Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00043747 | ||
Relator: | CÂNDIDO LEMOS | ||
Descritores: | ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO PRESUNÇÃO REGISTRAL | ||
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Nº do Documento: | RP201003253941/06.8TBSTS.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/25/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO. | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO - LIVRO 361 - FLS. 119. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Em todos os casos (e são muitos) em que as partes disputam, por razões de má vizinhança, a propriedade de pequenas parcelas nas confrontações de prédios de donos diferentes, optando-se pela acção de reivindicação (art. 1311.º do CC), sempre os reivindicantes terão de provar a sua posse sobre o objecto da disputa, com as características capazes de transformá-la em direito de propriedade (Usucapião), não bastando fazer apelo à presunção registral. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. 3941/06.8TBSTS.P1 Relator: Cândido Lemos – 1604 Adjuntos: Des. M. Castilho – Des. H. Araújo – ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: No 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santo Tirso B………….. e mulher, C…………., residentes na Rua do ……, ………, Trofa, intentaram a presente acção com processo sumário, contra D…………, maior, residente na Rua …….., n.º ….., ………., Trofa pedindo que, sendo declarado o seu direito de propriedade sobre o prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial, fosse o réu condenado a tal reconhecer e a respeitar a posse dos autores sobre a totalidade desse prédio, deixando de entrar na parte do quintal referida no art. 17.º da p.i., bem como a deixar de aí fazer obras ou praticar quaisquer tipos de obras. Contesta o réu, manifestando-se pela improcedência da acção e deduzindo pedido reconvencional no qual pedem: a) a condenação dos autores a reconhecer e a respeitar o exclusivo direito de propriedade e a legítima posse do reconvinte sobre a totalidade do prédio rústico denominado E………., sito na Rua ………, ………, Concelho da Trofa, incluindo o muro de granito da extrema norte e os muros das demais extremas existentes no local, abstendo-se de causar qualquer perturbação ou intromissão no mesmo, descrito e inscrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa a favor do R. sob o n.º 01615 e inscrito na matriz rústica sob o art. 730; b) a condenação dos autores a pagar ao reconvinte, a título de indemnização pelos danos patrimoniais que lhe causaram, a quantia de € 500,00, adicionada de juros legais desde a notificação e até efectivo pagamento; c) a condenação dos autores a retirar o suporte metálico da rede que implantaram em cima do muro de granito da vedação norte do reconvinte; d) condenação dos autores como litigantes de má fé. Respondem os autores, mantendo no essencial o já alegado. Elaborado o despacho saneador com admissão da reconvenção, e a base instrutória, que não sofreu qualquer reclamação. Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal aplicável, merecendo os quesitos as respostas constantes de fls. 272 e seguintes. Foi então proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e parcialmente procedente a reconvenção, condeno os autores a reconhecer e a respeitar o direito de propriedade e a posse do réu sobre a totalidade do prédio rústico denominado E………, sito na Rua …….., ………, Concelho da Trofa, incluindo o muro de granito da extrema norte e os muros das demais extremas existentes no local, abstendo-se de causar qualquer perturbação ou intromissão no mesmo, descrito e inscrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa a favor do R. sob o n.º 01615 e inscrito na matriz rústica sob o art. 730, absolvendo-os dos demais pedidos formulados, inclusivé do pedido de condenação dos autores como litigantes de má fé. Inconformados os autores apresentam este recurso de apelação e nas suas alegações formulam as seguintes conclusões: 1.ª - Os Recorrentes intentaram a presente acção, alegando que eram donos e legítimos possuidores do prédio urbano sito no lugar ………, …….. -Trofa, descrito na Conservatória do registo Predial da Trofa sob o n.º 01023/270896 com a área total de 1 263 m2, pedindo que fosse declarado esse direito e o Recorrido condenado a reconhecê-lo. O Recorrido apresentou contestação e reconvenção, alegado que o prédio dos Recorrentes apenas tinha um área global de 339,46 m2, e que a restante área, com cerca de 923,54 m2 fora adquirida pelos seus pais aos pais do Recorrente, e que esta área estava integrada no seu prédio rústico, sito no mesmo lugar e descrito na Conservatória do registo Predial da Trofa sob o n.º 01615/260404, pedindo que assim seja declarado e reconhecido. Ora: 2.ª - Dos documentos juntos à petição e à contestação resulta que, em 28-01-1943, foi desanexado do prédio sito no ………, freguesia de ………. (então concelho de Santo Tirso e agora concelho da Trofa), descrito, então, na Conservatória daquele concelho sob o n.º 13064, o prédio que passou a formar a descrição n.º 37246, da Conservatória do Registo predial de Santo Tirso, e, agora, descrição n.º 01023/270896 da Conservatória do Registo Predial da Trofa, em que o prédio desanexado correspondia ao artigo predial urbano n.º ….., e o prédio era constituído por casa de habitação com 63 m2 e quintal com 1200 m2, e que esse prédio foi adquirido por F………. em 20-021952, tendo esta apresentado esse prédio a registo em 27-01-1963. Em virtude desta apresentação, a referida F………… passou a figurar no registo, desde esta data, como dona ou proprietária desse prédio. Por causa da sua morte foi registada aquisição desse prédio, no dia 27-08-1996, por parte do seu filho G…………., e, no mesmo dia, mas, após aquele registo, foi registada a aquisição, por compra, desse prédio, por parte dos Recorrentes. 3.ª - Por seu lado, o prédio do Recorrido – que adquirira por sucessão de seus pais -, denominado E………., sito no lugar …….. ou …….., ……….. – Trofa, descrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa sob o n.º 01615/260404, é um prédio que, de harmonia com a sua actual descrição, resultou da anexação de 3 prédios que estiveram registados na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob as descrições 19397, 19399 e 35972, e tem o artigo 730 rústico. Ainda em função do seu registo, verifica-se que aquela descrição n.º 35972 resultou da desanexação do terreno que lhe corresponde da descrição n.º 13064 – da qual foi desanexado o descrito sob o n.º 37246, que deu origem à actual descrição do prédio dos Recorrentes -, e que essa desanexação – do 35972 – foi feita em Abril de 1937, cerca de 6 anos antes que a do 37246 (doc. 3 junto à contestação). Por isso, a parte do actual prédio do Recorrido que proveio da descrição 13064, foi desanexada antes da desanexação que veio dar origem ao prédio que os Recorrentes reivindicam. 4.ª - A pretensão do Recorrido não tem pois qualquer correspondência com o que o registo dos 2 prédios revela. E por isso, para essa pretensão ser acolhida, como foi, o Recorrido teria que comprovar com documentos autênticos como é que ele ou os seus antecessores adquiriram essa parcela de cerca de 923 m2, que é parte da originária descrição 37246 e artigo 169, ou provar os actos possessórios que levaram à desanexação de tal parcela de terreno e subsequente anexação ao seu prédio, ou outra qualquer forma de aquisição originária. 5.ª - Ora, os autos não revelam a existência de quaisquer documentos comprovativos de actos de tal desanexação e integração, e os registos não dão também notícia da desanexação dessa parcela da descrição n.º 37246, nem da descrição do artigo 169, nem a descrição registral n.º 35972 – nem a que lhe corresponde actualmente, com o n.º 01615/260404 – nem o artigo 730, revelam a anexação de tal parcela. 6.ª - A pretensão do Recorrido só poderia pois ser acolhida pelo Tribunal se ele tivesse alegado e provado factos que significassem tal desanexação e que eles configurassem uma desanexação legal e uma forma de aquisição originária. Estes factos não foram alegados com tal precisão, nem foram provados factos que significassem tal desanexação e aquisição. Por isso prevalece o disposto no art.º 7.º do Cód. Reg. Predial, presumindo-se assim que os Recorrentes são donos legítimos do prédio registado em seu nome, devendo proceder a acção, até porque o hipotético fraccionamento seria ilegal, visto que, o fraccionamento dos prédios urbanos implica licenciamento municipal. 7.ª - Não reparando nas provas documentais nem nos imperativos legais, o Tribunal julgou provada e procedente a pretensão do Recorrido, contra todas essas evidências legais e documentais, que violou ostensivamente. 8.ª - Essa violação só foi possível porque o Tribunal também descurou a observância de normas de procedimento judicativo, de forma indefensável. Assim: 9.ª - Entre outras, o Tribunal julgou provados os factos dos quesitos 3.ª a 10.º “sem prejuízo da resposta dada aos quesitos 19.º a 34.º”, e do 43.º sem prejuízo “do quesito 35.º”. Ora, não há factos julgados “sob condição”. Porque um facto é uma singularidade, não podendo ser ele e o seu contrário ou ser ele e outro. Destas respostas resulta a violação do disposto no art.º 712.º, 4 do CPC. 10.ª - A fundamentação das respostas aos quesitos não contém a análise crítica prevista no art.º 653.º, 2 do CPC, nem a especificação dos elementos ou conteúdos probatórios, de cuja análise crítica deverá decorrer, de forma lógica e objectiva, o resultado probatório. A omissão dessa análise revela-se no modo como o Tribunal só especificou elementos probatórios que fundavam a prova dos factos passíveis de integrar o direito do Recorrido, e que descredibilizavam a prova dos factos que fundariam o direito dos Recorrentes. A falta de análise crítica resulta, desde logo, do modo como o Tribunal deu como provados os factos dos quesitos 3.ª a 10.º sem especificar os fundamentos desse resultado, sendo certo que, sobre essa matéria, só foram inquiridas testemunhas arroladas pelos Recorrentes, e os depoimentos destas foram julgados sem qualquer merecimento. A omissão de especificação dos fundamentos resulta do facto de, raramente, o Tribunal indicar conteúdos probatórios, e as referências “em termos genéricos” (sic) é o contrário de especificação. 11.ª - As respostas dadas aos quesitos 19.º a 31.º, 32.º a 36.º, 42.º a 47.º, 48.º a 58.º, 61.º, 62.º e 64.º devem ser anuladas, porque as testemunhas arroladas pelo Recorrido não deram a mínima notícia sobre tão vasto acervo de factos, e os documentos dos autos, com base no alegado nas conclusões 2.ª e 3.ª revelam o contrário, por aplicação do disposto no art.º 712.º, 1 do CPC. 12.ª - Os factos dos quesitos 3.ª a 10.º devem manter-se provados, e provados os dos quesitos 1.º, 1.º-A, 11.º a 18.º e 20.º com base nos documentos referidos e nos depoimentos das testemunhas arroladas pelos Recorrentes, que foram sérios, isentos e com conhecimento de causa, com base no disposto no artigo 712.º, 1 do CPC. 13.ª - Os meios de prova testemunhal estão referidos, com base na ordem da inquirição e no que respeita ao local da gravação, junto à identificação de cada testemunha, sendo as arroladas pelos Recorrentes, no parágrafo 64 e às arroladas pelo Recorrido, no parágrafo 65. Indica como violadas as normas invocadas, pugnando pela revogação da sentença. Contra-alega o réu em defesa do decidido e apresenta recurso subordinado atinente exclusivamente à condenação dos autores como litigantes de má fé, pedido formulado na contestação e do qual os autores foram absolvidos. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Da instância vêm dados como provados os seguintes factos: a) Os Autores são donos e legítimos possuidores do prédio urbano destinado a habitação, com jardim e quintal, sito no lugar …….., freguesia de …………, concelho da Trofa, o qual confronta, do Norte com H……….., do Sul com o Réu D………., e, de Poente com a Rua do ……., estando o mesmo descrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa, sob o nº. 01023/270896 – S. Mamede do Coronado, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 169, estando a sua aquisição inscrita a favor dos Autores pela inscrição G-2 Al. A) da matéria assente; b) O prédio referido na alínea anterior foi inscrito na matriz urbana em 1937, tendo-lhe sido, então, atribuída área total de 1263 m2, sendo 63 m2 de área coberta – Al B) da matéria assente; c) De harmonia com o registo do prédio referido na alínea A), a sua descrição enferma de algumas desconformidades com a realidade física, quanto à área de habitação e demais áreas não cobertas, e quanto às confrontações – Al C) da matéria assente. d) Os Autores habitam a casa que existe no prédio referido em A), cultivam o quintal, fazem obras de conservação, e pagam os impostos devidos pelo exercício do direito de propriedade inerente a esse prédio Al D) da matéria assente. e) O prédio identificado em A) tem como limites, do lado Poente um muro de vedação; do lado Nascente, a área de terreno descoberta tem um muro de suporte de terras, pois a sua cota está a nível superior em relação à cota do prédio com que confronta desse lado; e, do lado Norte, tem como limite uma casa de habitação –Al E) da matéria assente. f) O Réu é proprietário do prédio rústico denominado “E………..”, a confrontar, do Poente com a Rua ………, do Norte com os Autores e H…………., do Nascente com a mesma e outros, e do Sul com I………., descrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa sob o nº. 01615, inscrito na respectiva matriz rústica no artigo 730, e inscrito no registo a favor do Réu com a inscrição G-1 – Al F) da matéria assente. g) O prédio referido na alínea anterior foi adquirido pelo Réu, por escritura de habilitação e partilha da herança de J……………, pai que foi do Réu, em 14 de Agosto de 1987, exarada no Segundo Cartório Notarial de Santo Tirso, pela qual lhe foi adjudicado na verba 22 (Doc.7-A)- Al. G) da matéria assente. h) No âmbito do Procº. nº ……../03.3TBSTS, que correu termos pelo 1º Juízo Cível deste Tribunal, foi feito um levantamento topográfico, que consta do documento de fls. 96/98 dos autos – Al h) da matéria assente. i) O A. Marido é filho de K……….. e de F……….., e neto paterno de L……….. e de M…………. (certidão de fls. 147-148) – Al I) da matéria assente. j) O R./Reconvinte é filho de J……….. e de N……….., e neto paterno de O……….. e de P……… (certidão de fls. 149-150) – Al. J) da matéria assente. K) Por escritura pública de 06.02.1939, J………., pai do R., adquiriu a cinco tios do A. marido, o direito e acção a cinco sétimas partes de dois terços do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 13064, inscrito na matriz predial urbana no artigo 169, a que corresponde a certidão predial de fls. 38-39 (certidão de escritura de fls. 42-45) – Al. K) da matéria assente. l) Por escritura pública de partilha de 30.03.1939, outorgada pelos pais do A. marido e pelos pais do R. marido, os mesmos nela declararam que, ao pai do A. marido e a seu irmão R…………, ficava a pertencer, em comum e partes iguais, duas sétimas partes do prédio referido na alínea anterior, tendo-lhes sido, em concreto, adjudicada a parte urbana do aludido prédio com um pequeno quintal, a confrontar, do norte e nascente com S…………., do sul por onde se acha demarcado por meio de parede divisória, com a outra parte do prédio dividido, e do poente com caminho público; e ao pai do R. marido ficava a pertencer as cinco sétimas partes do mesmo prédio, tendo-lhe sido, em concreto, adjudicada a parte rústica do mesmo, ficando a confrontar, do nascente com S………… e o pai do R. marido, do sul com este último, do poente com caminho público, e do norte com a parte já adjudicada ao pai do A. marido (certidão de escritura de fls. 46-50) – al. L) da matéria assente. m) Pelos outorgantes da escritura referida na alínea anterior foi na mesma declarado que o muro divisório dos dois prédios constituía propriedade dos pais do R. marido – Al. M) da matéria assente. n) Por escritura pública de compra e venda outorgada em 10.05.1939, o pai do A. marido e seu irmão R……….. declararam vender, livre de encargos, a S…………. um bocado de terreno, a horta e com uma ramada de vinho, sito no lugar …………, que confronta do norte e nascente com o comprador, do sul com J………., pai do R. marido, e do poente, por onde se acha delimitado por meio de marcos, com os vendedores, e que representa um sexto do artigo 169 da respectiva matriz predial urbana, e corresponde a uma terça parte do prédio que se acha descrito, no seu todo, na Conservatória do Registo Predial sob o nº 13.064, referido em K) (certidão da escritura de fls. 61-64) – Al N) da matéria assente. o) Desde há mais de 10, 15, 20, 30 e 50 anos, por si e antepossuidores, os Autores possuem o prédio descrito em A), de boa fé, pública, pacífica e ininterruptamente, e com exclusão de outrem, com a convicção de que não lesavam nem lesam o direito ou interesse justo de outrem, perante os olhos de toda a gente, sem oposição de ninguém, sem qualquer interrupção de tempo ou hiato temporal, sempre com exclusão de quaisquer outras pessoas, agindo os Autores e antepossuidores sempre assim, com o intuito de exercerem o direito de propriedade inerente a esse prédio, e praticaram esses actos representando-os como correspondentes ao exercício do direito de propriedade – respostas aos artigos 3.º a 10.º da base instrutória. p) O prédio urbano dos AA. é actualmente constituído por casa de habitação de rés-do-chão e andar, sito na R. de ……., nº ……, na freguesia de S. Mamede do Coronado, com a área total de 339,46 m2, conforme foi achado no levantamento topográfico referido em H – resposta ao art. 19.º da base instrutória. q) O prédio dos AA. encontra-se murado dos seus lados norte, sul e nascente, que o delimitam desses lados -resposta ao art. 20.º da base instrutória. r) Existe um muro de vedação a norte do prédio referido em F), que foi construído e mantém-se em pedra de granito, com cerca de 90 cm de altura, faceado a norte com coroa de perpianhos, de cerca de 35 cm de largura, perpendicular à R. de …….., em linha recta, no sentido poente/nascente, fazendo um ângulo recto inferior para o segundo socalco e prolongando-se até à extrema nascente do prédio que veda e de que faz parte integrante – resposta ao art. 21.º da base instrutória. s) A área do prédio dos AA., referida em p), é a que “in loco” está dentro dos limites que o vedam por todos os lados, incluindo, pelo sul, o muro de granito referido em r) -resposta aos arts. 22.º e 23.º da base instrutória. t) O prédio urbano dos AA. proveio do prédio-mãe referido em K) -resposta ao art. 24.º da base instrutória. u) A primitiva área desse prédio, referida em B), nunca mais, até hoje, foi devidamente corrigida ou rectificada na matriz urbana nem no registo predial, apesar de o prédio ter sido já objecto de 4 destaques - resposta aos arts. 25.º e 26.º da base instrutória. v) O primeiro destaque foi efectuado através da escritura referida em l), tendo, através dela, o primitivo prédio-mãe sido dividido em dois, nos termos constantes da referida escritura – Resposta aos arts. 27.º e 28.º da base instrutória. x) O segundo destaque do prédio urbano, já só constituído por duas sétimas partes do prédio-mãe, foi descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 36.052, e efectuado através da escritura referida em n) e o terceiro destaque foi efectuado em 28.01.1943, desanexando-se o restante do prédio descrito em k), o qual deixou de ter objecto e existência física e passou a ser descrito sob o nº 37.246, mas sem terem rectificado e actualizado a área e confrontações – resposta aos arts. 29.º, 30.º e 31.º da base instrutória. z) O quarto destaque foi efectuado cerca de 1999, para alargamento da R. de ……., através da cedência para domínio público de uma faixa a poente do prédio dos AA.-resposta ao art. 32.º da base instrutória. aa) Após estes sucessivos destaques, a área que restou do prédio dos AA. é a referida em p) -resposta ao art. 33.º da base instrutória. ab) O muro de granito referido em r) e s) é o mesmo que aquele que se refere na escritura referida em L)/M) – Resposta ao art. 34.º da base instrutória. ac) Há mais de 5, 10, 15, 20, 30 e 50 anos, desde a adjudicação da parcela referida em l), que o R., por si e antecessores, vem ocupando e fruindo o prédio referido em f), com o muro de vedação a norte, conforme referido em r) e os das demais extremas, partes integrantes do mesmo, à excepção dos últimos 5 anos, no que se refere à parte do terreno da parcela em discussão nos autos, que se encontra a sul do muro de pedra de granito, referido em r) e s), até à parte que se encontra cultivada pela testemunha T…………. e sua filha, a norte da pedra de granito, implantada na parcela em discussão, referida no quesito 1.º e em virtude de, a partir do início daquele lapso de tempo, terem os AA. começado a discutir a propriedade da parcela de terreno em causa nos autos -Resposta ao art. 35.º da base instrutória. ad) Reparando e reconstruindo os seus muros, construindo, no canto Poente/Norte, um poço e uma mina subterrânea para Nascente/Sul, construindo e reparando as ramadas aí existentes, com esteios, ferros, arames e prisões ou amarras metálicas e cuidando das árvores, semeando-o, cultivando-o e fazendo as colheitas , pastando nele os seus animais, arrendando-o e suportando todos os seus encargos –Resposta aos artigos 36.º a 42.º da base instrutória. ae) Sem interrupções, nos moldes que constam de ac) – resposta ao art. 43.º da base instrutória. af) à vista e com o conhecimento dos AA. e de toda a gente, sem oposição de ninguém e convencido de não estar a prejudicar direitos de outrem, com a convicção de ser seu exclusivo dono e proprietário – resposta aos arts. 44.º a 47.º da base instrutória. ag) Há cerca de 5 anos os AA. começaram a dizer que lhes faltava terreno – resposta ao art. 48.º da base instrutória. ah) Os AA. derrubaram algumas pedras do muro de vedação da extrema norte do “E………..”, sem autorização e contra a vontade do R., cortaram a copa de uma oliveira que suporta o ferro da ramada no canto Poente/Norte, junto à R. de ………., no prédio do R. e fizeram medições e têm-se oposto e impedido que trabalhadores do R. procedam à limpeza da parte norte do prédio deste, e pretendem, com isso que lhes seja reconhecido o direito de propriedade da parte norte do prédio do R., em discussão nos autos – resposta aos arts. 49.º, 50.º, 52.º, 54.º, 55.º, 57.º e 58.º da base instrutória. ai) No muro da extrema norte do prédio do R. encontra-se implantado e cimentado um suporte metálico da rede, na sua extrema nascente – resposta ao art. 56.º da base instrutória. aj) O A. marido nasceu na casa do prédio referido em a), aí foi educado e viveu muitos anos, com o muro de granito referido em r) e s) à sua frente – resposta aos arts. 61.º e 62.º da base instrutória. al) Os AA. voltaram a habitar o prédio dito em a) há cerca de 2 anos – resposta ao art. 63.º da base instrutória. am) O único murete que existe no prédio dos AA. é o que o delimita face à R. de ………, com o n.º 399 de polícia, encimado por grade metálica e construído cerca de 1999, quando do alargamento da R. de ……… – resposta ao art. 64.º da base instrutória. Cumpre agora conhecer do objecto do recurso, delimitado como está pelas conclusões das respectivas alegações (arts. 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC). São-nos colocadas as seguintes questões: - Deficiente fundamentação das respostas à base instrutória; - Alteração da matéria de facto e respostas contraditórias; - Aplicação do direito – presunção registral. * Fundamentação das respostas.Dos autos consta a seguinte fundamentação: “A convicção do Tribunal teve por base: - A confissão resultante do depoimento de parte do A. marido, B……….., em relação à resposta à matéria constante dos quesitos 480, 49o, 50°, 52o, 55°, 610, 620 e 630; - O depoimento de U…………, que tem 58 anos de idade e mora perto do local em discussão nos autos, quanto à resposta dada aos quesitos 190 a 230 e 320; - O depoimento de V…………, que tem 64 anos de idade e conhece bem o local, tendo nascido numa casa, actualmente propriedade dos seus irmãos, sita do lado poente da R. do Soeiro, que delimita a poente o prédio dos AA. e a parcela em discussão nos autos, e convivido com o A. marido e seu irmão G……….., tendo sido quem retirou parte do entulho proveniente da escavação do poço que o irmão do A. marido abriu dentro do quintal do prédio referido em A), a norte do muro referido nos quesitos 210 e 230, depositando-o na parcela em discussão nos autos, a sul do mesmo muro, junto à R. do ……, com autorização que requereu ao R. e concedida por este, depois de fazer passar esse entulho por uma abertura, para esse efeito, então, efectuada no referido muro, com autorização do mesmo R., quanto à resposta dada aos quesitos 190 a 280, 320 a 47° e 610 a 640; - O depoimento de W………., de 70 anos de idade, amigo de infância do R., que conhece bem o local, sendo quem sempre fez as ramadas do R., tendo chegado a fazer as que se encontram por cima da parcela de terreno em causa nos autos e quem ajudou a testemunha anterior a transportar o entulho do poço que o irmão do A. marido abriu, além de ter sido quem, por sua iniciativa tentou, nos últimos anos, cortar as silvas que haviam nascido na parcela em discussão nos autos, sendo impedido pelo AA. e irmão do A. marido e cunhada deste, quanto à resposta dada aos quesitos 190 a 260, 320 a 480 e 610 a 640; - O depoimento de X…………., de 59 anos de idade, vizinha e caseira perto do local, que evidenciou conhecer bem o mesmo, tendo ido para lá viver aos 9 anos de idade, de lá saído com 22 anos e aí depois regressado, onde se tem mantido até ao presente, quanto à resposta dada aos quesitos 10, 10-A e 110 a 180; - O depoimento de I……….., de 69 anos de idade, que nasceu no local e ali vive, conhecendo-o bem, sendo consorte na madria de água que passa no prédio da cavada de baixo, a nascente da parcela de terreno em discussão nos autos, quanto à resposta dada aos quesitos 10, 10-A, 110 a 180, 240, 25o, 270, 280, 410 e 610 a 640; - O depoimento de Y………, que, há cerca de 15 anos, presta serviços ao R., com tractor agrícola, quanto à resposta dada ao quesito 570; e - O depoimento de T……….. (conhecido por ………. "Parrula"), de 73 anos de idade, vizinho dos AA. e do R. no local, sendo a pessoa que fazia o terreno da parcela em discussão nos autos, que se situa a sul da parte que era fabricada, com autorização da mãe do R., N………., pela mãe do A. marido (F…………) e pessoas que lhe sucederam nessa tarefa, fazendo-o o depoente até para lá, no sentido sul, da pedra de granito, implantada na parcela em discussão, referida no quesito 10, quanto à resposta dada aos quesitos 350 a 400 e 420 a 470 e 510 a 560, tendo todas as testemunhas revelado conhecimento directo dos factos a que foram inquiridas, na medida que serviu de base à resposta dada aos respectivos quesitos, e prestado o seu depoimento com clareza e convicção, isenção e imparcialidade, tendo, por isso, merecido credibilidade. Do depoimento das testemunhas acima referidas, resultou a convicção, em termos genéricos de que: - Sempre conheceram o muro de pedras de granito, referido nos quesitos 210 e 230, a delimitar a sul o prédio dos AA., sem qualquer abertura, a não ser a que foi feita por altura em que o irmão do A. marido, G……….., construiu um poço no prédio referido em A) junto à sua extrema nascente, indicando esse muro ser de propriedade do R. e fazer o limite a sul do prédio referido em A), pelo facto de se encontrar faceado do lado voltado para a casa dos AA., sendo tosco para o lado contrário, ou seja, na parte voltada para a parcela em discussão nos autos; quesitos 21º e 23º, até quase a meio da parcela, entre o muro em causa e a pedra de granito nela implantada, fazendo-o a título gratuito, tendo a mãe do A. marido, que foi serviçal em casa dos pais do R., sempre praticado essa actividade de cultivo por "esmola", ou seja, por condescendência e autorização de N……….., mãe do R., no mesmo regime tendo continuado a referida nora e pessoas que continuaram posteriormente a fabricar esse pedaço de terra; - A testemunha T……….. fabricava a terra, no sentido sul, a partir do limite em que a mãe do A. marido a fabricava, nos termos referidos, até à pedra de granito, referida no quesito 10, implantada na parcela em discussão, fazendo-o como arrendatário do R., pagando a renda inicial de Esc. 500$00 anuais e actualmente no valor de € 2,50 euros, continuando a fazer o terreno para lá da referida pedra e em direcção a sul, de forma gratuita, pelo facto de que, antes, se encontrava a monte, mas com autorização do R.e sendo agora continuado nessa tarefa por sua filha; - O R. e sua família sempre praticaram os actos de posse sobre a parcela em discussão, nos termos constantes da resposta dada aos quesitos 35º a 47º. Não mereceu a mesma credibilidade o depoimento de Z……….., que esteve a tomar conta da mãe do A. marido, quando esta adoeceu, entre 1983 e 1988, tendo vivido na casa existente no prédio referido em A), posto que, sendo, conforme a mesma afirmou, "muito nova, na altura", com apenas 13 anos de idade, apenas revelou ter conhecimento dos factos, quanto à propriedade da parcela em discussão nos autos, através do que a "tia" ……… (mãe do A. marido, como lhe chamou) sempre lhe disse, ou seja, que o limite do prédio referido em A) era a pedra de granito nele implantada, referida no quesito 10. De resto apenas confirmou que a cunhada do A. marido, a testemunha BB……….., casada com seu irmão G………., fabricava a parte do terreno acima referida, sendo ajudada pela depoente nessa tarefa. O mesmo se diga do depoimento da própria BB………., que, embora tendo declarado que fazia aquela parte de terreno fora do muro, a sul, não admitiu que o fazia, tal como a sogra, mãe do A. marido e seu irmão G…………, por tolerância e com autorização da família do R., estando, nessa matéria, tal como nas outras que foram objecto do seu depoimento, em contradição com a restante prova produzida, designadamente, a testemunhal acima referida, que mereceu credibilidade, e, particularmente, com o depoimento prestado pela testemunha T………… ("Parrula") ……….. Quanto à propriedade da parcela em discussão, igualmente fundamentou o seu depoimento no que a sogra, então, lhe transmitia sobre essa matéria. De resto e, além do mais, a testemunha em causa, bem como, aliás, o seu marido, BC……….., irmão do A. marido, e muito próximos deste, em termos familiares, evidenciaram, no entendimento do Tribunal, ter interesse na matéria em discussão nos autos, ainda que indirectamente. Quanto ao depoimento da testemunha BD……….., o mesmo limitou-se a confirmar que, sendo vizinho no local, viu a trabalhar a mãe do A. marido e a cunhada deste, a referida BB…………., na parte da faixa de terreno em discussão nos autos, nos termos acima referidos. Também não mereceu credibilidade para formar a convicção do Tribunal o depoimento da testemunha BE………, o qual, sendo filho da testemunha T………… ("Parrula") …….., e muito embora resida quase em frente à casa dos AA., tendo nascido no local, se mostrou em flagrante contradição com o de seu pai, que mereceu credibilidade pela sua convicção, coerência e isenção. De resto, limitou-se igualmente a confirmar que a mãe do A. marido e a cunhada deste, BB…………., casada com o irmão do mesmo, trabalharam na terra da faixa de terreno em discussão. Quanto ao depoimento de BF……….., cuja esposa era irmã da testemunha BB…………, cunhada do A. marido, o mesmo revelou-se em contradição com a restante prova produzida, na parte correspondente, igualmente confirmando apenas que a mãe do A. marido e a cunhada deste trabalharam em parte da faixa de terreno em discussão nos autos, e nos termos acima referidos, mas sem revelar a que título o faziam. Finalmente, quanto ao depoimento da testemunha BC……….., irmão do A., o mesmo não mereceu credibilidade, não só por se revelar em contradição com a restante prova produzida, como por falta de isenção, já que evidenciou ter algum interesse no desfecho da acção a favor dos AA., além de que não conseguiu ocultar a mágoa, aliás natural, a ser verdade, de ter sido, segundo considerou, um pouco desprezado na sua educação, bem como na de seu irmão, em detrimento daquela que a mãe, que era jornaleira dos pais do R., conforme referiu, terá dispensado a este e seus irmãos, pronunciando a frase. "A minha mãe abandonou-nos para o criar a si e ao seu irmão, bem como a outro, já falecido". De resto, todas estas testemunhas opinaram meramente sobre o significado que atribuíam à pedra de granito implantada na parcela de terreno em discussão nos autos, e referida no quesito 10, atribuindo-lhe a função de "meco de demarcação", sem revelarem qualquer razão de ciência sobre essa matéria. Igualmente confirmaram terem a mãe do A. marido, a cunhada deste e todas as outras pessoas trabalhado na faixa de terreno em discussão, mas à excepção das testemunhas Z…………, BB………… e BC……….. (cuja validade nessa matéria não foi considerada), sem evidenciarem saber a que título o faziam. Contribuíram ainda para formar a convicção do Tribunal, relativamente à resposta dada à matéria de facto os documentos de fls. 38-39 (certidão do registo predial do prédio referido em K), no que se refere à resposta dada aos quesitos 240, 250, 260, mo e 310; de fls. 42-45 (escritura referida na al. K), no que se refere à resposta dada ao quesito 240; de fls. 46-50 (escritura de partilha referida na al. L), no que se refere à resposta dada aos quesitos 250, 260, 270 e 280., de fls.61-64 (escritura referida em N), no que se refere à resposta dada aos quesitos 250, 260 e 290; de fls. 970 e 980 (planta topográfica e relatório de perícia), no que se refere à resposta dada aos quesitos 190 e 330, mas apenas no que se refere à avaliação da área do prédio dos AA., conforme delimitado a sul pelo muro de pedra de granito referido nos quesitos 210 e 230; de fls. 233 (Declaração da Junta de Freguesia de S. Mamede do Coronado, quanto ao alargamento da R. do Soeiro), no que se refere à resposta dada ao quesito 320; e de fls. 234 (certidão do assento de óbito da mãe do A. marido) e de fls. 235 (certidão do assento de óbito de BG…………, que trabalhou igualmente a terra da parcela em discussão nos autos), quanto à resposta dada ao quesito 350. Não contribuíram particularmente para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa os documentos/certidões juntos pelo R., a fls. 244-258, no que, em concreto, se refere à matéria em discussão nos autos, e, muito menos, o documento de fls. 259 (fotocópias de cartões de "visita" de viveiros de plantas contendo mero apontamento de preços). Contribuíram igualmente para formar a convicção do Tribunal, as duas inspecções ao local que este efectuou, nos termos constantes das Actas de fls. 210-211 e de fls. 260-261, concretamente, no que se refere à resposta dada aos quesitos 10, 10-A, 200, 210, 220, 230, 370, 380, 400 (quanto à parte semeada), 560 e 640, bem como os documentos fotográficos de fls. 37 e 89 a 92, no que se refere à resposta dada aos quesitos 200 a 230 e 380; e também, subsidiariamente, em termos genéricos, as plantas topográficas de fls. 5, 33 e 97.” Entendem os apelantes que foi assim violado o disposto no art. 653º nº 2 do CPC, devendo, por isso, ser revogadas as respostas aos quesitos 19º a 31º, 32º, 33º, 34º, 35º 36º a 42º, 43º, 44º a 47º, 48º, 49º, 50º, 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 61º, 62º e 64º. Consta da disposição em causa: “A matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular; a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.” Acrescenta o nº 5 do art. 712º do mesmo diploma: “Se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode a Relação, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de lª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados ou repetindo a produção da prova, quando necessário; sendo impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.” Logo, qualquer deficiência de fundamentação nunca teria por solução a pedida revogação das respostas. Mas vejamos se a fundamentação é deficiente. A motivação ou justificação da decisão sobre a matéria de facto, enquanto elemento verdadeiramente estruturante da legitimidade (e de legitimação) da decisão mais não significa do que a explicação da convicção do juiz. Esta (convicção do julgador) não se traduz em qualquer convicção subjectiva, numa mera opção ‘voluntarista’ por uma versão ou outra dos factos discutidos na lide (uma convicção emotiva e puramente subjectiva, fundada na sinceridade do julgador), mas antes numa convicção objectivável e motivável, fruto de processo que só se completa e alcança por via racionalizável, pois que fundada nas regras comuns da lógica, da experiência, do bom senso e, quando for o caso, dos ensinamentos da ciência. A explicação da convicação do julgador destina-se, mais do que a obter o convencimento das partes, a permitir que a análise crítica dos elementos probatórios produzidos no processo seja sindicada, também de forma racionalmente fundada, pelas partes e pelo tribunal superior. O juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art. 655º, nº 1 do CPC). Nesta actividade não está o tribunal submetido a critérios ou regras pré-estabelecidas (salvo quando a lei exige, para prova do facto, certo meio de prova – p. ex., documento ou confissão); deve considerá-las a todas, apreciá-las em conjunto, fazer a sua análise crítica, tendo em conta as regras da ciência, da lógica e da experiência comum a todo o homem médio, e, por fim, especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção adquirida (art. 653º, nº 2 do CPC), assim permitindo que se ‘possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado’ (M. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 348.) e exercer um controle externo e geral do fundamento de facto da decisão. O processo de formação da convicção do julgador decorre na dinâmica da audiência, com intervenção activa dos membros do tribunal, pelo que é sempre defeituosa a percepção formada fora desse condicionalismo. Na verdade, ‘existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como, no primeiro, se formou a convicção dos julgadores’, sendo que ‘a simples leitura de secas e inertes laudas de argumentação fáctica jamais se pode comparar à vivacidade proporcionada ao juiz da primeira instância, quando este, empenhado, como deve estar, no efectivo apuramento da verdade material, procura encontrar, na floresta integrada pelos diversos meios probatórios (firmes ou imprecisos, convincentes ou contraditórios, serenos ou interessados), a vereda que lhe permite ir de encontro à justa composição do litígio, arrimado nos instrumentos que lhe são proporcionados pelos princípio da imediação e oralidade’. Nos casos em que a reapreciação da decisão da matéria de facto pela Relação envolve, além da ponderação dos demais elementos probatórios, a valoração da prova testemunhal produzida, é de ter presente que tal actividade ‘envolve “risco de valoração” de grau bem mais elevado que na primeira instância, em que se efectivam os princípios da imediação, concentração e oralidade, ao contrário daquela que não tem essa possibilidade do contacto directo com as testemunhas. E é do conhecimento comum que a comunicação não se estabelece apenas por palavras mas também, e porventura com maior relevo, por outras formas de comunicação, que permitem informação decisiva na valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação’[1]. Isto evidencia que o julgador da 1ª instância está melhor situado para apreciar os elementos probatórios produzidos perante si, ao alcance de toda a sua vasta percepção sensorial – miríade de elementos tão díspares que uma simples gravação não permite captar. As provas, di-lo o art. 342º do C.C., têm por função a demonstração da realidade dos factos. Porém, através delas não se busca criar no espírito do julgador a certeza absoluta da realidade dos ‘factos’ – ‘se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça’[2], o que implica que tem a justiça de bastar-se com um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso, às regras da experiência da vida e aos ensinamentos da ciência. A prova como demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade de um facto ‘não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)[3]’. A decisão sobre a matéria de facto deve dar cumprimento ao dever de fundamentação das decisões judiciais que afectem os interessados, impondo o dever de obediência à lei (designadamente o art. 654º, nº 2 do C.P.C.) um esforço na racionalização do processo de formação da convicção. O cumprimento destes deveres não se basta com a seriedade na forma como os tribunais decidem a matéria de facto; é necessário que o desempenho sério da actividade jurisdicional transpareça inequivocamente da forma pela qual se exprimam as decisões[4]. Ora o que constata do que dos autos consta é que o Tribunal dá a razão de ciência de cada uma das testemunhas, no que será importante a idade e a relação com o objecto dos autos: definição de propriedade de uma parcela de terreno, reivindicada por ambas as partes. De seguida explica o que de útil, segundo a sua convicção, retirou dos ditos depoimentos, fazendo uma resenha global. Ora, não teria de repetir o depoimento das testemunhas ou o que concretamente, palavra por palavra, elas disseram. Para isso se procedeu à gravação. Também não tinha que seguir a ordem da prestação dos depoimentos. O critério seguido foi antes de iniciar a indicação por aquelas que entendeu relevantes para a formação da convicção. Salvo o devido respeito, a fundamentação dos autos obedece soa critérios legais. Mesmo que assim não fosse, a única sanção possível seria a baixa do processo para seu complemento. Nada mais do que isso. Improcede esta questão. * Alteração da matéria de facto e respostas contraditórias.Entendem os apelantes que as respostas que contêm “provado, sem prejuízo da resposta dada ao quesito tal”, gera contradição de respostas. Aconteceu nas respostas aos quesitos 3º a 10º, 43º. Ora as respostas aos quesitos não têm necessariamente de limitar-se a “provado” ou “não provado”. O único condicionamento é respeitar os factos alegados pelas partes (arts. 264º nº 2 e 664º do CPC). Como se escreveu no Ac. desta Relação de 20/11/2008, proc. 0835386, disponível em www.dgsi. Pt : “a) – Em princípio, apenas os factos alegados pelas partes podem ser considerados na decisão e, como tal, é de entre esses factos – e apenas desses – que o juiz selecciona, atendendo às várias soluções plausíveis e às regras do ónus da prova, os factos relevantes e controvertidos que hão-de integrar a base instrutória; b) – Os factos não alegados pelas partes apenas podem ser considerados caso se verifiquem as circunstâncias previstas no art. 264º, do CPC e a consideração desses factos deve ser efectuada por via da ampliação da base instrutória, nos termos do art. 650º, nº2, al. f), do CPC; c) – Nas respostas a dar aos diversos pontos da base instrutória (eventualmente ampliada nos termos mencionados), o juiz está limitado à matéria que nela está incluída; tais respostas não podem, pois, exceder o âmbito da matéria que era objecto da base instrutória e, como tal, não podem ser incluídos nessas respostas (a pretexto de serem respostas explicativas) factos novos e diversos daqueles que constituíam o seu objecto, sob pena de se estar a considerar factos que não estão submetidos à apreciação e conhecimento do julgador por não terem sido alegados e não se verificarem, relativamente a eles, as circunstâncias de que a lei faz depender a consideração de factos não alegados;” Isto para se afirmar que as respostas aos quesitos podem também ser restritivas ou explicativas. Ora quando se afirma que “está provado, à excepção do que de outro quesito consta”, para além de não existir contradição, está-se a evitar essa mesma contradição. Corresponde a uma resposta “restritiva” do género de “provado apenas que…”. No fundo o que se afirma é que apenas está provado o que não contende com a resposta do outro quesito mencionado. Não vemos, pois, qualquer ilegalidade nas respostas assim formuladas. * Para além dos mencionados quesitos acima, que ora entende como sofrerem de falta de prova, os apelantes pretendem que os quesitos 3º e 10º, 1º, 1º-A, 11º a 18º e 20º passem a “provado”, essencialmente com base nos depoimentos das testemunhas por si arroladas.Como do antecedente resulta, estamos perante uma pura acção de reivindicação com reconvenção em que ambas as partes reclamam para si a propriedade de uma parcela de terreno rústico, que pretendem integrada em prédios de que são proprietários. Assim, temos duas posições antagónicas, as quais apresentam testemunhas que as defendem. Para o Tribunal fica a tarefa de escolher qual das posições entende como correcta. Manifestamente que para a posição dos apelantes são é essencial aprova dos quesitos que indica na conclusão 12ª: “1° O limite do lado Sul do prédio descrito em A) é feito por dois marcos ou pilares feitos de pedra, parcialmente enterrados no solo? 1° - A O prédio referido em A) confronta do Nascente com o Réu e com H………….? 2° - O prédio referido em A) tem a área total de 1 218m2, sendo 107,50 m2, ocupados pela casa de habitação e garagem, 238 m2 ocupados pelo jardim e 872,50 m2 ocupados pelo quintal? 3° - Desde há mais de 10, 15, 20, 30 e 50 anos, por si e antepossuidores, os Autores possuem o prédio descrito em A), de boa fé, pública, pacífica e ininterruptamente, e com exclusão de outrem? 4° - Com a convicção de que não lesavam nem lesam o direito ou interesse justo de outrem? 5° - Agem assim perante os olhos de toda a gente? 6° - E sem oposição de ninguém? 7º - E sem qualquer interrupção de tempo ou hiato temporal? 8° - Essa posse sempre foi exercida com exclusão de quaisquer outras pessoas? 9° - Os Autores e antepossuidores sempre assim agiram com o intuito de exercerem o direito de propriedade inerente a esse prédio? 10° - E praticaram esses actos representando-os como correspondentes ao exercício do direito de propriedade? 11° - A parte ocupada pela habitação e pelo jardim do ajuizado prédio destaca-se da parte de quintal por um pequeno murete, descrito na direcção nascente para poente, construído há mais de 50 anos? 12° - A comunicação entre essas duas partes do prédio fazia-se por uma pequena abertura, aberta quando foi feito esse murete? 13° - Há cerca de 4 anos, o Réu passou a dizer que a parte do prédio identificado em A), respeitante ao quintal, que tem a área de 872,50 m2, lhe pertence? 14° - E passou a entrar, frequentes vezes, nessa parte do prédio? 15° - Na tentativa de demonstrar que essa parte do prédio lhe pertence, tapou a abertura domuro, referida no quesito 12°, com pedras? 16° - Para o efeito aproveitou-se da ausência dos Autores, que trabalham em França? 17° - Porque a "parte" Sul do quintal sempre integrou o prédio identificado em A)? 18° - Pelo menos desde há 10, 15, 20, 30 e 50 anos? 19° - O prédio urbano dos AA. é actualmente constituído por casa de habitação de rés-do-chão e andar, sito na R. de ….., n° …., na freguesia de S. Mamede do Coronado, com a área total de 339,46 m2, conforme foi achado no levantamento topográfico referido em H)?” * A Relação pode alterar a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto dentro dos limites previstos no n.º 1, do artigo 712° do CPC que contempla as seguintes situações: a) se do processo constarem todos os elementos que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690°-A, a decisão com base neles proferida; b) se os elementos fornecidos pelo processo impuserem uma resposta diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a resposta assentou.No caso dos autos, porque houve gravação dos depoimentos prestados em audiência, estamos perante a hipótese prevista na última parte da al. a) do citado artigo 712°. O artigo 655° n.º 1, do CPC consagra o denominado sistema da prova livre, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Vinha-se entendendo que o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados (cf. Ac. desta Relação de 19-09-00, CJ, ano XXV, tomo IV, pág. 186). Como corolário da sujeição das provas à regra da livre apreciação do julgador, impõe-se a este indicar "os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento de um facto como provado ou não provado (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 197, pág. 348 e Ac. da RC de 3-10-2000, CJ, ano XXV, tomo IV, pág. 27). Todavia, mais recentemente e por orientação do Supremo Tribunal de Justiça, vem-se entendendo que compete à 2ª instância formar a sua própria convicção com base nos elementos dos autos e alterar o que vem da 1ª instância, transformando-se assim numa verdadeira segunda instância quanto à matéria de facto. É o que melhor consta do Acórdão desta Relação e Secção de 17/12/2009, proc. 140/08.8TBMDR.P1, disponível em www.dgsi, pelo Relator subscrito como Adjunto e de cujo sumário consta: “Na reapreciação da prova, a Relação tem a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância, deve valorá-la de acordo com o princípio da livre convicção e se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão da 1ª instância, fazendo «jus» ao reforço dos poderes que tem enquanto tribunal de instância que garante um efectivo segundo grau de jurisdição.” É do mesmo Acórdão o seguinte: “Quanto aos concretos poderes de reapreciação da prova na 2ª instância, particularmente quando está em questão a reapreciação da prova gravada (em sistema vídeo ou áudio), dominou, até há pouco tempo, uma tese restritiva que sustentava que os Tribunais da Relação não podiam procurar uma nova convicção, antes deviam limitar-se a apreciar se a do julgador «a quo», vertida nos factos provados e não provados e na fundamentação desse seu juízo valorativo, tinha suporte razoável no que a gravação permitiria percepcionar e em conjugação com os demais elementos probatórios que os autos fornecessem; ou seja, o Tribunal da Relação teria que cingir a sua actividade (de reapreciação da matéria de facto) ao apuramento da razoabilidade da convicção do julgador da 1ª instância, restringindo os poderes de alteração da matéria fáctica aos casos de flagrante desconformidade com os elementos de prova disponíveis [neste sentido, cfr., i. a., os Acs. desta Relação do Porto de 10/07/2006, proc. 0653629 e de 29/05/2006, proc. 0650899, publicados in www.dgsi.pt/jtrp; no primeiro decidiu-se que “a apreciação da prova na Relação envolve riscos de valoração de grau mais elevado que os que se correm em 1ª instância, onde são observados os princípios da imediação, da concentração e da oralidade, (…) já que a transcrição dos depoimentos e até a sua audição, quando gravados, não permite colher, por intuição, tudo aquilo que o julgador alcança quando tem a testemunha ou o depoente diante de si”, pois neste caso “pode apreciar as suas reacções, apercebe-se da sua convicção e da espontaneidade ou não do depoimento, do perfil psicológico de quem depõe; em suma, daqueles factores que são decisivos para a convicção de quem julga, que afinal é fundada no juízo que faz acerca da credibilidade dos depoimentos”; no segundo sentenciou-se que “existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencie e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por qualquer outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores”; em sentido idêntico vejam-se, ainda, os Acs. desta Relação de 04/04/2005, proc. 0446934, in www.dgsi.pt/jtrp e do STJ de 20/09/2005, de 27/09/2005 e de 29/11/2005, todos in www.dgsi.pt/jstj]. Mais recentemente formou-se uma tese mais ampla que, embora reconheça que “a gravação dos depoimentos áudio ou vídeo não consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal «a quo»”, designadamente, o modo como as declarações são prestadas, “as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória” e que existem “aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia”, entende, ainda assim, que na reapreciação da prova as Relações têm “a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância, devendo proceder à audição dos depoimentos ou fazer incidir as regras da experiência, como efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição”. E quando um Tribunal de 2ª instância, ao reapreciar a prova ali produzida, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção (a que também está sujeito), “conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, fazendo «jus» ao reforço dos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição” [assim, Abrantes Geraldes, in “Reforma dos Recursos em Processo Civil”, Revista Julgar, nº 4, Janeiro-Abril/2008, pgs. 69 a 76; idem, mesmo Autor in “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 2008, pgs. 279 a 286, Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 2008, pg. 228, e Acs. do STJ de 01/07/2008, proc. 08A191, de 25/11/2008, proc. 08A3334, de 12/03/2009, proc. 08B3684 e de 28/05/2009, proc. 4303/05.0TBTVD.S1, todos in www.dgsi.pt/jstj]. Cremos, com o devido respeito pelos defensores da primeira, que é esta segunda orientação que deve ser seguida, pelos mais amplos poderes de reapreciação da prova que confere à 2ª instância, sem descurar, contudo, as limitações atrás referenciadas face ao mais favorável posicionamento do julgador da 1ª instância perante a prova produzida oralmente em julgamento.” Por isso é que passamos quase dois dias a ouvir o CD de gravação com cinco audiências e treze depoimentos (não contando com o depoimento de parte), acompanhando com a consulta de documentos existentes nos autos e mencionados na ias inquirições. De todo este conjunto de elementos resultou então a convicção deste Tribunal, que é em tudo coincidente com a da 1ª instância. Desde logo a credibilidade das testemunhas de uma parte em detrimento da parte contrária. A convicção não se forma apenas por aquilo que se ouve em primeiro lugar, desprezando tudo o que vem a seguir. Como é normal, as testemunhas defendem a parte que as indica, mas em princípio todas merecem igual credibilidade. Acontece, porém, que as testemunhas indicadas pelos autores não merecem a credibilidade do Tribunal: ou não sabem da matéria que se discute ou o seu depoimento é interessado, apaixonado. Com efeito a Z……….. foi com 13 anos fazer companhia à mãe do autor marido, acompanhando-a até à sua morte. Tinha então 17 anos. Mesmo assim o seu depoimento é impreciso, certamente fruto da pouca idade na altura. Não está em causa o facto de a dita senhora ……… ter cultivado um pouco do terreno aqui em causa. Interessava saber em que qualidade o fazia: em nome próprio ou por mero favor. O BC……….. e sua mulher BB…………., depuseram de forma bem apaixonada, demonstrando o ressentimento de quem se vê ultrapassado pelos patrões da mãe e sogra. Sobretudo o G………… manifestou-se contra o facto de a mãe ter ajudado a criar o réu e seus irmãos, “abandonando-o” a ele, seu filho. Explicaram o engano que houve nas partilhas e a razão pela qual o prédio dos autores ainda chegou a estar em seu nome. O BD………… viu a mãe do autor e a cunhada a trabalhar no terreno, mas sem saber em que qualidade. Já o depoimento de BE………. é contrariado pelo de seu pai T………., o “Parrula”, inúmeras vezes citado, pois que é este que trabalhou a terra durante cerca de quarenta anos, por contrato com a família do réu e outra parte sem qualquer contrapartida, o qual afirma que o filho só ai ao terreno para “pedir dinheiro”. Ora, contrariando frontalmente estes depoimentos temos a palavra dos que foram indicados pelo réu, todos na casa dos 60/70 anos, vivendo em contacto directo com a realidade e depondo de modo firme, olhos nos olhos, não vacilando nem se atemorizando com o interrogatório a que foram sujeitos. Destacámos o depoimento de V……….., de 64 anos, que aí nasceu, que explicou a relação da mãe do autor com a família do réu e a colocação do entulho do poço que o autor abriu no seu terreno; o W……….. que trabalha o terreno do réu mais abaixo à 35 anos, conhecendo bem o local e confirmando a situação do entulho; a X…………. que também por ali nasceu, esclarecendo que a mãe do autor fazia um bocado do terreno em causa “por esmola” da mãe do réu; o I…………., irmão do presidente da Junta, com 69 anos, que ali nasceu, só se ausentando para o serviço militar em 61/63 e que sendo consorte de uma “madria” (rego aberto para condução de água) que ladeia a parcela, conhece bem a situação; o G………… que deixou de fazer a limpeza do terreno à cinco anos por conta do réu, dada a oposição dos autores; por último o T……………, o “Parrula, que trabalhou parte da parcela em questão com autorização da família do réu. Do que todos estes disseram e dos documentos existentes nos autos se pode concluir é que a família do réu adquiriu à família do autor o direito e acção a uma herança, mais propriamente 5/7 da mesma. Aos restantes 2/7 ficou depois a pertencer um prédio que é hoje o prédio dos autores. O que se discute é se a parcela de terreno que vai para lá de um muro do lado sul do prédio dos autores, com cerca de 900m2, pertence a este mesmo prédio ou antes faz parte daquilo que a família do réu adquiriu. Ora as testemunhas apresentadas pelo réu são unânimes em afirmar que este e sua família sempre foram proprietários da parcela em questão, sendo que numa pequena parte consentiram que a mãe do autor e familiares a cultivassem por caridade. Esta Senhora …….. ficou viúva cedo e com grande prole. Passou a trabalhar para a família do réu, sendo que todos se davam bem. Só há cinco anos atrás é que o autor, emigrante na Bélgica por muitos anos, começou a reivindicar a propriedade da parcela. Mas terá sido sempre a família do réu e este mesmo a cuidar das ramadas, dos muros e do próprio terreno, directamente ou autorizando que outros o fizessem. O muro do lado sul sempre foi considerado o limite do prédio dos autores, inexistindo quaisquer “marco” em sentido diverso. A falada pedra com arriosta mais não é do que o suporte ou amarra do arame da vinha. Ora perante esta realidade que temos como verdadeira, não pudemos censurar a convicção do Tribunal, que, repete-se, coincide com a nossa própria. Temos, assim, como assente a matéria de facto tal como vem da 1ª instância. * Aplicação do direito – presunção registralFace à inalterabilidade da matéria de facto, a solução jurídica não poderia deixar de ser outra. Mas não poderá deixar-se passar em claro um equívoco dos apelantes. Ao contrário do que afirmam, não gozam de qualquer presunção legal pelo facto do Registo Predial, com interesse para a decisão da presente causa, onde se discute área e limite de prédios. Segundo o art. 7.º do CRPredial “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. É que já foi por diversas vezes repetido que a presunção do artigo 7 do Código do Registo Predial não abrange os elementos de identificação do prédio constante da sua descrição física (de forma a haver coincidência entre a realidade registral e a substantiva), limitando-se ao direito inscrito. Com efeito, enquanto os factos ou direitos sujeitos a registo devem estar devidamente comprovados em documento bastante, tal já não acontece com a descrição dos prédios que, em geral, pode resultar de simples declaração dos interessados, não oferecendo, portanto, as mesmas condições de segurança que tem o registo quanto ao direito inscrito. Tal foi por nós também afirmado há muito, no Ac. da RP de 24/10/1995, proc. 9520443, disponível em www.dgsi.pt: “A presunção do artigo 7º do Código de Registo Predial não abrange os elementos identificativos do prédio, designadamente confrontações, áreas e limites, constantes da descrição registral do mesmo”. Escreveu-se também em Ac. RP de 19-12-2005, proc. 0556451, da mesma Base de Dados: “A função do registo predial é apenas a de definir a situação jurídica dos prédios, exonerando os titulares inscritos de demonstrarem o facto em que assenta a presunção que dimana do registo, ou seja, que o direito registado existe na sua esfera jurídica.” Se a aquisição do direito de propriedade estiver registada – art. 7º do C.R. Predial – beneficia o registrante da presunção de que o direito de propriedade existe na sua titularidade, nos exactos termos em que o registo o define. Tal presunção, é ilidível pois que, como afirma, o Professor Oliveira Ascensão, in “Direitos Reais”, 5ª edição, pág.382, - “É preciso não esquecer que a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, mas na usucapião. Esta em nada é prejudicada pelas vicissitudes registrais; vale por si. Por isso, o que se fiou no registo passa à frente dos títulos substantivos existentes mas nada pode contra a usucapião”. O art. 7º do C. Registo Predial consigna – “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. Não é função das inscrições registrais estabelecer quaisquer presunções acerca das concretas dimensões do prédio alvo da inscrição, seus limites, confrontações, etc. A função do registo é apenas a de definir a situação jurídica dos prédios, exonerando os titulares inscritos de demonstrarem o facto em que assenta a presunção que dimana do registo, ou seja, que o direito registado existe na sua esfera jurídica [No sentido apontado, cfr. entre vários: Ac. da Relação de Évora, de 4 de Outubro de 1977, in Colectânea de Jurisprudência, 1977, IV, pp. 905 e segs.; Ac da Relação do Porto, de 27 de Junho de 1989, na referida Col. Jur., 1989, Tomo III, p. 224; Ac. da Relação do Porto, de 2-4-1981, in Col. Jur., Ano IV, Tomo II, p. 103; Ac. do S.T.J., de 22-11-1978, in B.M.J., n.° 281, p. 342; Ac. da Relação do Porto, de 16-9-1991, in Col. Jur., Ano XVI, 1991, Tomo IV, p. 249; Ac. do S.T.J., de 27-1-1993, in CJSTJ, Ano I, 1993, Tomo I, p. 100; Ac. da Relação do Porto, de 19-5-1994, in Col. Jur., Ano XIX, 1994, Tomo III, p. 213; Ac. do S.T.J., de 11-5-1995, in Col. Jur., Ano III, 1995, Tomo II, p. 75; Ac. da Relação do Porto, de 16-1-1995, in Col. Jur., Ano XX, 1995, Tomo I, p. 197; Ac. do S.T.J., de 17-6-1997, in Col. Jur., Ano I, Tomo II - 1997, p. 126 e Ac. da Relação do Porto, de 10-7-1997, in Col. Jur., Ano XXII, Tomo IV 1997, p. 181 – citámos do “Código do Registo Predial”, de Isabel Pereira Mendes, 10ª edição, págs. 23-94]. Sendo assim não pode o titular do registo pretender que, pelo facto de certo prédio estar registado em seu nome, se têm por provadas as dimensões dele, as confrontações e seus limites.” O facto de existir o invocado registo não resolve, pois, a questão em disputa, a propriedade de uma porção de terreno rústico, a cuja propriedade ambas as partes se arrogam. Em todos os casos (e são muitos) em que as partes disputam, por razões de má vizinhança, a propriedade de pequenas parcelas nas confrontações de prédios de donos diferentes, optando-se pela acção de reivindicação (art. 1311.º do CC), sempre os reivindicantes terão de provar a sua posse sobre o objecto da disputa, com as características capazes de transformá-la em direito de propriedade (Usucapião), não bastando fazer apelo à presunção registral. * Do recurso subordinado.Atenta a data em que foi proposta a oposição (8/8/2006) é aplicável a versão actual do artigo 456° do Código de Processo Civil, introduzida pelos Decretos-Lei n.º 329-A/95 de 12-12 e 180/96, de 25-09. Na vigência da anterior redacção daquele preceito legal, vinha sendo entendido que só a conduta dolosa, consubstanciada em dolo instrumental ou substancial, podia dar lugar à condenação por má fé (v., entre outros, os Acs. do STJ de 28-10-75, BMJ, 250, p. 156 e de 8-4-97, CJ-STJ, Tomo II, p. 37). Na nova redacção, a par do realce dado ao princípio da cooperação e aos deveres de boa fé e de lealdade processuais, foi também alargado o âmbito de aplicação do instituto da litigância por má fé, passando a ser punidas não só as condutas dolosas, mas também as gravemente negligentes. Assim, nos termos do actual n.° 2, do artigo 456° do C.P.C, litiga de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d)ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. Os autores moveram a presente acção pretendo ver reconhecida a propriedade de uma parcela de terreno, afirmando que a mesma fazia parte de prédio seu, devidamente registado em seu nome na competente Conservatória. A decisão é no sentido de que afinal tal parcela de terreno faz parte integrante de prédio do réu. O tribunal já se pronunciou, declarando a inexistência da dita litigância de má fé. Insiste agora o réu no pedido que já aí havia formulado. Sem razão, porém. A simples discordância jurídica ou o facto de o Tribunal não ter aceite uma tese, por entender que as testemunhas não comprovaram o seu conteúdo, não pode servir de pretexto para tal condenação. A condenação dos autores só surge pelo facto de a prova testemunhal não os ter beneficiado. Assim sendo, inexiste apoio legal para a condenação pretendida, tal como fora já entendido pela 1ª instância. Não vemos razão para criticar o decidido. * DECISÃO:Nestes termos se decide julgar totalmente improcedentes o recurso principal e o subordinado. Custas pelos respectivos apelantes. PORTO, 25 de Março de 2010 Cândido Pelágio Castro de Lemos Augusto José B. Marques de Castilho Henrique Luís de Brito Araújo ________________ [1] Ac. R. Porto de 7/12/2006, no sítio www.dgsi.pt. [2] A. Varela, RLJ, Ano 116, p. 339. [3] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 191. [4] Abrantes Geraldes, obra citada, p. 254. |