniária compulsória será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar. A sanção pecuniária compulsória deve assim ser fixada em função das circunstâncias do caso, optando-se por a fixar por cada dia de atraso ou por cada infracção (nº 1 do artº 829º-A) e segundo critérios de razoabilidade, ou seja, segundo a equidade (nº 2 do mesmo normativo) Tendo uma função coercitiva, destinando-se a assegurar o cumprimento da obrigação e não a reparar os danos sofridos, a sanção pecuniária compulsória é cumulável com a indemnização, como resulta do disposto no artº 829º-A, nº 2 do CC e nos dos artºs 933º, nº 1 e 941º, nº 1 do CPC. O montante da sanção deve ser fixado por forma a assegurar a sua eficácia, desencorajando o devedor de infringir a condenação judicial. Não pode ser demasiado baixo, o que levaria o devedor a preferir pagá-lo e simultaneamente não cumprir a obrigação. Terá de ser suficientemente elevado para o coagir ao cumprimento a fim de evitar pagá-lo. No caso dos autos, a sentença exequenda condenou os réus, ora executados, a cessarem de imediato a actividade industrial exercida na fracção J, consistente na fabricação de produtos de pastelaria e doçaria, de molde a não darem a tal fracção fim diferente daquele que consta no título constitutivo da propriedade horizontal. A prestação a que os executados são adstritos consiste, assim, em não exercerem na fracção J a actividade de fabrico de produtos de pastelaria e doçaria, pelo que é, claramente, uma prestação de facto negativo, mais exactamente, uma prestação de non facere. Assim o entenderam os exequentes, que instauraram a presente acção como execução para prestação de facto negativo, formulando o requerimento executivo nos termos do artº 941º, nº 1 do CPC. Pedem no entanto – e sustentam no recurso – que a prestação a que os executados estão adstritos seja coercivamente cumprida através da remoção dos elementos que compõem o estabelecimento industrial dos executados e/ou através do encerramento desse mesmo estabelecimento. Face ao que acima ficou exposto, é fácil de concluir que não assiste razão aos exequentes. A prestação de facto negativa a que os executados estão adstritos é também uma prestação infungível, pois que só eles podem abster-se de exercer na fracção onde está instalado o seu estabelecimento a actividade industrial de fabrico de produtos de pastelaria e doçaria. E, sendo assim, o processo executivo não tem aptidão para assegurar a actuação específica daquela condenação, limitado como está pela infungibilidade da prestação e pela impossibilidade de substituição dos executados no cumprimento da prestação. A sentença exequenda não condenou os executados a removerem os elementos que compõem o estabelecimento nem a encerrá-lo. Se o tivesse feito, a execução específica era possível, substituindo-se o tribunal aos executados no cumprimento da prestação, removendo os elementos e/ou encerrando o estabelecimento. Mas, neste caso, estaríamos perante uma prestação de facto positivo e a execução seguiria os trâmites previstos nos artºs 933º e seguintes do CPC. Ora, os executados foram absolvidos daqueles pedidos e foram apenas condenados a absterem-se do exercício da actividade de fabrico de produtos de pastelaria e doçaria, pelo que, dentro dos limites definidos pela sentença exequenda (cfr. artº 45º, nº 1 do CPC), não é possível remover os elementos que compõem o estabelecimento dos executados nem encerrá-lo. Como acima dissemos, no artº 829º do CC apenas se permite a execução específica da prestação de facto negativo quando a violação da obrigação negativa é feita através da construção de uma obra, ou seja, quando existe um resultado material sobre o qual o tribunal pode actuar, fazendo demolir a obra por terceiro à custa do devedor. A lei não quis alargar a possibilidade de execução específica a situações como a dos presentes autos, - não tendo sido acolhida a sugestão de Vaz Serra nesse sentido, como já explicámos - por forma a não dar azo à utilização de coerção pessoal sobre o devedor, que o nosso sistema jurídico não admite. Concordamos com o Mº Juiz a quo, quando diz que não se pode demolir uma actividade, porque efectivamente, a violação da obrigação negativa que impende sobre os executados não se traduz num resultado material que possa ser destruído por terceiro à custa deles. Os exequentes não podem assim, na presente execução, obter o cumprimento da prestação inicial a que os executados estão obrigados, mas apenas a indemnização pelos prejuízos decorrentes do incumprimento dos executados, ou seja, a chamada execução pelo equivalente. Bem andou, pois, o Mº Juiz a quo em liquidar a indemnização devida aos executados e em converter a execução para prestação de facto negativo em execução para pagamento de quantia certa, aplicando correctamente o disposto nos artºs 942º, nº 1, 2ª parte, e nº 2, 934º e 931º, todos do CPC. Os exequentes poderiam ter obtido o cumprimento da obrigação imposta aos executados, se, na acção declarativa, tivessem pedido a sua condenação ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do citado artº 829º-A do CC como forma de os coagir àquele cumprimento (no caso, não a poderiam ter pedido na execução, porque a mesma é anterior à entrada em vigor do DL 38/03). E se os executados não tivessem cumprido e não tivessem pagado o montante fixado a título de sanção pecuniária compulsória, os exequentes poderiam obter o seu pagamento na presente execução, cumulativamente com o pagamento da indemnização (cfr. artº 941º, nº 1 do CPC). Concordamos com Calvão da Silva, quando diz que, considerando a dupla finalidade da sanção pecuniária compulsória – expressa no relatório do DL 262/83 – seria mais consentâneo reconhecer ao tribunal a faculdade de a impor oficiosamente. Se pela sanção pecuniária compulsória se procura favorecer o respeito pelas decisões judiciais, coerentemente deveria aceitar-se que ela pudesse ser ordenada ex officio, confiando no sentido de oportunidade do julgador, capaz de evitar a sua utilização como cláusula de estilo[23]. Lamentamos assim que o legislador não tenha adoptado integralmente o modelo da astreinte, que permite ao juiz decretar oficiosamente a sanção pecuniária compulsória, mas também recusá-la, quando pedida, se assim o entender. Aliás, é em casos como o dos autos, em que, além do mais, está em causa a violação continuada de direitos de personalidade, que a sanção pecuniária compulsória tem particular utilidade, como meio de forçar o devedor a cessar a conduta violadora daqueles direitos[24]. 2. Indemnização por danos não patrimoniais Como se diz na decisão recorrida, a indemnização que foi liquidada e fixada na presente execução, ao abrigo do disposto no artº 942º, nº 1, 2ª parte do CPC é a indemnização pelos danos decorrentes do incumprimento dos executados[25]. Damos aqui como reproduzido o que, a propósito da questão anterior, dissemos a respeito da impossibilidade de os exequentes obterem na presente execução o cumprimento da prestação a que os executados estão adstritos e de apenas poderem obter, em substituição, o pagamento da indemnização decorrente do incumprimento, ou seja, a chamada execução pelo equivalente. Essa indemnização não se confunde com a indemnização atinente aos danos não patrimoniais causados aos exequentes em virtude do ruído/barulho e vibrações causados pela actividade industrial exercida na fracção J), a liquidar em execução de sentença, ao abrigo do disposto no artº 661º, nº 2 do CPC, que na sentença exequenda se condenou os executados a pagar aos exequentes. A essa continuam os exequentes a ter direito, mas não a podem obter na presente execução para prestação de facto, impondo-se, para a obterem, que instaurem execução para pagamento de quantia certa, com liquidação prévia, nos termos dos artºs 805º e seguintes do CPC - forma de processo que ainda é aplicável ao caso, por força do disposto no artº 21º, nº 3 do DL 38/03. Não tendo os exequentes questionado o montante da indemnização liquidada e fixada em 1ª instância ao abrigo do disposto no artº 942º, nº 1, 2ª parte do CPC, há que confirmar a decisão recorrida também nesta parte. * IV. Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo, e, em consequência: - Confirma-se a decisão recorrida. Custas pelos agravantes. *** Porto, 16 de Outubro de 2008 Deolinda Maria Fazendas Borges Varão Evaristo José Freitas Vieira Manuel Lopes Madeira Pinto ________________________ [1] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 2ª ed., págs. 68 a 70; Também Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª ed., pág. 587 e Pessoa Jorge, Lições de Direito das Obrigações, pág. 61. [2] Antunes Varela, obra citada, I, 2ª ed., pág. 83. [3] Antunes Varela, obra citada, I, 2ª ed., pág. 83 e Almeida Costa, obra citada, pág. 592. [4] Antunes Varela, obra citada, II, 7ª ed., pág. 149. [5] Antunes Varela, obra citada, II, 7ª ed., pág. 150. [6] Antunes Varela, obra citada, II, 7ª ed., pág. 152. [7] Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª ed., pág. 141. [8] Antunes Varela, obra citada, II, 7ª ed., págs. 150 e 151. [9] Calvão da Silva, obra citada, pág. 145. [10] Calvão da Silva, obra citada, pág. 146. [11] Cfr. Almeida Costa, obra citada, pág. 592 e Antunes Varela, obra citada, I, 2ª ed., pág. 97. [12] “Realização Coactiva da Prestação”, BMJ 73º-351. [13] CC Anotado, II, pág. 103. [14] Antunes Varela, obra citada, I, 2ª ed., pág. 95, nota 1. [15] Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, pág. 105. [16] A presente execução foi instaurada em data anterior a 15.09.03, pelo que se lhe aplicam as normas do CPC na redacção anterior à entrada em vigor do DL 28/03 de 08.03 (cfr. artº 21º, nº 1 deste DL), reportando-se àquela redacção todas as normas daquele Diploma adiante citadas sem outra indicação. [17] É esta a posição de Alberto dos Reis, Processo de Execução, II, pág. 574 e de Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, págs. 748 e 799. [18] Lopes Cardoso, obra citada, pág. 751. [19] Cfr. Calvão da Silva, obra citada, págs. 367 a 370. [20] Lebre de Freitas, A Acção Executiva à Luz do Código Revisto, 2ªed., pág. 329. No mesmo sentido, Almeida Costa, obra citada, págs. 936 e 937. [21] Cfr. Calvão da Silva, obra citada, págs.202 a 205. [22] Calvão da Silva, obra citada, págs. 225 e 385 e 294. [23] Obra citada, pág. 430. [24] A este propósito, ver Calvão da Silva, obra citada, págs. 459 e seguintes. [25] Cfr. Lebre de Freitas, obra e lugar citados. |