Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00031427 | ||
Relator: | PINTO DE ALMEIDA | ||
Descritores: | CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL AUTORIZAÇÃO COMUNICAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP200103150130237 | ||
Data do Acordão: | 03/15/2001 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | T J CHAVES 1J | ||
Processo no Tribunal Recorrido: | 359/99 | ||
Data Dec. Recorrida: | 07/19/2000 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR CONTRAT. | ||
Legislação Nacional: | RAU90 ART64 F G ART111 ART115 N1 N2 ART122. CCIV66 ART1038 F G ART1049. | ||
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Sumário: | Não é exigível a prévia autorização do senhorio para a celebração do contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, nem é necessário que esta lhe seja comunicada. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. MARIA... veio propor a presente acção de despejo, sob a forma de processo sumária, contra NOÉMIA... e marido ACÁCIO..., HÉLDER... e mulher MARIA CÂNDIDA... e PAULO... e mulher MARIA EUGÉNIA..., por si e na qualidade de representantes legais da herança aberta por óbito de Humberto.... Pediu que seja declarada a resolução do contrato de arrendamento descrito no art. 1º e segs. da p.i. e que os réus sejam condenados a reconhecerem essa declaração e a entregarem o arrendado à autora, livre de quaisquer ónus ou encargos e devidamente limpo. Subsidiariamente, para a hipótese de improceder o pedido principal e se entender que o contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial se deve reger pelas regras do arrendamento, deverá igualmente ser declarado resolvido o mencionado contrato de arrendamento, devendo os réus ser condenados a reconhecerem essa declaração e a entregarem à autora o arrendado livre de quaisquer ónus ou encargos e devidamente limpo. Como fundamento, alegou, em síntese, que os herdeiros do falecido primitivo arrendatário, cederam a exploração do estabelecimento comercial instalado no arrendado, através de contrato que vem sendo renovado em cada ano, desde 1993. sem que a autora alguma vez tivesse dado autorização aos inquilinos para ceder o gozo do arrendado e sem que lhe tivesse sido comunicada a renovação do contrato de cessão aludido, sendo certo que nunca reconheceu a cessionária como tal, especialmente depois de 30 de Abril de 1994. Os réus apresentaram a sua contestação, no essencial defendendo a desnecessidade de autorização do senhorio para a referida cessão. Concluíram pela improcedência da acção. No saneador, por o processo conter os elementos necessários, passou a conhecer-se do mérito, tendo a acção sido julgada improcedente. Discordando desta decisão, dela interpôs recurso a A., de apelação, tendo concluído assim as suas alegações: .......... Os recorridos contra-alegaram, concluindo pela improcedência da apelação. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II. Os factos Na sentença recorrida, foram considerados provados os seguintes factos: 1. A autora, na qualidade de legítima dona e possuidora do prédio urbano sito na Rua..., nº..., em Chaves, que confronta do Norte e Poente com a Rua... e Nascente com ..., inscrito sob o art.... da matriz urbana da freguesia de Chaves, em 1969, cedeu o gozo e fruição do rés-do-chão desse prédio a Humberto.... 2. Pelo período de seis meses, com início em 15-06-69 e termo em 15-12 desse mesmo ano. 3. Sucessivamente renovável, até denúncia de qualquer das partes. 4. Pela compensação anual de 3.600500, paga em duodécimos de 300$00, em casa do senhorio ou de quem ele indicasse, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito. 5. Quantias hoje actualizadas para 66.180$00 e 5.515$00, respectivamente. 6. Com a finalidade de aí exercer o comércio de compra e venda de ouro, prata, relógios e artigos semelhantes vulgarmente comercializados nas ourivesarias e relojoarias. 7. Até agora, não foi esse contrato denunciado por qualquer das partes. 8. Em 23-03-96, faleceu Humberto..., no estado de viúvo, tendo deixado três filhos, que são os réus Noémia, Hélder e Paulo. 9. Em 02-07-93, por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de Chaves, cederam os arrendatários a exploração do estabelecimento comercial instalado no arrendado a Conceição.... casada, residente no..., em Chaves. 10. Pelo prazo de um ano, com início em 01-05-93. 11. Pelo valor de 1.800.000$00, pago em prestações mensais de 150.000$00, nos primeiros oito dias do mês a que respeitarem. 12. Este contrato vem sendo renovado em cada ano até à data da propositura da acção. 13. Diz-se no dito contrato de cessão que fica à disposição da cessionária não só o mobiliário como os utensílios e mercadorias existentes no estabelecimento e que constam de uma relação elaborada em duplicado e assinada por ambas as partes. 14. A autora nunca deu autorização ao inquilino, ou seus descendentes, para ceder por qualquer modo, o gozo do arrendado a quem quer que fosse. 15. Também o inquilino, ou qualquer dos seus descendentes, ou a cessionária, nunca comunicou, por qualquer modo, a renovação do contrato à autora. 16. A autora nunca reconheceu a cessionária como tal, especialmente depois de 30 de Abril de 1994. 17. Através de comunicação de 12-07-93, Humberto... deu conhecimento à autora da cessão realizada, com indicação do Cartório onde a escritura foi exarada. 18. Com data de 19-07-93, a autora enviou resposta a essa comunicação, onde acusa a recepção da mesma. III. Mérito do recurso Objecto do recurso é a natureza e regime do contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, discutindo-se, quanto a este, se será necessária autorização do senhorio para a celebração do contrato ou, pelo menos, a comunicação desta. 1. Dispõe o art. 111º nº 1 do RAU que não é havido como arrendamento de prédio urbano ou rústico o contrato pelo qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com a fruição do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado. Se, porém, ocorrer alguma das circunstâncias previstas no nº 2 do art. 115º, o contrato passa a ser havido como arrendamento do prédio. Essas circunstâncias são as seguintes: a) quando, transmitida a fruição do prédio, passe a exercer-se nele outro ramo de comércio ou indústria, ou quando, de um modo geral, lhe seja dado outro destino; b) quando a transmissão não seja acompanhada de transferência, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento. Cessão de exploração do estabelecimento comercial é, assim, o contrato pelo qual se transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado [Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 4ª ed., 509.]. Neste contrato o locador transfere para o locatário a exploração de um estabelecimento comercial, de todo o complexo de elementos materiais e imateriais que integram a organização do estabelecimento. Distingue-se, por isso, do arrendamento comercial, em que o locador transfere para o locatário o gozo de um prédio urbano ou rústico, para um fim directamente relacionado com uma actividade comercial. Em ambos os casos, a transferência é onerosa e temporária; só que, enquanto por força do arrendamento comercial o locatário passa a ter direito de gozo de um prédio, na locação do estabelecimento o cessionário passa a fruir um estabelecimento enquanto unidade económica [Cfr. Januário Gomes, Arrendamentos Comerciais, 2ª ed., 63; Antunes Varela, RLJ 123-247 e, entre outros o Ac. do STJ de 13.4.94, CJ STJ II, 2, 32.]. Conforme entendimento pacífico, a cessão de exploração do estabelecimento constitui um negócio atípico e inominado [Cfr. Antunes Varela, R.LJ 100-271; Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, 211 e segs.; Ac. do STJ de 27.4.89, BMJ 386-477.]. A lei reconhece que o valor dinâmico da exploração prevalece sobre o valor estático do imóvel, excluindo-o do âmbito do contrato de locação e sujeitando-o ao principio geral da liberdade contratual, sendo-lhe, portanto inaplicáveis as normas excepcionais de outros tipos contratuais, mesmo afins [Aragão Seia, Ob. cit., 511.]. 2. No caso, o A. pretende que se declare resolvido o contrato de arrendamento por não ter autorizado a celebração do contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial, nem lhe ter sido comunicada qualquer das suas renovações. Segundo dispõe o art. 1038º do CC, são obrigações do locatário: f) não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar; g) comunicar ao locador, dentro do prazo de quinze dias, a cedência do gozo da coisa por algum dos referidos títulos, quando permitida ou autorizada. Por outro lado, preceitua o art. 64º f) do RAU que o senhorio só pode resolver o contrato se o arrendatário subarrendar ou emprestar, total ou parcialmente, o prédio arrendado, ou ceder a sua posição contratual, nos casos em que estes actos são ilícitos, inválidos por falta de forma ou ineficazes em relação ao senhorio, salvo o disposto no artigo 1049º do CC. Tendo em consideração a referida natureza do contrato e o teor destes preceitos legais, analisemos as questões postas pelo recorrente [Nesta parte, acompanhamos de perto o Ac. desta Relação proferido na Apelação nº 89/2000-3ª, que o ora relator subscreveu como adjunto.]. 2.1. Necessidade de autorização do senhorio Importa notar, como se sublinhou, que o contrato de cessão de exploração é um contrato atípico, que não envolve a transferência do arrendamento sobre o imóvel, pois que o cedente conserva a sua posição jurídica de arrendatário. O contrato de cessão de exploração consubstancia a cedência temporária do estabelecimento como um todo, como uma unidade económica mais ou menos complexa. O que se transmite é a sua organização, essa unidade em si e não o local onde funciona. Distingue-se do trespasse, quer pela sua natureza temporária, quer porque o trespasse envolve a transmissão da titularidade do estabelecimento (incluindo o próprio arrendamento). Ora, se a cessão de exploração não envolve a transferência do arrendamento sobre o imóvel, uma vez que o arrendatário mantém esta qualidade, não pode equiparar-se esta situação a qualquer das previstas nos citados arts. 64º f) e 1038º f). Nestes preceitos apenas se proíbe, salvo se a lei o permitir ou o locador o autorizar, que o arrendatário proporcione a outrem o gozo total ou parcial do prédio arrendado, por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato. As realidades negociais previstas nessas disposições são, pois, a cessão contratual do locatário, a sublocação e o comodato, que, manifestamente não se confundem com a cessão de exploração - cfr. arts. 424º, 1060º e 1129º do CC. Por outro lado, o art. 64º do RAU apenas permite a resolução do contrato de arrendamento nos casos aí apontados, sendo a indicação da al. f) também taxativa [Cfr. Aragão Seia, Ob. Cit., 351; Ac. do STJ de 3.7.97, BMJ 469-486.], nela não se incluindo a cessão de exploração. Acresce que se a lei dispensou, expressamente, a autorização no caso de trespasse (art. 115º nº 1 do RAU), menos razões existem para que se exija essa autorização na cessão de exploração, em que não é posta em causa a relação de arrendamento. Assim, conclui-se que não é exigível a prévia autorização do senhorio para a celebração do contrato de cessão de exploração e que, portanto, a falta desta não constitui fundamento de resolução do contrato de arrendamento [Neste sentido, Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, 516; Pais de Sousa, Anotações ao Regime do arrendamento Urbano, 5ª ed., 317; Pereira Coelho, Arrendamento (1980), 225, nota; Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, l, 282; Januário Gomes, Arrendamentos Comerciais, 2ª ed., 77; de entre os mais recentes, os Acs. do STJ de 2.6.98, CJ STJ VI, 2, 103, desta Relação de 8.1.98, CJ XXIII, 1, 184 e de 19.11.99, BMJ 483-21 e da Rel. de Évora de 29.1.98, CJ XXIII, 1, 262.]. 2.2. Necessidade de comunicação ao senhorio Para defender esta necessidade de comunicação, refere-se que o locador tem interesse em fiscalizar a legalidade da cedência do imóvel em que o estabelecimento está instalado. E invoca-se a analogia com o trespasse, para o qual é exigida a obrigação de comunicação ao senhorio. São razões que, com o devido respeito, não relevam. Por um lado, o contrato de cessão não tem repercussão na subsistência do arrendamento e o senhorio não fica impedido de resolver o contrato de arrendamento junto do inquilino-cedente, ocorrendo violações que o justifiquem. O arrendamento, na cessão de exploração, mantém-se na titularidade da cedente que responde perante o senhorio, o que não acontece no caso de subarrendamento ou comodato. Na cessão de exploração, é sempre o cedente que continua a responder por qualquer violação contratual que seja fundamento da resolução. E nessa perspectiva está garantido ao senhorio exigir do arrendatário, em termos jurídicos, a fiscalização do arrendado. Por outro lado, embora se compreenda que se imponha a obrigação ao trespassante de comunicar ao senhorio o trespasse - quer para que este possa usar do direito de preferência, quer para que possa aferir da legalidade do negócio - já que a transmissão do arrendamento é definitiva, a mesma situação não se verifica quanto à cessão, em que a renda continua a ser da responsabilidade do cedente, por força da alínea g) do art. 1038º do CC. Importa notar, por outro lado, que a norma que impõe a comunicação - art. 1038º g) do CC - para além de o exigir apenas nos casos previstas na al. f) (cessão da posição contratual, subarrendamento e comodato, que não se identificam com a cessão de exploração), não é aplicável à cessão de exploração, pelas razões que se apontaram de não aplicação do regime vinculístico. Se a própria lei - art. 111º do RAU - não entende a cessão de exploração como arrendamento, não se justifica que se lhe aplique a regra da alínea g) do art. 1038º, só aplicável a tais contratos. Sendo a cessão um contrato atípico e inominado, não lhe são aplicáveis as normas excepcionais vinculisticas, do contrato de arrendamento, quer esteja em causa a autorização da cessão quer a comunicação ao senhorio de que ela foi efectuada. A resolução daquele contrato, salvo estipulação das partes, só poderá efectuar-se nos termos do disposto nos arts. 801º, 802º e 808º do CC [Aragão Seia, Ob. Cit., 513; Baptista Machado, Contrato de Locação de estabelecimento Comercial, Denúncia e Resolução, CJ XIV, 2, 21.]. Os artigos 115º e 122º do RAU são de natureza excepcional e, por isso, insusceptíveis de aplicação analógica a outras situações, como sejam a cessão de exploração do estabelecimento. Entende-se, assim, não ser exigível nem a autorização nem a comunicação ao senhorio [Neste sentido, os Acs. da Rel. do Porto de 22/1/1996, CJ XXI, 1, 201; de 18/1/1994, CJ XIX, I, 211; da Rel. de Coimbra de 9/12/1997, CJ XXII, 5, 32; de 26/3/1996,CJ XXI, 2, 31, de 7/7/1992, BMJ 419-826 e de 9/6/1992, BMJ 418-869 e corpo do Ac. STJ de 2/06/98 CJ STJ VI, 2, 104.]. De qualquer forma, a concluir-se pela necessidade de comunicação, a falta desta nunca poderia ter como efeito a resolução do contrato de arrendamento, por aplicação da alínea f) do nº l do art. 64º do RAU, já que, como acima se salientou, a cedência temporária não equivale à cedência prevista no aludido preceito. 3. No caso dos autos, a recorrente não discorda da sentença, no que respeita à qualificação do contrato, como cessão de exploração do estabelecimento. Defende, todavia, a aplicação a esse contrato do disposto no art. 424º do CC. Já acima nos pronunciámos sobre esta questão. A cessão da exploração do estabelecimento comercial não se identifica com a cessão da posição contratual. Na cessão da posição do arrendatário há uma transmissão da posição contratual deste; cede-se o direito de arrendamento do prédio, perdendo o cedente a qualidade de arrendatário; o negócio versa sobre o prédio arrendado. Pelo contrário, na cessão da exploração, como decorre da própria denominação, cede-se a exploração do estabelecimento, mantendo o cedente a qualidade de arrendatário; o negócio versa, não sobre o prédio, mas sobre o estabelecimento [Cfr. Pereira Coelho, Ob. Cit. 186 e 187.]. O titular do estabelecimento é o inquilino; o imóvel - o locado - não é cedido; daí que a cedência da exploração - lícita, no âmbito facultado pelo art. 405º do CC - seja eficaz, não dependendo, pelas razões já expostas, de autorização do senhorio ou de comunicação a este. Diverge-se, assim, neste último ponto da sentença. Não sendo necessária essa comunicação, entende-se, por maioria de razão, que se mantém essa desnecessidade quanto às sucessivas renovações do contrato. A última questão posta pela recorrente, com o devido respeito, não tem cabimento. O art. 64º nº 1 g) do RAU prevê o limite de renda a cobrar no subarrendamento, figura que não se confunde com a cessão de exploração do estabelecimento, não estando este contrato sujeito, como se disse, a regras vinculísticas. Improcedem, por conseguinte, as conclusões do recurso. IV. Decisão Em face do exposto, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se, por fundamento não inteiramente coincidente, a sentença recorrida. Custas a cargo do apelante. Porto, 15 de Março de 2001 Fernando Manuel Pinto de Almeida João Carlos da Silva Vaz Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo |