Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00036233 | ||
Relator: | ALZIRO CARDOSO | ||
Descritores: | TRANSPORTE AÉREO INDEMNIZAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP200307030320620 | ||
Data do Acordão: | 07/03/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | 3 J CIV GONDOMAR | ||
Processo no Tribunal Recorrido: | 746/00 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | No transporte aéreo cabe ao transportado, para ter direito a indemnização não sujeita aos limites a que se refere o artigo 22 da Convenção de Varsóvia de 12 de Outubro de 1929, o ónus de alegação e prova de factos que integrem actuação dolosa ou negligência grosseira da transportadora. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I – Relatório José Manuel ..... e mulher Maria Manuela ..... instauraram contra “S.....”, acção declarativa com processo comum sob a forma ordinária, pedindo que a Ré seja condenada a pagar aos Autores a quantia de 4.0439.232$0, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. Fundamentaram o pedido alegando, em resumo, que: Efectuaram uma viagem Porto-Roma via Paris, na companhia de aviação ré, levando consigo bagagem com o peso total de 23 Kg, que se extraviou, o que lhe causou diversos prejuízos patrimoniais no montante total de 3.039.232$00 e danos morais cuja indemnização deverá ser fixada em quantia não inferior a 1.000.000$00. A Ré contestou, defendendo que não tendo havido da sua parte dolo ou negligência grosseira, a responsabilidade pela perda da bagagem está limitada, nos termos do artigo 22º da Convenção de Varsóvia, a 20 USD por Kg, sendo devida apenas a quantia de 87.688$00 que já pagou aos Autores. Impugnou ainda os danos invocados por estes e concluiu pela improcedência da acção. Replicaram ainda os autores pugnando pela improcedência das excepções invocadas pela Ré, concluindo como na petição inicial. Frustrada uma tentativa de conciliação, foi proferido despacho saneador, seleccionaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória, de que reclamou a Ré, não tendo a reclamação sido atendida. Instruída a causa procedeu-se a julgamento, constando de folhas 114-115 as respostas à matéria da base instrutória. De seguida foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar aos Autores a quantia de € 437,39 (87.688$00), absolvendo-a do restante pedido. Inconformados, os Autores interpuseram o presente recurso de apelação, tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões: 1ª- Da matéria dada como provada, resultam desde logo como provados os danos invocados pelos Autores, assim como o nexo de causalidade entre o extravio da bagagem e esses mesmos danos. Conforme refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-9-97 “o contrato de transporte aéreo é um contrato de resultado, o qual só se acha concluído quando se verifica o último acto de execução, neste caso a entrega da bagagem ao passageiro”, ora tal contrato não está concluído, pois a bagagem ainda não foi entregue. 2ª- Refere o citado acórdão: “... o limite de responsabilidade não é de aplicar se se provar que o dano resulta de acto ou omissão do transportador ou dos seus propostos, quer com intenção de provocar o dano, quer temerariamente e com consciência de que o dano resultaria provavelmente desse acto ou omissão”. O ónus de prova competia à apelada e não logrou ilidir a presunção legal, nem provou que o dano não resultou de um acto ou omissão sua, nem que não teve consciência que o dano resultaria provavelmente da sua conduta. 3ª - Não é de aplicar o limite da Convenção de Varsóvia. 4ª - De todo o modo foi também publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, em 17-10-1997, o regulamento (CE) n.º 2027/97 do Conselho de 9 de Outubro de 1997, em vigor à data dos factos, que derroga os limites de indemnização previstos na Convenção de Varsóvia. A sentença recorrida violou os artigos 798º, 564 º e 350º n.º 2, todos do Código Civil. II - Questões a decidir Nos termos do disposto nos artigos 690º e 684º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso que no caso dos autos se não verificam, é pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição. Assim, tendo em conta as alegações dos apelantes são essencialmente duas as questões a decidir: - saber se é aplicável o limite de responsabilidade do transportador estabelecido no n.º 2, alínea a), do artigo 22º da Convenção de Varsóvia; - e se o referido limite de responsabilidade foi derrogado pelo regulamento (CE) n.º 2027/97, de 9-10-97. III – Fundamentos 1. De facto Por não ter sido impugnada, nem haver fundamento para a alterar no quadro da enumeração taxativa do n.º 1, do artigo 712º do Código de Processo Civil, tem-se como assente a seguinte factualidade dada como provada na 1ª instância: 1. A autora é professora universitária na Universidade de Psicologia do ..... e no âmbito da sua actividade teve de deslocar-se a Roma para apresentação de um trabalho seu num congresso realizado naquela cidade. 2. Os autores adquiriram os bilhetes para a viagem, no montante global de 130.432$00, para o voo AF 1337 e AF220, o primeiro Porto-Paris e o segundo Paris-Roma. 3. A data do embarque era o dia 3 de Julho de 1999, tendo os autores embarcado nessa data no Porto rumo a Roma, com escala e transbordo em Paris. 4. Os autores levaram bagagem com o peso total de 23 Kg. 5. Chegados a Roma, os autores aguardaram pela sua bagagem, tendo-lhes sido dito no balcão da ré, em Roma, que fossem para o hotel e aguardassem, o que os autores fizeram. 6. No dia 10 de Julho de 1999, os autores regressaram a Portugal sem a bagagem e sem saberem da mesma. 7. Os autores contactaram com o balcão da ré em Portugal e foram informados de que a bagagem não tinha aparecido e possivelmente não mais apareceria. 8. No dia 14 de Julho de 1999 os autores, através do seu mandatário, enviaram um fax à ré concedendo-lhe um prazo para a resolução da situação, no entanto sem prescindir de indemnização e reparação de danos causados. 9. A Ré, no dia 28 de Julho, respondeu aos autores informando-os que lamentavam a situação. 10. Depois de trocas várias de correspondência, em 24 de Agosto de 1999, a Ré respondeu que de acordo com o estipulado nas condições gerais de transporte, enviavam um cheque de 87.688$00. 11. A bagagem até hoje continua desaparecida. 12. Do programa do congresso constava um jantar de gala. 13. A Autora pagou pela sua estada no hotel 163.800$00. 14. A mala onde os autores transportavam a bagagem continha roupa e calçado. 15. A Autora tinha na mala os documentos de suporte do trabalho que ia apresentar e que sem eles não poderia ser apresentado. 16. Na sequência da factualidade descrita em 5. e como as noticias tardavam, os autores telefonaram para os escritórios da ré em Roma a fim de os informarem da referida bagagem, tanto mais que só tinham a roupa com que tinham viajado. 17. Os autores telefonaram diversas vezes para os escritórios da ré, a qual informava que ainda não tinha localizado a mala. 18. Os autores tiveram que trocar de roupa, mas como não tinham outra para mudar, mandaram lavar, secar e passar a roupa desportiva que traziam. 19. Contactaram novamente os escritórios da Ré que os informava que ainda não tinham encontrado a bagagem. 20. Todos os dias à noite tiveram que mandar lavar a roupa da viagem para poderem sair do hotel da parte da tarde. 21. Por não terem roupa apropriada e exigível, os autores não puderam ir ao jantar de apresentação do congresso. 22. Em face da falta de uma solução por parte da ré, os autores decidiram comprar roupa desportiva, uma vez que não puderam adquirir a roupa necessária para a noite de gala, dado o elevado preço da mesma em Itália. 23. Os autores gastaram em roupa 82.324$00 24-. Até ao dia 10 de Julho, data do congresso, os autores contactavam várias vezes os escritórios da ré em Roma que não lhes dava qualquer solução. 25. Os autores sofreram angústia, ansiedade e inquietação. 2. De direito Não se tendo provado que a ré usou de toda a diligência e tomou todas as medidas necessárias para evitar a perda da bagagem dos autores, responde perante estes pelo dano proveniente da referida perda. Responsabilidade que, aliás, não vem questionada. A única questão em discussão é a de saber se a responsabilidade da ré está sujeita ao limite estabelecido no artigo 22º, n.º 2 alínea a), da Convenção de Varsóvia. Na sentença recorrida entendeu-se que a indemnização não pode ultrapassar o limite estabelecido na citada alínea a) do n.º 2, do artigo 22º (20 USD por quilo), dado que os autores não provaram que tenha havido dolo ou negligência grosseira da transportadora ou dos seus “propostos”. Entendimento de que discordam os apelantes, defendendo que cabia à Ré, para ver a sua responsabilidade sujeita aos referidos limites, o ónus de prova de que o dano não resultou de acto ou omissão sua e de que não teve consciência que o dano resultaria provavelmente da sua conduta. Entendemos que não lhes assiste razão. Vejamos: Ambas a partes estão de acordo na aplicação ao caso da Convenção de Varsóvia de 12 de Outubro de 1929, modificada pelo Protocolo de Haia de 28 de Setembro de 1955, relativa ao transporte aéreo internacional, a que Portugal aderiu e ratificou pelo Aviso publicado no Diário do Governo de 10 de Agosto de 1948, quanto à Convenção e pelo DL n.º 45069, de 12 de Junho de 1963, quanto ao Protocolo. Nos termos do artigo 18º n.º 1, da referida Convenção “O transportador é responsável pelo dano proveniente da destruição, perda ou avaria de bagagens registadas ou de mercadorias, quando o facto que causou o prejuízo se produziu durante o transporte aéreo”, definido como “o período durante o qual as bagagens ou carga se encontram à guarda do transportador “( n.º 2, do mesmo artigo). Por sua vez o artigo 20º da mesma Convenção preceitua: “ ... o transportador não é responsável se provar que ele e os seus propostos tomaram todas as medidas necessárias para evitar o prejuízo ou que lhes era impossível tomá-las”. Porém, nos termos do artigo 22º n.º 2, alínea a) da mesma Convenção, no transporte de bagagens registadas e de mercadorias, a responsabilidade do transportador não pode exceder a quantia de 250 francos-ouro (correspondentes a 20 USD) por quilograma, salvo se houver declaração especial do valor, feita pelo expedidor no momento da entrega do volume à entidade transportadora e mediante o pagamento de uma taxa suplementar. Por sua vez o artigo 25º da mesma Convenção estabelece que “ Os limites de responsabilidade previstos no artigo 22º não se aplicam se se provar que o dano é resultante de uma acção ou de uma omissão da entidade transportadora ou dos seus agentes feita ou com intenção de provocar um dano ou temerariamente e com consciência de que desse facto resultará provavelmente um dano ...” Resulta da conjugação das citadas normas que a Convenção de Varsóvia contem, nos seus artigos 18º e 20º, uma presunção contra o transportador, que só é exonerado de culpa se provar que tomou as medidas necessárias a evitar o dano ou que lhe era impossível tomá-las. Assim, o transportador aéreo, para se exonerar da responsabilidade pelos prejuízos a que se referem os artigos 18º e 19º, tem o ónus de provar que usou, na execução do contrato de transporte, de toda a diligência que se pode exigir de um bom transportador, fazendo tudo o que estava ao seu alcance. No caso de não lograr ilidir a referida presunção, responde pelos danos a que se referem as citadas disposições legais, nomeadamente pelo dano resultante da perda de bagagem. Porém, não se provando que houve da sua parte ou dos seus “propostos” actuação dolosa ou negligência grosseira, a sua responsabilidade tem os limites estabelecidos no artigo 22º, excepto se: a) a transportadora agir com intenção de provocar o dano ou temerariamente e com consciência de que da sua actuação resultaria provavelmente um dano (artigo 25º); b) ou se houver declaração especial do valor, feita pelo expedidor no momento da entrega mercadoria ou bagagem (artigo 22º n.º 2, alínea a)). Na situação a que se refere o artigo 25º, diversamente do que sucede no artigo 20º, não se estabelece nenhuma presunção contra a transportadora. Nem é imposto à transportadora o ónus de prova de factos negativos, ou seja, o ónus de prova da sua não actuação com dolo ou negligência grosseira. Cabe sim ao transportado, para ter direito a indemnização não sujeita aos limites a que se refere o artigo 22º, o ónus de alegação e prova de factos que integrem actuação dolosa ou negligência grosseira da transportadora. Na falta de alegação e prova de factos que integrem actuação dolosa ou negligência grosseira da transportadora ou dos seus “propostos”, como sucede no caso dos autos, a indemnização não pode ultrapassar os limites fixados no artigo 22º da Convenção (v., nesse sentido, entre outros, os acórdãos da Rel. do Porto de 22-04-96, in http.www.dgsi.pt/jtrp. e da Rel. de Lisb. de 09-07-91, in http.www.dgsi.pt/jtrl.). Improcedem, pois, as três primeiras conclusões dos apelantes. E também não têm razão na parte em que defendem que os referidos limites foram derrogados pelo regulamento (CE) n.º 2027/97, dado que este não tem aplicação no caso dos autos. O referido Regulamento (CE) n.º 2027/97, de 9 de Outubro de 1997 é relativo à responsabilidade das transportadoras aéreas em caso de acidente, aplicando-se somente aos danos sofridos aquando de acidentes em caso de morte, ferimento ou qualquer outra lesão corporal de um passageiro se o acidente em questão tiver ocorrido a bordo de uma aeronave ou durante qualquer operação de embarque. Não foram, pois, violadas as disposições legais invocadas pelos apelantes, não merecendo a sentença recorrida qualquer censura. IV- Decisão Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelos apelantes. * Porto, 3 de Julho de 2003Alziro Antunes Cardoso Albino de Lemos Jorge Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves |