Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00037019 | ||
Relator: | MÁRIO CRUZ | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRANSPORTE TRANSITÁRIO PRESCRIÇÃO TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS POR ESTRADA - TIR | ||
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Nº do Documento: | RP200406220422871 | ||
Data do Acordão: | 06/22/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. APELAÇÃO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. REVOGADA PARCIALMENTE. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Embora os transitários sejam prestadores de serviços a terceiros e, como tal, não realizam o acto material de transportar as mercadorias, fazendo apenas o papel de intermediários para conseguir o transporte, o certo é que muitas vezes assumem eles mesmos as obrigações do transportador ("obrigações inerentes a esse transporte"). II - Assim sendo existe um contrato misto de mandato e de transporte. III - Segundo a Convenção CMR é de um ano o prazo prescricional (melhor, caducidade) para intentar a acção correspondente aos danos decorrentes do incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação do transportador. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório A “Companhia de Seguros....., SA”, com sede em..... e filial na Rua....., ...., intentou acção declarativa sob a forma de processo sumário contra 1) “B....., Ld.ª ”, com sede na Rua....., ...., 2) “C....., Ld.ª ”, com sede na Rua....., ....., 3) “D....., Ld.ª ”, com sede em....., ....., ....., 4) “Companhia de Seguros....., SA”, com sede na Rua....., ....., pedindo - que fossem as RR. condenadas solidariamente a pagar à A. a quantia de 2.071.647$00, acrescida dos juros legais de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como em custas e procuradoria. Para tanto, invocou ter “J....., SA” vendido a “E.....” (empresa inglesa) 921 peças de vestuário, e, para realizar tais operações, a referida “J....., SA” encarregou a expedidora B....., SA, aqui 1.ª Ré. Esta, por sua vez encarregou a C....., Ld.ª, aqui 2.ª Ré, de efectuar tal transporte. Por sua vez, esta última subcontratou a D....., Ld.ª” de realizar o transporte. A referida carga foi acondicionada em 19 cartões, contendo o peso total de 241,30 kg, sendo transportada no camião com atrelado C-0000, pertencente à 3.ª Ré. Esta recebeu a totalidade da mercadoria sem qualquer reserva, tendo seguido viagem para a....., tendo tal veículo ficado estacionado durante a noite de 2000.03.19 para 2000.03.20, numa Rua em....., havendo no entanto sido assaltado e dele retirados 17 cartões da mercadoria em causa, e o assalto participado à GNR. Sustenta a A. que os 17 cartões em falta continham mercadoria no valor £ 5.544,42 (GBP), por cujo pagamento são responsáveis os 3 primeiros RR. nos termos da Convenção CMR e do contrato de transporte - que aqueles não cumpriram na sua totalidade, por não haverem garantido a segurança da mercadoria. Mais alega a A. que havia celebrado com “J....., SA” contrato de seguro sobre a referida mercadoria, e que, no cumprimento desse contrato, pagou em Setembro a esta sociedade a quantia de 1.995.609$00. Teve no entanto de efectuar outras despesas, no montante de 76.038$00 com a averiguação do sinistro, despendendo assim, em consequência de todo o enunciado, 2.071.647$00 (valor do capital pedido), pelo que lhe assiste direito de sub-rogação sobre as 3 primeiras RR. quanto aos montantes em causa. Invoca ainda, que a 3.ª R. havia transferido para a 4.ª Ré (Companhia de Seguros....., SA) a responsabilidade civil pela perda ou deterioração das mercadorias em causa, e nenhum dos RR. pagou ainda à A. o que quer que fosse, não obstante interpelados para o efeito. A 1.ª Ré (“B....., Ld.ª”) contestou, começando por excepcionar a prescrição da obrigação alegando que é uma entidade transitária com o Alvará n.º ../99 da DGTT, e, consoante decorre do art. 16.º do DL n.º 255/99, de 7/7, a responsabilidade do transitário prescreve no prazo de dez meses a contar da data da conclusão da prestação de serviço contratada, o que no caso concreto se verificava já, porque o transporte em causa foi concluído em 22 de Março de 2000 e a Ré apenas foi citada para a presente acção em 28 de Fevereiro de 2001. No entanto, e sem prescindir, disse ainda, que a sua eventual condenação não poderá exceder 508.444$50, por força dos limites de responsabilidade estabelecidos nos arts. 15.º e 23.º da Convenção CMR. Em seguida continuou a defender-se dizendo não lhe ser imputável qualquer responsabilidade pelo desaparecimento da mercadoria, porque tomou todas as medidas de segurança que lhe eram exigíveis. A 2.ª Ré (“C....., Ld.ª”) contestou começando por excepcionar a sua ilegitimidade, por apenas ter sido contratada pela 1.ª Ré para proceder à organização do transporte de diversas mercadorias, entre as quais a da segurada da A., e não haver qualquer relação ou vínculo jurídico entre ela e a “J....., SA” ou quem a represente ou tenha assumido a sua posição, respondendo apenas perante “B....., Ld.ª”. Sem prescindir, invocou ser também ela transitária, com o Alvará n.º ../2000 do DGTT, e, tendo em conta que tinham já decorridos mais de dez meses sobre a data em que o transporte foi concluído e o momento em que foi citada para a acção, encontrava-se prescrita a obrigação. Sempre sem prescindir, invocou, da mesma forma que a 1.ª Ré o limite das suas responsabilidades, sustentando que só podiam ir até 508.444$50, e afirmando nenhuma intervenção física haver tido nas operações. A 3.ª Ré contestou a falta de diligência na guarda do veículo, dizendo que o veículo esteve estacionado em local iluminado, vigiado pela GNR e devidamente selado, e que o furto ocorreu em fim de semana, quando o veículo não podia circular. Depois invocou a existência de contrato de seguro com a 4.ª Ré, efectuado para cobrir a responsabilidade civil pela perda das mercadorias. Concluiu pela absolvição do pedido. A 4.ª Ré contestou também, mas apenas para dizer que o contrato de seguro que a ligava à 3.ª Ré excluía expressamente o pagamento de indemnizações em caso de roubo do veículo ou das mercadorias nele transportadas quando deixadas sem guarda, pelo que nada teria que pagar. Respondeu a A. às contestações deduzidas pelas 1.ª e 2.ª RR. “B....., Ld.ª” e “C....., Ld.ª”, defendendo-se das excepções suscitadas e suscitando a sua improcedência, para concluir da mesma forma com que formulara a petição inicial. No saneador foram julgadas improcedentes as excepções suscitadas e condensado o processo com a indicação da matéria que deveria considerar-se assente e daquela que deveria integrar a base instrutória. As 1.ª e 2.ª RR. não se conformaram com a parte da decisão que julgara improcedente a excepção da prescrição, pelo que interpuseram recurso. Estes foram admitidos como de agravo, com subida a final e com efeito meramente devolutivo. As alegações de recurso juntas desde logo pela 1.ª Ré apresentavam as seguintes conclusões: “A) Às empresas transitárias é aplicável o regime previsto no DL n.º 255/99, de 7 de Julho, que estabelece a prescrição do direito de indemnização resultante da sua responsabilidade no prazo de dez meses a contar da data da conclusão da prestação de serviço contratada. B) Sendo a Ré, ora apelante, uma empresa transitária, e tendo decorrido onze meses e meio entre a data de conclusão do serviço e a sua citação para os termos da acção, esse direito prescreveu em relação à Ré, ora apelante. C) O despacho recorrido violou o disposto no art. 16.º do DL 255/99. Termos em que, nos melhores de direito ..., deve o despacho saneador recorrido ser revogado na parte em que julga improcedente a excepção invocada da prescrição e, em consequência, ser considerada procedente por provada, a excepção da prescrição, sendo a R. ora apelante, absolvida do pedido. Assim se espera por ser de Justiça.” A 2.ª Ré apresentou também alegações, e as suas conclusões tiveram conteúdo exactamente igual às do agravo da 1.ª Ré. Não houve contra-alegações. Instruído o processo e realizada audiência de discussão e julgamento foram dadas as respostas aos quesitos da base instrutória e proferida sentença. Na sentença foi a acção julgada parcialmente procedente por provada, sendo: - as RR. “C....., Ld.ª” (2.ª Ré) e “D....., Ld.ª” (3.ª Ré), condenadas a pagar solidariamente à A. a quantia € 2.192,3787 (correspondente a 439.532$46), acrescida de juros de mora contados desde a citação e até efectivo integral pagamento, e absolvidas da parte restante do pedido; - as RR. “B....., Ld.ª” (1.ª Ré) e a “C.ª de Seguros....., SA” (4.ª Ré), absolvidas da totalidade do pedido contra elas formulado; Com a sentença não se conformaram a A. (C.ª de Seguros....., SA”) e a Ré C..... Ld.ª” (2.ª Ré), pelo que interpuseram os competentes recursos. Estes vieram a ser admitidos como de apelação e com efeito devolutivo. A A. (C.ª de Seguros....., SA) concluiu assim as suas alegações de recurso: “1.º A douta sentença recorrida não decidiu correctamente ao absolver a R. B....., Ld.ª” 2.º Na douta sentença de que se recorre ficou provado que foi a R. B....., Ld.ª” que foi encarregada de efectuar as operações de transporte de mercadoria em causa, a qual encarregou a Ré C....., Ld.ª de efectuar tal transporte, que, por sua vez solicitou à Ré “D....., Ld.ª”, a realização do transporte dessas mercadorias. 3.º Na verdade, as RR. condenadas, embora não tenham celebrado com a firma J....., SA” o contrato de transporte em causa, o certo é que estavam elas encarregadas de assegurar o transporte das mercadorias, sendo por isso responsáveis pelos prejuízos em causa. 4.º A Ré B....., Ldª é responsável pela mercadoria que contratou transportar, perante a “J....., SA” 5.º Nos termos do art. 3.º da CMR “... o transportador responde como se fossem cometidos, por ele próprio, pelos actos e omissões... de todas as pessoas a cujos serviços recorre para a execução do transporte...” 6.º A R. B....., Ldª deverá ser condenada solidariamente com as outras RR, a reembolsar a recorrente, uma vez que correu por sua conta e risco a actividade de quem se socorreu para efectivar o transporte. 7.º É manifesto que a responsabilidade pelos danos causados à mercadoria transportada cabe solidariamente a todas as RR., devendo por isso a R. B....., Ld.ª” ser também condenada a reembolsar a recorrente. 8.º A douta sentença recorrida violou pois o art. 3.º da Convenção CMR Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, condenando-se a Ré “B....., Ld.ª”, solidariamente com as outras RR., fazendo-se assim inteira Justiça” A Ré “B....., Ld.ª” contra-alegou o recurso da “Companhia de Seguros....., SA”. ........................ Por sua vez, a Ré “C....., Ld.ª” concluiu as alegações do seu recurso pela forma seguinte: “A) A apelante cumpriu com todas as suas obrigações até que a mercadoria foi tomada à guarda da empresa transportadora; B) A apelante é uma empresa transitária, tendo prestado o serviço de “arquitectar o transporte, tendo assumido a obrigação de concluir os actos jurídicos necessários à deslocação das mercadorias; C) A apelante celebrou um contrato de prestação de serviços com a Ré B....., Ldª e não um contrato de transporte. D) A apelante celebrou um contrato de transporte com a Ré D....., Ld.ª”, a qual assumiu a obrigação de transportar e tomou a seu cargo a mercadoria, tendo efectuado o transporte. E) A apelante não assumiu a obrigação de transportar a mercadoria em causa, tal como a Ré “B.....”. F) A apelante não teve qualquer intervenção física nas operações referentes à mercadoria, a qual foi recolhida pela Ré “D.....” nas instalações da Ré “B.....”, a qual procedeu nessa altura à selagem do camião. G) No contrato de transporte celebrado, a apelante aparece como expedidor, face ao transportador que é a “D.....”, tendo funcionado como intermediário entre o exportador e o transportador. H) Nem a apelante celebrou um “contrato misto de expedição (mandato) e transporte”, assim assumindo a obrigação de transportar, nem nada nos autos indica que tal tenha acontecido. I) Não sendo transportadora nem tendo agido como tal, a apelante não tem de responder nos termos do art. 3.º da Convenção CMR, não sendo tal disposição aplicável in casu. J) Foi, assim, violado o disposto na norma referida contida no art. 3.º da Convenção CMR. Termos em que, nos melhores de direito e com o muito doudo suprimento ..., e sem prescindir, caso não seja dado provimento ao recurso da decisão contida no despacho saneador, deve a decisão da primeira instância ser revogada na parte em que condena a “C....., Ld.ª” no pagamento à A. da quantia de € 2.192,37 e, em consequência, ser a apelante absolvida do pedido. A Ré “Companhia de Seguros......, SA” contra-alegou o recurso da “C....., Ld.ª” Foram em seguida remetidos os autos a este Tribunal, onde depois de distribuídos, foram os recursos aceites sem alteração de qualificação e atributos. Correram os vistos legais. .................................. II - Âmbito do recurso. De acordo com o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões que o recorrente apresente nas alegações respectivas. Com a leitura das conclusões apresentadas por cada um dos recorrentes podemos ver, portanto, que os respectivos recursos se destinam a apreciar as questões seguintes: II-A) Nos agravos: - A “prescrição” do direito à indemnização contra as duas primeiras RR. II-B) Nas apelações: II-B-a) Na apelação da A.: - A responsabilidade solidária da 1.ª Ré com a dos 2.º e 3.º RR.. II-B) –b) Na apelação da Ré “C....., Ld.ª”: - A natureza do contrato celebrado entre ela e a 1.ª Ré (prestação de serviços, transporte, ou contrato misto de expedição (mandato - correspondente à actividade transitária) e transporte?) ........................ III. Fundamentação III-A) Os Factos: Foram considerados assentes ou provados na primeira instância os factos seguintes: a) “J....., S.A”., com sede no Lugar da....., ....., vendeu a E..... (empresa inglesa) 921 peças de vestuário (T-shirts para homem). b) Para realizar as operações inerentes a esse transporte, do Porto para ........ (Inglaterra), a J....., S.A. encarregou o expedidor "B....., Lda". c) A “B....., Lda” encarregou a ré “C....., Lda” de efectuar tal transporte. d) A ré “D....., Lda” tinha transferido para a “Companhia de Seguros....., S.A.” a responsabilidade pela perda ou deterioração das mercadorias em causa através do contrato de seguro titulado pela apólice n° 00/4000. e) A ré “C....., Lda” solicitou à ré “D....., Lda” a realização do transporte das mercadorias em causa. f) A referida mercadoria foi acondicionada em 19 cartões, contendo o peso total de 241,30 kg, sendo transportada no camião com o atrelado C-0000 pertencente à terceira ré, “D....., Lda.” g) A terceira ré, recebeu em 17/03/2000 a totalidade da mercadoria sem fazer qualquer reserva, tendo seguido viagem para a....... h) Tendo tal veículo ficado estacionado durante a noite de 19/03/2000 para 20/03/2000, num parque da terceira Ré, em...... i) Entre as 19h00 do dia 19/03/2000 e as 8h00 do dia 20/03/2000, o camião TIR da 3.ª ré com o atrelado com a matrícula C-0000 foi assaltado. j) Tendo sido retirados 17 cartões da mercadoria em causa. I) Os 17 cartões em falta continham mercadoria no valor de GBP 4.960,80. m) A autora através do certificado de seguro n°..., referente à apólice 5000, do Ramo Transportes Terrestres, havia contratado com J....., S.A. o seguro da referia mercadoria, no valor de GBP 6.099,00, correspondente ao valor da mercadoria, mais 10% para despesas e lucros esperados. n) No cumprimento do contrato de seguro referido no quesito 8°) a autora pagou em Setembro de 2000, a J....., S.A, a quantia de esc. 1.995.609$00. o) A autora despendeu ainda a quantia de esc. 76.038$00, relativa a despesas de averiguação do sinistro. p) A ré “B....., Lda”, procedeu nas suas instalações, logo após o carregamento, à selagem do veículo C-0000. q) No momento em que foi assaltado o atrelado que continha a mercadoria, o mesmo encontrava-se sem guarda. r) O camião TIR de matrícula ..-..-FI com o semi-reboque C-0000 estava estacionado no parque privativo da Ré “D....., Ld.ª”, junto de seus escritórios, quando foi assaltado s) A GNR do posto de..... passa pelo local com regularidade. ............................. Tendo em conta que a matéria considerada assente e/ou provada não é objecto de qualquer controvérsia, considera-se aqui a mesma como definitivamente fixada. .............................. III-B) O Direito III-B)-a) Quanto aos agravos (da 1.ª e 2.ª RR.): Como já pudemos ver, a única questão a apreciar resume-se a determinar se está ou não prescrito o direito de a A. demandar as 1.ª e 2.ª RR., ao abrigo do direito de sub-rogação, exigindo a estas o pagamento de indemnização que em lugar delas pagou à J....., SA. No saneador foi considerado não estar prescrito esse direito, porque além de transitárias, as duas 1.ªs RR. comprometeram-se a realizar actividades por forma a que as mercadorias chegassem ao seu destino. Ora, tendo sido utilizado o transporte por estrada com esse objectivo, e sendo quer o lugar de carregamento quer o do destino sitos em Estados signatários da Convenção CMR, assinada em Genebra em 1956.05.19, há que aplicar-se-lhes o prazo previsto pelo art. 32.º da Convenção CMR, que é de um ano – prazo que ainda não tinha decorrido quando a acção foi instaurada. Entendem as agravantes que esse direito já prescrevera, porque sendo elas empresas transitárias, a sua citação para a acção teria de ocorrer antes de decorridos 10 meses (previstos no art. 16.º do DL n.º 255/99, de 7 de Julho) sobre a prestação dos serviços prestados, prazo esse que já havia decorrido. Vejamos então qual a nossa posição. Em primeiro lugar é preciso vermos qual o tipo de relação jurídica estabelecido entre os diversos intervenientes (exportador- expedidor- transportador) Para isso é essencial ter presente que pretendendo J....., SA colocar na Inglaterra, na sua cliente compradora “E.....”, as mercadorias que vendera a esta, contactou e encarregou o expedidor “B....., Ld.ª” para realizar as operações inerentes a esse transporte. (sublinhado nosso) Ora, embora os transitários sejam prestadores de serviços a terceiros, e como tal, não realizem enquanto tal o acto material de transportar as mercadorias, sendo apenas mero intermediários para conseguir o transporte por conta do expedidor, o que é facto, é que muitas vezes os transitários assumem eles mesmos as obrigações do transportador. No caso em presença a 1.ª Ré não assumiu apenas a obrigação de arquitectar o transporte mas as obrigações inerentes a esse transporte, pelo que actuou também extravasando as suas obrigações de transitária, ou seja, assumindo os riscos e obrigações do transportador. Estamos assim sob a alçada de um contrato misto de mandato e de transporte (e não apenas perante um contrato de comissão de transporte regido pelas regras do contrato de mandato), já que a 1.ª Ré foi incumbida e aceitou realizar as obrigações atinentes ao respectivo transporte [Neste sentido, Ac. do STJ de 94.11.17, publicado em www.dgij.stj.pt, (Sousa Inês, Roger Lopes e Costa Raposo). Este Acórdão veio a negar a revista ao Ac. do TRP tirado em 1992.10.19 que, por sua vez, havia confirmado a decisão da 1.ª instância tomada em 1 de Julho de 1991, e cujo Juiz signatário era o então Juiz do 8.º Juízo Cível do Porto-1.ª secção, ou seja, o actual Relator.]. Ora, o transporte internacional de mercadorias por estrada rege-se segundo a Convenção de Bruxelas, vulgarmente conhecida por Convenção CMR, assinada em Genebra em 19 de Maio de 1956 e ratificada por Portugal, sendo de um ano o prazo prescricional para intentar a acção correspondente aos danos decorrentes do incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação do transportador- art. 32.º- a contar do dia da entrega da mercadoria ao transportador, no caso de perda parcial, avaria ou demora [O prazo é denominado de prescricional, mas no rigor dos princípios deveria ser tratado como de caducidade, conforme reconhecido pelo Ac. do STJ enunciado na nota 1]. Assim, tendo em conta que a mercadoria foi entregue em 2000.03.17, ainda não havia decorrido um ano quando ambas as RR. foram citadas para a presente acção, pelo que não havia ocorrido ainda a respectiva prescrição. Entende-se, portanto, que os agravos terão de ser negados. .............................. III-B)-b) Quanto às apelações: III-B)-b-á) – da Companhia de Seguros....., SA: O M.º Juiz sustentou na sentença, que a 1.ª Ré era apenas transitária, pelo que não poderia ser responsabilizada pela perda ou furto da mercadoria, cabendo essa responsabilidade apenas às 2.ª e 3.ª RR., dado que no contrato é a 2.ª Ré que assume a posição de transportadora e uma vez que esta sub-contrata com a 3.ª Ré a efectivação do respectivo transporte. A A. (C.ª de Seguros.....) não se conformou com essa parte da sentença que absolveu a 1.ª Ré, entendendo que a primeira Ré deveria ter sido condenada solidariamente com as 2.ª e 3.ª, porque correu por sua conta e risco a actividade de quem se socorreu para efectivar o transporte. Partilhamos o mesmo entendimento da apelante A. (C.ª de Seguros....., SA), pois que, conforme já sustentamos nos agravos, a 1.ª Ré fora também incumbida de realizar as operações inerentes ao transporte, ou seja, a colocar a mercadoria no destino. Ora, a colocação da mercadoria no destino, para que fora incumbida também a 1.ª Ré, é correspondente a uma obrigação de transportadora (e não apenas de mera transitária), pelo que, nos termos do art. 3.º da Convenção CMR a 1.ª Ré terá de ser responsabilizada pelo transporte. Na verdade, de acordo com tal artigo da Convenção CRM “O transportador responde, como se fossem cometidos por ele próprio, pelos actos e omissões ... de todas as pessoas a cujos serviços recorre para a execução do transporte.” A sua responsabilidade emana directamente do contrato misto (de mandato e transporte) outorgado pela 1.ª Ré com a J....., SA, pelo que a 1.ª Ré não poderia ver excluída a sua responsabilidade no caso de perda ou furto da mercadoria, a menos que fosse feita prova de alguma das circunstâncias previstas nos arts. 17.º ou 18.º da CMR., isto é, se a perda, avaria ou demora tivesse por causa uma falta do interessado comprador, ou que resultasse de força maior ou facto imprevisível. Não pode considerar-se nesse âmbito (de desresponsabilização do transportador) o assalto a uma viatura estacionada durante a noite em espaço não inteiramente fechado à beira da estrada. Sendo certo que a aqui A. pagou já à J....., SA o montante correspondente à indemnização pelo desaparecimento dos bens - ao abrigo do contrato de seguro de mercadoria que havia sido firmado com esta e em cumprimento das obrigações aí assumidas - ficou a aqui A. sub-rogada legalmente nos direitos daquela (credora J....., SA), de acordo com o disposto no art. 592.º -1 do CC. Assim, procede inteiramente a apelação da apelante A. III-B)-b)- â)– da 2.ª Ré (C....., Ld.ª”): Na sentença recorrida foram condenadas apenas a 2.ª e 3.ª RR., sustentando-se que foram estas as transportadoras A Ré C....., Ld.ª entende que não poderia ter sido condenada porque não realizou actos de transporte. A nossa posição já foi atrás expressa, trazendo à colação o disposto no art. 3.º da Convenção CMR, considerando que para ser transportador não é necessário que seja a própria a efectuar fisicamente o transporte, bastando encarregar-se de realizar os actos para colocar a mercadoria no destino. A Ré “C....., Ld.ª” aceitou essa incumbência por parte da 1.ª Ré, pelo que ao assumir a responsabilidade pelo transporte, mesmo não sendo ela a efectuá-lo fisicamente, responde, nos termos do art. 3.º da Convenção CMR, como se fossem cometidas por ela própria, pelos actos e omissões de todas as pessoas a cujos serviços recorreu para a execução do transporte, ou seja, pelos actos e omissões da “D....., Ld.ª” – 3.ª Ré. Ora, tendo ficado apurado que a 2.º Ré subcontratou com a 3.ª Ré a efectivação desse transporte, e uma vez que a sub-contratada (3.ª Ré) não actuou com diligência e zelo ao ter deixado esta, carregado durante a noite, em espaço não inteiramente fechado, junto da estrada, o camião que iria fazer o transporte da mercadoria, a 2.ª Ré é responsável pela perda da mercadoria junto da J....., SA (dona da mesma) e da 1.ª Ré, nos mesmos termos que a empresa sub-contratada (3.ª Ré). Assim, improcede a apelação da 2.ª Ré. ................................ IV. Deliberação Na negação dos agravos, mantém-se o saneador na parte recorrida. Na procedência da apelação da A. e na improcedência da apelação da 2.ª Ré, revoga-se a sentença recorrida na parte em que absolvera do pedido a 1.ª Ré, pelo que se substitui essa parte da decisão por uma outra em que se condena também a 1.ª Ré, ao lado da 2.ª e 3.º RR, ficando assim solidariamente condenadas as três primeiras RR. no pagamento à A. do montante indicado na sentença. Custas dos agravos, pelas RR. agravantes .(2.ª e 3.ª) Custas da apelação da A., a cargo da 1.ª Ré. Custas da apelação da 2.ª Ré, a cargo desta. Custas da acção, a repartir entre A., por um lado, e pelas 1.ª, 2.ª e 3.ª RR., por outro, na proporção de vencidos. Porto, 22 de Junho de 2004 Emídio José da Costa Henrique Luís de Brito Araújo Alziro Antunes Cardoso |