Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00042285 | ||
Relator: | TELES DE MENEZES | ||
Descritores: | ÁGUAS SUBTERRÂNEAS ACTIVIDADES PERIGOSAS NEXO DE CAUSALIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP200902050837597 | ||
Data do Acordão: | 02/05/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 786 - FLS 94. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – As águas subterrâneas, enquanto não forem desintegradas da propriedade superficiária, por lei ou por negócio jurídico, constituem uma parte componente do respectivo prédio, nos termos e dentro dos limites fixados pelo art. 1344º do CC. II – Para que assim não seja, necessário se torna que o proprietário abra mão do direito à captação, alienando a água a terceiro ou permitindo a constituição de uma servidão em proveito de outro prédio. III – A presunção de culpa prevista no art. 493º, nº2, do CC não envolve, simultaneamente, a dispensa da prova do nexo de causalidade, exigindo-se a demonstração de que a actividade perigosa foi, juridicamente, a causa da ocorrência dos danos. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. B………. intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra C………., e outra, pedindo a condenação da Ré a: - Reconhecer que os trabalhos de desaterro e rebentamento que levou a efeito junto ao prédio da A., para construção da auto-estrada que liga Viseu a Chaves, cortaram as veias de abastecimento de água do poço da A. que secou e hoje é completamente inútil. - Mandar abrir imediatamente no prédio da A., em local escolhido por esta, um furo artesiano, com a profundidade de pelo menos 150m, ou então dois furos de 120m cada, para garantir o caudal que o antigo furo de 100m debitava, devidamente revestidos e com bomba de água, a fim da A. poder usufruir da água para consumo e utilidades domésticas; - Ou então indemnizar a A. no quantitativo necessário para que outra empresa proceda a esse furo artesiano, reservando para liquidação de sentença tal quantitativo, tendo em conta valores actualizados à data; - Indemnizar a A. no valor correspondente aos painéis solares necessários à produção de energia para tirar a água dos mencionados poços, a liquidar em execução de sentença; - Indemnizar a A. no quantitativo de €1.500,00 pelos danos morais que tal situação lhe tem causado, mormente a indiferença da Ré; - Desentupir os respiradouros do poço ou indemnizar a A. de tal valor, a liquidar em execução de sentença - Indemnizar a A. dos prejuízos causados na agricultura, no valor de €6.095,00, acrescido dos juros de mora desde a citação até integral e efectivo pagamento. Alegou que é dona e legítima proprietária de dois prédios rústicos e que a Ré foi o empreiteiro responsável pela obra de construção da A 24, tendo esta via separado os prédios mencionados do poço de rega dos mesmos de que a A. é “titular”, sendo que os prédios se situam agora do lado direito da auto-estrada e o poço do lado esquerdo, atento o sentido Vila Real-Régua. A Ré levou a cabo trabalhos de desaterro e rebentamento, que fizeram mover as terras e rochas com explosivos. Em consequência de tais trabalhos foram cortados os meios de abastecimento da água do poço, que secou e é hoje inútil, privando a A. da água e provocando-lhe danos patrimoniais e morais, já que sempre o utilizou desde 1968 para irrigar terrenos agrícolas. Para suprir a falta é necessária a abertura de um ou dois furos artesianos. A Ré contestou, suscitando a ineptidão da p. i., por incompatibilidade dos pedidos formulados sob as alíneas b) e e), e impugnando, dizendo que a A. fundamenta o pedido numa pretensa servidão de aqueduto, que teria ficado inutilizada pelas obras do lanço C da SCUT interior Norte, mas não afirma se o poço se situa em propriedade sua ou de terceiro, apesar de na planta de fls. 11 o ter implantado na parte sobrante da parcela 126. Ora, qualquer direito se existiu já se extinguiu, porquanto as parcelas 125 e 126 foram transmitidas para a expropriante sem qualquer ónus. Além disso, quer essa parcela quer a 125 tinham outros titulares identificados que não a A., os quais receberam as competentes indemnizações. Se a A. considerava que a alegada servidão ficava inviabilizada devia ter diligenciado junto das entidades competentes pela indemnização no processo de expropriação. Além disso, o território português esteve desde 2003 sob influência de forte seca, o que reduziu os níveis freáticos, entre os quais o da A.. Conclui, pois, pela improcedência da acção. A A. replicou, desistindo, nesse articulado dos pedidos formulados contra a outra Ré e defendendo que a p.i. não é inepta, mas, não obstante, desistiu também do pedido contra a Ré C………. formulado sob a alínea e) (desistência homologada a fls. 105). Afirmou, ainda, ter apresentado reclamação à Ré pelos danos causados com as obras, a qual a encaminhou para a outra Ré, que fez a peritagem dos mesmos, tendo apresentado um relatório final. Disse, ainda, que o poço e os seus veios se situam em propriedade sua não expropriada, designadamente na parte sobrante da parcela 126, não havendo qualquer servidão de aqueduto a considerar. II. Elaborou-se saneador e condensou-se o processo. Após instrução, na qual teve lugar prova pericial (fls. 141 a 143 e 181-182), procedeu-se ao julgamento e veio a ser proferida sentença que: a) Condenou a R. C………. a reconhecer que os trabalhos de desaterro e rebentamento que levou a efeito junto ao prédio da A., para construção da auto-estrada que liga Viseu a Chaves, cortaram as veias de abastecimento de água do poço da A. que secou e hoje é completamente inútil. b) Condenou a R. a realizar um furo artesiano com o mínimo de 120 metros de profundidade, caso esta seja a profundidade suficiente para extrair o caudal normal de água, bem como a instalar a electrobomba inerente ao funcionamento do furo e os necessários painéis solares para a produção de energia de tirar a água. c) Caso a R. não realize o referido em b), condenou-a a indemnizar a A. no quantitativo necessário para que outra empresa proceder a esse furo artesiano, bem como a indemnizar a A. no valor correspondente aos painéis solares necessários à produção de energia para tirar a água, tudo a liquidar em execução de sentença. d) Condenou a R. a pagar à A., a título de danos patrimoniais, a quantia de € 2.000,00 (dois mil) euros, a que acrescem os juros de mora civis contados da citação até efectivo e integral pagamento. e) Julgou improcedente o remanescente do pedido e absolveu a R. do mesmo. III. Recorreu a Ré, concluindo: ………………………………… ………………………………… ………………………………… A apelada contra-alegou, pedindo a confirmação da sentença. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. IV. Questões suscitadas no recurso: - nulidade da sentença por falta de fundamentação; - erro na decisão da matéria de facto; - inexistência de direito à água por parte da A.; - a sede própria para obter a indemnização por qualquer direito real relacionado com a expropriação é o respectivo processo; - inexistência de ilicitude no comportamento da apelante; - qualquer responsabilidade pertence ao dono da obra e não ao empreiteiro. V. Factos considerados provados na sentença: 1) Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ………. do concelho de Vila Real, sob o artigo 6862, em nome de B………., o prédio rústico sito no ………., na freguesia de ………., composto de pastagem e casa de arrumos agrícolas, a confrontar do norte com D………., Nascente, E………., do sul com estrada e Poente com Estrada (A). 2) Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ………., do concelho de Vila Real, sob o artigo 7817, em nome de B………., o prédio rústico sito no ………., na freguesia de ………., composto de cultura com videiras em latada e em cordão, 2 macieiras, 2 pessegueiros, 1 cerejeira e 3 amendoeiras, confrontar do norte com estrada, Nascente, F………., do sul G………., herdeiros e Poente com H………. (B). 3) A ré foi o empreiteiro responsável pela obra de construção da A24 que liga Viseu a Chaves (C). 4) Para a construção da A24 foram feitos trabalhos de desaterro e rebentamento pela ré que fizeram mover as terras e rochas com explosivos (D). 5) Com a construção da auto-estrada A24 os referidos rústicos passaram a situar-se do lado direito da A24 (atento o sentido Vila Real/Régua) (1.º). 6) E o poço de rega de que a autora é titular passou a situar-se do lado esquerdo da A24 (atento o sentido Vila Real/Peso da Régua) (2.º). 7) Em consequência do referido em 4) foram cortados os meios de abastecimento de água do referido poço, que secou e é hoje inútil (3.º). 8) Desde 1968 que a autora sempre regou os referidos rústicos com a água do poço, existindo para tal poços com respiradouros e livres de entulhos (4.º). 9) A autora desconfiada de que a diminuição da água no poço fosse causada pelos trabalhos na A24 queixou-se aos trabalhadores da ré e ao encarregado das obras (5.º). 10) A ré, através do seu encarregado, garantiu que os trabalhos de preservação das águas nascentes, de aluvião e acessos seriam feitos de modo a que os referidos prédios nada sofressem além do atravessamento da via (6.º). 11) A autora mandou orçamentar a abertura do furo artesiano tal como foi solicitado pelo departamento jurídico da ré (7.º). 12) A firma I………., Ld. entendeu que seria necessário abrir um furo com 150 metros ou mais, ou então 2 furos de 120 metros cada, para garantir o caudal que o antigo furo de 100 m debitava (8.º). 13) Derivado à potência eléctrica disponível o ideal é um furo com o máximo de 120 metros de profundidade (9.º). 14) O preço por metro de profundidade seria de 25,00 euros (10.º). 15) As duas electrobombas e a sua instalação totalizavam a quantia de 3.000,00 euros (11.º). 16) E seriam necessários os painéis solares para a produção de energia de tirar a água dos mencionados poços (12.º). 17) Nos referidos prédios a autora semeava erva para o gado que era cortada três vezes ao ano e dava um mínimo de 225 fardos de feno (13.º). 18) O custo do fardo de feno na região é de 2,50 euros (14.º). 19) O custo da semeadura e colheita é de 0,50 euros por cada fardo (15.º). 20) Após a colheita do feno, em Maio de cada ano, eram plantados 450 quilos de batatas que produziam em média 3.750 quilos por ano (16.º). 21) Na sementeira das batatas a autora com o custo da semente despendia em média, 150,00 euros (17.º). 22) E com 2,5 horas de tractor para abrir os regos despendia em média montante não apurado (18.º). 23) E com 2,5 horas de tractor para fresar o terreno despendia em média montante não apurado (19.º). 24) Os 3.750,00 kg de batatas dariam um lucro não apurado (25.º). 25) Em cada ano agrícola que não trabalha as terras a autora perde montante não apurado (26.º). 26) As parcelas de terreno onde existe a alegada servidão de passagem de águas foram expropriadas como parcelas 125 e 126 (28.º). 27) O referido poço e as suas veias de abastecimento situam-se em propriedade da autora, não expropriada, designadamente na parte sobrante da parcela 126 (29.º). VI. 1. O art. 668.º/1-b) do CPC sanciona com a nulidade a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. A apelante atribui à sentença recorrida a falta de fundamentação de direito, afirmando que nela se passa para a obrigação de indemnizar sem que se diga a razão pela qual existe tal obrigação por banda da Ré, se pela prática de factos ilícitos, de factos lícitos ou pelo risco. Em concreto, diz que falta à sentença todo o âmbito de apuramento da responsabilidade civil, o estabelecimento do nexo de causalidade entre o facto e o dano. Invoca, ainda, o art. 205.º/1 da Constituição, que impõe que as decisões judiciais sejam fundamentadas na forma prevista na lei; bem como o art. 158.º do CPC, que também impõe a fundamentação das decisões, a qual não pode ser feita mediante simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição. Tem vindo a ser pacificamente entendido e aceite que apenas a falta absoluta de fundamentação integra o referido vício, não se verificando o mesmo quando a fundamentação é apenas deficiente, medíocre ou não convincente. Ora, por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto – cfr. Alberto dos Reis, C.P.C. Anotado, V, p. 140; Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1984, pg. 669; e jurisprudência citada no acórdão do STJ de 12.7.2007, SJ200707120041044, www.dgsi.pt. Pois bem, é a própria apelante que afirma que na sentença se deu o salto para a responsabilidade civil, embora sem se estabelecer o nexo causal que justificaria a sua condenação. Assim, a sentença está pelo menos parcialmente fundamentada, pelo que não incorre na nulidade invocada. Tema diverso será o da bondade da decisão. 2. Quanto ao erro na decisão da matéria de facto, a recorrente insurge-se contra resposta dada ao quesito 29.º. Entende que o mencionado quesito não podia ter-se considerado provado nos termos em que foi, por existirem nos autos documentos autênticos relativamente aos quais não foi suscitada a respectiva falsidade, fazendo assim prova plena. EP – Estradas de Portugal, S.A. remeteu aos autos, no seguimento de notificação para o efeito, a informação de fls. 266-267, bem como os documentos que a acompanham, dizendo naquela, nomeadamente: “O Autor deste processo (refere-se à A.) foi expropriado pelas parcelas n.º 125 e 126, oportunamente negociado e objecto dos processos de expropriação amigável, de que se junta fotocópia dos respectivos autos, nada mais havendo a exigir por parte dos proprietários”. Ora, contrariamente ao que refere na informação, a A. não consta dos autos de expropriação amigável como proprietária de qualquer das mencionadas parcelas. Quanto à parcela n.º 125, consta do auto, celebrado perante o notário privativo da Câmara Municipal de Vila Real (art. 36.º/1-b) do Cód. Exp. de 1999), que a mesma tem a área de 1025m2 e é a destacar do prédio inscrito na matriz sob o art. 6867.º e descrito na CRP sob o n.º 00174/021286 a favor de J………., que no auto interveio como seu proprietário, tendo dado quitação do valor da indemnização – cfr. fls. 269 e 270. Quanto à parcela n.º 126 consta do auto de fls. 273 e 274, celebrado perante um funcionário da entidade expropriante designado para o efeito, que tem a área de 450m2 e é a destacar do prédio inscrito na matriz sob o art. 6868.º, descrito na CRP sob o n.º 04414/030808 e inscrito a favor de K………., L………., M………. e N………., que no auto intervieram como seus proprietários, tendo dado quitação do valor da indemnização. Perante isto, há que realizar que a expropriante diz incorrectamente na informação de fls. 266-267 que a A. foi expropriada pelas parcelas n.ºs 125 e 126, pois apenas no auto de expropriação da 1.ª aparece um filho desta como expropriado, referindo o auto de expropriação que é em nome dele que se encontra inscrito na CRP o prédio a que pertencia a parcela expropriada (sabemos que se trata de um filho da A. porque tal consta das respostas aos costumes desse indivíduo, ouvido como testemunha nestes autos (fls. 239), sendo ainda referido como tal na fundamentação das respostas aos quesitos (fls. 293). Por outro lado, os prédios identificados pela A. na p.i. possuem artigos matriciais diversos dos prédios objecto de expropriação parcial atrás mencionados. Finalmente, a A. na p.i. não diz ter sido objecto de qualquer expropriação. Afirma que é dona e legítima proprietária (sem mais, remetendo para a certidão matricial respeitante aos art.s 6862 e 7817, que na matriz aparecem, efectivamente, inscritos em seu nome – fls. 7 a 10) de dois prédios rústicos (art. 1.º), que a construção da auto-estrada separou os prédios da A. do poço de rega de que é também “titular” (art. 4.º), que os trabalhos levados a cabo pela Ré para a construção da auto-estrada, com uso de explosivos, cortaram os meios de abastecimento de água do poço, que secou (art. 8.º), sendo que sempre, desde 1968, regou os mencionados prédios com a água do poço em causa (art. 9.º). Esta argumentação é coerente com o teor dos autos de expropriação amigáveis, nos quais a A. não aparece como expropriada. Com efeito, aquilo que ela afirmou na p.i. é, tão somente, que é dona de dois prédios, sem invocar quer a aquisição derivada quer a aquisição originária, que os mesmos eram regados com a água de um poço do qual se diz titular, mas sem que se saiba em que termos, e que com a construção da auto-estrada o poço ficou dum lado dessa via e os prédios do outro. Mas não reside nessa separação o problema, antes consistindo em os rebentamentos levados a cabo pela Ré terem secado o manancial de água. Sem que isso seja explicado, fica-se com a ideia de que apesar da separação operada pela construção da auto-estrada, se o poço mantivesse o veio abastecedor, os prédios continuariam a ser irrigados pela água dele. Só na réplica é que a A. veio dizer que o poço e os seus veios se situam em propriedade sua não expropriada, designadamente na parte sobrante da parcela 126 (art.s 25.º e 27.º). E mais adiante afirma que “o projecto de construção da A 24 não colidia e permitia a manutenção do poço e das veias de abastecimento de água e a sua utilização nas propriedades da A.” (art. 34.º). De acordo com o auto de expropriação da parcela 126, porque a mesma não foi expropriada à A., como o não foi a parcela 125, se o poço nela se situa não está suficientemente concretizada a razão de ser da titularidade por ela invocada sobre o poço e sobre a água do mesmo. Temos, pois, retornando ao tema em discussão, o erro na resposta ao quesito 29.º, que ver em que termos os autos de expropriação amigável juntos aos autos a determinam, sendo certo que notificada da sua junção a A. veio dizer que mantinha toda a matéria factual constante da p.i. e da réplica, nomeadamente nos art.s 25.º a 42.º desta, pelo que impugnava o teor desses documentos e tudo o que está em oposição com o por si alegado (fls. 280). Não há dúvida de que os autos de expropriação amigável são documentos autênticos (n.º 2 do art. 363.º e art. 369.º do CC e art. 36.º/1-b) do Cód. Exp.) e, nessa ordem de ideias têm força probatória plena, nos termos do art. 371.º do CC. Mas tê-la-ão também as meras fotocópias desses autos, que é o que se encontra junto a fls. 268 a 271 e de fls. 273 a 275? Dispõe o art. 387.º/1 do CC que as cópias fotográficas de documentos arquivados nas repartições notariais ou noutras repartições públicas têm a força probatória das certidões de teor, se a conformidade delas com o original for atestada pela entidade competente para expedir estas últimas. Como não se vê nos documentos que tenha sido atestada a conformidade com o original, não têm os mesmos a mesma força probatória dos originais (art. 383.º/1), pelo que a sua força probatória é apreciada livremente pelo tribunal (art. 366.º). Ora, não vemos razão para lhes não dar crédito. Até porque a A. impugnou os documentos, mas não disse que não reproduziam fielmente os originais. Trata-se de reprodução de autos de expropriação amigável, onde aparecem identificadas as propriedades parcialmente expropriadas, bem como os respectivos donos. E a A. não consta desse rol. Aliás, de acordo com a fundamentação da matéria de facto, a testemunha O………., engenheiro civil, que trabalhou durante quatro anos para a Ré, até Março de 2007, disse que a parcela 126 era de K………., tendo sido expropriada metade da área e ficando de fora da expropriação a mina (fls. 295), e a testemunha P………., que “foi” genro da A., disse que o terreno da mina não é da A. O problema reside, agora, em saber em que medida é que a impugnação da matéria de facto, nos termos em que foi feita, pode ser procedente, porquanto a apelante se limitou a invocar a existência nos autos de documentos autênticos que impunham decisão diversa ao quesito 29.º, sendo certo que estamos, apenas, perante fotocópias sobre as quais não foi atestada a conformidade com os originais. E o certo é que o Tribunal a quo se baseou, também, nos depoimentos das testemunhas para responder aos quesitos, embora os das atrás mencionadas sejam contrários, a atender à fundamentação, à resposta dada ao quesito impugnado. A decisão podia ser alterada se a convicção do tribunal se tivesse formado apenas com base na apreciação de documentos, de depoimentos escritos, de relatórios periciais ou nas regras da experiência (art. 712.º/1-a), 1.ª parte), ou se estivéssemos perante elementos fornecidos pelo processo que impusessem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (art. 712.º/1-b)), como acontece com documento autêntico cuja falsidade não tenha sido invocada, confissão reduzida a escrito ou produzida nos articulados, acordo das partes, ou com factos relativamente aos quais o tribunal recorrido tenha desrespeitado a prova legal – cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II, 4.ª ed., p. 260-261. Mas não. A convicção formada passou, também pelos depoimentos das testemunhas, que foram gravados, sendo que os documentos invocados pela apelante estão sujeitos, pelas razões invocadas, à apreciação livre do tribunal. Faltou, pois, à apelante impugnar a matéria de facto nos termos impostos pela 2.ª parte da al. a) do n.º 1 do art. 712.º. Deve dizer-se que sendo este o quesito impugnado: O referido poço e as suas veias de abastecimento situam-se em propriedade da autora, não expropriada, designadamente na parte sobrante da parcela 126?, a apelante queria que se lhe respondesse nestes termos: «Provado que existe uma mina de água que se situa em propriedade de K………., M………. e N………. na parte sobrante da parcela 126». Está visto que esta resposta seria excessiva e, por isso, proibida. Mas a verdade é que o quesito contém matéria de direito ao perguntar se o poço se situa em “propriedade da A.”. Ter a propriedade de alguma coisa é um conceito de direito e conclusivo, que há-de resultar de factos concretos que, in casu, não foram alegados. Por isso, há que expurgar o quesito dessa matéria, em obediência ao comando do art. 646.º/4 do CPC – cfr. autor citado, o. c., p. 238 e ss.. Passará, pois, a resposta ao quesito 29.º a ser esta: O referido poço e as suas veias de abastecimento situam-se na parte sobrante da parcela 126. Não somente se cumpre a norma adjectiva invocada, como se atende aos documentos aludidos e aos depoimentos, tal como consta da fundamentação do Tribunal a quo. 3. A apelante diz que a A. não provou ser titular de qualquer direito a águas que se situem para lá do limite das suas propriedades; que não fez prova de qualquer título que a habilitasse a captar água da mina na parte sobrante do prédio rústico expropriado como parcela n° 126; e que ela própria não reconheceu nem foi condenada a reconhecer tal direito à A. Vejamos. Relativamente ao direito da A. à mencionada água apenas se provou que o poço de rega de que a autora é titular passou a situar-se do lado esquerdo da A24 (atento o sentido Vila Real/Peso da Régua) (2.º). Mais uma vez não existem factos que permitam atribuir à A. a titularidade do poço. Ser “titular” de alguma coisa é um conceito que há-de decorrer de factos que permitam definir a natureza dessa titularidade. Como atrás vimos, a A. não era dona da parcela 126, pelo que também o não pode ser da parte sobrante da mesma resultante da expropriação. E não deu qualquer explicação para ter qualquer direito à água nela existente. É verdade que o n.º 1 do art. 1394.º do CC restringe a liberdade do proprietário do prédio nele procurar águas subterrâneas, por meio de poços, minas ou quaisquer escavações, desde que haja prejuízo para direitos de terceiro adquiridos por título justo. Mas a A. não invocou qualquer título justo de aquisição do direito a essas águas. Por isso, as mesmas, enquanto não forem desintegradas da propriedade superficiária, por lei ou por negócio jurídico, constituem uma parte componente do respectivo prédio, nos termos e dentro dos limites fixados pelo art. 1344.º. Para que assim não seja, necessário se torna que o proprietário abra mão do direito à captação, alienando a água a terceiro ou permitindo a constituição de uma servidão em proveito de outro prédio – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anot., III, 2.ª ed., p. 319. Nenhum destes negócios foi invocado pela A., pelo que se não pode concluir pela existência de um direito à água na sua esfera jurídica. A Ré aludiu a um direito de servidão por banda da A., concretizado nas parcelas expropriadas, para dizer que a sede própria para obter a indemnização por qualquer direito real relacionado com a expropriação é o respectivo processo. Mas, como se disse, a A. nunca invocou a existência de qualquer servidão para justificar o seu direito à água, do mesmo modo que também não esclareceu cabalmente de onde lhe advinha a titularidade do poço. A alegação da Ré (art.s 31.º e 32.º da contestação) foi levada ao quesito 28.º: As parcelas de terreno onde existe a alegada servidão de passagem de águas foram expropriadas como parcelas 125 e 126?, que obteve resposta positiva. Apesar, no entanto, de ter alegado a servidão de aqueduto, a Ré só o fez em termos conclusivos. Nenhum dos elementos definidores da servidão constantes do art. 1543.º do CC se encontra nesse quesito. E sendo certo que a A. alude à utilização da água desde 1968, o que poderia apontar para a constituição de uma servidão por usucapião (art. 1547.º), atento o que dispõe o art. 1548.º, imperioso era que indicasse os sinais visíveis e permanentes pelos quais a mesma se revelava. Assim, também este quesito é constituído por matéria de direito e conclusiva, devendo ser considerado não escrito, nos termos do enunciado art. 646.º/4, 1.ª parte, do CPC. Por isso, também com este fundamento se não pode reconhecer à A. um direito à água. A problemática de a indemnização dever ser objecto de apreciação no processo expropriativo está prejudicada pelo que se disse sobre a não prova de qualquer direito por banda da A.. 4. Diz a apelante que a A. deveria ter alegado e provado o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, bem como a culpa dela apelante, para que fosse possível a sua condenação. Dispõe o art. 493.º/2 do CC que quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir. Este preceito não diz o que deve entender-se por actividade perigosa, admitindo, genericamente, que a perigosidade derive da própria natureza da actividade, ou da natureza dos meios utilizados, constituindo matéria a apreciar, em cada caso, segundo as circunstâncias – Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 2.ª ed., p. 430. Nele estabelece-se a inversão do ónus da prova, isto é, uma presunção de culpa por parte de quem exerce uma actividade perigosa, assim se abrindo mais uma excepção à regra do n.º 1 do art. 487.º, que faz impender sobre o lesado o ónus de provar a culpa do autor da lesão, “salvo havendo presunção legal de culpa” – ibid. No entanto, a presunção de culpa não envolve, simultaneamente, a dispensa da prova do nexo de causalidade, exigindo-se a demonstração de que a actividade perigosa foi juridicamente a causa da ocorrência dos danos – Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 7.ª ed., p. 330-331. Acontece que, não tendo a A. provado o direito à água, a privação da mesma por acção da Ré não pode ter-se como ilícita e culposa. O que aconteceria a ter-se provado o direito da A. à água, porque estaríamos perante danos causados pela Ré no exercício de uma actividade perigosa pela natureza dos meios utilizados, pelo que se presumia a sua culpa. 5. Como se disse, a A. não fez prova do seu direito, o qual nem sequer foi adequadamente alegado, o que exclui a possibilidade de o provar. Pelo que a acção não pode proceder. Está em causa a sua legitimidade substantiva, na medida em que ela não invoca a aquisição derivada ou originária do direito de propriedade sobre os prédios, ou sobre o poço, ou meramente sobre a água, mostrando-se ausente da p.i. qual a natureza do seu pretenso direito sobre este (cfr. art. 4.º desta peça processual). Com efeito, só sabemos que a A. tem os prédios inscritos na matriz a seu favor (factos 1. e 2.), o que é manifestamente pouco para concluir pela sua propriedade, e de acordo com o ponto 6., é titular do poço, o que nada revela sobre que tipo de direito subjaz a essa titularidade. A única coisa concreta decorre do ponto 8., no qual se afirma que desde 1968 sempre a A. regou os referidos rústicos com a água do poço. Assim, há mais de 30 anos que a A. leva a cabo uma actividade material, sem que saibamos se por mera concessão do verdadeiro titular, ou por outra qualquer razão. Por isso, o desaparecimento da água pela acção da Ré, que daria, em princípio causa a indemnização pelos inerentes prejuízos, não pode aqui levar a esse resultado, por a A. não ter provado qualquer direito à água. O que não significa, parece-nos, que não o possa provar em acção devidamente alicerçada em factos. Face ao exposto, julga-se a apelação procedente e revoga-se a sentença, absolvendo-se a Ré dos pedidos contra ela formulados. Custas pela A. Porto, 5 de Fevereiro de 2009 Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo Mário Manuel Baptista Fernandes José Manuel Carvalho Ferraz |