Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00037535 | ||
Relator: | PINTO MONTEIRO | ||
Descritores: | ARMA BRANCA | ||
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Nº do Documento: | RP200501050445075 | ||
Data do Acordão: | 01/05/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | A simples menção de que determinado objecto é uma navalha de ponta e mola não é suficiente para concluir que se está perante uma arma branca com disfarce. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal Judicial da comarca de Espinho, foi o arguido B.........., devidamente identificado nos autos, a fls. 225, condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p.p. nos termos do art. 275.º, n.º3, do Código Penal, com referência ao artigo 3.º, n.º1, al. f) do D/L n.º207-A/75, de 17/04, na pena de 200 dias de multa à razão diária de 3 euros. Inconformado com a decisão quanto à qualificação jurídica da matéria de facto considerada provada, dela recorreu o arguido, tendo concluído a motivação nos seguintes termos: 1 - Não deve o arguido ser condenado, por se encontrar na posse de uma “navalha de ponta e mola”, pelo Crime de Detenção de Arma Proibida, previsto pelo artigo 275.º, n.º3 do CP com referência ao artigo 3.º, n.º1 alínea f) do Decreto-Lei n.º207-A/75, de 17 de Abril; 2 - A “navalha de ponta e mola” apreendida ao ora recorrente é uma “arma branca”, entendida como expressão que abrange todo o conjunto de instrumentos cortantes ou perfurantes, normalmente de aço, a maioria deles utilizados habitualmente nos usos ordinários da vida, mas também podendo sê-lo para ferir ou matar; 3 - A “arma com disfarce” é aquela que encobre a sua verdadeira natureza ou dissimula o seu real poder vulnerante sendo desta natureza, por exemplo, o objecto que parece um isqueiro ou um guarda-chuva, mas tem inseridas uma lâmina ou uma arma de fogo, saltando aquela ou disparando esta pelo simples premir de um botão; 4 - As características da arma apreendida ao Recorrente não se enquadram no conceito mencionado na conclusão anterior; 5 - Relativamente à “navalha de ponta e mola” apreendida ao Recorrente e fundamento, pela sua posse, da sua condenação, temos nos autos que a mesma se caracteriza e descreve “(…)com lâmina de cerca de 7 cm, com cabo prateado e patilhas, em plástico de cor verde (…)”; 6 - Nada se refere quanto à existência de qualquer característica que encubra a sua verdadeira natureza ou dissimule o seu real poder vulnerante; 7 - Não tem a mesma, atento o conceito referido na Conclusão 3.ª, qualquer característica que a caracterize como “disfarce”; 8 - Não é disfarce a mola com fecho de segurança; 9 - Não é assim o dito instrumento subsumível em nenhuma das previsões da alínea F) do n.º1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º207-A/75, de 17 de Abril; 10 - As quais, relativamente a este tipo de arma e como resulta da jurisprudência fixada pelo Acórdão n.º4/2004 do STJ, DR, n.º112, I Série-A, de 13 de Maio de 2004, exigem o “disfarce” como um dos requisitos cumulativos da proibição de detenção; 11 - Não existe qualquer “disfarce” no instrumento – navalha de ponta e mola - fundamento da condenação do Recorrente; 12 - Não é a “navalha de ponta e mola” uma arma branca com disfarce; 13 - Violou o tribunal “a quo” o disposto no n.º3 do artigo 275.º do CP e a alínea F) do n.º1 do artigo 3.º do D/L n.º 207-A/75 de 17 de Abril; 14 - Deve o Recorrente ser absolvido do Crime de Detenção de Arma Proibida em que foi condenado; 15 - Deve ser revogada a decisão ora impugnada também na parte onde decreta a referida “navalha de ponta e mola” como perdida a favor do Estado; 16 - Deve ser ordenada a devolução da “navalha de ponta e mola” ao Recorrente. XXX Na 1.ª instância respondeu o M.º P.º pugnando pelo não provimento do recurso.Neste tribunal, a Ex.ª Procuradora Geral Adjunta apôs um visto nos autos. Foram colhidos os vistos legais. Procedeu-se à audiência de julgamento de harmonia com o formalismo legal, como consta da respectiva acta. Cumpre decidir. XXX Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas delimitam o seu objecto, temos como única questão a decidir a qualificação jurídica da matéria de facto provada, mais concretamente, se a mesma preenche ou não os elementos objectivos do crime de detenção de arma proibida por que o arguido foi condenado.XXX Na 1.ª instância foi considerada provada a seguinte matéria de facto:1 - No dia 24 de Maio de 2001, cerca das 18h30m, no interior da casa de banho da Estação dos Caminhos de Ferro desta cidade de Espinho, o arguido efectuou um disparo com uma pistola de alarme de sua propriedade, marca A-Salve. 2 - Na sequência de tal acto, o arguido foi abordado pelo agente da P.S.P. participante que constatou que o mesmo, além da referida arma, também trazia consigo os seguintes objectos: - um carregador e oito cartuchos novos, bem como uma caixa para acondicionamento, tudo referente à pistola de alarme; - uma faca de cozinha com cerca de 15 cm de lâmina; - um coldre de cor preta, em plástico, próprio para acondicionar punhal; - uma navalha ponta e mola, com lâmina de cerca de 7 cm, com cabo prateado e patilhas, em plástico de cor verde, tudo conforme melhor consta do auto de exame directo de fls.16; 3 - Todos os objectos acabados de referir pertenciam ao arguido e encontravam-se em bom estado de conservação e funcionamento; 4 - O arguido não justificou a posse desses objectos naquele momento e local, nem posteriormente; 5 - Ao assim proceder, o arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a navalha de ponta e mola que trazia consigo é considerada uma arma branca proibida e que, por isso, não podia nem devia detê-la; 6 - Sabia ainda o arguido que a sua conduta era proibida e criminalmente punida; 7 - O arguido, até ao momento, sofreu as seguintes condenações por decisões transitadas em julgado: - no proc. n.º.../96, 1.º Juízo, do Tribunal Judicial de Sta. Maria da Feira, factos de 19.12.1995 e sentença de 20.10.1996, pela prática de um crime de maus tratos a cônjuge em pena de multa; - no proc. n.º../98, do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, factos de 23.08.1998 e sentença de 23.08.98, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 90 dias de multa e 4 meses de inibição de conduzir; - no proc. n.º..../98, 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Sta. Maria da Feira, sentença de 22.11.1998, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 70 dias de multa e 1 mês de inibição de conduzir; - no proc. nº../2000, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Sta. Maria da Feira, factos de 12.12.2000, sentença de 27.11.2000, pela prática do crime de detenção de arma proibida, na pena de 120 dias de multa; - no proc. n.º.../99.2GDVFR, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Sta. Maria da Feira, factos de 26.06.1999, sentença de 28.06.2000, pela prática dos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e desobediência, na pena de 15 meses de prisão, que se encontra a cumprir, e 8 meses de inibição de conduzir; 8 - O arguido, na altura dos factos, vivia sozinho numa pensão na cidade do Porto; 9 - O arguido confessou, por forma integral e sem reservas, os factos de que foi acusado e demonstrou arrependimento; 10 - O arguido encontra-se reformado, com o que aufere uma pensão de 150,00 euros mensais e, antes disso, exercia a profissão de carpinteiro. XXX Estabelece o n.º3 do art. 275.º do Código Penal que se as condutas referidas no n.º1 (importação, fabrico, detenção etc. de determinadas armas) disserem respeito a armas proibidas não incluídas nesse número, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.Armas proibidas, para efeito desta disposição legal, são aquelas a que alude o art. 3.º, n.º1, al. f) do D/L n.º207-A/75. Com efeito, apesar de toda a evolução legislativa a partir deste diploma legal, o legislador nunca definiu o conceito de arma proibida, pelo que continua a ser preenchido pelo D/L n.º207-A/75, no que diz respeito ao caso sub judice, pelo seu art. 3.º, n.º1, al. f). Nos termos desta disposição legal, é proibida a detenção de armas brancas ou de fogo com disfarce ou ainda outros instrumentos sem aplicação definida, que possam ser usados como arma letal de agressão, não justificando o portador a sua posse. A arma por cuja detenção o arguido foi condenado é “uma navalha ponta e mola, com lâmina de cerca de 7 cm, com cabo prateado e patilhas, em plástico de cor verde, tudo conforme consta do auto de exame directo de fls.16”. No auto de exame directo de fls. 16, a arma é assim descrita: Uma navalha de ponta e mola, com lâmina de cerca de 7 cm, com cabo prateado e patilhas, em plástico de cor verde, em bom estado de conservação de funcionamento”. Parece não haver dúvidas de que a arma em causa é uma arma branca. Quanto à necessidade do disfarce para que a detenção de uma arma branca possa ser considerada proibida, fixou o STJ jurisprudência nesse sentido. Com efeito, no Ac. n.º4/2004, DR, I Série-A, de 13.105.2004, fixou o STJ jurisprudência no sentido de que, para efeitos do disposto no artigo 275.º, n.º3, do Código Penal, uma navalha com 8,5 cm ou 9,5 cm de lâmina só poderá considerar-se arma branca proibida, nos termos do artigo 3.º, n.º1, al. f) do Decreto-Lei n.º207-A/75, de 17 de Abril, se possuir disfarce e o portador não justificar a sua posse. Questão é, assim, saber se a arma em causa tem ou não disfarce, ou seja se está ou não apetrechada com qualquer artifício ou mecanismo que a dissimule sob a forma de objecto distinto ou com diferente utilização ou que oculte as suas características ou dimensões. A ideia geral que se tem quando se fala de uma navalha de ponta e mola é que se trata de uma arma que tem uma lâmina dissimulada que se faz saltar premindo-se uma mola. Parece ser esta também a ideia do senhor juiz do tribunal recorrido, o qual, na fundamentação de direito, refere a navalha de ponta e mola como o exemplo mais corrente e vulgar de arma branca com disfarce. Acontece que nem a matéria de facto provada nem o auto de exame directo de fls.16, para o qual aquela remete, nos esclarecem quanto a essa questão. Para que a arma cuja posse o arguido detinha pudesse ser considerada uma arma branca com disfarce era necessário que da matéria de facto provada resultasse que está apetrechada com qualquer artifício ou mecanismo que a dissimule sob a forma de objecto distinto ou diferente utilização ou que oculte as suas características e dimensões. A simples menção de que se trata de uma navalha de ponta e mola é insuficiente para esse efeito. Aliás, no auto de notícia fala-se numa navalha de ponta e mola com lâmina dissimulada. Só que, quer no auto de exame directo de fls.16, quer na acusação, que reproduz aquele, não foi assinalada tal característica. Assim, a conduta imputada ao arguido na acusação e dada como provada não integra o crime de detenção de arma proibida, por não estar demonstrado que a arma reúne as características de arma proibida, nomeadamente por ter disfarce. XXX Nesta conformidade, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida e absolve-se o arguido da acusação.Ordena-se a remessa de boletins ao registo criminal. Sem tributação. XXX Porto, 5 de Janeiro de 2005David Pinto Monteiro Agostinho Tavares de Freitas José João Teixeira Coelho Vieira Arlindo Manuel Teixeira Pinto |