Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0826796
Nº Convencional: JTRP00042269
Relator: M. PINTO DOS SANTOS
Descritores: CONFISSÃO
VALOR PROBATÓRIO
CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL
ARRENDAMENTO
CEDÊNCIA DO GOZO DO LOCADO
Nº do Documento: RP200903030826796
Data do Acordão: 03/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 301 - FLS 36.
Área Temática: .
Sumário: I - Só vale como confissão a declaração inequívoca emitida por algum dos sujeitos processuais.
II - Para ter força probatória plena, essa declaração, quando exarada numa escritura pública (confissão extrajudicial), tem de ser feita à parte contrária ou a quem a represente;
III - Se assim não acontecer, é livremente apreciada pelo tribunal e pode ser infirmada/ contrariada por qualquer meio de prova, incluindo a testemunhal.
IV - A residência, no local arrendado, de um irmão da locatária não traduz cedência, para esse parente, do gozo desse mesmo local, nem confere ao senhorio o direito à resolução do contrato de arrendamento (para habitação) com fundamento na al. e) do n° 2 do art. 1083° do CCiv., já que é a própria lei (art. 1093° n°s 1 al. a) e 2 do mesmo Código) que presume «juris et de jure» (presunção inilidível) que tal parente (colateral) vive em economia comum com a arrendatária, podendo, por isso, aí residir licitamente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pc. nº 6796/08 – 2ª Secção
(apelação)
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Relator: Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Cândido Lemos
Des. Marques de Castilho
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Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

B………., SA, com sede no ………., freguesia de ………., concelho da Trofa, instaurou a presente acção declarativa de condenação, ao abrigo do processo experimental previsto no DL 108/2006, de 08/06, contra C………., residente na ………., …, 2 T, freguesia de ………., concelho da Maia, alegando, no essencial, que:
● é proprietária de uma fracção autónoma destinada a habitação, situada no prédio melhor identificado no art. 1º da p. i.,
●. a ré é, desde Novembro de 2003, arrendatária dessa fracção autónoma, na sequência de transmissão, para ela, do contrato de arrendamento da anterior inquilina, sua mãe,
●. a demandada, no entanto, deixou de habitar a referida fracção há algum tempo, tendo passado a residir noutro imóvel e noutra localidade
● e permitiu que um seu irmão passasse a habitá-la, em vez dela, sem conhecimento da autora, facto de que só teve notícia há cerca de 15 dias.
Pediu, com base nesta factologia, a condenação da ré a ver resolvido o aludido contrato de arrendamento e a entregar-lhe o arrendado livre e devoluto.

A ré, devidamente citada, contestou a acção negando que tenha deixado de habitar/residir no locado (apesar de ter adquirido, com outra pessoa, uma fracção autónoma para habitação, em localidade distinta da da localização do arrendado) e que tenha proporcionado a outrem (ao seu irmão) o gozo da fracção autónoma em questão (alegou que tal seu irmão já residia no locado quando a mãe de ambos foi a inquilina do mesmo e nele continuou a residir até ao presente), tendo pugnado, por isso, pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.
Mais requereu a condenação da autora como litigante de má fé, por deturpar conscientemente a verdade, em multa e indemnização, esta em não menos de € 3.500,00.

Saneado o processo, sem selecção, por simplicidade da causa, dos factos assentes e dos controvertidos, realizou-se, depois, a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual, após produção da prova (mas sem registo desta), foi proferida a sentença final que fixou a matéria de facto provada e não provada, fundamentando-a, e que julgou a acção improcedente, com a consequente absolvição da ré do pedido, improcedência que também foi extensiva ao pedido de condenação por litigância de má fé que esta havia deduzido contra a autora.

Inconformada com a improcedência da acção, interpôs a autora o presente recurso de apelação, cuja motivação, constante de fls. 133 a 140, culminou com as seguintes conclusões:
“1) A douta sentença sob recurso julgou improcedente o pedido de resolução do contrato de arrendamento que vincula A. e R. com o fundamento de que a mesma habita a fracção da aludida A.;
2) Afirmando que o facto da mesma ter comprado uma fracção destinada a sua habitação própria e permanente;
3) Ter para aí alterado a sua residência fiscal e aí obtido a isenção do pagamento do IMI por esse fundamento;
4) Ser irrelevante face ao depoimento de testemunhas que vieram alegar que a R. come, dorme e tem pertences na fracção da A.;
5) Ambos os factos dados por provados consubstanciam-se contraditórios;
6) Da concatenação dos elementos probatórios carreados aos autos não se pode senão verificar que a R. não habita a fracção da A. apesar de na mesma se manterem seus familiares;
7) De acordo com a al. f) do art. 1038º do CC, o locatário não pode proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa locada a menos que o locador em tal acorde;
8) O que confere a este o direito de ver resolvido o vínculo contratual do arrendamento.
Termos em que deve ser revogada a decisão proferida em primeira instância e, consequentemente, ser declarada a resolução do contrato de arrendamento entre A. e R., condenando-se esta a entregar à A. a fracção dos autos livre de pessoas e bens, assim se fazendo Justiça”.

A ré não apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a apreciar e decidir:

Sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (art. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do C.Proc.Civ.) e que este Tribunal não pode conhecer de matéria nelas não incluída, a não ser em situações excepcionais que aqui não ocorrem, as questões que importa apreciar e decidir neste acórdão são as seguintes:
● Em primeiro lugar, saber se existe contradição entre os factos dados como provados na sentença recorrida.
● Em segundo lugar, saber se os elementos probatórios constantes dos autos impunham que se desse (e impõem que se dê) como provado que a ré não habita o locado.
● Em terceiro e último lugar, saber se a acção devia ter sido julgada procedente, com fundamento na falta de uso (residência) do locado por parte da ré ou na cedência do mesmo a terceira pessoa sem autorização da autora recorrente.
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III. Factos dados como provados na 1ª instância:

Na douta sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
a) A autora é dona e legítima proprietária da fracção autónoma, destinada a habitação, sita no 2º andar esquerdo do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito no gaveto das Ruas ………. e do ………., com entrada pelo nº … da Rua ………., no Porto, o qual se encontra descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 264 e inscrito na competente matriz predial urbana sob o art. 6903 da freguesia de ………..
b) Em 25 de Novembro de 2003, a ré endereçou à autora, que a recebeu, a carta junta aos autos em fotocópia a fls. 9, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, onde lhe comunicava o óbito de sua mãe, D………., arrendatária do prédio referido em a), em 23 de Junho desse ano.
c) Em tal carta mais invocava a ré a intenção de ver transmitida para si a qualidade de inquilina, nos termos da legislação em vigor.
d) Nessa sequência, e desde Novembro de 2003, a autora passou a receber da ré a renda mensal devida pelo arrendado e a tratar esta como sua locatária.
e) Até à presente data, as rendas devidas acham-se pagas em tempo, sendo os recibos que acusam a respectiva quitação emitidos pela autora em nome da ré.
f) Por escritura pública datada de 14 de Dezembro de 2004, junta aos autos em fotocópia a fls. 15 a 21, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, outorgada no 7º Cartório Notarial do Porto, a fls. 63 a 65 verso do livro 459-A, E………. declarou vender à ré e a F………., que por sua vez declararam comprar, com vista a sua habitação própria e permanente, a fracção autónoma designada pelas letras “AB”, correspondente a uma habitação no segundo andar, traseiras, com entrada pelo nº …, arrumo e lugar de garagem na cave, com entrada pelos nºs … e …, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na ………., nºs …, … e …, e Rua ………., nº …, na freguesia de ………., concelho da Maia, o qual se encontra descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o nº 2534 e inscrito na respectiva matriz sob o art. 6838, a favor do vendedor.
g) A ré tem domicílio fiscal na ………., nº …, 2º T, na Maia.
h) Com relação ao imóvel referido em g), a mesma e F………. requereram a isenção do pagamento do IMI pelo motivo de habitação própria e permanente, o que lhes foi deferido pelo período de seis anos, com início em 2004 e termo em 2009.
i) É na morada referida em a) que a ré toma as suas refeições, dorme, recebe amigos e conhecidos, e o correio.
j) É por referência a ser moradora na fracção autónoma em causa que a mesma está recenseada para votar na área correspondente à área territorial do número de polícia que o prédio ostenta.
l) Está também em seu nome o contrato municipal de fornecimento da luz.
m) E é seu todo o mobiliário, roupas e parafernálias do interior.
n) É a ré quem despende todas as importâncias em numerário necessárias ao aconchego, manutenção e vida quotidiana do lar que ali estabeleceu.
o) É na fracção referida em a) que o irmão da ré vive, dela fazendo o seu lugar de recolhimento e intimidade, onde é referenciado por vizinhos e estranhos que se lhe dirigem.
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IV. Apreciação jurídica:

1) Existe contradição entre os factos dados como provados na sentença recorrida?
A primeira questão que a recorrente coloca nas cinco primeiras conclusões das suas alegações tem a ver com uma eventual contradição entre o que vem dado como provado, por um lado, nas als. f), g) e h) e, por outro, nas als. i), m) e n), todas reproduzidas no ponto anterior deste acórdão.
Diz-se que existe contradição entre factos dados como provados quando entre eles se verifica total incompatibilidade, por uns traduzirem/significarem o oposto dos outros.
A contraditoriedade entre factos provados, a existir, pode ser corrigida pelos Tribunais da Relação quando o processo contenha todos os elementos probatórios que permitam a reapreciação da matéria de facto; mas faltando tais elementos probatórios e não sendo possível ao tribunal de 2ª instância solucionar a contradição, só lhe restará a anulação do decidido na 1ª instância, pelo menos quanto à matéria de facto em questão, com a consequente repetição, nessa parte, do julgamento. É o que decorre, designadamente, do estabelecido no nº 4 do art. 712º do CPC.
Sem necessidade de grandes considerações diremos que nenhuma contradição se vislumbra entre os aludidos factos, pois os que constam das alíneas indicadas em primeiro lugar [als. f), g) e h)] não só não estão em oposição com os exarados nas restantes alíneas mencionadas [als. i), m) e n)], como não impediam que estes últimos pudessem ser dados como provados, como o foram, pelo Tribunal recorrido.
Quando muito, poderá admitir-se que os primeiros factos poderiam indiciar “coisa” diversa da que veio a ser dada como provada nas últimas alíneas. Ou seja, estando provado (documentalmente) que a ré (locatária) tem domicílio fiscal numa fracção autónoma para habitação que, com outro (um tal F………. – que, conforme resulta da fundamentação fáctica da douta sentença recorrida, é namorado da demandada), adquiriu em 14/12/2004 (na vigência do contrato de arrendamento aqui em causa, o qual lhe foi transmitido, por óbito da mãe, em Novembro de 2003, como se afere dos primeiros factos provados descritos no ponto anterior deste acórdão) e, bem assim, que ambos (ela e o namorado) requereram a isenção do pagamento do IMI por motivo de “habitação própria e permanente”, isenção que lhes foi deferida, poderia estar-se perante factos indiciadores de que a demandada, ora recorrida, teria passado a residir/habitar, aí estabelecendo o seu centro de vida, nessa mesma fracção, deixando de o fazer na que aqui está em questão.
Mas tais factos, por si só - desacompanhados de outra prova / elementos de prova -, não permitiam que o Tribunal desse como provado que a ré deixou efectivamente de residir/habitar na fracção autónoma de que é arrendatária, nem impediam que esta fizesse prova, pelos meios legalmente admissíveis, incluindo a prova testemunhal (que não é proibida nestas situações), de que, apesar deles, continuou e continua a ter o seu centro de vida no locado, por ser aí que toma as refeições, que dorme, que recebe amigos e conhecidos, que recebe o correio, que mantém o seu trem de vida, etc..
Por isso é que a acção não foi julgada no saneador, pois se os factos exarados nas referidas als. f), g) e h) – baseados, repete-se, em documentos que não foram impugnados e que, por isso, já estavam assentes na fase do saneamento processual – fossem suficientes para a procedência da pretensão da autora, aqui apelante, não teria a mesma prosseguido para a fase de julgamento [aliás, sem necessidade de aludir aqui à maior ou menor prevalência relativamente aos factos que indiciariamente favoreciam a tese da demandante, sempre se poderia sustentar que também a ré fez prova documental de factos que favoreciam a sua posição: os referenciados nas als. j) e l)].
Certamente que foi para complementar aquela prova indiciária e provar que a ré deixou de habitar/residir na fracção arrendada que a autora arrolou e ouviu (duas) testemunhas em julgamento, como foi para demonstrar o contrário (que apesar daqueles factos, não deixou de ter a sua residência própria e permanente nessa mesma fracção) que a ré também arrolou e ouviu (quatro) testemunhas na audiência de discussão e julgamento.
O mais foi uma questão de valoração e ponderação dos meios de prova produzidos (e conjugados com os que já constavam do processo) por parte da Mma. Juíza que presidiu à audiência de julgamento, sendo certo, por um lado, que os depoimentos das testemunhas não foram gravados/registados (por não ter sido requerida a respectiva documentação/gravação), o que impede que este Tribunal de 2ª instância os reaprecie e, por outro, que a Sra. Julgadora fundamentou (na sentença) adequada e pormenorizadamente (sem deficiências, obscuridades ou contradições que se antolhem) a factologia que deu como provada. E a recorrente não tem razão alguma quando, na 4ª conclusão das suas alegações, refere que o Tribunal recorrido considerou irrelevante a prova documental que permitiu o apuramento dos factos das als. f), g) e h) face à prova testemunhal que esteve na origem do apuramento dos factos das als. i), m) e n), pois os documentos juntos a fls. 15 a 21 e 91 a 93 nada mais permitiam que se desse como provado que não o que, precisamente, foi exarado naquelas três primeiras alíneas, não havendo, por isso, sobreposição da prova testemunhal à documental, nem desvalorização desta relativamente àquela.
Em conclusão, esta primeira questão não pode deixar de ser solucionada senão em termos desfavoráveis à pretensão da apelante, na exacta medida em que não ocorre a apontada contradição.

2) Os elementos de prova constantes dos autos impunham que se desse (e impõem que se dê) como provado que a ré não habita o locado?
Em segundo lugar, a apelante, na conclusão 6 das suas alegações, suscita (embora muito sinteticamente) a questão de saber se os elementos probatórios constantes dos autos impunham que se desse como não provado que a ré não habita o locado.
A apreciação desta questão demanda, de um lado, a necessidade de fixar o valor probatório da declaração constante da escritura de compra e venda junta a fls. 15 a 21, em que a ré e o outro adquirente, acima mencionado, referiram que “a fracção ora adquirida se destina a sua habitação própria permanente” e, de outro, a análise dos fundamentos exarados na sentença que permitiram que a Mma. Juíza «a quo» tivesse dado como provados os factos das als. i), m) e n).
Começando pelo valor da dita declaração, é inequívoco que a mesma foi da autoria da ré - mas não só dela, pois também o foi do outro adquirente (seu namorado) da fracção autónoma objecto da escritura de compra e venda documentada a fls. 15 a 21 –, foi prestada perante oficial público (a Sra. ajudante do notário que a lavrou) e consta de documento autêntico.
Poderia, por isso, perguntar-se se tal declaração implica uma confissão extrajudicial da demandada de que após a aquisição (com outro) da dita fracção autónoma para habitação deixou de ter a sua residência permanente (ou habitual) no prédio arrendado em causa nestes autos (passando a tê-la naquela) e se essa confissão tem força probatória plena e, por isso, insusceptível de ser infirmada ou posta em causa pela prova testemunhal oferecida pela ré. Em caso de respostas afirmativas a estes pontos é evidente, em primeira linha, que os factos exarados nas als. i), m) e n) do ponto III deste acórdão não poderão manter-se, havendo que os considerar “não escritos”, nos termos estabelecidos nos arts. 646º nº 4 e 712º nº 1 al. b) do CPC e, em segunda linha, que terá que se dar como provado que a ré deixou de habitar/residir na fracção arrendada e de aí ter o seu centro de vida.
Interessa, por conseguinte, ter em atenção o que dispõem os arts. 357º nº 1 e 358º nºs 2 e 4 do CCiv.. De acordo com o primeiro destes preceitos, “a declaração confessória deve ser inequívoca, salvo se a lei o dispensar”. E em conformidade com o nº 2 do segundo normativo “a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena”, ao passo que de acordo com o nº 4 “a confissão judicial que não seja escrita e a confissão extrajudicial feita a terceiro ou contida em testamento são apreciadas livremente pelo tribunal”.
Destes dispositivos resulta que a declaração constante de um documento autêntico (por ex., de uma escritura pública) só tem força probatória plena (idêntica à do próprio documento autêntico, ou seja, à parte do documento relativa a factos praticados pelo oficial público ou por este atestados com base em percepções suas – art. 371º nº 1 do CCiv.) quando seja inequívoca e tenha sido feita à parte contrária (destinatária da declaração confessória) ou a quem a represente. Falecendo o primeiro destes requisitos a declaração não tem valor de confissão e não ocorrendo o segundo não tem força probatória plena.
No caso em análise, a referida declaração não foi feita à parte contrária, ou seja, não foi feita perante a autora, nem lhe foi dirigida, já que esta não interveio, directa ou indirectamente, no contrato de compra e venda ali documentado. Foi feita perante os outros intervenientes no aludido contrato de compra e venda (o vendedor, primeiro outorgante no contrato; o representante do banco mutuante e a favor do qual foi constituída hipoteca voluntária, terceiro outorgante; e o fiador, quarto outorgante) e perante a Sra. ajudante do notário. Esta constatação afasta, desde logo e por si só, a sujeição da mesma (declaração) ao regime do nº 2 do art. 358º e à prova plena aí contemplada (neste sentido, i. a., Acs. do STJ de 26/06/2008, proc. 07B3335, que expressamente proclamou que “para valer como confissão, a declaração, ainda que constante de escritura pública, tem de ser dirigida à parte contrária …” e de 09/06/2005, proc. 05B1417, que considerou, na esteira de outros dois arestos que cita, que “a declaração constante de uma escritura de cessão na qual é mencionado pelo cedente o recebimento do preço ou de um dado preço, não pode ser havida como confissão, por não conter a admissão pelo declarante da veracidade de tal recebimento; a materialidade da declaração é indiscutível, porém o respectivo conteúdo, porque não atestado pelo oficial público, é passível de demonstração/impugnação, designadamente através de prova testemunhal”, ambos publicados in www.dgsi.pt/jstj; idem, Vaz Serra, in “Provas”, BMJ nº 111, pgs. 14 a 25, que a dado passo escreve que “a confissão extrajudicial parece dever considerar-se uma declaração receptícia ou recipienda e só vincular, portanto, o confitente e o juiz quando dirigida à parte contrária ou a quem a represente; se a declaração for dirigida a terceiro, não deve ser havida como confissão, mas apenas como um elemento de prova – testemunho – a apreciar livremente pelo tribunal”, uma vez que “a declaração dirigida a terceiro não oferece as garantias de ponderação e de seriedade que são dadas pela dirigida à parte contrária, não sendo, por isso, razoável que se lhe atribua a força probatória própria da confissão”; cfr., ainda, Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. IV, pgs. 110 a 112 e Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo IV, pgs. 489 e 490).
Mas além de não ter sido feita à autora (ou a algum representante desta), a referida declaração não se apresenta suficientemente inequívoca no sentido de que o imóvel adquirido (pela ré e por outro) se destinaria a habitação própria e permanente da ré. Isto porque tal declaração se destinou, apenas e só, à obtenção de isenção do IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) respectivo, que é um imposto que incide sobre o próprio imóvel e em que o direito à isenção do imposto se bastava com a ocupação do mesmo por um deles, a título de habitação própria e permanente, sem necessidade de efectiva ocupação por ambos os adquirentes. Daí que a aludida declaração tanto pode ser interpretada (por qualquer destinatário, incluindo o Tribunal) no sentido de que a fracção autónoma adquirida se destinaria a habitação/residência dos dois compradores (ré e namorado), como a habitação/residência de só um deles, pelo menos, no imediato (numa primeira fase, após a celebração da escritura de compra e venda), sem prejuízo de posteriormente (por ex., em caso de casamento ou de efectiva união de facto de ambos – e no caso em questão desconhece-se se eles viviam e/ou vivem já em união de facto) vir também a ser habitada pelo outro adquirente (porque não pela ré só nesse segundo momento?), pois qualquer destas situações era suficiente para a obtenção da isenção visada e no contexto em que foi produzida era indiferente que a mesma ficasse como proferida pelos dois compradores (como, pelo menos, formalmente ficou a constar da escritura) ou só por um deles.
E os documentos juntos a fls. 91 a 93, emitidos pela repartição de finanças da Maia, também nada acrescentam a esta constatação, quer porque o regime da compropriedade, a que a fracção adquirida ficou sujeita (por ter sido adquirida em comum pela ré e pelo seu namorado), também não exige que a posse seja exercida por ambos os comproprietários, contentando-se com a posse de um deles sobre a totalidade da coisa – art. 1406º do CCiv. -, quer porque o facto da demandada ter alterado o seu domicílio fiscal para a morada correspondente ao imóvel adquirido pode não traduzir mais que a vontade desta em vir aí a residir no futuro, designadamente em consequência de casamento ou de concretização de união de facto com o dito namorado (o facto da fracção autónoma ter sido adquirida conjuntamente pela ré e pelo seu namorado não faz presumir, nem sequer em termos de presunção judicial, que ambos vivessem já então em união de facto, acontecendo até com alguma frequência que duas pessoas que namoram há algum tempo e perspectivam casar-se ou unir-se de facto compram casa/fracção autónoma para aí virem a residir depois dessa união e tal não vem a acontecer, acabando a mesma por ficar só para um deles que adquire a parte indivisa do outro).
Significa isto que a declaração a que temos vindo a aludir não só não tem força probatória plena, como nem sequer vale como verdadeira confissão, por não ser, como se disse, inequívoca. Como tal, com base nela – e conjugando-a até com o que consta dos documentos de fls. 91 a 93 [que determinaram que se dessem como provados os factos das als. g) e h)] – não poderia o Tribunal «a quo», nem pode este Tribunal de 2ª instância, dar como provado que a ré passou a habitar (habitual ou permanentemente) na fracção adquirida e que deixou de habitar (também habitual ou permanentemente) a fracção arrendada e a prova de um ou outro destes factos (destas situações) poderia ser feita por qualquer meio de prova, incluindo a prova testemunhal, como aconteceu.
Ultrapassado o primeiro problema que demandava a análise deste Tribunal, importa agora aferir se a prova produzida em julgamento, conjugada com o teor dos documentos juntos a fls. 46 a 49 e 53, também mencionados na decisão recorrida, permitia(m) que a Mma. Juíza «a quo» desse como provados os factos das als. i), m) e n), apreciação que tem de se basear, quanto à prova testemunhal, unicamente na fundamentação da própria matéria de facto provada e não provada ali exarada, já que, repete-se, os depoimentos das testemunhas não foram gravados ou registados por qualquer meio.
Ora, lendo toda a fundamentação constante do ponto B do item III (motivação) da douta sentença de fls. 96 a 103, não podemos deixar de referir que a Mma. Juíza julgadora motivou adequada e suficientemente os apontados factos (bem como os demais), cumprindo escrupulosamente o dever imposto pelos arts. 205º nº 1 da Constituição da República e 653º nº 2 do CPC, já que analisou criticamente os depoimentos prestados quer pelas testemunhas arroladas pela autora quer os das arroladas pela ré e especificou os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção, referindo, resumidamente, o que umas e outras disseram, as respectivas razões de ciência e os motivos que a levaram a dar prevalência aos depoimentos das testemunhas da demandada sobre os da demandante, sendo certo que estes motivos se apresentam compreensíveis e coerentes e não merecem censura ou reparo deste Tribunal de recurso, como também não o merece o facto de ter sido dada como provada a factologia plasmada nas als. i), m) e n) transcritas no ponto III deste acórdão.
Como tal, não assiste razão à recorrente quando, na conclusão 6 das suas alegações, protesta que “da concatenação dos elementos probatórios carreados para os autos” deveria ter-se dado como provado que a ré não habita a fracção arrendada.

3. A acção devia (ou podia) ter sido julgada procedente?
Em consequência da manutenção, sem qualquer alteração, dos factos que foram considerados provados na 1ª instância, a solução da última questão colocada nas conclusões das alegações da apelante (conclusões 7 e 8) apresenta-se fácil e evidente, não demandando grandes considerações argumentativas da nossa parte.
Esquematicamente, podemos dizer que em causa poderiam estar dois fundamentos da resolução do contrato de arrendamento que vincula autora e ré, apesar daquela expressamente só ter invocado um deles: o da cessão/cedência, por esta, a terceira pessoa, da fracção arrendada, sem o seu (da autora) consentimento/conhecimento.
Comecemos por este fundamento, esclarecendo que o regime da resolução do contrato de arrendamento a que temos que atender (designadamente os seus fundamentos e pressupostos) é o estabelecido na Lei nº 6/2006, de 27/02, que aprovou o Novo RAU e repôs em vigor diversas normas do CCiv., tal como se decidiu na sentença recorrida, na medida em que o mesmo já vigorava (desde 28/06/2006, de acordo com o art. 65º nº 2 daquela lei) quando a acção deu entrada em juízo – cfr. também o art. 59º nº 1 do NRAU.
Como contraponto do dever imposto ao locatário no art. 1038º al. f) do CCiv. e consequência da respectiva violação, por ele, desse mesmo dever, o art. 1083º nº 2 al. e) permite a resolução, pelo locador, do contrato de arrendamento urbano quando o arrendatário tenha cedido, total ou parcialmente, temporária ou permanentemente e onerosa ou gratuitamente, o local arrendado, sem autorização daquele. Igual direito à resolução consagrava o anterior RAU, aprovado pelo DL 321-B/90, de 15/10, na al. f) do nº 1 do seu art. 64º, embora este tivesse uma redacção diversa (mais exemplificativa) da que ora está fixada na al. e) do nº 2 do citado art. 1083º (o subarrendamento, o empréstimo/comodato do locado e a cessão da posição contratual de que falava aquele art. 64º do RAU mais não são do que casos de “cessão” a que alude o art. 1083º nº 2 al. e).
De acordo com o estatuído no art. 342º nº 1 do CCiv., competia à autora a alegação e prova dos factos integradores de alguma das formas de cessão enquadráveis no aludido normativo.
Resultou apenas provado que no locado, além da ré, reside/vive um irmão dela – al. o) dos factos provados. Mas não que tal situação traduza um caso de cessão.
Aliás, para estas situações rege o art. 1093º nºs 1 al. a) e 2 do CCiv. que prescreve que “nos arrendamentos para habitação podem residir no prédio, além do arrendatário, todos os que vivam com ele em economia comum” e que “consideram-se sempre como vivendo com o arrendatário em economia comum, a pessoa que com ele viva em união de facto, os seus parentes ou afins na linha recta ou até ao 3º grau da linha colateral, ainda que paguem alguma retribuição (…)”.
Face a este preceito legal – que no nº 2 estabelece uma presunção «juris et de jure» (inilidível) de que as pessoas que indica vivem em economia comum com o arrendatário (neste sentido, Estelita de Mendonça, in “A Sublocação e Situações Afins como Causa de Despejo de Prédios Urbanos”, Scientia Iuridica, ano 35º, Jan./Dez. de 1986, pg. 376 e Pinto Furtado, in “Manual de Arrendamento Urbano”, vol. I, 4ª Ed. actualizada, pgs. 306 a 308; idem, Acs. desta Relação do Porto de 29/11/1988, CJ ano XIII, 5, 194 e de 05/05/1972, BMJ 217/176, da Relação de Coimbra de 30/01/1979, BMJ 284/291 e da Relação de Lisboa de 23/05/1989, CJ ano XIV, 3, 130, embora reportados ao que ao tempo consagrava o art. 1109º do CCiv., equivalente, com ligeiras alterações de redacção, ao actual art. 1093º) –, não pode deixar de se considerar que o irmão da ré (parente desta na linha colateral e em grau compreendido naquele número) vive com ela em economia comum, não se estando, pois, perante nenhum caso de cessão (ainda que parcial) do locado.
Por aqui a acção não podia proceder.
O outro fundamento de resolução que poderia estar em causa face ao alegado pela autora na petição inicial, mas sem o invocar expressamente, seria o do “não uso” da fracção arrendada por parte da ré-arrendatária. Mas não bastava o “não uso”, pois o art. 1083º nº 2 al. d) do CCiv. exige que este perdure por mais de um ano (desde que não se verifique nenhum dos casos excepcionais previstos no nº 2 do art. 1072º do mesmo corpo de normas).
Ora, no caso dos autos, a autora não logrou sequer provar – ónus que também lhe incumbia, de acordo com o preceito legal já atrás citado – que a ré tenha deixado de utilizar/usar o arrendado para o fim a que o vem destinando (sua habitação habitual ou permanente) desde que lhe foi transmitido o respectivo contrato por óbito da sua progenitora que foi a anterior locatária da fracção autónoma.
Por isso, nem por aqui a acção poderia proceder.
Improcedem, deste modo, todas as questões suscitadas pela recorrente, impondo-se a confirmação do decidido na 1ª instância.
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Síntese conclusiva das partes mais relevantes do que fica relatado:
● Só vale como confissão a declaração inequívoca emitida por algum dos sujeitos processuais.
● E para ter força probatória plena, essa declaração, quando exarada numa escritura pública (confissão extrajudicial), tem de ser feita à parte contrária ou a quem a represente; se assim não acontecer, é livremente apreciada pelo tribunal e pode ser infirmada/contrariada por qualquer meio de prova, incluindo a testemunhal.
● A residência, no local arrendado, de um irmão da locatária não traduz cedência, para esse parente, do gozo desse mesmo local, nem confere ao senhorio o direito à resolução do contrato de arrendamento (para habitação) com fundamento na al. e) do nº 2 do art. 1083º do CCiv., já que é a própria lei (art. 1093º nºs 1 al. a) e 2 do mesmo Código) que presume «juris et de jure» (presunção inilidível) que tal parente (colateral) vive em economia comum com a arrendatária, podendo, por isso, aí residir licitamente.
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V. Decisão:

Em conformidade com o exposto, os Juízes desta secção cível da Relação do Porto acordam em:
1º) Julgar improcedente a apelação e confirmar a douta sentença recorrida.
2º) Condenar recorrente nas custas.
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Porto, 2009/03/03
Manuel Pinto dos Santos
Cândido Pelágio Castro de Lemos
Augusto José Baptista Marques de Castilho