Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0534264
Nº Convencional: JTRP00038385
Relator: JOSÉ FERRAZ
Descritores: TRIBUNAL
COMÉRCIO
ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RP200510060534264
Data do Acordão: 10/06/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: O tribunal do comércio não é competente para acção instaurada por apenso ao processo de falência em que seja pedido se decrete a resolução de contrato de arrendamento em que a falida é arrendatária.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – B.......... e Dr. C.........., por apenso ao processo de falência ../00, do .º Juízo do tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, instauraram acção de despejo sob a forma sumária contra a massa falida de D.........., LDA, representada pelo Liquidatário Judicial Dr. E.......... pedindo a) se decrete a resolução do contrato de arrendamento relativamente à fracção “A” do prédio sito na Rua .........., ..., ... e ..., arrendado para o comércio à falida, por falta de pagamento das rendas e manter o locado encerrado desde 12 de Setembro de 2000, data em que apreendeu para a massa da falida o estabelecimento comercial incluído o direito ao trespasse e arrendamento da dita fracção e b) a condenação da falida no pagamento das rendas vendidas e vincendas acrescidas da indemnização de 50%, no caso de não se decretada a resolução.

II - Liminarmente, o Mmo Juiz declarou o tribunal do comércio incompetente em razão da matéria e absolveu a ré da instância.

III - Recorrem os AA, concluindo que o despacho recorrido ao decidir que o Tribunal de Comércio não tem competência material para apreciar e decidir a acção de resolução de um contrato de arrendamento proposta contra a massa falida, por acto do seu liquidatário judicial, violou o artigo 89, n. 1 a) e 3 da Lei nº 3/99, que lhe atribui competência, pelo que pede se revogue o despacho recorrido e que se decida que é competente para a causa o tribunal do comércio recorrido.

Não houve contra-alegações.
O Mmo Juiz sustentou a decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

IV – A única questão a decidir é a de saber se o tribunal do comércio é materialmente competente para acção instaurada por apenso ao processo de falência em que seja pedido se decrete a resolução de contrato de arrendamento em que a falida é arrendatária.

V. Os factos são os narrados em I, únicos a considerar para a decisão.

VI – Importa decidir se para preparar e conhecer da acção (de despejo) instaurada pelos recorrentes é competente o tribunal de comércio, como defendem os recorrentes.
“A competência é a medida de jurisdição de um tribunal. O tribunal é competente para o julgamento de certa causa quando os critérios determinativos da competência lhe atribuem a medida de jurisdição que é a suficiente e adequada para essa apreciação (M. Teixeira de Sousa, em A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, 30). Face à diversidade de tribunais na ordem jurídica, impõe-se a definição de critérios para determinar, em concreto, se um tribunal é competente para julgar a acção, e essa determinação depende dos termos em que a acção é proposta. A competência é fixada em relação ao objecto do processo como configurado pelo autor, face ao pedido, causa de pedir alegada e concreta acção que se pretende instaurar.

Determina o artº 169º, nº 2, do CPEREF de 1993, na redacção do DL 315/98, de 20/10, (o aplicável na situação vertente) que “tendo o senhorio requerido a resolução do contrato só após a declaração de falência, por falta do pagamento das rendas, não tem direito a indemnização pela mora anterior a ela”.
Com a falência, o liquidatário pode denunciar o contrato, ficando o senhorio com direito a reclamar os créditos de que for titular, como créditos comuns. Se o liquidatário não o denunciar o contrato, tem o senhorio direito a haver as rendas que se forem vencendo (o que não obsta a quaisquer acordos quanto a essa questão entre o senhorio e o liquidatário que caibam no âmbito das funções deste) e o liquidatário a obrigação de as pagar no exercício da administração da massa.
Se não são pagas as rendas na pendência da falência, o senhorio tem direito à resolução do contrato (e, no caso, a falta de pagamento não é o único fundamento para o requerido “despejo”), nos termos do artº 64º, nº 1. a), do RAU. Quanto a este aspecto, o artigo 169º do CPEREF nenhuma especialidade introduziu no regime do arrendamento, em que o falido seja parte (arrendatário).
Não estipula essa norma sobre a competência do tribunal para eventual acção de resolução do contrato de arrendamento, por falta de pagamento das rendas ou por outro qualquer fundamento que atribua ao locador o direito à resolução.

Estabelece o artigo 67º do CPC que “as leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada”.
Entre essas leis, está a Lei nº 3/99, de 13/01, que preceitua sobre a competência dos tribunais judiciais, a qual estabelece quais as causas afectas a tribunais de competência especializada, ficando as restantes afectas à competência (residual) do tribunal de competência genérica ou específica (onde os haja).
No seu artigo 64.º, prevê-se a criação de tribunais de competência especializada (nº 1) que “conhecem de matérias determinadas, independentemente da forma de processo aplicável” (nº 2). A competência destes tribunais está delimitada na lei, só lhe cabendo o conhecimento das matérias expressamente previstas, com exclusão de quaisquer outras. Residualmente é definida a competência dos demais tribunais.
Os tribunais de comércio são de competência especializada (artº 78º, e) dessa Lei), cuja competência está fixada no artigo 89º, em que se incluem as matérias previstas no seu nº 1, nomeadamente “a) os processos especiais de recuperação da empresa e de falência; b) As acções de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade; c) As acções relativas ao exercício de direitos sociais; d) As acções de suspensão e de anulação de deliberações sociais; e) As acções de dissolução e de liquidação judicial de sociedades”, além de outras manifestamente inaplicáveis para a solução do caso presente.
É inequívoco que a acção instaurada pelos AA - vulgo, acção de despejo - não se enquadra em qualquer das matérias referidas.
Pelo nº 3 desse artigo, a competência dos tribunais de comércio é ampliada a questões que podem não se incluir ou não se incluem no âmbito das matérias mencionadas no nº 1 do preceito. Assim, preceitua-se nesse nº 3 que “a competência a que se refere o n.º 1 abrange os respectivos incidentes e apensos”. Tal como pelo art. 96º, n. 1, do CPC, o tribunal competente para a acção é-o também para os incidentes que nela se levantem.
A acção de despejo não constitui um incidente da falência nem um apenso típico ou próprio do processo de falência. A acção de resolução do arrendamento contra o falido não é das causas que a lei impõe sejam processadas por apenso ao processo de falência (como no respectivo código se prevê para outras questões, v.g., arts. 160º, 177º, 190º, 207º, 223º do CPEREF). Normalmente, as causas são processadas por apenso por razões de conexão com a acção principal, de simplificação processual ou de facilidade de instrução dessas acções.
A lei não contempla expressamente a necessidade de apensação ao processo de falência das acções de despejo em que seja demandado o falido. E nenhuma das razões apontadas ocorre, nessas acções, a pedir a apensação.

Porém, estabelece-se no artº 154º, nº 1, do CPEREF, que declarada a falência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa falida, intentadas contra o falido (…), são apensadas ao processo de falência, desde que a apensação seja requerida pelo liquidatário judicial, com o fundamento na conveniência para a liquidação.
Entre essas acções pode encontrar-se a acção de despejo, contra o falido, de imóvel em que este tenha instalado estabelecimento comercial, claramente um activo da massa da falência e, por essa razão, o resultado da acção pode vir a influenciar o valor da massa (cfr. Carvalho Fernandes/João Labareda, CPEREF Anotado, 2ª ED/412).
Em caso de apensação, e tornando-se necessária a tramitação subsequente, é imperioso que a competência do tribunal do comércio seja estendida à causa apensada, já que a falência não determina, necessariamente, a extinção da instância numa acção com essa finalidade (o nº 3 do art. 89º da Lei 3/99 abrange a situação). O senhorio não fica limitado nos seus direitos de ver resolvido o contrato de arrendamento pelo facto da falência do inquilino, se para tanto tiver fundamento nos termos do artigo 64º do RAU).
Desde que a acção respeita a bens da massa falida, a acção pode ser apensada. Não o devem ser as que nada têm a ver com a massa, mesmo que referentes ao falido, nomeadamente as que expressamente são referidas no nº 2 desse artigo 154º - relativas ao estado e capacidade das pessoas.

Sucede que a apensação prevista no nº 1 desse artigo nem é automática nem defende apenas de respeitar a interesses da massa falida.
A apensação ao processo de falência só tem lugar se o liquidatário o requerer e houver conveniência para a liquidação, conveniência que constitui o único fundamento desse requerimento, e em que a massa falida seja a demandada.
Se não ocorrer essa situação não há lugar á apensação, devendo a acção prosseguir, por não ser das que, pela falência, perdem utilidade ou vêem obstáculo ao prosseguimento.
Mas acontece que as acções de que fala o preceito são as pendentes à data da declaração da falência e não as que forem posteriormente instauradas contra a Massa Falida, representada pelo liquidatário.
Não sendo a acção apensada sem requerimento do liquidatário e conveniência para a liquidação, não se encontra justificação para o autor (terceiro) impor a apensação, quando a acção é proposta depois de declarada a falência. As acções a apensar são as pendentes ao tempo da declaração da falência (V. Acs. sumariados na net, do STJ, de 29/9/92, proc. 082298, e da RP, de 26/01/99, proc.9621203). Não denunciado o contrato de arrendamento, o liquidatário deve proceder ao pagamento das rendas devidas ao senhorio pelo tempo posterior à falência, sob pena de ser intentada justificadamente a acção de despejo contra a massa falida.
A acção deve ser instaurada e correr os seus termos autonomamente no tribunal competente, que não por apenso ao processo de falência no tribunal de comércio.
Não devendo a acção seguir por apenso á falência, pois não se enquadra no âmbito do disposto no artigo 154º, nº 1, do CPEREF, e estando a competência do tribunal de comércio, nessas situações, limitada ao conhecimento das acções que devam correr por apenso ao processo de falência, carece de competência para preparar e julgar a presente acção, motivo porque o agravo não merece provimento.

VII – Pelo exposto, acorda-se em negar provimento a agravo, mantendo-se o despacho recorrido.
Custas pelos recorrentes.
Porto, 6 de Outubro de 2005
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira