Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00037151 | ||
| Relator: | MÁRIO CRUZ | ||
| Descritores: | FALÊNCIA RESTITUIÇÃO DE BENS CADUCIDADE TERMO PROTESTO | ||
| Nº do Documento: | RP200409210423972 | ||
| Data do Acordão: | 09/21/2004 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Existem previsões específicas no Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresas e de Falência a respeito do momento em que pode exercer-se o direito de restituição ou separação de bens: 1º- Quem for atingido pode reclamar da separação ou exclusão dos bens no período em que vigora a reclamação de créditos; 2º Sem dependência de prazo, nos 5 dias posteriores à apreensão, se a apreensão dos bens vier a ocorrer já após a cessação desse prazo. 3º No prazo de um ano a contar da data da publicação da sentença de declaração de falência no Diário da República, em acção contra os credores, lavrando-se teor de protesto. II - Os efeitos de tal protesto caducam se o autor deixar de promover os termos da causa durante 30 dias. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório Nos autos de processo especial de falência que corre termos pela -.ª Vara Cível, -.ª secção do....., sob o n.º ../.., e em que é falida “B....., SA”, foi arrolada como pertencente à massa falida, entre outros bens, a fracção autónoma designada pelas letras “AG”, correspondente a um quarto andar direito destinado a habitação, do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Av....., freguesia de....., ....., descrita na -.ª Conservatória do Registo Predial de..... sob o n.º 02.047, a fls. 41, do livro B-010 vv., avaliado em € 47.635,00. Ordenada a venda mediante entrega de propostas em carta fechada, foi designada para a abertura das propostas o dia 29 de Abril de 2002, pelas 14 horas. Nessa data, e antes de efectuada a venda, vieram os ora agravantes C..... e D....., lavrar termo de protesto em relação à fracção autónoma indicada, invocando “um direito vitalício de uso e habitação”, direito este que declararam ser, em seu entender, “incompatível com a transmissão.” A venda em causa não chegou no entanto a efectivar-se na data prevista, por terem sido consideradas ineficazes as propostas recebidas. Ordenada a notificação do o Il. Liquidatário Judicial para se pronunciar sobre o termo de protesto, indicou o M.º Juiz que oportunamente seria designada nova data para a venda. Posteriormente, e na sequência desse protesto, foram os ora agravantes notificados em 2002.10.27, para informarem nos autos se já tinham intentado a competente acção judicial, ao que os agravantes responderam em 31 de Outubro de 2002, que não, explicando sumariamente que o não haviam feito, por terem entendido que a melhor solução passava pela possibilidade de aquisição da fracção em causa através de negociação particular, por um preço adequado e com a concordância dos credores. Mais disseram os autores do protesto que haviam comunicado esta intenção ao Exm.º Liquidatário Judicial a quem, respondendo a sua solicitação, enviaram cópia do aludido contrato (de direito vitalício de uso e habitação). Terminaram dizendo que mantinham o propósito de adquirirem a fracção. Perante tais informações, o M.º Juiz proferiu em 29 de Novembro de 2002 o seguinte despacho: “O contrato de constituição do direito de uso e habitação deve ser celebrado por escritura pública, sob pena de nulidade – arts. 1484.º e 1485.º do CC. e art. 80.º do Código do Notariado e 220.º do CC. Acontece porém, que o contrato em causa foi celebrado por mero documento particular, pelo que é nulo por vício de forma. Assim sendo, inexiste qualquer direito dos requerentes, incompatível com a transmissão do imóvel.” Mais abaixo, designou o dia 16 de Janeiro de 2003, pelas 10 horas, para abertura de (novas) propostas em carta fechada. Inconformados com tal decisão vieram os referidos C..... e D..... interpor recurso em 2002.12.12, que foi admitido como de agravo, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo- cfr. fls. 29,- e, simultaneamente informar - que haviam entretanto já proposto acção judicial no Tribunal de....., na sequência do termo de protesto que fizeram lavrar, tendo em vista a separação da referida fracção, da massa falida. Entretanto, o processo prosseguiu. Nas alegações de recurso apresentaram os agravantes as conclusões seguintes: 1. Vem o presente recurso de agravo interposto, da douta decisão que julgou inexistente qualquer direito dos agravantes incompatível com a transmissão do imóvel em causa. 2. Decisão proferida no seguimento de protesto lavrado pelos agravantes, nos termos do art. 910.º do CPC., antes de efectuada a venda do imóvel em causa, ordenada nos autos supra referenciados. 3. Ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido conheceu do mérito da pretensão dos agravantes enquanto autores do protesto. 4. Com todo o respeito por opinião contrária, tal conhecimento só poderia ser objecto da decisão a proferir no âmbito da acção a propor pelos autores do protesto, a aludida no n.º 2 do art. 910.º do CPC. 5. A douta decisão recorrida é nula, por ter apreciado e conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento (cfr. al. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC). 6. Além disso traduz uma interpretação errada do art. 910.º do CPC, sendo que a interpretação que modestamente os agravantes defendem como correcta é a enunciada nos dois parágrafos que antecedem o início das pretensas conclusões. Termos em que (...) se deve revogar a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que se abstenha de conhecer do mérito da pretensão dos agravantes, enquanto autores do protesto, com todas as necessárias e legais consequências, nomeadamente com a declaração de nulidade de todo o processado posterior à decisão em crise e como é de Justiça” O M.º Juiz sustentou, no entanto, a decisão impugnada, mantendo os motivos anteriormente nela expostos, e mandou subir o recurso. Uma vez aqui distribuído o recurso, foi ele aceite com a qualificação e atributos que já lhe haviam sido conferidos na primeira instância. Correram os vistos legais. .................................... II - Âmbito do recurso e respectiva análise. De acordo com o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC., são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso que vêm a delimitar o respectivo âmbito. Tendo em conta que já acima procedemos à respectiva transcrição, podemos efectivamente afirmar que o âmbito do presente agravo se destina a analisar duas questões: a)- a de saber se pode, no âmbito do processo de falência, o M.º Juiz conhecer desde logo do mérito do termo do protesto, ou se tal conhecimento se encontra reservado para uma acção autónoma, b)- e quais as consequências da não propositura da acção destinada a separação ou restituição de bens, nos prazos legalmente previstos, apesar de ter sido lavrado termo de protesto. Analisemos então as questões colocadas. Para isso, é necessário ter presente que já após anunciada a venda, mas antes desta ter sido realizada, lavraram os ora agravantes, no processo de falência, “termo de protesto”, sem que no entanto, decorridos vários meses tivessem ainda instaurado a competente acção destinada a reconhecer aos agravantes o “direito de uso e habitação” da fracção imóvel arrolada, que, a ser julgada procedente, limitava obviamente o conteúdo da propriedade plena da fracção arrolada para a massa falida. Avancemos então: O CPEREF prevê, no seu artigo 181.º que a venda dos bens da massa é feita segundo as modalidades estabelecidas para o processo de execução. Daí decorre, que o regime de protesto e suas consequências, são os mesmos que decorrem do processo executivo, excepto se prevista no referido CPEREF normas específicas a respeito dessa matéria. Ora, existem previsões específicas no CPEREF a respeito dos momentos em que pode exercer-se o direito de restituição ou separação de bens, regime de protesto e suas consequências. Assim, um primeiro momento para um qualquer terceiro, eventualmente atingido pelo arrolamento de um bem ou direito para a massa falida, poder reclamar o direito à separação (exclusão) do todo ou parte dele, é o que vigora no período em que decorre a reclamação de créditos, cujo prazo é fixado pelo Juiz na declaração de falência.- art. 201.º do CPEREF [De acordo com o n.º 1, alínea c) deste artigo, “As disposições relativas à reclamação e verificação de créditos são igualmente aplicáveis à reclamação destinada a separar da massa os bens de terceiro indevidamente apreendidos e quaisquer outros bens, dos quais o falido não tenha a plena e exclusiva propriedade, ou sejam estranhos à falência ou insusceptíveis de apreensão para a massa. (sublinhado nosso).]. Um segundo momento, no entanto existe, se a apreensão dos bens vier a ocorrer já após a cessação do prazo para a reclamação de créditos. Nesta hipótese, o direito à restituição ou separação dos bens apreendidos à falida (do todo ou parte do bem ou direito, cujo conteúdo pertença a outros titulares), deve ser exercida, sem dependência do prazo de reclamação de créditos, mas nos cinco dias posteriores à apreensão, por meio de requerimento, apensado ao processo principal, de acordo com o disposto no art. 203.º do CPEREF. Nestas hipóteses, não há venda dos bens objecto de separação (ou exclusão parcial do conteúdo do direito), enquanto não houver decisão a respeito das reclamações apresentadas (leia-se aqui, a respeito da defesa do direito de uso e habitação- arts. 1.315.º e 1.311.º do CC -) , a menos que haja anuência do interessado ou se trate de venda antecipada, nos termos do art. 145.º-1-b) do CPEREF, como decorre do art. 179.º-3 do CPEREF. Se já houver decisão que tenha verificado o direito de restituição ou separação de bens indivisos ou apurada a existência de bens de que o falido seja contitular - então diz-nos o art. 179.º-2, 1.ª parte, do CPEREF - que só se liquida no processo de falência o direito que o falido tenha sobre esses bens. Mas o CPEREF admite ainda um terceiro momento, destinado a salvaguardar o direito à separação ou restituição dos bens (além de destinado também a reclamar novos créditos), daqueles que, por qualquer razão, não tenham exercido esse direito no prazo da reclamação de créditos nem nos cinco dias posteriores à apreensão – cfr. art. 203.º - , ou seja, especialmente tendo em vista terceiros, não citados ou notificados expressamente. Essa reclamação terá no entanto de ocorrer no prazo de um ano a contar da data da publicação da sentença de declaração da falência no Diário da República, e é feita através da propositura de acção contra os credores – arts. 205.º-1 e 2 do CPEREF, já que o art. 201.º-1 do CPEREF manda aplicar à restituição e separação de bens as disposições relativas à verificação de créditos. Refere-nos o n.º 3 do art. 205.º que, proposta a acção, há-de o autor assinar termo de protesto no processo principal da falência; os efeitos do protesto caducam, porém, se o autor deixar de promover os termos da causa durante 30 dias. O termo de protesto é uma formalidade que fica a constar do processo de falência, feita perante funcionário judicial por quem se arroga de titular de direito incompatível com o objecto de apreensão ou arrolamento, e que se destina a avisar os credores interessados ou eventuais compradores, de que o protestante se considera titular de direito incompatível com o que levou à apreensão ou arrolamento do bem para a massa falida (na sua totalidade ou apenas parcialmente), e que sobre essa titularidade incompatível vai o protestante empreender acção autónoma, destinada a comprová-la. Quais as consequências então, da não propositura da acção destinada à separação do direito de uso e habitação do direito apreendido (propriedade plena da fracção autónoma) no prazo previsto na lei, neste último quadro? A resposta temos de procurá-la primeiro dentro do CPEREF. Ora aí existe norma específica, no art. 205.º-3, que nos diz que os efeitos do protesto caducam se o autor deixar de promover os termos da causa durante 30 dias. Essa caducidade dos efeitos do protesto é automática, não dependendo de qualquer requerimento para o efeito, devendo por isso ser declarada oficiosamente pelo Tribunal [Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência Anotado, 3.ª ed., pag. 494.]. O M.º Juiz não declarou essa caducidade no despacho recorrido, mas avançou desde logo para a improcedência do fundo da causa que levou ao protesto, debruçando-se desde logo sobre o mérito do mesmo, concluindo pela não existência do direito. (despacho recorrido) Salvo o devido respeito, a decisão não foi, portanto, a que se impunha: O que o M.º Juiz poderia fazer, seria apenas o de declarar a caducidade do protesto, em virtude de os protestantes não haverem instaurado, no prazo de 30 dias, a acção competente, com vista ao reconhecimento do direito alegado, conforme o impunha o art. 205.º do CPEREF. Na verdade, tendo em conta que o termo de protesto foi lavrado em 2002.04.29, e que em ainda não tinham instaurado a competente acção em 2002.10.31, tornava-se manifesto que o termo de protesto havia caducado, porque há muito ultrapassado o prazo de trinta dias para a instauração da acção. Optou, no entanto, o M.º Juiz por julgar desde logo inexistente o direito dos protestantes, e, por isso, mandou prosseguir o processo. Em nosso entender, não poderia ter ido tão longe. A acção destinada a obter a separação da massa falida daquele direito limitativo da propriedade plena sobre a fracção (direito real de uso e habitação), feita no quadro do art. 205.º do CPEREF, teria de correr por apenso à própria falência e com as garantias dadas pelo formalismo exigido - processo sumário – de acordo com o disposto no art. 207.º do CPEREF. A partir do momento em que o autor deixa caducar o protesto cessa a garantia que para ele existia de o bem em causa não ser vendido enquanto essa acção não estivesse julgada, sem embargo de lhe continuarem a ser reconhecidos alguns direitos, para o caso de conseguir que a referida acção viesse a proceder: Assim, se o bem ainda não tiver sido ainda liquidado quando essa acção viesse a terminar, os reclamantes, transitada que fosse a decisão e esta lhes fosse favorável, terão direito à entrega (leia-se aqui ao reconhecimento do direito de uso e habitação, sendo apenas colocado à venda o restante conteúdo do direito de propriedade do bem em causa); se a liquidação houver já ocorrido, então só poderão receber o valor do bem (correspondente ao direito de uso e habitação da fracção autónoma, arrolada para a falência,) valor este que é fixado em obediência aos critérios do n.º 2 do art. 206.º, até onde o permitam os valores obtidos pela alienação dos bens da falida que não hajam ainda sido distribuídos aos credores, ou estejam retidos para garantir outros reclamantes, na situação do art. 205.º [Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pag. 496.]. E assim, embora somos levados a reconhecer que o M.º Juiz não poderia apreciar desde logo o mérito do objecto do protesto, ao julgar inexistente a incompatibilidade do direito dos agravantes com a transmissão da propriedade plena do imóvel, sem que houvesse sequer acção proposta. Ao fazê-lo desde logo, sem recurso ao processualismo previsto em acção própria, sob forma sumária, instaurada contra os credores, a ser citados por éditos de 10 dias (art. 205.º-1 do CPEREF), e que deveria correr por apenso (art. 207.º do CPEREF), o M.º Juiz lavrou decisão nula, por excesso de pronúncia, tal como resulta do disposto no art. 668.º-1-d) do CPC. O agravo merece, por isso, obter provimento. ................................ III - Deliberação No provimento do agravo anula-se a decisão recorrida. Custas pela massa falida. * Porto, 21 de Setembro de 2004Mário de Sousa Cruz Augusto José Baptista Marques de Castilho Maria Teresa Montenegro V C Teixeira Lopes |