Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00036501 | ||
Relator: | CUNHA BARBOSA | ||
Descritores: | EMBARGOS DE EXECUTADO HIPOTECA VOLUNTÁRIA REDUÇÃO NULIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP200401190355580 | ||
Data do Acordão: | 01/19/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | 4 V CIV PORTO | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A hipoteca que incida, parcialmente, sobre prédio que não pertence ao devedor hipotecário não é, por isso, nula na sua globalidade. II - Existe nulidade parcial da hipoteca voluntária que não pode ser considerada como garantia, apenas, relativamente a parte do seu objecto, por respeitar a prédio alheio, não se estendendo tal invalidade, à parte do prédio que é pertença do devedor. III - Daí que o negócio se mantenha válido, apenas havendo lugar à redução do objecto da garantia. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam neste Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório: Na .. Vara Cível do Tribunal Judicial da Comarca do .........., sob o nº .../.. e por apenso à execução que lhes move o Banco ............, S.A., vieram Manuel ................. e mulher, Maria .............., deduzir embargos de executado pedindo que: a) se julgue nula a hipoteca, com as legais consequências; b) ou, subsidiariamente, caso assim se não entenda, declarar-se que o prédio hipotecado está sujeito ao ónus de arrendamento comercial e que está aí instalado e em exploração um estabelecimento comercial, pertencente a terceiros; c) ainda subsidiariamente, deve a dívida do capital ser reduzida para Esc.22.920.000$00, com recontagem dos respectivos juros de mora; d) finalmente, deve conceder-se aos embargantes o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento total de taxas de justiça e custas. Fundamentam os embargos alegando, em essência e síntese, que a hipoteca é nula, porquanto o prédio que é objecto da mesma encontra-se implantado, em parte, sobre um prédio rústico alheio, em função do que foram os embargantes já condenados por sentença transitada em julgado a demolirem a parte do seu prédio que ocupa o prédio alheio, factos estes que são do conhecimento do embargado, designadamente, ao tempo da constituição da hipoteca, era do seu conhecimento que os anexos e o parque de estacionamento, no topo norte, ultrapassaram a linha divisória do prédio hipotecado em cerca de vinte metros de profundidade sobre o prédio contíguo, pertencente a terceiros que não outorgaram na escritura de hipoteca, nem deram consentimento para tal acto. Mais alegam que, com autorização e consentimento implícito do embargado, os embargantes deram de arrendamento o prédio hipotecado à sociedade denominada ‘S............’, com sede em ............, ........, mediante a renda mensal de Esc.50.000$00. Alegam, ainda, que houve pagamento parcial da dívida, com a entrega da quantia de Esc.2.080.000$00, encontrando-se, por isso, aquela reduzida a Esc.22.920.000$00. Concluem pela procedência dos embargos. * Na sua contestação, o embargado defende-se alegando, em essência e síntese, que a dedução de embargos de executado se revela intempestiva, e inexistência de nulidade de hipoteca, sendo que, a existir, esta seria parcial havendo lugar à redução e não à invalidade de todo o negócio.Mais alega, no que se refere à pretendida existência do contrato de arrendamento, que os factos invocados carecem de qualquer relevância jurídica no âmbito dos presentes embargos. Alega, por fim, quanto ao invocado pagamento parcial, que as quantias entregues foram-no para pagamento de outras dívidas dos embargantes para com o embargado que já não da quantia exequenda. Conclui pela improcedência dos embargos de executado. * A questão da tempestividade da dedução dos embargos de executado mostra-se já decidida por decisão transitada em julgado.Foi proferido despacho saneador e, bem assim, organizada a matéria de facto assente e a base instrutória, sendo que quanto àquela veio a ser deduzida reclamação, a qual foi atendida. Procedeu-se a julgamento e, de seguida, foi elaborada sentença em que se proferiu a seguinte decisão “... Face ao exposto, julgo os presentes embargos parcialmente procedentes, prosseguindo a execução os seus termos normais mas reduzida à quantia de 218.566,75 Euros. ...”. * Não se conformando com a sentença que veio a ser proferida, os embargantes dela interpuseram o presente recurso de apelação e, tendo alegado, formularam as seguintes conclusões:1ª - A hipoteca onera, como sendo todo ele prédio dos apelantes, parte de prédio rústico contíguo pertencente a terceiros que não outorgaram na escritura de hipoteca nem deram consentimento para esse acto de oneração real, sendo tais factos do conhecimento do apelado à data da constituição da hipoteca; 2ª - O prédio hipotecado, devido à construção urbana nele existente, não é técnica e legalmente divisível, por não estar constituído em propriedade horizontal, como resulta dos documentos juntos; 3ª - Nem é seccionável pela linha divisória com o prédio de terceiros, a menos que se proceda à demolição total da construção urbana, ficando a garantia da hipoteca sem valor; 4ª - Consequentemente e porque a hipoteca é objectivamente indivisível, hipoteca é totalmente nula; Subsidiariamente, porém e caso assim se não entendesse: 5ª - Sendo possível estabelecer a linha ‘imaginária’ da estrema comum entre o prédio dos apelantes e o prédio dos terceiros, a hipoteca só poderá valer na parte do prédio pertencente aos apelantes e reduzir-se proporcionalmente o valor da hipoteca; 6ª - Em qualquer caso, a nulidade total ou parcial da hipoteca constitui vício invocável a todo o tempo por qualquer interessado, mesmo por um dos contraentes contra o outro e pode ser declarada oficiosamente pelo Tribunal; 7ª - A decisão impugnada é nula porque na parte decisória não extraiu as conclusões lógicas de direito dos factos dados como assentes, deixando assim de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar; 8ª - Com a decisão recorrida a Mmª Juiz ‘a quo’ violou ou fez errada interpretação dos arts. 286º, 696º, 715º, 892º e 902º do CCivil e cometeu a nulidade prevista no artº 668º, nº 1, al. d) do Cód. Proc. Civil; 9ª - Pelo que, com a procedência da apelação, deve declarar-se nula a sentença e julgar-se ser a hipoteca totalmente nula ou, subsidiariamente, parcialmente nula quanto à parte que onera bens de terceiros e reduzir-se proporcionalmente o seu valor. * Não foram apresentadas contra-alegações.* Foram colhidos os vistos legais, cumprindo, agora, decidir.Assim: * 2. Conhecendo do recurso (apelação):2.1 – Dos factos assentes: Com relevância para o conhecimento do recurso, mostram-se assentes os seguintes factos: a) – Os executados são clientes do Banco exequente sendo titulares da conta de depósitos à ordem nº ........./.. sediada no Balcão de ......; [A)] b) – Em 16.1.91 foi celebrado um contrato de abertura de crédito a médio prazo entre o exequente e os executados, mediante o qual aquele abriu, a favor destes, um crédito de Esc.25.000.000$00; [B)] c) – Na sequência das obrigações decorrentes da celebração do referido contrato, o exequente creditou com data valor de 8.1.91 a conta de depósitos à ordem dos réus (executados) da referida quantia de Esc.25.000.000$00; [C)] d) – O aludido contrato foi feito pelo prazo de 5 anos (cláusula 1ª); [D)] e) – Foi convencionado que o capital vencia juros, à taxa máxima legal, pagos postecipada e mensalmente acrescidos dos respectivos encargos acessórios (cláusula 11ª ); [E)] f) – Por escritura de 16.5.91, os executados constituíram, a favor do Banco exequente, hipoteca sobre o prédio abaixo identificado para garantia do pagamento de todas e quaisquer responsabilidades ou obrigações, assumidas ou a assumir, perante o referido Banco, provenientes de toda e qualquer operação bancária em direito permitida, seja qual for a natureza ou origem, até ao limite de vinte e cinco milhões de escudos, dos juros à taxa máxima legal, acrescida, em caso de mora, da sobretaxa de 4%: - Prédio urbano composto de edifício destinado à indústria hoteleira, constituído por cave, rés do chão , primeiro, segundo e terceiro andares e logradouro, sito no ..............., ..............., freguesia de ............., com a área coberta de 5.400 m2 e a descoberta de 3.060 m2, a confrontar do Norte com Estrada Nacional, Sul com António .............., Nascente com José .............. e Poente com José H.............. e outros, com o valor venal de 5.045.000$00, inscrito na respectiva matriz da referida freguesia sob o artigo 2061 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ........ com o nº 00536/SS. ............; [F)] g) – A hipoteca encontra-se registada na respectiva Conservatória; [G)] h) – O prédio hipotecado foi construído em parte sobre um prédio rústico alheio contíguo, com a seguinte composição: “T..........., sita em .............., freguesia de ............., concelho de ........., com a área de 3.800 m2, a confrontar do norte com Estrada Nacional nº .., nascente com serventia, sul com António ............ e poente com Manuel ............. (ora embargante), inscrita na respectiva matriz rústica sob o artº 5.442, descrita na Conservatória do Registo Predial de ........ e aí inscrita definitivamente a favor de Horácio .............. e mulher, Laura ................. no respectivo Livro G1 e ficha 00781/941011 da referida freguesia; [H)] i) – Os embargantes procederam à implantação do prédio hipotecado para além da linha divisória com o prédio acima identificado, vindo a ocupar neste cerca de 20 metros de profundidade do lado nascente e no topo norte; [I)] j) – Horácio .............. e mulher, como proprietários legítimos, intentaram contra os ora embargantes uma acção declarativa ordinária, que correu termos com o nº ../.., da .. secção do Tribunal Judicial de .......... (actualmente no arquivo, maço nº ..), sendo aí proferida sentença, em que os embargantes como réus foram condenados: a reconhecerem os Autores como legítimos proprietários do prédio identificado em 8; a demolirem a parte do edifício construída no prédio dos réus; a abrir mão do terreno por eles ocupado no prédio dos autores e de todo o espaço envolvente utilizado com anexos e parque de estacionamento; [J)] l) – Ao tempo da constituição da hipoteca, era do conhecimento do embargado que os anexos e o parque de estacionamento, no topo norte, ultrapassaram a linha divisória do prédio hipotecado em cerca de 20 metros de profundidade sobre o prédio contíguo, pertencente a terceiros que não outorgaram na escritura de hipoteca, nem deram consentimento para tal acto de oneração real; [L)] m) – O exequente/embargado recebeu de terceiros por conta do crédito a quantia de 2.080.000$00; [1º] 2.2 – Dos fundamentos do recurso: De acordo com as conclusões formuladas, as quais delimitam o objecto do recurso – cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º do CPCivil, temos que as questões a resolver, no âmbito da presente apelação, são essencialmente duas, a saber: nulidade de sentença por omissão de pronúncia; nulidade total ou parcial de hipoteca e, neste último caso, se há lugar à redução do valor da hipoteca. Assim: a) – Da nulidade de sentença por omissão de pronúncia: Os apelantes/embargantes, sob a conclusão 7ª das suas alegações, pretendem que há nulidade de sentença com fundamento em que na sentença sob recurso, designadamente na sua parte decisória, se não extraíram as conclusões lógicas de direito dos factos dados como assentes, deixando assim de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar e decidir. Vejamos se ocorre ou não a suscitada nulidade de sentença. Dispõe-se no artº 668º, n.º 1, al. d) do CPCivil que “... 1. É nula a sentença: ... d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; ...”. De acordo com tal normativo processual, ocorrerá nulidade de sentença sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar, quer porque foi suscitada pelas partes quer porque o seu conhecimento oficioso se impunha. Sucede que, na sentença sob recurso, foram apreciadas todas as questões suscitadas pelas partes, designadamente a nulidade de hipoteca, cuja existência os apelantes/embargantes pretendiam, para além do mais, com base na matéria de facto por si alegada e incluída na ‘matéria de facto assente’ sob as alíneas f), g), h), i), j), e l) (cfr. fls. 169 a 170); na realidade, como da mencionada sentença se vê, mais propriamente da sua ‘motivação de direito’, subjaz à solução de direito encontrada pela Mmª Julgadora toda aquela factualidade. Aliás, crê-se que, de certa forma, os apelantes/embargantes deixam perceber isso mesmo, já que pretendem que não foram extraídas «... as conclusões lógicas de direito dos factos dados como assentes, ...» (sic), o que equivale por dizer que a sentença se pronunciou sobre tal factualidade mas, em seu entendimento, não adequadamente. Assim, ocorreria erro de julgamento, motivador de impugnação de sentença pela via do recurso, como também veio a acontecer, que já não omissão de pronúncia sobre qualquer questão que a Mmª Juíza tivesse que apreciar, inexistindo a apontada nulidade de sentença e, consequentemente, improcedendo, desta forma, a mencionada 7ª conclusão das alegações de recurso. b) – Da nulidade total ou parcial da hipoteca: Da matéria de facto provada resulta que, por escritura de 16.5.91, os embargantes/apelantes constituíram a favor do Banco embargado/apelado hipoteca sobre o «prédio urbano composto de edifício destinado à indústria hoteleira, constituído por cave, rés do chão , primeiro, segundo e terceiro andares e logradouro, sito no ............., ..............., freguesia de ..........., com a área coberta de 5.400 m2 e a descoberta de 3.060 m2, a confrontar do Norte com Estrada Nacional, Sul com António .............., Nascente com José ............ e Poente com José H............... e outros, com o valor venal de 5.045.000$00, inscrito na respectiva matriz da referida freguesia sob o artigo 2061 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ....... com o nº 00536/SS. .........». Mais resulta provado que tal hipoteca se destina a garantir o pagamento de todas e quaisquer responsabilidades ou obrigações, assumidas ou a assumir, perante o referido Banco, provenientes de toda e qualquer operação bancária em direito permitida, seja qual for a natureza ou origem, até ao limite de 25.000.000$00, dos juros à taxa máxima legal, acrescida em caso de mora, da sobretaxa de 4%, e, bem assim, que a mesma foi devidamente registada na respectiva Conservatória do Registo Predial. De tal factualidade haver-se-á de extrair, desde logo, que estamos perante uma hipoteca voluntária já que constituída por contrato – cfr. artº 712º do CCivil, e, bem assim, que o objecto de tal hipoteca – ‘o prédio urbano’ supra identificado – é propriedade dos embargantes/apelantes ou, pelo menos, tal direito se encontra registado a seu favor, pois doutra forma não teria sido possível concretizar o registo da mesma, como veio a acontecer, em face do princípio da legitimação consagrado no artº 9º do CRPredial; aliás, note-se que as partes não colocam qualquer questão quanto à titularidade do direito de propriedade sobre o mencionado ‘prédio urbano’, enquanto construção, pertencer aos embargantes (apelantes), o que resulta do por ambas alegado e, designadamente, do decidido na acção declarativa ordinária que, com o nº ../.., correu termos na .. secção do Tribunal Judicial de ........., e não foi minimamente colocado em crise por qualquer das partes – cfr. 2.1 - al. j) da matéria e facto considerada assente. Assim, ‘prima facie’, não ocorreria qualquer nulidade, sequer parcial, da hipoteca constituída pelos embargantes (apelantes) a favor do embargado (apelado), já que teria sido constituída por quem para tanto tinha legitimidade em face do disposto no artº 715º do CCivil. Porém, da matéria de facto provada resulta, ainda, que o prédio hipotecado foi construído em parte sobre um prédio rústico alheio contíguo – cfr. 2.1, als. h) e i) dos factos assentes, sendo certo que na constituição da hipoteca apenas intervieram os embargantes (apelantes) e o embargado (apelado) – cfr. 2.1 – al. f) dos factos assentes. Será que de tais factos se poderá concluir que estamos perante a constituição de hipoteca sobre prédio alheio (não pertencente ao devedor), sem que o titular do respectivo direito de propriedade tenha intervindo por qualquer forma, e, consequentemente, a hipoteca será nula, face ao disposto no artº 715º do CCivil? Vejamos. Numa primeira análise, tendo em conta a identificação do ‘prédio urbano’ que constitui o objecto da hipoteca voluntária em causa e o teor do registo desta, constantes da matéria de facto assente – cfr. 2.1 – als. f) e g) dos factos assentes, haver-se-ia de concluir que inexistiria qualquer hipoteca sobre bens alheios, como já se afirmou supra, ou, pelo menos, a mesma seria ineficaz mesmo em relação às partes, nos termos, respectivamente, do disposto nos arts. 686º e 687º do CCivil e, bem assim, quanto à ineficácia, o artº 4º, nº 2 do CRPredial; na realidade, da descrição e identificação que foi feita do prédio objecto da hipoteca em causa, não resulta, desde logo, que do mesmo faça parte qualquer parcela de ‘prédio rústico’ alheio, e, bem assim, não se vê do teor do registo efectuado que tenha sido registada qualquer hipoteca sobre tal parcela ! Todavia, resulta da matéria de facto provada que o prédio hipotecado se encontra parcialmente implantado sobre terreno (prédio rústico) alheio. Ora, se tivermos em conta que, como ensinam os Profs. P. Lima e A. Varela (Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., anotação ao artº 204º, pág. 195), no seguimento do que dispõe o artº 204º, nº 2, 2ª parte, do CCivil, «... prédio urbano entende-se ‘qualquer edifício incorporado no solo com os terrenos que lhe sirvam de logradouro’. Edifício incorporado é aquele que se encontra unido ou ligado ao solo, fixado nele com carácter de permanência, por alicerces, colunas, estacas ou qualquer outro meio. ...», e, continuando, «...Edifício é uma construção que pode servir para fins diversos (habitação, actividades comerciais ou industriais, arrecadação de produtos, etc.) constituída necessariamente por paredes que delimitam o solo e o espaço por todos os lados, por uma cobertura superior (telhado ou terraço), normalmente por paredes divisórias interiores e podendo ter um ou vários pisos. ...», ter-se-á que a hipoteca incide sobre o solo em que o edifício esteja implantado enquanto parte integrante do mesmo – arts. 204º, nº 2 ‘in fine’, 688º, nº 1, al. a) e 691º, nº 1, al. a) do CCivil, e, consequentemente, no caso ‘sub judice’ sob a parte do prédio rústico alheio. Daí que, sendo aplicável à hipoteca, em função do disposto no artº 939º do CCivil, o regime da venda de coisa alheia previsto nos arts. 892º e ss. do mesmo diploma legal (cfr., neste sentido, Profs. P. Lima e A. Varela, ob. cit., pág. 736, anotação 4 ao artº 715º), a hipoteca constituída pelos embargantes (apelantes) através da escritura de 16.5.91 haverá de ser considerada nula na parte em que incide sobre prédio rústico alheio, sendo certo que na constituição daquela o proprietário deste não interveio por qualquer forma e, consequentemente, aquela se mostra constituída por quem não podia alienar – artº 715º do CCivil. Aliás, a tal conclusão chegou a Mmª Juiz que proferiu a sentença sob recurso, porquanto, na sua ‘motivação de direito’, refere expressamente que «..., adaptando à situação em apreço, dir-se-á que a hipoteca de parte de prédio não pertencente ao devedor é sempre nula, mas a hipoteca da parte restante, pertencente ao devedor, em regra não é nula, só o será quando se mostre que o negócio não teria sido concluído sem a parte viciada. ...» (sublinhado nosso), ainda que não tenha extraído todas as consequências ou efeitos jurídicos de tal afirmação, como adiante se verá. Pretendem, todavia, os apelantes/embargantes que a nulidade é total com fundamento em que «... ‘o prédio hipotecado, devido à construção urbana nele implantado, não é tecnicamente divisível, porque não está sujeito ao regime de propriedade horizontal, ... . E também não é seccionável pela linha divisória, a menos que se proceda à demolição como já foi ordenado judicialmente, o que afectará toda a construção que é objecto da própria hipoteca, pelo que a mesma é objectivamente indivisível (artº 696º do CC) e a torna totalmente nula. ...». Afigura-se-nos, porém, que, salvo melhor opinião, não se poderá concluir, como pretendem os apelantes (embargantes), que ocorra no caso ‘sub judice’ nulidade total da hipoteca. Em primeiro lugar, aplicando-se à constituição de hipoteca o regime previsto nos arts. 892º e ss. do CCivil para a venda de coisa alheia, como já se deixou afirmado supra, temos que, nos termos do disposto no artº 902º e 292º do CCivil, só ocorreria nulidade total se se demonstrasse que o negócio (no caso, constituição de hipoteca) não teria sido concluído sem a parte viciada. Ora, como ensina o Prof. C. A. Mota Pinto (‘in’ Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., pág. 627), no artº 292º do CCivil «... Estabelece-se uma presunção de divisibilidade ou separabilidade do negócio, sob o ponto de vista da vontade das partes. O contraente que pretender a declaração da invalidade total tem o ónus de provar que a vontade hipotética das partes ou de uma delas, no momento do negócio, era nesse sentido, isto é, que as partes – ou, pelo menos, uma delas – teriam preferido não realizar negócio algum, se soubessem que ele não poderia valer na sua integridade. Se se não fez essa prova – isto é, se a vontade hipotética era no sentido da redução ou em caso de dúvida – a invalidade parcial não determina a invalidade total. ...» (sublinhado nosso). Sucede que os apelantes (embargantes), sendo quem pretende que ocorre a invalidade total, não só não demonstraram, como até nada alegaram que permitisse concluir que o negócio não teria sido concluído sem a parte viciada. Antes pelo contrário, os embargantes (apelantes) alegaram e provaram que – ‘Ao tempo da constituição da hipoteca, era do conhecimento do embargado que os anexos e o parque de estacionamento, no topo norte, ultrapassaram a linha divisória do prédio hipotecado em cerca de 20 metros de profundidade sobre o prédio contíguo, pertencente a terceiros que não outorgaram na escritura de hipoteca, nem deram consentimento para tal acto de oneração real’ – (cfr. 2.1, al. l) do item ‘dos factos assentes’), não sendo razoável, como é óbvio, que tal conhecimento fosse exclusivo do embargado (banco credor) e já o não fosse dos apelantes/embargantes (devedores e proprietários da construção levada a cabo em parte sobre o prédio vizinho), tanto mais que estes não contestaram a acção de reivindicação que contra si foi movida pelos proprietários do prédio contíguo (cfr. certidão da sentença junta a fls. 16 a 19), e, apesar do conhecimento de tal facto, celebraram o negócio, constituindo a hipoteca, não sendo, por isso, razoável admitir que os mesmos quisessem a sua invalidade total. Em segundo lugar, porque o caso ‘sub judice’, face ao trânsito em julgado da sentença, proferida no âmbito do processo que sob o nº ../.. correu seus termos no Tribunal Judicial de ......... e em que foram RR. os ora embargantes (apelantes), que condenou estes a demolirem a parte do seu prédio (objecto da hipoteca) que se mostra implantada no prédio vizinho, e, bem assim, ao invocado (agora) em sede de alegações de recurso – pontos 10 e 11 e conclusão 2ª - se aproxima da situação prevista no artº 730º, al. c) do CCivil, isto é, integraria uma situação de extinção de hipoteca por perecimento da coisa hipotecada, perecimento esse a resultar da demolição imposta por sentença judicial. A propósito de tal situação, referem os Profs. P. Lima e A. Varela (‘in’ ob. cit., vol. I, pág. 751, nota 3 ao artº 730º) que «A terceira causa de extinção é o perecimento da coisa hipotecada. O perecimento deve ser total. Sendo parcial, a hipoteca mantém-se em relação à parte existente, nos termos do artº 696º. ...». Efectivamente, dispõe-se no artº 696º do CCivil que «Salvo convenção em contrário, a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro sobre cada uma das partes que as constituam, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito.», consagrando-se nele o princípio da indivisibilidade da hipoteca, que já não, como parece pretenderem os apelantes (embargantes), a indivisibilidade do objecto da hipoteca; pois, como ensina o Prof. M. J. Almeida Costa (‘in’ Direito das Obrigações, 5ª ed., pág. 802) «... a indivisibilidade, quer dizer, estabelece-se supletivamente, que a garantia conserva o seu objecto originário, ainda que se verifique divisão da coisa ou do crédito, ou este se encontre em parte extinto, assim como sendo oneradas várias coisas, cada uma delas responde pela dívida inteira; ...». Assim, a divisibilidade ou não do objecto da hipoteca carece de qualquer relevância ao nível da subsistência ou validade desta, sendo que a indivisibilidade daquele e a afectação de toda a construção pela demolição de parte, apenas colocará em crise a subsistência da hipoteca por ausência de qualquer utilidade económica da parte restante, o que redundaria numa verdadeira situação de extinção de hipoteca por perecimento total do seu objecto, como se deixou referido supra; na realidade, como refere Maria Isabel Helbling Menéres Campos (‘in’ Da Hipoteca, Caracterização, Constituição e Efeitos, pág. 124) «... De facto a indivisibilidade da hipoteca não obsta à divisão da coisa onerada. Mas cada fracção, resultante da divisão, ficará a garantir a dívida na totalidade. O crédito permanece na íntegra sobre cada uma das fracções, não é divisível. ...». Porém, sucede, também, que da matéria de facto provada não resulta, para além de o prédio hipotecado se não encontrar constituído em propriedade horizontal, que da demolição da parte do mesmo que se encontra implantada em terreno alheio advenha a sua total inutilização, quiçá por deixar de ter qualquer valor económico, e, consequentemente, que se possa estar perante uma situação de extinção de hipoteca que nem sequer foi suscitada. Aliás, no mínimo e por mera curiosidade, refira-se que é de estranhar que, tendo o contrato de abertura de crédito sido celebrado em 16.1.91 (cfr. fls. 301 a 304), a hipoteca constituída em 16.5.91, a acção contra os aqui embargantes reivindicando a parcela de terreno ocupada (proc. n.º ../.., Tribunal Judicial de ..........) instaurada em 1995 (sem dedução de qualquer contestação), ainda se não tenha executado a sentença proferida nessa acção, sendo até que tal processo se encontrará no arquivo no maço nº .., como se refere em 2.1, al. j) do item ‘dos factos assentes’, quando é certo que a execução que deu origem aos presentes embargos foi instaurada em 10.4.97. De tudo se haverá de concluir que, no caso presente, ocorre nulidade parcial de hipoteca, na precisa medida em que a mesma incide sobre parte de prédio (terreno) alheio e em que, consequentemente, se encontra implantado parte do prédio objecto da hipoteca (pertença do devedor), mas sem que tal nulidade, e consequente invalidade, se estenda à hipoteca que incide sobre a parte restante do prédio do devedor, resultando, desta forma, tão só uma redução do objecto da hipoteca que já não do seu valor, por a hipoteca originária em parte incidir ilegitimamente sobre prédio alheio. Assim, mantém-se válido o negócio e, consequentemente, a hipoteca constituída e na sua totalidade, ainda que o objecto da mesma se encontre reduzido por via da existência de nulidade parcial de hipoteca de bem alheio e nessa precisa medida, procedendo, deste modo, em parte a apelação. * * * 3. Decisão:Nos termos supra expostos, acorda-se em: a) – julgar a apelação parcialmente procedente e, na revogação parcial da sentença, declara-se nula a hipoteca na parte em que incide sobre prédio (terreno) alheio, e improcedente quanto ao mais, confirmando-se, em consequência, a sentença quanto ao restante; b) – condenar os apelantes e o apelado nas custas do recurso na proporção, respectivamente, de 9/10 e 1/10, e, bem assim, nas dos embargos na mesma proporção. * Porto, 19 de Janeiro de 2004José da Cunha Barbosa José Augusto Fernandes do Vale António Manuel Martins Lopes |