Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0715363
Nº Convencional: JTRP00040949
Relator: FERREIRA DA COSTA
Descritores: AVISO PRÉVIO
Nº do Documento: RP200801140715363
Data do Acordão: 01/14/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 98 - FLS 72.
Área Temática: .
Sumário: I - O aviso prévio é um termo suspensivo relativo à rescisão do contrato, o que significa que durante a sua duração o contrato se encontra em execução, com todos os seus direitos e deveres, para ambas as partes.
II - Mantendo-se durante o período de aviso prévio todos os direitos e deveres de ambas as partes, a recusa da prestação laborativa naquele tempo traduz um despedimento, como em qualquer outro momento, sendo irrelevante a asserção de que se teria tratado de mera dispensa de aviso prévio, uma vez que a dispensa de aviso prévio, mesmo remunerada, não pode ser efectuada contra a vontade do trabalhador.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B………. deduziu acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra C………., Ld.ª, pedindo que se declare que foi ilicitamente despedida pela R. e que se a condene a pagar-lhe as prestações pecuniárias que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até à data do trânsito em julgado da decisão, bem como a quantia global de € 7.868,44, sendo € 6.127,50 a título de indemnização e a restante a título de retribuição vencida, indemnização por 10 dias de férias não gozadas e férias respectivo subsídio e subsídio de Natal, proporcionais ao trabalho prestado no ano de 2004, sendo tudo acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data do respectivo vencimento.
Alega a A., para tanto e em síntese, que tendo sido admitida ao serviço da R. em 1995, em 2004-09-07 remeteu-lhe uma carta que esta recebeu no dia seguinte a comunicar-lhe que rescindia unilateralmente o contrato de trabalho que as ligava. Porém, tendo-se esquecido de conceder o aviso prévio, no dia 8 seguinte comunicou-lhe que o iria cumprir até ao dia 2004-11-08, mediante carta que a mesma recebeu em 9 seguinte. No mesmo dia 8 de Setembro decidiu revogar a rescisão e para o efeito remeteu à R. outra carta registada que a mesma recebeu no dia 9 seguinte.
Mais alega a A. que no dia 2004-09-09, pelas 8 horas, quando se apresentou ao trabalho foi impedida pelo sócio gerente da R. de desempenhar as suas funções, o qual lhe disse que já não era sua trabalhadora e tendo-lhe aquela retorquido que já lhe havia comunicado a revogação da declaração de denúncia do contrato, este respondeu que não queria saber da revogação para nada, que quem mandava ali era ele.
No dia 2004-09-14, segundo também alega, a A. compareceu nas instalações da R., a fim de retomar o seu posto de trabalho, mas o referido sócio gerente impediu-a de trabalhar, reafirmando que não queria saber da revogação da declaração de denúncia do contrato para nada. Nesse mesmo dia 2004-09-14, a A. remeteu nova carta à R., na qual lhe declarou que a sua atitude, ao impedi-la de trabalhar, encerrava um despedimento e que caso não lhe fosse comunicada a sua não oposição ao retorno ao trabalho, recorreria às vias judiciais. Respondeu a R. por carta datada de 2004-09-17, declarando que prescindia do período de aviso prévio da A., dispensando os seus serviços e negando o despedimento e a proibição de acesso ao posto de trabalho.
Por último, alega a A. que nos dias 23 e 24 de Setembro voltou a comparecer nas instalações da R. para trabalhar, mas foi impedida de o fazer pelo sócio gerente referido.
Contestou a R., admitindo parcialmente os factos alegados pela A., mas dando-lhes uma diferente interpretação, nos termos da qual a A. não revogou a declaração de denúncia do contrato de trabalho, apenas pretendeu denunciá-lo, concedendo aviso prévio, de que a R. prescindiu, pelo que não despediu a A.; quanto ao mais, contestou por impugnação.
A A. respondeu à contestação.
Procedeu-se a julgamento sem gravação da prova pessoal, tendo sido assente a matéria de facto dada como provada pela forma constante do despacho de fls. 95 a 103, que não suscitou qualquer reclamação.
Proferida sentença, foi a acção julgada parcialmente procedente e a R. condenada a pagar à A. :
a)- As retribuições que deixou de auferir desde 2005-01-14 até ao trânsito em julgado da decisão.
b)- A indemnização de antiguidade no montante de € 4.493,50 (quatro mil quatrocentos e noventa e três euros e cinquenta cêntimos).
c)- A quantia de € 1.172,09 (mil cento e setenta e dois euros e nove cêntimos) relativa a férias e subsídios de férias e de Natal, com juros de mora, à taxa legal, desde da data da cessação do contrato (2004-09-23) até integral pagamento.
d)- Juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento, contados desde do vencimento de cada retribuição no que concerne à compensação referida em a) e desde o despedimento, ocorrido em 23.9.2004, quanto às restantes importâncias.
Inconformada com o assim decidido, veio a R. interpôr recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença e tendo formulado a final as seguintes conclusões:

I. Por carta de 8.9.04 que a R. recebeu a 9.9.04, a A. rescindiu o contrato de trabalho, com aviso prévio de 60 dias com início em 10.9.04 e termo em 8.11.04;
II. No dia 9.9.04, e após ter recebido a carta referida em I, o sócio-gerente da R. comunicou à A. que prescindia do aviso prévio e que a dispensava da prestação de trabalho durante esse período, sem perda de retribuição;
III. No dia 14.9.04 a A. compareceu nas instalações da R., mas esta não lhe permitiu regressar ao trabalho;
IV. No mesmo dia 14.9.04 a A. enviou à R. uma carta, que a R. recebeu a 15.9.04, na qual declarava que a conduta do sócio-gerente da R. de a impedir de retomar o trabalho encerrava um despedimento ilícito;
V. A R. respondeu a esta carta com a comunicação que em 17.9.04 dirigiu à A., na qual nega tê-la despedido e reafirma prescindir do aviso prévio de denúncia do contrato pela A. e que a dispensava da prestação de trabalho nesse período;
VI. Face ao comportamento da A. e da R., esta apenas percebeu e concluiu que a A. insistia em querer trabalhar durante o aviso prévio;
VII. Colocado na posição da R. um declaratário normal só assim poderá entender o comportamento da A., tanto mais que esta, quando pretendeu efectivamente revogar a denúncia do contrato que efectuara por carta de 7.9.04 fê-lo de modo expresso e inequívoco e por escrito, através da comunicação de 8.9.04.
VIII. Colocado na posição da R., um declaratário normal não entenderia o comportamento da A. como constituindo declaração negocial de revogação da denúncia do contrato.
IX. O comportamento da R. para com a A. demonstra inequivocamente que nunca entendeu a actuação da A. consubstanciada na apresentação ao serviço e na comunicação que esta lhe enviou a 14.9. como revogação da denúncia do contrato de trabalho efectuada pela comunicação de 8.9.04.
X. Tanto assim que, repetidamente e verbalmente (a 9 e a 14.9.) e por escrito (de 17.9.) lhe referiu que não a despedira e que apenas prescindia do aviso prévio e a dispensava da prestação do trabalho nesse período.
XI. Era dever da A., ou pelo menos seria de elementar cautela que esta esclarecesse a R. dizendo-lhe expressamente que revogava a denúncia do contrato; não o fazendo a A. infringiu os deveres de boa fé que lhe impõem os art°s 93° e 119°, n° 1 do Código do Trabalho e 227° do Código Civil.
XII. A decisão constante da douta sentença viola duplamente o art° 236° do C.C., pois que, por um lado, um declaratário normal - no caso a R. - não podia deduzir, e efectivamente não deduziu, do comportamento da A. que esta pretendia revogar a denúncia do contrato e também não era razoável que contasse com a possibilidade de tal revogação, até porque a A. revogara por escrito uma anterior denúncia.
XIII. Por outro lado, a A. sabe por que tal lhe foi dito - e está provado nos autos - que a R. nunca considerou nem entendeu que pretendia revogar a denúncia do contrato; sabe ainda a A. porque tal lhe foi dado a conhecer pela R., que nunca esta pretendeu despedi-Ia, mas antes e tão somente prescindiu do aviso prévio e da prestação de trabalho nesse período.
XIV. A douta sentença recorrida faz assim errada interpretação dos factos e errada subsunção dos mesmos à lei, violando os art°s 227° e 236° do Código Civil e os art°s 93°, 119°, n° 1, 449° e 436° a 437° do Código do Trabalho, pelo que deve ser revogada.

A A. apresentou contra-alegação de resposta à apelação, pedindo a confirmação do julgado.
O Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que a apelação não merece provimento.
Nenhuma das partes tomou posição acerca do teor de tal parecer.
Admitido o recurso, foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo:
1. No ano de 1995, a A. e a R. celebraram um contrato de trabalho sob a forma verbal nos termos do qual a A. passou a trabalhar sob as ordens, direcção e instruções da R. nas instalações desta, sitas à Rua ………., nº …, ………. – Santa Maria da Feira, mediante retribuição constituída por salário mensal, férias, subsídio de férias e de Natal iguais, cada um e em cada ano, à retribuição de um mês, bem como subsídio de alimentação por cada dia de trabalho prestado.
2. A R. classificava a A. de gaspeadeira de 1ª.
3. A A. tinha como funções desempenhar as tarefas inerentes à categoria profissional para que foi contratada, concretamente, preparar para coser e coser diversas partes dos cortes.
4. Em 8.9.2004, a A. era retribuída com o salário mensal de 408,50 €, a que acrescia um subsídio diário de alimentação de 5,23 € por cada dia útil de trabalho.
5. No dia 7/9/2004, a A. remeteu à R. a carta inserta a fls. 11, que esta recebeu a 8/9/2004, cujo teor se dá aqui por reproduzido na sua literalidade.
6. No dia 8/9/2004, o gerente da R., tendo recebido a carta da A. datada do dia anterior, cerca das 12,30 horas, no final do período de trabalho chamou a A. ao escritório e comunicou-lhe que aceitava a rescisão do contrato, com efeitos imediatos e que considerava cessada a relação laboral.
7. Também no dia 8/9/2004, pelas 14h. e 19 m., a A. porque se esquecera de conceder o aviso prévio remeteu à R. a carta inserta a fls. 14 comunicando que o iria cumprir até 8/11/2004, carta essa que foi recebida pela R. no dia 9/9/2004 e cujo teor se dá aqui por reproduzido na sua literalidade.
8. Ainda no dia 8/9/2004, pelas 14h. e 20 m., a A. remeteu à R. a carta inserta a fls. 17, na qual disse revogar a carta enviada no dia 7/9/2004, nos termos do art. 449º do C. Trabalho, cujo teor se dá aqui igualmente por integralmente reproduzido na sua literalidade.
9. No dia 9/9/2004, pelas 8.00 horas, a A. compareceu nas instalações da R. e dirigiu-se ao sócio gerente da R., D………., informando-o que queria retomar as suas funções e que tinha enviado duas cartas no dia anterior pelo correio porque a do dia 7 estava mal feita, tendo-a este impedido de trabalhar, dizendo-lhe que face à carta recebida no dia anterior já não era trabalhadora da R..
10. Pelas 12h.30 m. do dia 9/9/2004, a R. recebeu as duas cartas remetidas pela A. no dia anterior e, após, o sócio gerente comunicou-lhe que prescindia do aviso prévio, dispensando–a da prestação da sua actividade sem perda de retribuição.
11. No dia 14/9/2004, a A. compareceu de novo nas instalações da R. para retomar o seu posto de trabalho, mas o sócio gerente não lhe permitiu regressar ao trabalho.
12. Nesse mesmo dia, a A. remeteu à R., a carta inserta a fls. 20 dos autos, que esta recebeu no dia 15/9, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na sua literalidade, na qual declara que a conduta reiterada do sócio gerente da R., ao impedi-la de retomar o trabalho encerra um despedimento ilícito, dando um prazo de 5 dias para a R. lhe comunicar que não se opõe ao seu regresso ao serviço, findo o qual recorrerá às vias judiciais.
13. A R. respondeu-lhe através da carta datada de 17/9/2004, junta a fls. 23, que também se dá aqui por integralmente reproduzida, mediante a qual nega ter despedido a A. e renova a dispensa do período de aviso prévio, sem prejuízo dos seus direitos inerentes da cessação do contrato.
14. Nos dias 23 e 24 de Setembro de 2004, pelas 8 horas, a A. voltou a comparecer nas instalações da R. para retomar o seu posto de trabalho e em ambos os dias foi impedida de o fazer pelo sócio gerente da R.
15. Em 4/10/2004, a A. remeteu à R. a carta inserta a fls. 24, à qual a R. respondeu a 8/10/2004 através da carta junta a fls. 54.
16. A R. não pagou à A. os 8 dias de trabalho prestado no mês de Setembro, nem os proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal correspondentes ao trabalho prestado em 2004.
17. Das férias vencidas em 1.1.2004, a A. apenas gozou 12 dias, tendo todos os trabalhadores, incluindo a A. acordado com a R. que gozariam os restantes 10 dias na altura do Natal.
18. A R. pôs à disposição da A. a quantia de € 1.634,00 para pagamento dos créditos correspondentes ao período de aviso prévio e aos proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal do ano de 2004, quantia que a A. se recusou a receber.
Estão também provados os seguintes factos:
19. É do seguinte teor a carta de 2004-09-07, referenciada no ponto 5., supra:

“…Serve a presente para comunicar a Vas. Exas. a rescisão da minha prestação de trabalho, com efeitos a partir desta data (07 de Setembro de 2004)…”.

20. É do seguinte teor a carta de 2004-09-08, referenciada no ponto 7., supra:
“…B………., residente em ………., portadora do B. Identidade nr. ……., do Arquivo de Identificação de Lisboa, ao serviço desta entidade desde 01 de Outubro de 1995, vem por este meio comunicar a Vas. Exas. Que por motivos particulares, se despede cumprindo com o aviso prévio de 60 dias a iniciar em 10 de Setembro de 2004 e a terminar a 8 de Novembro de 2004…”.

21. É do seguinte teor a carta de 2004-09-08, referenciada no ponto 8., supra:
“…B………., residente em ………., portadora do B. Identidade nr. ……., do Arquivo de Identificação de Lisboa, ao serviço desta entidade desde 01 de Outubro de 1995, vem por este meio revogar a carta enviada a 07 de Setembro de 2004, nos termos do Art. 449 do novo Código do Trabalho…”.

22. É do seguinte teor a carta de 2004-09-14, referenciada no ponto 12., supra:
“…Com data de 07-09-2004 remeti a V. Ex.as uma missiva, na qual comuniquei a rescisão, unilateral, do contrato de trabalho que mantinha com essa Sociedade.
Nesse mesmo dia ainda me apresentei ao serviço, bem como no dia seguinte, tendo, em ambos, prestado trabalho e executado normalmente as minhas funções laborais.
Ainda no dia 08-09-2004 remeti, sob registo, a essa Sociedade, uma comunicação, dando conta que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 449º do Código do Trabalho, ficava revogada a declaração de rescisão que antecedia.
Tal direito, efectivamente, assistia-me, nos termos da supra aludida norma legal.
Assim, no dia 09-09-2004, pelas 8 horas, apresentei-me no local de trabalho, a fim de desempenhar as funções inerentes ao meu posto de trabalho e que sempre aí exerci, tendo porém sido impedida, pelo gerente Sr. D………., de o fazer, alegando este que eu já não era trabalhadora dessa Sociedade e que não queria saber da revogação da declaração de cessação do contrato, para nada e que mais ali não poderia permanecer ou entrar.
No dia 14-09-2004 tentei, na expectativa de que o decurso do tempo fosse bom conselheiro, voltar a retomar o meu posto de trabalho mas, mais uma vez, o sócio gerente e legal representante dessa Sociedade, Sr. D………., me impediu de aceder ao local de trabalho e de o retomar.
Tal conduta, reiterada, por parte de V. Ex.as, encerra um despedimento ilícito, pelo que e caso no prazo de 5 dias não me comuniquem, por esta via, da V/ não oposição ao meu retorno ao local e posto de trabalho, recorrerei às vias contenciosas judiciais, em ordem à salvaguarda dos meus legítimos direitos e interesses…”.

23. É do seguinte teor a carta de 2004-09-17, referenciada no ponto 13., supra:
“…No dia 8 de Setembro de 2004 V. Exª. Comunicou a esta empresa, por carta registada, a vontade de revogar a declaração de cessação do contrato;
Igualmente nesse mesmo dia, V. Exª. remeteu-nos, sob registo, carta a rescindir o contrato de trabalho, informando que ‘se despede cumprindo com o aviso prévio de 60 dias a iniciar em 10 de Setembro de 2004 e a terminar a 8 de Novembro de 2004’.
No dia 9 de Setembro de 2004 foi-lhe comunicado que a C………., Ldª prescindia do aviso prévio, deixando de exigir os seus serviços a partir daquela data, com a salvaguarda dos direitos e créditos emergentes do contrato e da sua cessação, motivo pelo qual considerava-se libertada da situação de trabalho;
A entidade patronal não a despediu, nem a impediu de aceder ao seu posto de trabalho;
Simplesmente prescinde do prazo mínimo de aviso prévio;
Pelo que e uma vez mais, informa-se V. Exª, que esta empresa prescinde do aviso prévio, dispensando os seus serviços, sem prejuízo dos direitos e interesses de V. Exª decorrentes da cessação do contrato.

24. É do seguinte teor a carta de 2004-10-04, referenciada no ponto 15., supra:
“…Sou a acusar a recepção da V/carta de 17-09-2004, de cujo conteúdo tomei boa nota, pese embora a mesma não retrate, fielmente, a realidade dos factos.
Na verdade, apesar de ter comunicado a essa Sociedade a rescisão unilateral do contrato de trabalho, o certo é que, no prazo legal, igualmente Vos comuniquei a revogação dessa minha comunicação.
Daí ter-me apresentado ao trabalho nos dias 9 e 14 de Setembro de 2004, tendo, porém, sido impedida de aceder ao respectivo posto de trabalho pelo Sr. D………., gerente dessa Sociedade.
Razão pela qual, por carta de 14-09-2004, enviada sob registo, reafirmei o meu propósito de retomar o trabalho.
Pese embora a V/conduta, impeditiva do acesso ao meu posto e local de trabalho, encerrar um despedimento ilícito, o certo é que, na esperança de melhor ponderação por parte de V. Ex.as, ainda me apresentei ao trabalho nos dias 23 e 24 de Setembro, sendo sempre impedida de o retomar.
Assim sendo e porque o V/comportamento reveste inequivocamente um despedimento ilícito, sou a informar que, de imediato, irei recorrer às vias contenciosas judiciais, em ordem a fazer valer os direitos que, legitimamente, me assistem.

O Direito.
Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto[1], como decorre das disposições conjugadas dos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho, salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, a única questão a decidir nesta apelação consiste em saber se a R. não despediu a A.
Vejamos.
Entende a R., ora apelante, que a A. pretendeu denunciar o contrato de trabalho, dando o aviso prévio de 60 dias, mas que aquela prescindiu de tal aviso, com manutenção dos direitos desta, pelo que não praticou qualquer despedimento.
Por seu turno, entende a A. que, tendo denunciado o contrato de trabalho, sem ter dado o aviso prévio, remeteu nova carta para suprir tal omissão e uma outra, [no mesmo dia e hora, com diferença de um minuto], para revogar a declaração de denúncia pelo que, não tendo a R. permitido que ela retomasse o seu posto de trabalho, praticou um despedimento ilícito.
O Tribunal a quo, por último, consideradas as missivas de 7 e 8, ambos de Setembro de 2004, não concluiu que a A. pretendeu revogar a declaração de denúncia do contrato de trabalho, só tendo interpretado a vontade da A. nesse sentido, embora por declaração tácita, com a apresentação da apelada ao serviço em 14, seguinte e com a emissão da carta da mesma data.
Ora, apesar destas diferenças de interpretação, todos estão de acordo que ao caso se aplica o comando ínsito no Art.º 236.º do Cód. Civil, segundo o qual:
1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

Tal norma consagra a doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo é, no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista[2], pois o sentido da declaração deve corresponder àquele que um declaratário minimamente diligente e sagaz retiraria se estivesse na posição do declaratário verdadeiro, tomando em conta todas as circunstâncias cognoscíveis relativas ao negócio, ao declaratário e ao declarante. Trata-se da designada teoria da impressão do destinatário[3].
Cremos que, in casu, atentas as regras de interpretação acabadas de enunciar, a R. poderia ter entendido a declaração da A. que se retira das 3 primeiras cartas, datadas de 7 e 8 de Setembro de 2004, como pretendendo esta denunciar o contrato de trabalho, dando o aviso prévio legal, logo na primeira, só não o fazendo por inadvertência; daí a emissão de outra no dia seguinte, mas apenas para suprir tal omissão e a emissão de uma segunda carta no dia 8 para revogar a declaração de denúncia do dia anterior. Ter-se-á tratado de vontade incorrectamente expressa, o que poderá ter ocorrido, como tantas vezes acontece na prática, por a A. não ter solicitado os serviços de um Advogado, por exemplo, o que poderá ter acontecido apenas na carta de 14 seguinte. Repare-se na diferença do tipo de letra mas, sobretudo, na diferença de discurso, entre as cartas de 7 e 8, por um lado e da carta de 14, por outro, todas de Setembro de 2004: na verdade, pretendendo-se aplicar o disposto no Art.º 449.º, n.º 1 do Cód. do Trabalho[4], um técnico do direito não escreveria que revogava a carta, se pretendesse dizer que revogava a declaração de denúncia do contrato de trabalho.
Mas, entendendo que a A., revogando a carta da véspera e enviando outra a dar o aviso prévio, pretendeu apenas denunciar o contrato de trabalho, dando para o efeito o competente aviso prévio de 60 dias, tal interpretação da R. já não se enquadra dentro dos legais parâmetros quando, como in casu, a A. comparece no dia 14 de Setembro de 2004 a pretender retomar o posto de trabalho e remete carta no mesmo dia reafirmando o sentido da sua declaração. Isto é, se a R. tinha dúvidas perante o arrazoado das 3 cartas de 7 e 8, ambos de Setembro de 2004, elas deveriam ter cessado quando, em 2004-09-15, recepciona a carta datada de 14, anterior, embora se admita que a A. poderia ter emitido uma declaração mais clara dizendo, por exemplo, que sempre teria sido seu propósito, desde o referido dia 8, revogar a sua declaração rescisória. No entanto, a nosso ver, a carta do referido dia 14 é esclarecedora da real carga intencional que a A. colocou nas suas missivas, a começar nas datadas do referido dia 8.
De qualquer modo, mesmo aceitando a interpretação da R., segundo a qual as cartas de 8 de Setembro de 2004, uma delas revogando a carta do antecedente dia 7, mas mantendo a outra a decisão de denunciar o contrato de trabalho, só que agora com a adenda do aviso prévio de 60 dias, tal não significa, a nosso ver, que a ora apelante pudesse impedir a A. de retomar o seu posto de trabalho.
Na verdade, o direito de denunciar o contrato de trabalho é um direito potestativo[5] pelo que ele se impõe inelutavelmente à outra parte, manifestada que seja a vontade pelo seu titular, no sentido do respectivo exercício.
Por outro lado, o aviso prévio não é mais que um termo suspensivo relativamente à rescisão do contrato, o que significa que durante a sua duração o contrato se encontra em execução, com todos os seus direitos e deveres, para ambas as partes.
Daí que para o trabalhador se mantenha o dever – mas também o direito – de trabalhar, como para o empregador se mantenha o direito de receber a prestação do trabalhador, mas também o dever de a receber, se o trabalhador assim o pretender. Do exposto resulta que o empregador pode, face à denúncia do contrato, prescindir do período de aviso prévio, desde que o trabalhador nisso esteja de acordo. Porém, se o trabalhador pretender continuar a trabalhar, o direito à ocupação efectiva, no respectivo posto de trabalho, mantém-se como em qualquer outro momento da execução do contrato, maxime, antes de efectuada a declaração de denúncia. Mantendo-se durante o período de aviso prévio todos os direitos e deveres de ambas as partes, a recusa da prestação laborativa naquele tempo traduz um despedimento, como em qualquer outro momento, sendo irrelevante a asserção de que se teria tratado de mera dispensa de aviso prévio. Na verdade, a dispensa de aviso prévio, mesmo remunerada, não pode ser efectuada contra a vontade do trabalhador, o qual mantém o direito a ver o contrato executado, no que à sua prestação concerne, até ao fim do aviso prévio.
Cfr., a propósito do tema:
- António de Lemos Monteiro Fernandes, in Noções Fundamentais de Direito do Trabalho 1, 3.ª edição, 1979, págs. 331 e 332:
“…O aviso prévio … é um período em que a relação de trabalho se mantém de pé … permanecendo, por conseguinte, de modo integral, os direitos e obrigações recíprocas das partes. … o desenvolvimento das relações pode, no decurso de tal lapso de tempo, gerar situações novas e anómalas que (porventura) confiram a qualquer das partes justa causa para romper antecipadamente o vínculo.”

- Carlos Alberto Lourenço Morais Antunes e Amadeu Francisco Ribeiro Guerra, in Despedimentos e Outras Formas de Cessação do Contrato de Trabalho, 1984, pág. 231:
“… Durante o prazo de aviso-prévio o contrato de trabalho continua plenamente em vigor …”. “Daí que, durante o prazo de aviso prévio os direitos e deveres das partes se mantenham integralmente pelo que quaisquer actos lesivos da estabilidade do vínculo contratual reger-se-ão pelos termos gerais da Lei.
Assim, se a entidade patronal despedir o trabalhador sem justa causa ou sem processo disciplinar, estando a decorrer o lapso de tempo correspondente ao aviso-prévio, o trabalhador terá direito às indemnizações legais inerentes à nulidade do despedimento.”…

- Abílio Neto, in Despedimentos e Contratação a Termo, 1989, págs. 180 e 181:
“… 4. Posição do trabalhador no decurso do prazo de aviso prévio. Os direitos e deveres recíprocos do trabalhador e da entidade patronal não sofrem qualquer modificação pelo simples facto de aquele ter anunciado o propósito de pôr termo, unilateralmente, ao contrato de trabalho.
Assim, se o trabalhador assumir, no decurso do prazo do aviso prévio, qualquer comportamento integrador de justa causa de despedimento, poderá ser-lhe instaurado o correspondente processo disciplinar e nele vir a ser decidido o despedimento. Em contrapartida, se a entidade empregadora despedir o trabalhador, durante aquele período, sem precedência de processo disciplinar, o despedimento será ilícito e, como tal, gerará o dever de indemnizar.”

- José de Castro Santos e Maria Teresa Rapoula, in Da Cessação do Contrato de Trabalho e Contratos a Termo, Do Trabalho Temporário, 1990, pág. 170:
“… 4 – O aviso prévio representa um termo suspensivo aposto á rescisão. Durante o prazo de pré-aviso, o contrato de trabalho mantém-se em pleno vigor e, consequentemente, as partes são obrigadas a cumpri-lo na íntegra (RAUL VENTURA, Revista da Ordem dos Advogados, X, pág. 297 e Ac. Do S.T.A. D.G. de 30.01.48).
De modo que nada impede que, durante esse prazo de pré-aviso, a entidade empregadora ou o trabalhador possam rescindir unilateralmente o contrato com eficácia imediata, caso haja justa causa para tanto.”

- Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 2006, pág. 923:
“…Nada obsta, naturalmente, a que o empregador dispense o trabalhador, do tempo de aviso prévio, por acordo com o trabalhador, cessando então o contrato antecipadamente.”

- Júlio Manuel Vieira Gomes, in Direito do Trabalho, volume I, Relações Individuais de Trabalho, 2007, pág. 1067:
“… Poderá o empregador unilateralmente prescindir do aviso prévio e pretender a cessação imediata do contrato? … Além de que o contrato ainda não cessou, já que a declaração extintiva estava sujeita a um termo suspensivo, pelo que, achando-se o contrato em vigor, continua a valer a tutela do posto de trabalho”.

In casu, tendo a R. impedido a A. de prestar trabalho durante o período de aviso prévio, portanto, na sua óptica de que a A. não quis revogar a declaração de denúncia do contrato de trabalho, mas apenas denunciá-lo com aviso prévio, tal comportamento traduz um despedimento.
Em suma, quer na interpretação que antevimos acima como possível em face das declarações constantes das 3 primeiras cartas enviadas à R. pela A., quer na interpretação sufragada doutamente pelo Tribunal a quo, quer na interpretação da R., deparamos sempre com o mesmo resultado: a A. foi impedida pela R. de retomar o seu posto de trabalho, quando o contrato estava em plena execução, quer pela revogação da denúncia, quer pelo decurso do prazo do aviso prévio, o que constitui um despedimento que, à falta de prévio procedimento disciplinar, é ilícito.
Daí que, embora por razões não inteiramente coincidentes, a sentença seja de confirmar.
Improcedem, destarte, as conclusões do recurso.

Decisão.
Termos em que se acorda em negar provimento à apelação, assim confirmando, ainda que por razões não inteiramente coincidentes, a douta sentença impugnada.
Custas pela R.

Porto, 2008-01-14
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Domingos José de Morais
António José Fernandes Isidoro

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[1] Cfr. Abílio Neto, in Código de Processo Civil Anotado, 2003, pág. 972 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 359, págs. 522 a 531
[2] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, volume I, 3.ª edição, 1982, nota 2. ao Art.º 236.º, pág. 222.
[3] Cfr. Carlos da Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, lições no ano lectivo 1972-73, João Abrantes, Coimbra, 1973, págs. 624 e segs.
[4] Do seguinte teor:
1 – A declaração de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, tanto por resolução como por denúncia, sem assinatura objecto de reconhecimento notarial presencial, pode por este ser revogada por qualquer forma até ao sétimo dia seguinte à data em que chegou ao poder do empregador.
[5] Segundo o Prof. Doutor Raul Ventura, in Lições de Direito do Trabalho, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Raul Ventura, volume II, Direito Comercial, Direito do Trabalho, Vária, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2003, págs. 551 e segs., citando Barassi, o direito de denunciar o contrato é um direito potestativo, constitutivo e não autónomo.