Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1329/04.4TBGDM.P1
Nº Convencional: JTRP00042782
Relator: HENRIQUE ARAÚJO
Descritores: DIREITO À ELIMINAÇÃO DOS DEFEITOS DA OBRA
RESPONSABILIDADE
Nº do Documento: RP200906301329/04.4TBGDM.P1
Data do Acordão: 06/30/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA EM PARTE.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 318 - FLS 01.
Área Temática: .
Sumário: I - O direito à eliminação dos defeitos da obra só pode ser exercido contra o construtor (ou construtor/vendedor), como decorre claramente do art. 1221°, n.° 1 e dos n°s 1 e 4 do art. 1225°.
II - O dever de eliminar os defeitos da prestação defeituosamente efectuada integra-se no sinalagma contratual próprio da empreitada, aplicando-se-lhe as regras gerais do cumprimento das obrigações (arts. 762° e ss.).
III - Deste modo, o engenheiro responsável pela direcção técnica da obra, por ser um ente estranho à relação contratual estabelecida entre os proprietários das fracções autónomas e a empresa que construiu o imóvel e vendeu as ditas fracções, não pode ser condenado a eliminar os defeitos da obra, nem sequer a título subsidiário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 1329/04.4TBGDM.P1
REL. N.º 549
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. RELATÓRIO

B………, casado, na qualidade de administrador do Condomínio do Edifício sito na ………., nºs .. a .., e Rua ………., nºs … e …, ………., Gondomar, intentou contra “C………., Lda.”, com sede na Rua ………., n.º ….., ………., D………., engenheiro civil, com domicílio na sede da sociedade “E………., Lda.”, na Rua …………, ………., Vila do Conde, e F………., engenheiro civil, residente na Rua ………., n.º …, ………., Maia, a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, através da qual pede a condenação solidária dos Réus:
- A procederem ou mandarem proceder, à sua custa, às obras necessárias à eliminação definitiva dos defeitos existentes no Edifício supra referido, enunciados no art. 12º da petição inicial, no prazo de 3 meses;
- Caso não o façam nesse prazo, que os Réus sejam condenados a pagar ao Autor a quantia por si despendida para a reparação de todos aqueles defeitos, cuja liquidação virá a ser feita em execução de sentença;
- A pagarem ao Autor uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 5.000,00 (cinco mil euros).

O Autor fundamenta o pedido no facto de ser administrador do condomínio do Edifício constituído em regime de propriedade horizontal sito na ………., nºs .. a .. e Rua ………., nºs … e …, ………., o qual foi construído e, posteriormente, vendido pela Ré sociedade que, para o efeito, obteve alvará de licença de utilização para as várias fracções autónomas que o compõem (fracções “A” a “U”, com entrada pelo n.º .. e fracções “V” a “AQ” com entrada pelo n.º ..), sendo certo que, volvidos quatro anos sobre a conclusão do prédio o mesmo apresenta os vários defeitos de construção elencados no art. 12º da petição inicial.
Mais invoca que contactou os legais representantes da Ré sociedade para proceder à correcção dos aludidos defeitos, os quais instruíram os seus funcionários para os reparar parcialmente, deixando por reparar os referidos no art. 12º da petição inicial, apesar de o sócio-gerente daquela se ter comprometido a executar todos os trabalhos necessários de reparação.
Os defeitos apresentados são defeitos graves de construção já que inutilizam as partes afectadas pela obra para o fim económico da sua feitura e, para além disso, foram utilizados materiais de duvidosa qualidade.

Citados os Réus, vieram todos invocar a excepção de caducidade do direito do Autor para intentar a presente acção.
O Réu F………. arguiu, também, a ilegitimidade activa do Autor.
Alegou, ainda, que assumiu a direcção técnica da obra e que a mesma, tal como o projecto aprovado, cumpriu as disposições legais e regulamentares em vigor no que concerne à execução dos trabalhos e materiais utilizados, tanto assim que, veio o edifício a ser dotado da respectiva licença de utilização; aliás – prossegue – em deslocação ao local, pôde constatar que parte dos defeitos elencados não existem e outros só se verificam devido à falta de cuidados de manutenção e de conservação por parte do autor, que não limpou nem procedeu à conservação geral do edifício.
Quanto à Ré “C………., Lda.”, para além de impugnar a veracidade da matéria vertida na petição inicial, afirmou já ter procedido a algumas reparações referidas no art. 12º, acrescentando que certos defeitos não são de construção pois que exigem manutenção, que não foi feita, e que não foi prevista a pintura para certos aspectos como é o caso dos respiradouros.
Referiu ainda que o Autor não indicou a causa concreta de cada um dos defeitos apresentados, o que deverá ter como efeito a improcedência da acção, uma vez que não é possível aferir o nexo de causalidade.
No que concerne aos danos não patrimoniais, entende que tal pedido deve improceder pelo facto de não terem sido concretizados quaisquer prejuízos.
Finalmente, o Réu D………., além de ter impugnado parte da matéria alegada pelo Autor, alegou ter intervindo na obra como seu técnico responsável pela boa execução mas apenas no que diz respeito à estrutura, betão e alvenarias da mesma; nesta medida, considerando que nenhum dos defeitos apontados se refere à estrutura, betão e alvenarias, sustenta que deve ser absolvido, por ilegitimidade passiva.

O Autor respondeu à matéria das excepções deduzidas pelos Réus e, no mesmo articulado, requereu a intervenção principal provocada dos proprietários das fracções autónomas que foram referidas na alínea r) do art. 12º da petição e identificados no art. 27º da resposta à contestação, para intervirem na acção, na posição de autores, ao seu lado, assim fazendo face a uma eventual decisão de ilegitimidade da sua parte para demandar os réus.

Foi admitida a intervenção principal provocada dos demais proprietários das fracções autónomas identificadas no art. 27º da resposta à contestação, que, chamados à acção, nada disseram ou requereram.

Foi proferido o despacho saneador, tendo-se julgado parcialmente procedente a excepção da ilegitimidade activa do Autor (mais concretamente, na parte em que não lhe reconheceu legitimidade para pedir a eliminação dos defeitos descritos no art. 12º, al. m) da petição inicial) e improcedente a ilegitimidade passiva suscitada pelo Réu D………. .
Foi ainda decidido relegar para a decisão final o conhecimento da excepção da caducidade, arguida por todos os Réus.

De seguida, descreveu-se a matéria dada como assente e organizou-se a base instrutória, sem que surgisse qualquer reclamação.

Realizou-se o julgamento, tendo-se respondido à matéria da base instrutória pela forma que consta de fls. 393 a 401, sem que houvesse qualquer reclamação das partes.

Por fim, sentenciou-se a acção nos seguintes termos:
“Termos em que, na parcial procedência da acção:
1. Se condena os réus “C………., LDA.” e F………. a proceder ou mandar proceder, à sua custa, no prazo de 3 (três meses) a contar do trânsito em julgado da presente decisão, às obras necessárias à eliminação definitiva dos defeitos existentes nos prédios do condomínio autor, enunciados no facto provado n.º 15), nas suas diversas alíneas, excepção feita a parte da pintura dos muros que efectuou, à condensação de água nos armários dos quadros eléctricos que reparou e ao piso do campo de ténis que foi integralmente reparado ou, caso não efectuem tais obras no prazo concedido, vão os mesmos condenados a pagar ao autor a quantia que este venha a gastar na reparação de tais defeitos, quantia essa a liquidar em execução de sentença.
2. Se absolve os réus do pedido de condenação em indemnização a título de danos não patrimoniais.
3. Se absolve o réu D………., de todos os pedidos contra si formulados pelo condomínio autor”.

Os Réus “C………., Lda.” e F………. não se conformaram com a decisão e recorreram.
Os recursos foram admitidos como sendo de apelação, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – v. fls. 438.

Nas respectivas alegações pedem a revogação da sentença, formulando, respectivamente, as conclusões que seguem:
1. Os depoimentos das testemunhas dos AA entram em contradição, tanto cada um deles, como entre eles.
2. Todas as testemunhas situam os defeitos alegados nesta acção, quase todos, no início da ocupação do prédio, em fins de 1999 inícios de 2000.
3. Nenhuma das testemunhas assistiu a qualquer reclamação verbal feita pelo Administrador ou por outro condómino de qualquer um dos defeitos.
4. As testemunhas apenas se lembram das cartas enviadas à Ré, e que constam dos autos.
5. Algumas das testemunhas nem sequer conseguem identificar que intervenções foram feitas pela Ré, e quando.
6. À excepção do início da ocupação do prédio, onde as testemunhas reconhecem a existência de vários defeitos, nenhuma delas, com certeza, e sem intervenção da sua mandatária consegue temporizar o aparecimento dos defeitos e a alegada denúncia à Ré.
7. Tendo sido estes depoimentos que serviram, em geral, às respostas aos quesitos pelo Tribunal, não se entende como foram dados por provados os factos constantes da sentença.
8. Sem prescindir de uma clara e óbvia resposta distinta ao questionário, face àqueles testemunhos e à documentação que consta dos autos, há que referir que, mesmo aceitando a prova constante da fundamentação da sentença, sempre a presente acção teria que estar ferida de caducidade.
9. Em primeiro lugar porque nenhum dos factos provados se demonstra concretamente, à excepção das cartas juntas com a P.I., quando é que foram denunciados defeitos à Ré, quando apareceram e em que prazo foram denunciados, que defeitos específicos foram denunciados e quando, e quais as circunstâncias em que o foram e, por fim, por quem.
10. Desta feita, não estão cumpridos os requisitos legais cuja prova teria que ser feita pelos AA, da descoberta do vício e da sua denúncia no prazo de um ano, ónus que lhes competia.
11. Não está, também, provado nos autos que a Ré tenha reconhecido os defeitos, além daqueles que confessou na contestação, e para os quais fez intervenções. Mas só nessa medida.
12. Na verdade, o reconhecimento dos defeitos tem que ser expresso, concreto, preciso, sem margem de vaguidade ou ambiguidade, o que não sucedeu, nem se pode assacar dos factos provados na presente acção.
13. Finalmente, e relativamente aos defeitos que foram intervencionados pela Ré, caso a intervenção não tivesse resultado, iniciar-se-ia novo prazo de denúncia dos defeitos, nos mesmos termos gerais, sendo certo que dos autos não resulta qualquer prova de que tal tenha sucedido.
14. Foram violados os artigos 916º e 917º do Código Civil, devendo considerar-se provada a caducidade da presente acção.
15. Não se podem considerar defeitos os factos alegados supra nos artigos 23 a 27, pois não têm essas características, jamais podendo ser fundamento do dever de indemnizar.
16. Os factos dados como provados na fundamentação da sentença nos quesitos 20 e 21 não suportam a imputação de qualquer responsabilidade à Ré, e muito menos a sua condenação na reparação dos defeitos.
17. Tais factos não identificam, claramente, quem foram os responsáveis pelos defeitos, nem sequer individualizam cada defeito, imputando-lhe um agente causador, não estando provada a imputação do facto lesante, relativamente a cada um desses defeitos, o nexo de causalidade entre a acção do agente relativamente a cada um dos defeitos e, por fim, o grau de culpa do agente na realização e produção de tais defeitos.
18. Por outro lado, no quesito 21 está provado que os defeitos aí descritos se devem aos materiais aplicados pela Ré, que no quesito 23 são considerados como materiais correntes usados na construção.
19. Pelo exposto, e face à prova dos autos, não pode a Ré ser condenada nos termos em que o foi, devendo ser absolvida “in toto”.

A. A acção deu entrada em juízo no dia 23 de Abril de 2004.
B. O ora apelante foi citado para contestar em 3 de Maio de 2004.
C. Conforme é referido na matéria de facto dada como assente, nunca o condomínio que o recorrido representa interpelou o ora recorrente para eliminar os pretensos defeitos por ele invocados, sendo que só com citação para contestar tomou, o recorrente, conhecimento dos pretensos defeitos, alegadamente existentes no imóvel.
D. Nunca o recorrido comunicou ao aqui recorrente a existência de defeitos, vícios ou anomalias, resultantes quer da má construção quer da má qualidade dos materiais aplicados.
E. Nunca denunciou tal situação nem pediu a reparação do que quer que fosse ou a eliminação dos pretensos defeitos invocados.
F. A falta de denúncia dos defeitos ou vícios no prazo de um ano após o respectivo surgimento ou conhecimento é condição do exercício do direito de reparação, eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e ou indemnização, e a falta do exercício do direito de denúncia no prazo de 1 ano importa a caducidade dos referidos direitos, nos termos do disposto nos artigos 1221º e 1225º, n.º 4, do CC.
G. A sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do direito, tendo violado as referidas disposições legais, que, numa correcta interpretação e aplicação, impunham que se julgasse que não se verificou a condição de denúncia dos defeitos, vício ou anomalias para o exercício dos correspectivos direitos, bem como que, por força do decurso do tempo, atenta a verificação dos defeitos, vício ou anomalias, decorrido que foi mais de um ano do respectivo surgimento sem que o recorrido os tenha denunciado, operou a caducidade do exercício dos correspectivos direitos à eliminação ou reparação, à redução do preço, à resolução do contrato e ou à indemnização.
H. No que concerne ao surgimento dos vícios, defeitos e ou anomalias, apesar de resultar da matéria de facto provada a comunicação dos mesmos à co-ré C………., Lda., através de cartas datadas de 2 de Agosto de 2001 e de 23 de Maio de 2002, não foi alegado nem tão pouco julgado provado qual a data do surgimento ou conhecimento desses vícios, defeitos ou anomalias por parte do autor.
I. A determinação da data do surgimento ou conhecimento dos defeitos, vícios ou anomalias é condição necessária e indispensável para aferir da tempestividade não só da denúncia dos mesmos, como também da aferição da verificação da prescrição ou não do exercício do direito do autor por via da responsabilidade aquiliana.
J. Não tendo sido determinada a data do surgimento ou conhecimento dos defeitos, vícios ou anomalias, a sentença recorrida faz errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 1221º e 1225º, n.º 4, do Código Civil, que, numa correcta interpretação e aplicação impõem que se julgue não verificada ou não provada a tempestividade na denúncia dos defeitos, vícios ou anomalias.
K. Da matéria de facto provada, não resultou demonstrado qualquer facto que apontasse para a falta de cumprimento das obrigações emergentes para o aqui apelante por força do convencionado com a empresa co-ré construtora/vendedora do edifício.
L. Pelo contrário, concluída a obra, a mesma foi objecto de vistoria por parte dos competentes serviços municipais e foram emitidos os correspondentes alvarás de licença de utilização, o que resulta da matéria de facto provada.
M. Sustenta a Ex.ª Senhora Juiz do Tribunal a quo que não se demonstrou que a edificação do prédio em causa tenha sido em conformidade com o projecto aprovado; contudo, tal argumentação é claramente contrariada pelos factos provados, mormente pelo facto de terem sido emitidos os respectivos alvarás de licença de construção, sendo certo que da matéria de facto provada nada resulta nesse sentido.
N. Sustenta a Ex.ª Senhora Juiz do Tribunal a quo que não se demonstrou que os trabalhos de construção tenham observado as melhores regras e técnicas da arte, o mesmo acontecendo em relação ao acompanhamento da obra por parte do apelante já que não compareceu diariamente na obra, nem vigiou diariamente a boa construção e a qualidade dos materiais aplicados.
O. Salvo o devido respeito, o dever/obrigação de observação das melhores regras e técnicas da arte de construção impendia e impende sobre o construtor do edifício e não sob o aqui apelante, já que a este último incumbia apenas e tão só assegurar que a obra cumpria, isto é, observava o projecto aprovado e licenciado, bem como as normas técnicas gerais e específicas da construção, e que os materiais aplicados correspondiam aos previstos no projecto aprovado e licenciado.
P. Em relação aos materiais aplicados, não resultou provado que os mesmos não fossem os previstos no respectivo projecto, tendo ainda sido julgado provado que “Os materiais utilizados e aplicados na obra de construção do Edifício ………. são os materiais correntes usados na construção”.
Q. No que concerne à obrigação de assegurar que a obra cumpria, isto é, observava o projecto aprovado e licenciado, bem como as normas técnicas gerais e específicas da construção, da matéria de facto nada resulta no sentido de não ter sido cumprida tal obrigação, tendo aliás, e como já se disse, culminado o bom exercício das suas funções com a obrigação dos respectivos alvarás de licenças de utilização.
R. Ao bom exercício das funções do apelante, enquanto director técnico da obra, não obsta o facto do apelante não ter comparecido diariamente na obra, o que apenas relevaria em sede de responsabilidade contratual, isto é, em sede de incumprimento das obrigações contraídas para com a co-ré C………., Lda. se coisa diversa tivesse sido acordada, o que se ignora por não resultar da matéria de facto provada, mas que, de qualquer modo, em nada contribuiria para a boa decisão da causa.
S. A conduta do apelante não merece qualquer censura ou reparo, porquanto este limitou-se a exercer as suas funções com as respectivas limitações inerentes. Nem tão pouco viola qualquer disposição legal ou regulamentar, não sendo a sua conduta, por conseguinte, seja por via de acção seja por via de omissão, reveladora de qualquer ilicitude.
T. A conduta do apelante, atenta a matéria de facto provada, não revela a violação de qualquer norma legal ou regulamentar, nem tão pouco a existência de culpa, ou nexo de causalidade adequada.
U. Contrariamente ao sustentado na sentença recorrida, não lhe é imputável o ilícito e a responsabilidade que lhe é assacada.
V. A sentença recorrida fez errada interpretação e errada aplicação do disposto nos artigos 483º e 486º do Código Civil, violando as referidas disposições legais, que numa correcta interpretação e aplicação, impunham que se julgasse que a conduta do apelante é lícita, não merece qualquer reparo ou censura e, por conseguinte, não reúne os pressupostos legais de que depende a verificação da responsabilidade civil extracontratual.
W. Para que seja emitida a licença e alvará de utilização, nos termos do disposto no artigo 26º, n.º 1, do supra citado Decreto-Lei, concluída a obra, o presidente da câmara municipal, com a faculdade de delegação nos vereadores ou nos directores de serviço, emite, a requerimento do interessado, no prazo de 20 dias, a licença e o respectivo alvará de utilização de edifícios novos, reconstruídos, reparados, ampliados, ou alterados ou das suas fracções autónomas cujas obras tenham sido licenciadas nos termos do referido diploma, dela notificando o requerente no prazo de 8 dias.
X. Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 26º do citado diploma legal, o referido requerimento é acompanhado de declaração do técnico responsável pela direcção técnica da obra, desde que este possua formação e habilitação legal para assinar projectos, comprovativa da conformidade da obra concluída com o projecto aprovado e eventuais alterações efectuadas ao abrigo do artigo 29º, com os condicionamentos do licenciamento e com o uso previsto na licença de construção.
Y. Para a construção do referenciado imóvel, a Ré C………., Lda., solicitou, em seu nome, a correspondente licença de construção junto da Câmara Municipal ………., tendo-lhe sido atribuído o alvará de licença de construção n.º …/97, tendo ulteriormente sido atribuídos os alvarás de licença de utilização para as fracções autónomas designadas pelas letras “A” a “U”, em 15 de Novembro de 1999, conforme certidão emitida pela Câmara de ………. .
Z. Para a emissão das respectivas licenças de utilização, em 8 de Outubro de 1999 e 15 de Novembro de 1999, tornou-se exigível, por força do artigo 26º, nºs 1 e 4 do DL 445/91, de 20 de Novembro, que o recorrente, previamente à respectiva emissão das licenças de utilização, emitisse a competente declaração, na qualidade de técnico da obra, e a apresentasse ao dono de obra para que este, por sua vez, pudesse requerer a emissão dos respectivos alvarás de utilização.
AA. E isto porque competia à Câmara Municipal apreciar o pedido de emissão das licenças de utilização, porquanto lhe pertencia verificar a conformidade do projecto e demais elementos constantes do processo administrativo e se tais elementos satisfaziam todos os requisitos legais.
BB. O técnico responsável pela direcção técnica da obra, ou seja, o ora recorrente, sempre teria emitido as necessárias declarações, antes da emissão das respectivas licenças de utilização, isto é, antes de 8 de Outubro e 15 de Novembro de 1999, respectivamente.
CC. Conforme se referiu supra, o recorrente foi citado para contestar a acção em 3 de Maio de 2004, data em que tomou conhecimento dos pretensos defeitos ou vícios, alegadamente existentes no imóvel.
DD. Desde a data da emissão das declarações do técnico da obra e a propositura da acção, decorreram mais de três anos.
EE. Nos termos do disposto no artigo 498º do Código Civil, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos.
FF. Assim, se mais não fosse, encontra-se prescrito, em relação ao aqui recorrente, o direito que os recorridos pretendiam fazer valer na acção.
GG. A sentença recorrida viola o disposto no artigo 26º, nºs 1 e 4 do DL 445/91, de 20 de Novembro, bem como o disposto no artigo 498º do Código Civil que, numa correcta interpretação e aplicação impõem que se julgue prescrito o direito que o autor pretende fazer valer contra o apelante, atenta a responsabilidade aquiliana sustentada na sentença recorrida.

Nas contra-alegações, o recorrente defende a manutenção do julgado.

Foram colhidos os vistos legais.
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Sendo o objecto dos recursos balizados pelas conclusões dos recorrentes – arts. 684º, n.º 3 e 690º do CPC – as questões de que cumpre conhecer respeitam:
A. No recurso da Ré C………., Lda.
- à caducidade;
- à impugnação da matéria de facto;
- à não consideração de determinados defeitos.
B. No recurso do Réu F……….
- à caducidade;
- à inexistência dos requisitos da responsabilidade civil delitual;
- à prescrição do direito do Autor.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

1. O Edifício ………., descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º 02317/290590, sito na ………., nºs .. e .. e Rua ………., nºs … e …, encontra-se constituído em propriedade horizontal, conforme inscrição F1 – Ap. 154/190199.

2. Em Assembleia de Condóminos de 17 de Janeiro de 2004 foi reeleito como administrador do condomínio do Edifício ………., sito à ………., nºs .. e .., e Rua ………., nºs … e …, ………., Gondomar, o Sr. B………., e foi concedido ao referido administrador poderes para demandar judicialmente o construtor do edifício, a Ré C………., Lda., em virtude dos defeitos da obra existentes nos edifícios ……… .

3. Em Assembleia de Condóminos de 12 de Julho de 2004 foi concedido ao referido administrador Sr. B………. poderes para «demandar judicialmente os engenheiros responsáveis pela obra, Senhores F………. e D………., pelos defeitos de construção existentes nos Edifícios ………., bem como, ratificar todo o processado até à data, nos autos de processo n.º 1329/04.4TBGDM, do ..º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Gondomar».

4. A presente acção deu entrada em juízo no dia 23 de Abril de 2004.

5. A Ré C………., Lda., dedica-se com intuito lucrativo à actividade de construção e comercialização de edifícios e engenharia civil.

6. No âmbito daquela sua actividade a Ré C………., Lda., projectou, construiu e comercializou o prédio referido em 1.

7. Para a construção do referenciado imóvel, a Ré C………., Lda., solicitou, em seu nome, a correspondente licença de construção junto da Câmara Municipal ………., tendo-lhe sido atribuído o Alvará de licença de construção n.º …/97, tendo ulteriormente sido atribuídos os Alvarás de licença de utilização para as fracções autónomas designadas pelas letras "V" a "AQ", em 8 de Outubro de 1999 e para as fracções autónomas designadas pelas letras "A" a "U", em 15 de Novembro de 1999, conforme certidão emitida pela Câmara Municipal ………. .

8. Os responsáveis pela direcção técnica da obra referida em 7. foram os Réus Engenheiro D………. e Engenheiro F………., conforme certidão emitida pela Câmara Municipal ………. .

9. As fracções autónomas designadas pelas letras "V" a "AQ" correspondem ao edifício com entrada pelo n.º .. .

10. As fracções autónomas designadas pelas letras "A" a "U" correspondem ao edifício com entrada pelo n.º .. .

11. Após a conclusão dos trabalhos de construção, a Ré C………., Lda., procedeu à alienação das fracções autónomas constitutivas do prédio urbano identificado em 1.

12. O administrador do condomínio do edifício referido em 1. enviou à Ré C………., Lda., que a recebeu, a carta datada de 2 de Agosto de 2001 com o teor da cópia que se encontra junta a fls. 119 a 121.

13. Também foi enviada à Ré C………., Lda., a carta datada de 23 de Maio de 2002, e recebida pela Ré a 3 de Junho do mesmo ano, com o teor do documento junto a fls. 121 a 123.

14. O Réu D………., no exercício das funções referidas em 8., assumiu a responsabilidade técnica pela boa execução da obra de construção da estrutura e alvenarias do prédio referido em 1.

15. O imóvel referido em 1. apresenta:
a) Os diversos muros existentes no logradouro do prédio referido em 1. – designadamente muro de vedação com as ruas do lado interior, muros no campo de ténis, parque infantil e logradouro – encontram-se com a tinta totalmente descascada, e em alguns pontos já nem existem vestígios de terem sido pintados.
b) Os diversos muros existentes no logradouro do prédio referido em 1. apresentam microfissuras e descamação do material utilizado.
c) O forro do telhado é composto por várias vigas de apoio que suportam placas térmicas, encontrando-se algumas dessas placas térmicas parcialmente soltas por, atentas as suas dimensões, terem sido feitas emendas topo a topo realizadas por encaixe tipo ‘macho fêmea’ no vão entre as vigas de apoio, sem aplicação de qualquer tipo de fixação nos locais das emendas e estarem partidas as saliências dos encaixes do macho, pelo que, em consequência, nos dias de vento as referidas placas térmicas oscilam batendo umas nas outras e contra o tecto, o que impede o descanso de alguns dos moradores (os que habitam os andares mais próximos do telhado).
d) Na cobertura dos edifícios nºs .. e .. existem alguns cumes rachados e diversas telhas partidas.
e) Na cobertura dos edifícios nºs .. e .. existem pequenas chaminés de ventilação que não estão pintadas porque nunca foram sequer pintadas, tendo sido colocadas posteriormente no prolongamento dos tubos colectores de queda do saneamento para eliminar os maus cheiros que existiam no sótão, o que contrasta com as restantes que se encontram pintadas.
f) No tecto e parede do corredor que dá acesso ao salão do condomínio existe uma infiltração de água através da junta de dilatação existente que, não obstante as intervenções para calafetagem da junta de dilatação já realizadas pela Ré C………., Lda., continua a verificar-se.
g) Existe infiltração de água no tecto e na parede da cave do edifício n.º 80, junto da garagem com a letra "R".
h) Existia condensação de água nos armários dos quadros eléctricos, junto das entradas nºs … e …, da Rua ………., tendo sido colocadas grelhas de ventilação nos armários dos quadros eléctricos pela Ré C………., Lda., que resolveram o problema da condensação de água dentro deles.
i) Existe infiltração de água no piso da cave debaixo das escadas de acesso à casa dos tanques.
j) Existe infiltração de água das chuvas no hall de entrada do n.º .., pela porta do lado Sul, mesmo quando a porta permanece fechada.
k) Existe infiltração de água da chuva no hall de entrada do n.º .., pela porta do lado Norte, mesmo quando a porta permanece fechada.
l) Existe uma fissura que acompanha a junta de dilatação ao nível da cave na casa dos tanques de água.
m) O piso do campo de ténis, que se encontrava danificado, foi reparado integralmente pela Ré C………., Lda., encontrando-se em bom estado, encontrando-se a pintura das paredes laterais do campo de ténis com a pintura danificada, a descascar e nalguns pontos, mesmo sem qualquer tinta.
n) A pintura de algumas das grades das varandas nos dois edifícios (nºs .. e ..) está arranhada em virtude de, após a colocação das grades iniciais, ter sido necessário instalar mais uns elementos horizontais para diminuir o espaçamento entre as grades, por razões de segurança, apresentando, no entanto, um aspecto exterior satisfatório, com excepção das varandas referidas em s), cuja pintura está danificada nos termos aí referidos.
o) Existe queda continuada de várias cerâmicas que revestem os edifícios nºs .. e .. .
p) Existe um elemento cerâmico de cor mais clara que a restante colocado na fachada principal do lado direito do edifício n.º .. .
q) No Parque Infantil a pintura do portão de acesso estava danificada e os muros têm microfissuras e estão com a tinta a desbotar, tendo em algumas zonas a tinta a descascar, já tendo a Ré procedido à pintura do portão de acesso.
r) No parque infantil os aparelhos apresentam alguns pontos de ferrugem, nomeadamente nos parafusos e porcas de ligação dos mesmos, encontrando-se degradados por falta de conservação e manutenção, não permitindo o seu actual estado a sua utilização por colocarem em risco a integridade física e a saúde das crianças.
s) Existe formação de estalactites nos tectos e paredes das varandas das seguintes fracções dos edifícios nºs 30 e 80, motivadas pela baba do produto – cimento cola – aplicado na colocação da cerâmica, caindo esta baba sobre o gradeamento dessas varandas e manchando-o:
1.º - Edifício n.º 30:
a) - Alçado principal: varanda do 2º D; gradeamento e varanda do 1º D.
b) - Alçado lateral direito: tecto e gradeamento da varanda do 4º C.
c) - Alçado posterior: tecto e gradeamento da varanda do 4º C.
2.º - Edifício nº 80:
a) - Alçado principal: Varanda do 1º D.
b) - Alçado lateral direito: Tecto e gradeamento da varanda do 4º D e paredes da varanda do 1º D.
c) - Alçado posterior: Tecto e gradeamento da varanda do 4º C; tecto, paredes e gradeamento da varanda do 4º B e gradeamento do 3º B.
d) - Alçado lateral esquerdo: Tecto e gradeamento da varanda do 4º A, tecto e gradeamento da varanda do 4º B.

16. Face ao aparecimento dos factos referidos em 15., o Administrador do Edifício referido em 1. contactou o Sr. G………., legal representante da Ré C………., Lda., a fim de o mesmo mandar corrigir tais defeitos que entretanto tinham surgido.

17. Na sequência das reclamações referidas em 16., o referido Sr. G………., deu instruções a funcionários e sub-empreiteiros para repararem alguns dos factos referidos em 15., tendo sido efectuadas algumas reparações, designadamente:
a) pintura de parte dos muros cuja tinta estava danificada, deixando, porém, os restantes por reparar, quer nas respectivas fissuras, quer na pintura.
b) tentaram, sem sucesso, resolver parte dos problemas de infiltrações de água.

18. O Sr. G………., por diversas vezes, deslocou-se ao prédio referido em 1., onde foi tomando conta dos factos referidos em 15. que lhe iam sendo enumerados, e sempre se comprometia a repará-los a curto prazo.

19. No entanto, as intervenções efectuadas nunca repararam integralmente os factos referidos em 15., limitando-se a esporádicas e desconexas intervenções que apenas disfarçavam por algum tempo, parte dos problemas detectados referidos em 15.

20. Os factos referidos em 15. devem-se, em parte, ao facto de os trabalhos de acabamentos do edifício referido em 1. – arte de trolha, pintura, serralharia e pichelaria – terem sido mal executados pela Ré C………., Lda.

21. As rachadelas e fissuras das paredes, tectos e muros do edifício referido em 1. resultam das reacções dos materiais aplicados na obra pela Ré C………., Lda.

22. O Réu Engenheiro F………., no âmbito das funções referidas em 8., tinha que assegurar que a obra de construção do edifício referido em 1. cumpria as disposições legais e regulamentares em vigor e o projecto aprovado, quer no que concerne à respectiva execução dos trabalhos quer no que concerne aos materiais aplicados.

23. Os materiais utilizados e aplicados na obra de construção do Edifício ………. são os materiais correntes usados na construção.

24. O Condomínio nunca comunicou ao Réu Engenheiro F………. a existência dos factos referidos em 15., nem pediu ao referido Réu a eliminação desses factos.

25. Para resolver a infiltração referida em 15., al. j), foram colocadas pela Ré C………., Lda., nas portas do hall de entrada do n.º 80, pequenas tiras em granito, mas a infiltração continua a dar-se, em menor quantidade.

26. Apenas parte das cerâmicas de revestimento que caíram foram repostas pela Ré sociedade, permanecendo cerâmicas por repor dado o carácter continuado da queda referida em 15., al. o).

27. As cerâmicas repostas são de cor igual às iniciais; no entanto e porque são novas, podem revelar uma pequena diferença de tonalidade, como sucede com a referida em 15., al. p).

28. Após o envio das cartas referidas em 12. e 13., foram feitas intervenções pela 1ª Ré nos edifícios referidos em 1., com vista a reparar os defeitos ali peticionados.

29. Porém, tais intervenções não solucionaram definitivamente todos os defeitos ali peticionados, reaparecendo alguns defeitos, por vezes, nos mesmos locais daqueles já referidos nas cartas: no corredor do condomínio, na garagem, nos muros.

30. Quando isso acontecia, e logo que chegava ao conhecimento do administrador do condomínio, este, verbalmente, ia chamando a atenção do Sr. G………., para que a Ré sociedade corrigisse esses defeitos, o que foi sucedendo pelo menos até Junho do ano de 2003.

31. Os cumes rachados e as diversas telhas partidas, na cobertura dos edifícios nºs .. e .., apenas chegaram ao conhecimento do Autor no início de Maio de 2003, quando foi alertado para tal facto, por um trabalhador da Ré sociedade que ali se deslocou por ordem da Ré e lhe referiu os primeiros 4 cumes rachados, dois em cada um dos dois edifícios.

32. Dos restantes cumes apenas soube mais tarde, por ter sido alertado por um técnico da H………. que ali se deslocou.

33. Como os legais representantes da sociedade Ré se foram comprometendo a corrigir todos os defeitos, mantendo um ou dois trabalhadores seus, reparando outros defeitos anteriormente comunicados, o administrador do condomínio confiou na palavra dos mesmos e esperou tais obras.

34. A partir da data referida em 30., as obras foram rareando, até cessarem por completo, mas as promessas de correcção dos defeitos por parte da Ré sociedade foram continuando.

O DIREITO

A. Apelação da Ré C………., Lda.
a)
A Ré C………., Lda., na contestação, arguiu a excepção da caducidade do direito de acção, referindo que os defeitos foram denunciados nas cartas de 02.08.2001 e de 23.05.2002 e que a acção só foi proposta em 23.04.2004, mostrando-se assim excedido o prazo legal de que o Autor dispunha para agir judicialmente.
Na resposta à contestação, o Autor chama a atenção para o facto de os defeitos denunciados nessas cartas não corresponderem aos reclamados na presente demanda, assegurando que estes foram surgindo ao longo do tempo, todos eles entre o início do Verão e o final do ano de 2003 – art. 22º do articulado de fls. 147 e ss. E – acrescenta – a Ré sempre se comprometeu a reparar esses defeitos.

Vejamos:
O primeiro reparo a fazer à sentença recorrida prende-se com o regime legal escolhido para dirimir a causa e, designadamente, para apreciar a excepção da caducidade.
A Mmª Juíza entendeu que ao caso se aplicavam as normas dos artigos 913º e seguintes do CC, relativas ao regime da venda de coisas defeituosas.
Esse não é, porém, o melhor caminho.
Como resulta dos factos provados, a Ré C………., Lda. foi a construtora do imóvel e vendedora das respectivas fracções – cfr. pontos 6. e 11.
De acordo com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 04.12.1996[1], no regime anterior ao DL 267/94, de 25.10., a acção destinada a exigir a reparação de defeitos de coisa imóvel vendida, estava sujeita à caducidade nos termos previstos no art. 917º do CC.
Com a nova redacção dada ao art. 1225º do CC, maxime o aditamento do seu n.º 4, a doutrina fixada nesse acórdão mostra-se ultrapassada relativamente às acções em que o demandado seja construtor/vendedor e se trate de imóveis destinados a longa duração.
A partir dessa alteração consolidou-se o entendimento de que, tratando-se de venda de um imóvel destinado a longa duração, cujo vendedor tenha também sido o seu construtor, aos prazos de garantia e exercício de direitos relacionados com os defeitos da coisa (imóvel) vendida, se aplica o regime do art. 1225 do CC, por força, essencialmente, do estatuído no nº 4 de tal preceito[2].
Daqui resulta que a Ré C………., Lda. responde pelos vícios de construção e pelos defeitos que o prédio vier a revelar nos cinco anos posteriores à entrega, aplicando-se os prazos de denúncia estabelecidos no art. 1225º.
A denúncia dos defeitos deve, porém, ser feita dentro do prazo de um ano a partir do seu conhecimento – n.º 2 do mesmo artigo –, sendo também de um ano o prazo para exercer, por via judicial, o direito à eliminação dos defeitos – art. 1225º 3.

Como é consabido, a caducidade constitui um facto extintivo do direito do autor, cabendo a correspondente prova ao demandado – art. 342º, n.º 2.
A Ré construtora/vendedora afirmou que os defeitos lhe foram denunciados nas cartas datadas de 02.08.2001 e de 23.05.2002 e que a acção só foi instaurada em 23.04.2004, ou seja, mais de um ano após a denúncia, pelo que teria caducado o direito de o Autor pedir a eliminação dos defeitos.
Todavia, o que se verifica dos factos provados é que a Ré reconheceu perante o Autor os vários defeitos que iam sendo apontados, conforme resulta dos pontos 18. e 33., que a seguir se relembram:
18. “O Sr. G………., por diversas vezes, deslocou-se ao prédio referido em 1., onde foi tomando conta dos factos referidos em 15. que lhe iam sendo enumerados, e sempre se comprometia a repará-los a curto prazo”.
33. “Como os legais representantes da sociedade Ré se foram comprometendo a corrigir todos os defeitos, mantendo um ou dois trabalhadores seus, reparando outros defeitos anteriormente comunicados, o administrador do condomínio confiou na palavra dos mesmos e esperou tais obras”.
Ora, nos termos do n.º 2 do art. 331º, a caducidade pode ser impedida sempre que haja reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.
Ora, dos factos narrados não pode extrair-se outra conclusão que não seja a de que a Ré, na pessoa do seu legal representante, reconheceu os defeitos descritos no ponto 15. e prometeu eliminá-los.
Surge assim como evidente que a arguição da caducidade, com o precedente fáctico assinalado, estava votada à improcedência.
O STJ[3] considerou até que “age com abuso de direito o construtor-vendedor de imóvel que, depois de lhe terem sido denunciados defeitos da obra em tempo oportuno e que se compromete a repará-los sem ter colocado restrição alguma, vem depois invocar a caducidade da acção alegando não ter esta sido interposta no prazo legal, quando a sua actuação paulatina, espaçada e parcial fora conduzida por forma a fazer acreditar os compradores que os eliminaria”.

b)
A recorrente fez uma “tentativa” de impugnação da matéria de facto.
E dizemos “tentativa” porque não logrou cumprir as exigências legais mínimas estabelecidas no art. 690º-A, do CPC.
Diz-se no n.º 1 desse artigo que, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
E o n.º 2 acrescenta:
No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 522º-C.
Acontece que a recorrente limitou-se a reproduzir uma síntese dos depoimentos de três das testemunhas ouvidas, sem especificar, pelo menos de forma clara[4], os concretos pontos de facto que queria ver alterados e sem apontar qual o sentido dessa alteração. Além disso, omitiu completamente a obrigação de localizar esses depoimentos nos suportes áudio da gravação, por referência ao assinalado na acta, sendo certo que não existe transcrição dessa prova.
Por conseguinte, a impugnação da matéria de facto – qualquer que ela fosse – não pode ter-se como realizada, o que redunda na estabilização da matéria de facto julgada na 1ª instância.

c)
Defende também a apelante que as alíneas c), d), e), r) e s) do ponto 15. – que correspondem aos arts. 23º a 27º das alegações de recurso, não corporizam defeitos da obra e que, por isso, não deveriam ser considerados.
Supomos que a recorrente tem razão no que respeita aos “defeitos” descritos nas alíneas d) e r).
Tanto os cumes rachados e as diversas telhas partidas, como a existência de pontos de ferrugem nos aparelhos do parque infantil, nomeadamente nos parafusos e porcas de ligação, são situações que têm a ver com o desgaste natural dos materiais e com a aparente falta de manutenção das partes comuns do prédio. Nada nos autos indica que essas deficiências tenham derivado da má execução da obra, ao contrário do que sucede com os defeitos assinalados nas outras alíneas c), e) e s). Aliás, essas deficiências não constam das cartas enviadas pelo Autor à Ré em 02.08.2001 e 23.05.2002 (fls. 119 a 124), o que reforça este nosso entendimento.

d)
Finalmente, a 18ª conclusão recursória parece querer apontar para uma eventual contradição entre os factos dos pontos 21. e 23. da matéria de facto provada.
Mas, se bem virmos, nenhuma contradição existe.
Relembremos o que aí se exarou:
21. As rachadelas e fissuras das paredes, tectos e muros do edifício referido em 1. resultam das reacções dos materiais aplicados na obra pela Ré C………., Lda.
23. Os materiais utilizados e aplicados na obra de construção do Edifício ………. são os materiais correntes usados na construção.
Uma coisa é a qualidade dos materiais – que, pelos vistos, não divergia da média – outra a forma como eles reagem, nomeadamente quando são mal aplicados, como decorre do ponto 20. (os factos referidos em 15. devem-se em parte ao facto de os trabalhos de acabamentos do edifício referido em 1. – arte de trolha, pintura, serralharia e pichelaria – terem sido mal executados pela Ré C………., Lda.).
Não se detecta, pelo exposto, qualquer contradição entre esses dois factos.

B. Apelação do Réu F……….

A sentença recorrida condenou o Réu/recorrente, solidariamente com a Ré construtora/vendedora, a proceder ou mandar proceder às obras necessárias à eliminação definitiva dos defeitos existentes no prédio ou, caso não se efectuem tais obras, no pagamento da quantia que o Autor venha a gastar na reparação de tais defeitos, a liquidar em execução de sentença.
Não concordamos, mais uma vez.
O que está unicamente em causa é a apreciação do pedido de eliminação dos defeitos da obra, porquanto em relação ao resto – nomeadamente pedido de indemnização por danos não patrimoniais – a 1ª instância julgou a acção improcedente.
Ora, o direito à eliminação dos defeitos da obra só pode ser exercido contra o construtor (ou construtor/vendedor), como decorre claramente do art. 1221º, n.º 1 e dos nºs 1 e 4 do art. 1225º. E compreende-se que assim seja, uma vez que o dever de eliminar os defeitos da prestação defeituosamente efectuada integra-se no sinalagma contratual próprio da empreitada, aplicando-se-lhe as regras gerais do cumprimento das obrigações (arts. 762º e ss.).
Deste modo, o engenheiro responsável pela direcção técnica da obra, por ser um ente estranho à relação contratual estabelecida entre os proprietários das fracções autónomas e a empresa que construiu o imóvel e vendeu as ditas fracções, não pode ser condenado a eliminar os defeitos da obra, nem sequer a título subsidiário[5].
Sendo manifesta a improcedência da acção quanto a este Réu, torna-se desnecessária a apreciação das outras questões suscitadas no seu recurso.
*

III. DECISÃO

Em conformidade com o exposto, decide:

- Julgar parcialmente procedente a apelação da Ré C………., Lda., revogando-se a parcialmente a sentença e absolvendo-se a Ré na parte em que foi condenada a eliminar os defeitos descritos nas alíneas d) e r) do ponto 15. ou, caso não procedesse à dita eliminação, a pagar a quantia que viesse a ser gasta nessa reparação.

- Julgar procedente a apelação do Réu F………., absolvendo-se o mesmo do pedido de eliminação dos defeitos.
*

Custas da apelação da Ré por esta e pelo Autor, na proporção de 4/5 e 1/5, respectivamente.
Custas da apelação do Réu F………. pelo Autor.
*

PORTO, 30 de Junho de 2009
Henrique Luís de Brito Araújo
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Maria das Dores Eiró de Araújo

_______________________
[1] DR I Série-A, n.º 25, de 30.01.1997
[2] Cfr., entre outros, o Acórdão do STJ de 29.04.2008, no processo n.º 08A367, e o Acórdão da Relação de Lisboa de 04.11.2008, no processo n.º 2552/2008-1, ambos em www.dgsi.pt.
[3] Acórdão de 27.11.2007, no processo n.º 07A3581, em www.dgsi.pt.
[4] Cfr. conclusão 7. do recurso.
[5] Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 28.06.2007, no processo n.º 5673/2007-6, www.dgsi.pt.