Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
210/08.2PEGDM.P1
Nº Convencional: JTRP00043806
Relator: JOSÉ PIEDADE
Descritores: MOTIVAÇÃO
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
Nº do Documento: RP20100414210/08.2PEGDM.P1
Data do Acordão: 04/14/2010
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 421 - FLS. 62.
Área Temática: .
Sumário: I- Com a exigência do exame crítico das provas pretende-se incrementar a produção de uma decisão ajustada à verdade material que assegure a sua compreensibilidade quer pelos sujeitos processuais quer pela generalidade dos cidadãos.
II- Tal desiderato mostra-se cumprido com a referenciação dos meios de prova que o julgador analisou, comparou e conjugou para formular a sua convicção.
III- Exigir um relato exaustivo do conteúdos dos meios de prova produzidos e de todos os raciocínios efectuados na formulação da convicção, constituirá exigência formal desproporcionada e excessiva que não ajudará à compreensão do processo de formação da decisão, antes resultará numa intolerável subjectivação da decisão a dificultar a sua apreensão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 210/08.2PEGDM.P1
2º Juízo do T.J. de Gondomar
Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

No 2º Juízo do T.J. de Gondomar, processo supra referido, foram julgados B………….. e C……………., sendo proferido Acórdão com o seguinte dispositivo:
“1. O arguido B…………..,
a) Pela prática, em autoria material, de um crime de violação, previsto e punido pelo artigo 164.° n.° 1 alínea a) do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
b) Pela prática, em autoria material, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.° n.° 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
c) Pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.° n.° 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
d) Pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210,° n.° 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
e) Pela prática, em autoria material de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.° n.° 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;
f) Pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.° n.° 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
g) Pela prática, em autoria material, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.° n.° 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
h) Pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.° n.° 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
i) Pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelos artigos 210.° n.° 1 e 2 alínea b) e 204.° n.° 2 alínea f) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
j) Pela prática, em autoria material, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.° n.° 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
k) Pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.° n.° 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
l) Pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.° n.° 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
m) Pela prática, em autoria material, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.° n.° 1 do Código Penal - quanto aos factos referidos no PC Singular n.° 773/08.2PJPRT) — na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
n) Pela prática, em autoria material, de um crime de roubo, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 210.° n.° 1, 22.°, 23.° e 73.° do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;
o) Em cúmulo jurídico, atendendo em conjunto aos factos e à personalidade do arguido, nos termos do disposto no artigo 77.° do Código Penal, na pena única de 12 (doze) anos de prisão.
II. O arguido C……………..,
a) Pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.° n.° 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
b) Pela prática, em autoria material de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.° n.° 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;
c) Pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.° n.° 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
d) Pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelos artigos 210.° n.° 1 e 2 alínea b) e 204.° n.° 2 alínea j) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
e) Pela prática, em autoria material, de um crime de roubo, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 210,° n.° 1, 22.°, 23.° e 73.° do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;
J Pela prática, em autoria material, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.° n.° 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
g) Em cúmulo jurídico, atendendo em conjunto aos factos e à personalidade do arguido, nos termos do disposto no artigo 77.° do Código Penal, na pena única de 6 (seis) anos de prisão.
III. Ambos os arguidos, solidariamente, nas custas do processo e cada um deles em 5 UC’s de taxa de justiça, fixando-se os honorários devidos aos Exmos. Defensores nomeadas no montante legal.
IV. Mais se decide julgar o pedido de indemnização civil deduzido pelo lesado e assistente D………… contra o demandado e arguido B………… parcialmente procedente, por provado e, em consequência, condenar este a pagar àquele a quantia de € 15.040,00, como indemnização de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos e, no mais, parcialmente improcedente, por não provado, nessa parte absolvendo o demandado do mais peticionado.
V, As custas do pedido de indemnização civil serão suportadas por demandante e demandado, na proporção de decaimento.”
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Deste Acórdão recorreu o condenado C………….., formulando as seguintes conclusões, após ter sido determinada a sua emenda:
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5 - O Acórdão / Sentença padece também de várias nulidades, nos termos referidos nos artigos seguintes:
5.1 - Relativamente à nulidade da sentença por omissão de pronúncia, do artigo 379.º n.º 1 alínea c) do Código Processo Penal, que se manifesta no facto do Tribunal a quo não se ter pronunciado sobre a defesa escrita do arguido C…………, relativamente à alteração da qualificação jurídica, nos termos referido no nº 3 do quesito 7º das Motivações do presente Recurso, que se considera aqui transcrita para todos os efeitos legais.
5.2 - Sendo que, o Exmº Procurador requereu, relativamente à situação de 15 de Agosto de 2008, a alteração da qualificação jurídica do crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º nº 1 do Código Penal para o crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210º nº 2, nº 2 alínea b) e 204º nº 2 alínea f), ambos do Código Penal, conforme fls dos autos 941 e 942, em relação aos factos de que foi alvo E………….. Sobre o qual o Exmº Juiz Presidente, nos termos do despacho a fls 942 e 943 dos autos determinou que se procedesse à alteração da qualificação jurídica requerida.
5.3 - O Tribunal a quo no Acórdão / Sentença de que agora se recorre não se pronuncia, nem faz qualquer referência, sobre os argumentos aduzidos pela defesa do arguido C…………..
5.4 - Pelo que, o Acórdão/ Sentença incorre, verdadeiramente, em omissão de pronúncia, por deixar de se pronunciar sobre questões que deveria apreciar. Portanto, no plano da sentença, esta enferma da nulidade de omissão de pronúncia, do artigo 379.º n.º 1 alínea c) do Código Processo Penal.
5.5 - Relativamente à nulidade da Sentença por violação do dever de fundamentação da decisão do artigo 379.º n.º 1 alínea a) do Código Processo Penal
5.6 - Quanto a este vicio – Violação do Dever de Fundamentação da Decisão, previsto no artigo 374º nº 2 Código Processo Penal, exige-se ao Tribunal que além de mencionar os factos provados e não provados (como o fez) que faça uma exposição tanto quanto possível completa, embora concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentou a decisão, com indicação do exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
5.7 - E de facto, analisado o Acórdão / Sentença proferido pelo Tribunal Colectivo a quo, a fls. 479 a 515, não se verifica que o Tribunal a quo tenha fundamentando devidamente a sua decisão, nem fez o necessário exame critico das provas que levou a formar a sua convicção, já que se limitou a mencionar os factos provados e os não provados, a transcrição, sem verdadeira correspondência ou mesmo contraditória, dos depoimentos de algumas testemunhas e na documentação existente nos autos, cfr fls. 481 a 500, não fazendo, como devia e lhe era legalmente exigível a respectiva fundamentação e, fundamentalmente, o exame critico das provas que serviram de base para formar a sua convicção, nos termos dos artigos 374.° e 375.° do Código Processo Penal.
5.8 - Assim, o que está essencialmente em causa é saber se o Tribunal, em primeira instância, fundamentou ou não devidamente a sentença aí proferida. O dever de fundamentar uma decisão judicial é uma decorrência, em primeiro lugar, do disposto no artigo 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. O qual se traduz na obrigatoriedade do tribunal especificar os motivos de facto e de direito da decisão – artigo 97º, n.º 5, do Código de Processo Penal.
5.9 - Tal princípio, relativamente à sentença penal, acto decisório que a final conhece do objecto do processo, como já referido, concretiza-se, porém, mediante uma fundamentação reforçada que visa, por um lado, a total transparência da decisão, para que os seus destinatários (aqui se incluindo a própria comunidade) possam apreender e compreender claramente os juízos de facto e de direito assumidos pelo julgador e, por outro lado, possibilitar ao tribunal superior a fiscalização e o controlo da actividade decisória, fiscalização e controlo que se concretiza através do recurso, o que consubstancia, desde a Revisão de 1997, um direito do arguido constitucionalmente consagrado, expressamente incluído nas garantias de defesa – artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Tal implica que, ao proferir-se uma decisão judicial, se conheça as razões que a sustentam, de modo a se aferir que a mesma está fundada na lei.
5.10 - Fundamentação que, relativamente à decisão recorrida, tendo em atenção o seu concreto desiderato, cúmulo de penas, bem como o critério norteador da determinação da pena conjunta, consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente – cfr. artigo 77º n.º 1 do Código Penal –, deve, após a análise destes factores, dar a conhecer as específicas razões que determinaram o concreto quantum da pena conjunta.
É o que decorre da aplicação, indirecta (adaptada), da norma do n.º 1 do artigo 375º do Código de Processo Penal, que regula os específicos requisitos da sentença condenatória.
5.11 - Entende o arguido C…………. que o acórdão recorrido não se mostra fundamentado, por falta da devida avaliação do conjunto dos factos e da sua personalidade, alegando que o Tribunal a quo se limitou a reproduzir somente os aspectos menos positivos do relatório social, que não foi conclusivo, com ausência de indicação dos motivos de facto e de direito, devidamente fundamentados, que conduziram às penas parcelares e à fixação da pena conjunta, conforme fundamento de direito expostos nos números 11 e 12 do quesito 8 das Motivações deste Recurso.
5.12 - Em suma, em caso de violação do dever de fundamentação da sentença, como é o caso em apreço, determina a nulidade da Sentença, nos termos previstos no artigo 379.º n.º 1 alínea a) do e do artigo 374.º n.º 2, ambos do Código Processo Penal.
5.13 - Assim sendo, as nulidades da sentença devem ser supridas, nos termos e para os efeitos do artigo 379º nº 2 do Código do Processo Penal.
6.- Independentemente dos vícios e invalidades e do exposto anteriormente, verifica-se que o Tribunal a quo indevidamente não aplicou o regime dos jovens delinquentes – decreto-lei 401/82 de 23 de Setembro.
6.1 - O Tribunal a quo conclui pela não aplicação deste regime especial, conforme o despacho, parágrafo 3 da fl. 504 do Acórdão ora recorrido, para o qual se remete, considerando-se aqui transcrito para todos os efeitos legais.
6.2 - Ora, pelo que se discorreu anteriormente, o Tribunal a quo não fundamentou a sua decisão, nem fez um exame crítico das provas produzidas em julgamento, parece insuficiente este mero despacho sem que o Tribunal a quo objective de facto e de direito sobre as razões in concreto o levaram a não aplicar o regime especial.
6.3 - Assim, o arguido C………. considera incorrectamente julgado a não aplicação ao presente caso concreto do regime especial de jovens delinquentes e consequentemente considera violado o Decreto-Lei 401/82 de 23 de Setembro, nos termos fundamentados nos números 3 a 10 do quesito 9º das Motivações deste Recurso, pois tendo em conta o constante dos autos impunha-se ao Tribunal a quo não o afastamento daquele regime, mas antes a sua aplicação e a atenuação especial da pena aplicada, por se entender estarem preenchidos os pressupostos de aplicação do regime de jovens delinquentes, quer formais, dado o recorrente ter à data dos factos 19 anos de idade, quer substanciais dado o recorrente estar actualmente inserido socialmente e familiarmente, nos termos referidos nos números 12 a 14 do quesito 9º das Motivações deste Recurso.
6.4 - Pelo que, se impunha a aplicação ao arguido C………., a ser considerado culpado dos crimes de que foi acusado e condenado, todos ou alguns, uma pena ressocializadora e reintegradora, ou seja um juízo de prognose positivo e não negativo.
6.5- Acresce o facto do arguido C………… ser arguido primário e a aplicação no presente caso concreto de uma pena de prisão tão elevada e efectiva na sua execução é sem dúvida excessiva por não servir o fim de prevenção especial, o que o poderá lançar na “escola do crime” a privar de perto com arguidos experientes, o que poderá contribuir para a agudizar a sua personalidade e terá um efeito contrário ao que este regime especial penal pretende.
6.6 - Entende-se, pois, que no presente caso, a considerar-se o arguido C………….. culpado dos crimes, na totalidade ou só algum deles, de que foi acusado e condenado, deve ser observada a atenuação da pena aplicada, por aplicação do regime especial dos jovens delinquentes e por isso a pena que lhe foi aplicada ser reduzida.
6.7 - E consequente a suspensão da execução da pena de prisão é perfeitamente compatível com a defesa da ordem e paz social e promove o fim pedagógico com que este regime especial foi pensado, o que não é conseguido com a exclusão sem mais pelo Tribunal quo da sua aplicação.
6.8 - O presente Acórdão violou a lei quando excluiu a aplicação ao presente caso concreto do regime especial de jovens delinquentes, pois tendo em conta toda a factualidade supra exposta impunha-se ao Tribunal a quo não a sua exclusão mas antes a sua aplicação.
6.9 - Caso assim se não entenda ou seja se se considerar válida a exclusão no presente caso do regime especial de jovens delinquentes, e que a aplicação da sanção neste caso deve ser feita nos termos da lei penal geral, também aqui sempre se diria que houve violação do artigo 72° do Código Penal porquanto a lei diz que "a pena dever ser atenuada quando existam circunstâncias anteriores, contemporâneas e posteriores ao crime que diminuam a ilicitude, culpa ou necessidade da pena". A censura jurídico-penal não é de molde a excluir a aplicação do artigo 72° do Código Penal e através da lei geral penal permitir também a atenuação especial da pena ao arguido.
6.10 - Assim sendo, caso V. Exªs entendam que o arguido C………… é culpado dos crimes, na totalidade ou alguns deles, que foi acusado e condenado, deve a decisão recorrida ser modificada nos termos sobreditos e em consequência ser a pena aplicada ao arguido especialmente atenuada por aplicação do regime especial jovens delinquentes, ou caso assim se não entenda deve a moldura penal ser especialmente atenuada nos termos do artigo 72° do Código Penal, devendo a mesma ser suspensa na sua execução, se necessário com regime de prova, nos termos do artigo 50º e seguintes do Código Penal.
Pelo exposto anteriormente, além da correcção dos vícios e do suprimento das nulidades de que enferma a sentença ora recorrida, devem V. Exªs absolver o arguido C………….. de todos os crimes de roubo, tanto na forma simples, tentada ou agravada,
a) pela aplicação do Princípio In Dubio Pro Reo
b) ou por violação do Princípio da Livre Apreciação da Prova e considerarem V. Exªs como não provados os factos 9, 10, 15, 16, 18,19,20,21, 22,31, 32, 33,34,35,36, 37, 43, 44,45,46, 47 e 49, dados indevidamente como provados. Condenar o arguido C………….. em pena de multa, nos termos a determinar por V. Exªs, pelo crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º nº 1 do Código Penal, relativamente à situação ocorrida em 12 de Outubro de 2008, por ser esta ajustada às finalidades da pena.
Caso V. Exªs assim não entendam, não poderão deixar de determinar o reenvio do processo para novo julgamento, porquanto se encontram verificados o vícios do artigo 410.º, n.º 2 alínea a) e c) do Código de Processo Penal.
Caso V. Exªs entendam, mesmo assim, não ser aplicável tudo o referido anteriormente, devem na determinação da pena ter em conta o regime dos jovens delinquentes – Decreto-lei 401/82 de 23 de Setembro, devendo a pena ser especialmente reduzida, e, consequentemente, verificada a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 50º e seguintes do Código Penal, por se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição. (…)»
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Em 1ª Instância, o MºPº defendeu a improcedência do recurso, escrevendo nomeadamente:
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Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, igualmente, pela improcedência do recurso, escrevendo nomeadamente:
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Com interesse para a decisão a proferir, é o seguinte o teor do Acórdão recorrido.
Factos Provados:
“1) No dia 10 de Fevereiro de 2008, pelas 18,00 horas, na Rua ………, em Rio Tinto, junto ao Centro Comercial “Parque Nascente”, onde se encontrava o ofendido D………….., o arguido B…………. agarrou pela camisola do ofendido D…………., puxou-o e levou-o para um local ermo, de caminho em terra, que dá acesso ao Rio Tinto.
2) Acto contínuo, empurrou-o, encostando-o à parede e pediu-lhe o telemóvel, dizendo-lhe que tinha uma navalha, após o que a exibiu e disse-lhe: “dá-me o telemóvel senão mato-te”, retirando-lhe o telemóvel da mão, de marca Motorola, no valor de cerca de € 40,00, logo que o ofendido o retirou do bolso e apoderou-se do mesmo, fazendo-o coisa sua.
3) De seguida, exibindo o pénis e exibindo a navalha, que não foi possível examinar, o arguido B………… ameaçou o ofendido D…………., dizendo-lhe que o mataria, caso este não o masturbasse e lhe fizesse sexo oral.
4) Atemorizado e receoso que B………….. lhe fizesse mal, D……………. acedeu, tendo efectuado sexo oral ao B…………….., introduzindo o pénis deste na sua boca e masturbando-o até o mesmo ejacular.
5) Após, B…………….. desferiu um soco em D…………., atingindo-o nos lábios.
6) O arguido previu e quis agir do modo acima descrito, com o propósito concretizado de assustar e afectar na sua liberdade o ofendido D……….., com o fim de se apoderar e fazer seu o telemóvel que o mesmo possuía, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que agia contra a vontade e sem autorização do seu dono.
7) O arguido previu e quis manter coito oral com o ofendido D………… para assim satisfazer os seus desejos sexuais, bem sabendo que agia contra a vontade deste.
8) Previu e quis ainda o arguido agir do modo acima descrito com o propósito concretizado de molestar o D………… no seu corpo e saúde.
9) No dia 03 de Fevereiro de 2008, na Travessa da Ranha, junto ao Centro Comercial “Parque Nascente”, os arguidos B…………. e C……………, acompanhados de quatro outros indivíduos cuja identidade não se logrou apurar e, de comum acordo, aproximaram-se de F………… e rodearam-no, tendo o B.................. agarrado o mesmo pelo braço com força e arrancou-lhe o seu telemóvel da marca “Nokia”, modelo no valor de € 129,00 enquanto que o C.................. lhe retirou um MP4, da marca “Odys”, 2GB, no valor de € 45,00, tudo no valor de € 174,00, após o que abandonaram o local, fazendo seus tais objectos.
10) Os arguidos previram e quiseram agir do modo acima descrito, em conjugação de esforços e unidade de meios, com o propósito concretizado de assustar e afectar na sua liberdade o ofendido F………….., com o fim de se apoderarem e fazerem seus o telemóvel e o MP4 que o mesmo possuía, bem sabendo que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e sem autorização do seu dono.
11) No dia 31 de Maio de 2008, pelas 18,00 horas, na Rua da Ranha, em Rio Tinto, o arguido B…………, acompanhado de um outro indivíduo cuja identidade não se apurou, abordaram G………….. e pediram-lhe um cigarro, tendo aquele respondido que não fumava.
12) Acto contínuo, o arguido B…………. e o outro indivíduo, aproximaram-se do ofendido G…………., manietaram-no, tendo o B.................. empurrado o ofendido contra a parede e exigiu-lhe que lhes entregasse o telemóvel e dinheiro, caso contrário o agrediam.
13) Atemorizado e receoso que os mesmos lhe fizessem mal, o ofendido G………… entregou-lhes o seu telemóvel da marca “Sony Ericsson”, modelo Z310i, no valor de €60,00, que os mesmos levaram consigo, fazendo-o coisa sua.
14) O arguido B.................. previu e quis agir do modo acima descrito, em conjugação de esforços e unidade de meios com o outro indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, com o propósito concretizado de assustar e afectar na sua liberdade o ofendido G………., com o fim de se apoderar e fazer seu o telemóvel que o mesmo possuía, bem sabendo que não lhe pertencia e que agia contra a vontade e sem autorização do seu dono.
15) No dia 25 de Julho de 2008, pelas 16,00, na Rua da Ranha, em Rio Tinto, junto ao Centro Comercial “Parque Nascente”, os arguidos B…………. e C…………., de comum acordo, aproximaram-se de H………….. e de I…………, colocando-se o arguido C………… à frente do H…………, retendo-o naquele local e gritando “dá-me o telemóvel”.
16) Atemorizado e receoso pela sua integridade física, H………… entregou-lhe o seu telemóvel da marca “Nokia”, modelo 5300 Music Edition, no valor de € 150,00, tendo-se ainda o arguido apropriado do casaco que aquele trazia vestido, da marca “Adidas”, de cor preta, no valor de € 25,00 e um chapéu da marca “Depply”, no valor de € 4,90.
17) Ao mesmo tempo, o arguido B………….. dirigiu-se a I………. e, de forma intimidatória, ordenou-lhe que lhe entregasse o seu telemóvel da marca “Nokia”, modelo 5300, no valor de € 150,00, o casaco da marca “Nike”, no valor de €80,00 e o chapéu da marca “Depply”, no valor de € 7,50.
18) Atemorizados e receosos que os mesmos lhes fizessem mal, os ofendidos H……….. e I……… entregaram-lhe aqueles bens, tendo-se os mesmos apoderado deles, fazendo-os coisas suas.
19) De seguida e antes de abandonarem o local, o arguido C.................. desferiu uma cabeçada no H………….., atingindo-o entre a testa, o nariz e os olhos.
20) Em consequência de tal agressão, o ofendido H……….. ficou molestado no seu corpo e saúde, tendo sido assistido no serviço de urgência do Hospital de S. João do Porto.
21) Os arguidos previram e quiseram agir do modo acima descrito, em conjugação de esforços e unidade de meios, com o propósito concretizado de assustar e afectar na sua liberdade os ofendidos H……….. e I……….., com o fim de se apoderarem e fazerem seus os objectos supra descritos, bem sabendo que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e sem autorização do seu dono.
22) Previu e quis ainda o arguido C.................. agir do modo acima descrito com o propósito concretizado de molestar o ofendido H……….. no seu corpo e saúde.

23) No dia 07 de Agosto de 2008, pelas 16,00 horas, na Rua da Ranha, em Rio Tinto, quando o ofendido J………….. seguia a pé em direcção ao mercado de Rio Tinto, o arguido B………… abordou-o e, de forma intimidatória, disse-lhe: “passa pra cá o telemóvel senão fodo-te já aqui”.
24) Receoso que o mesmo concretizasse a ameaça e temendo pela sua integridade física, dada a sua pouca idade, o ofendido J………… entregou-lhe o seu telemóvel da marca “Nokia”, modelo 6288, no valor de € 139,90, que o mesmo levou consigo, fazendo-o coisa sua.
25) O arguido B.................. previu e quis agir do modo acima descrito, em conjugação de esforços e unidade de meios com o outro indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, com o propósito concretizado de assustar e afectar na sua liberdade o ofendido Diogo, com o fim de se apoderar e fazer seu o telemóvel que o mesmo possuía, bem sabendo que não lhe pertencia e que agia contra a vontade e sem autorização do seu dono.
26) No dia 07 de Agosto de 2008, pelas 23,30 horas, no Largo do Mosteiro, em Rio Tinto, o arguido B…………., acompanhado de três indivíduos cuja identidade não se logrou identificar, abordaram o ofendido K………….., tendo um deles o manietado por um braço e costas, e disse-lhe: “Não dês muito estrilho, passa o telemóvel e a carteira”.
27) Acto contínuo, encostaram-no à parede da Igreja ali existente e enquanto que um dos indivíduos o revistava os outros rodearam-no e retiraram-lhe o telemóvel da marca “Nokia”, modelo N73, no valor de € 209,90 e a carteira e, após verificarem o conteúdo da carteira, devolveram-na ao ofendido.
28) De seguida o arguido e os restantes indivíduos ainda exigiram ao ofendido que lhe dissesse o código de segurança do cartão, tendo o mesmo dito qual o mencionado código, dado o estado atemorizado em que se encontrava.
29) Acto contínuo, o arguido B.................. e os restantes, abandonaram o local, levando o telemóvel e fazendo-o coisa sua.
30) O arguido B.................. previu e quis agir do modo acima descrito, em conjugação de esforços e unidade de meios com os restantes indivíduos, com o propósito concretizado de assustar e afectar na sua liberdade o ofendido K………., com o fim de se apoderar e fazer seu o telemóvel que o mesmo possuía, bem sabendo que não lhe pertencia e que agia contra a vontade e sem autorização do seu dono.
31) No dia 15 de Agosto de 2008, pelas 23,30 horas, numa paragem do autocarro, sita na Estrada Exterior da Circunvalação, em Gondomar, onde se encontravam E………… nascido a 27-11-1999, acompanhado de L………… e de M…………., os arguidos B…………. e C……………, empunhando uma faca, que não foi possível examinar, abordaram E………….. e exigiram-lhe a entrega do telemóvel.
32) A L…………. e a M………… ainda tentaram socorrer o E………….., tendo-se os arguidos revelado ainda mais agressivos.
33) Pois, acto contínuo, um dos arguidos apontou a faca à barriga da M………., ordenando-lhe que esta lhe entregasse o seu telemóvel, sendo que esta tinha no bolso um telemóvel da marca Siemens, no valor de €50,00.
34) De seguida, os arguidos dirigiram-se novamente a E…………., agarraram-no, encostaram-no à parede, manietando-o, tendo-lhe retirado os dois telemóveis que trazia no bolso das calças, da marca “Nokia”, sendo um deles do modelo 5200, apoderando-se dos mesmos, no valor global de cerca de € 150,00.
35) A seguir, os arguidos abandonaram o local, levando os ditos telemóveis consigo, fazendo-os coisas suas.
36) Os arguidos previram e quiseram agir do modo acima descrito, em conjugação de esforços e unidade de meios, com o propósito concretizado de assustar e afectar na sua liberdade o ofendido E.................., com o fim de se apoderarem e fazerem seus os telemóveis supra descritos, bem sabendo que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e sem autorização do seu dono.
37) Previram e quiseram ainda os arguidos, de comum acordo e em conjugação de esforços, agir da forma descrita, com o propósito que não lograram concretizar, de se apoderarem do telemóvel de M………….., bem sabendo que não lhes pertencia e que agia contra a vontade e sem autorização do seu dono.
38) No dia 18 de Agosto de 2008, pelas 12,00 horas, na Avenida Dr. Francisco Sá Carneiro, em Rio Tinto, junto às piscinas municipais, quando N…………. e O…………. seguiam a pé, começaram a ser seguidos pelo arguido B……………..
39) Por temerem que algo de mal lhes pudesse acontecer, dado que já tinham sido alertados por amigos que indivíduos praticavam roubos naquele local, começaram a correr, tentando despistar o arguido B………….
40) Todavia, momentos depois, o arguido B………….. conseguiu alcançar o ofendido E.................., agarrou-o pelo pescoço, deitou-o no chão com a cara para baixo e, enquanto com uma das mãos forçava a cara do ofendido E.................. contra o solo, com a outra tentou retirar-lhe o telemóvel da marca “Nokia”, modelo 5610, no valor de €170,00.
41) Como o ofendido N………. resistiu e entretanto circulavam vários veículos nas imediações, o arguido B……….. abandonou o local, levando consigo um saco com um par de sapatilhas da marca “Puma”, no valor de € 20,00, que o ofendido N………… trazia consigo, apoderando-se das mesmas e fazendo-as coisa sua.
42) O arguido previu e quis agir do modo acima descrito, com o propósito concretizado de assustar e afectar na sua liberdade o ofendido N……….., com o fim de se apoderar e fazer seus os objectos supra descritos, bem sabendo que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade e sem autorização do seu dono.
43) No dia 12 de Outubro de 2008, pelas 19,30 horas, na Rua da Ranha, junto à porta de saída do Centro Comercial “Parque Nascente”, em Rio Tinto, o ofendido ‘P……….. foi abordado pelo arguido C………… que lhe disse para o acompanhar para o exterior do Centro Comercial.
44) Perante a recusa do ofendido P……….., o arguido C……….. agarrou-o num braço e ameaçou-o, dizendo-lhe: “se não fores comigo a bem, vais mais tarde a mal, sabes que te vou voltar a encontrar”, ao mesmo tempo que o puxava para o exterior.
45) Receoso que o mesmo lhe fizesse mal e temendo pela sua integridade física, o ofendido P…………. acompanhou o C…………. para o exterior do Centro Comercial.
46) Aí chegados, o arguido C……….. desferiu vários socos e pontapés em várias partes do corpo do ofendido P…………, tendo o mesmo caído no solo inanimado, continuando o arguido a pontapeá-lo em várias partes do corpo, ao mesmo tempo que dizia: “foste queixar-te à polícia, filho da puta, agora vais pagar”.
47) De seguida, o arguido C.................. retirou-lhe o telemóvel da marca “Nokia”, modelo 5300, no valor de €80,00, que o mesmo tinha no bolso das calças levando-o consigo e fazendo-o coisa sua.
48) Em consequência das agressões de que foi vítima por parte do arguido, o ofendido P………….. ficou molestado no seu corpo e saúde, tendo que ser assistido no serviço de urgência do Hospital de S. João, para onde foi levado por uma ambulância do INEM, apresentando hematoma na região temporal direita, periorbitária direita, nariz e hemi-face esquerda.
49) O arguido previu e quis agir do modo acima descrito, com o propósito concretizado de assustar e afectar na sua liberdade o ofendido P…………, com o fim de se apoderar e fazer seu o telemóvel que o mesmo possuía, bem sabendo que não lhe pertencia e que agia contra a vontade e sem autorização do seu dono.
50) Previu e quis ainda o arguido C.................. agir do modo acima descrito com o propósito concretizado de molestar o ofendido P………… no seu corpo e saúde.
51) No dia 25 de Outubro de 2008, pelas 18,00 horas, na Estrada Exterior da Circunvalação, em Rio Tinto, junto ao Centro Comercial “Parque Nascente”, em Rio Tinto, o arguido B…………., acompanhado de um outro indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, abordaram os ofendidos Q………….. e R…………., quando estes se dirigiam para o interior do elevador daquele Centro Comercial.
52) De seguida, através de ameaça verbal de agressão física, o arguido e os outros indivíduos exigiram-lhes a entrega dos seus telemóveis.
53) Atemorizados e receosos pela sua integridade física, os ofendidos Q……….. e R……… entregaram-lhes os seus telemóveis que traziam consigo, sendo o do Q………. da marca “Nokia”, modelo 6280, no valor de € 150,00 e o do R……… da marca “Nokia”, modelo N80, no valor de €150,00.
54) Seguidamente, o arguido B.................. e o indivíduo que o acompanhava abandonaram o local, levando os mencionados telemóveis consigo e fazendo-os coisa sua.
55) O arguido previu e quis agir do modo acima descrito, em conjugação de esforços e unidade de meios com aquele indivíduo, com o propósito concretizado de assustar e afectar na sua liberdade os ofendidos Q……….. e R……….., com o fim de se apoderarem e fazerem seus os telemóveis supra descritos, bem sabendo que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e sem autorização do seu dono.
56) No dia 20/08/2008, pelas 15,00 horas, quando o ofendido e menor S………… seguia apeado na Quinta das Freiras, Rio Tinto, Gondomar, foi abordado pelo arguido B………… que, exibindo grande agressividade lhe disse: “Dá-me o telemóvel”, ao mesmo tempo que lhe apalpou as calças e retirou do bolso, contra a vontade do menor, assim tolhido, um telemóvel Nokia N73, no valor de cerca de € 219,70, propriedade daquele.
57) O menor S………… não esboçou qualquer resistência perante a atitude do arguido.
58) O arguido B………… agiu livre e lucidamente, querendo com a ameaça de uso de força física constranger o ofendido, que não pôde resistir e apoderar-se do telemóvel propriedade daquele, não obstante saber que assim incorria em ilícito criminal previsto e punido por lei.
59) Os arguidos agiram e forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e penalmente punidas.
60) O processo de desenvolvimento do arguido B…………. decorreu num contexto familiar carenciado e disfuncional, marcado pelo insucesso escolar, que condicionou a aquisição de competências básicas e pelo envolvimento no consumo de substâncias estupefacientes, contribuindo para vários contactos com o sistema penal.
61) O arguido B.................., no contexto prisional mantém um comportamento normativo, demonstrando interesse no desempenho de uma actividade laboral, denotando uma evolução positiva ao nível físico e psicológico, decorrente da abstinência do consumo de estupefacientes.
62) A ausência de enquadramento familiar e habitacional, a desvinculação recente do consumo de estupefacientes e os défices que possui ao nível das suas competências pessoais, sociais e profissionais são alguns dos factores de risco que poderão condicionar o seu processo de reinserção social.
63) O arguido B………….. apresenta um atraso mental ligeiro que, consideradas no seu conjunto, as pessoas com este nível de deficiência mental desenvolvem tipicamente competências sociais e de comunicação durante os anos pré-escolares (O aos 5 anos), têm deficiências mínimas nas áreas sensorimotoras e muitas vezes não se distinguem das crianças normais até idades posteriores.
64) Neste tipo de situações, os últimos anos das sua adolescência podem adquirir conhecimentos académicos ao nível do 9.° ano de escolaridade e durante a vida adulta poderão adquirir competências sociais e vocacionais adequadas a uma autonomia mínima, mas podem necessitar de apoio, orientação e assistência, quando sob stress social ou económico fora do habitual e com apoios adequados estes sujeitos podem viver normalmente na comunidade, nomeadamente de modo independente, porém, nem o atraso mental ligeiro nem a toxifilia múltipla podem ser considerados anomalias psíquicas graves.
65) O arguido B…………, na altura dos factos, encontrava-se capaz de avaliar a ilicitude dos factos e de se determinar por essa avaliação, embora o mesmo apresente uma personalidade indiferenciada/imatura, intelectualmente débil, com o défice potenciado pela injúria tóxica, condicionadora de discernimento, afectividade e volição, tirando alguma margem de manobra ao governo-de-si, apresentando um QI total e um QI de realização de 68 e um QI verbal de 61.
66) O arguido C………… desenvolveu-se num contexto socioeconómico e cultural degradado, familiarizado com as problemas do consumo tráfico de estupefacientes, no Bairro de S. João de Deus e na ausência, por abandono da figura materna desde cedo, tendo sido educado pelo progenitor com o apoio dos avós maternos, tendo sido educado com permissividade, sendo o seu processo escolar marcado pelo desinteresse, pela desmotivação/desinteresse, dos conteúdos académicos, absentismo e abandono escolar, tendo concluído o 7 ano com a idade de 15 anos, altura em que se inicia no consumo de haxixe.
67) O arguido C.................. dos 15 aos 18 anos permanece praticamente inactivo, ao nível laboral, o que contribui para o estabelecimento de relações com um grupo de pares conotado socialmente com práticas desviantes.
68) Face à emigração do seu progenitor, em Agosto de 2008, passou a viver sozinho, ocupando a residência daquele, tendo sido excluído de um curso de formação profissional que frequentava, por excesso de faltas, tendo igualmente abandonado as consultas que mantinha na Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência, permanecendo numa situação de total inactividade.
69) O arguido C.................., que não colaborou nas entrevistas para a elaboração do relatório social, deixou de fazer as apresentações regulares na esquadra policial.
70) O arguido B………… já foi condenado em 23/03/2009, no processo comum singular n.° 11 / 07.5SLPRT-A, transitada em julgado em 21 / 04/2009, pela prática de um crime de roubo, na pena de 13 meses de prisão e pela prática de um crime de roubo tentado, na pena de 6 meses de prisão e, em cúmulo, na pena única de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa pelo mesmo período, por factos de
27/02/2007.
71) Dos autos não resulta que o arguido C………. tenha antecedentes criminais.
72) Com os factos descritos, o assistente D……….., para além de dor e ferimentos, teve um sofrimento que o marcou e marcará durante toda a sua vida e que alterou toda a vida do assistente, para sempre.
73) Por tais factos o assistente sofreu e sofre vexame e vergonha, sendo tais factos do conhecimento da mãe, vizinhos, amigos e terceiros.”
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Factos não provados:
……………….
……………….
……………….
……………….
……………….
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Motivação da convicção do Tribunal:
“A convicção do tribunal sobre a matéria de facto apurada (provada e não provada), baseou-se:
A) Nas declarações:
1) do arguido B……….., que confessou parcialmente os factos, com pouca relevância para a descoberta da verdade, tendo referido ter trocado dois telemóveis de que se apropriou, por droga, de que se afirmou consumidor;
2) do arguido C……………, o qual apenas admitiu ter estado presente num dos episódios, negando ter praticado qualquer ilícito; 3) do assistente e lesado D…………., que referiu que nas circunstâncias de tempo e lugar referidos na matéria de facto provada, o arguido B………. exibiu uma navalha e, ameaçando-o de morte, apropriou-se de um telemóvel que lhe pertencia, no valor de € 40,00, de marca Motorola, tendo o assistente ficado com medo e, depois, o arguido, ainda munido da navalha obrigou-o a masturbá-lo e a fazer sexo oral, contra a sua vontade, tendo o arguido ejaculado; de seguida o arguido agrediu o assistente a murro, tendo este sangrado dos lábios o que obrigou este a receber tratamento hospitalar; em consequência destes factos o arguido ficou muito perturbado e teve acompanhamento médico e medicamentos tendo estes factos chegado ao conhecimento da sua mãe, de amigos, de vizinhos, o que muito o afectou e ainda afecta, pensando no ocorrido, com frequência;
B) No depoimento das testemunhas:
- T……………., que auxiliou o assistente D…………, quando o viu ferido, levou-o à esquadra, o D………… tinha o lábio a sangrar, o olho pisado, a mão com sangue, cheia de terra, chorava compulsivamente, estava nervoso, parecia uma criança;
- F………….., que referiu conhecer os arguidos e, no dia 03/02/2008 junto ao Parque Nascente, a um domingo, o arguido C.................. disse-lhe para lhe dar o telemóvel de marca Nokia (N70), que valia € 129,00 e estava novo e o arguido B.................. tirou-lhe um MP4, que valia € 45,00, com os arguidos estavam mais 3/4 indivíduos, não tendo a testemunha recuperado os objectos, a testemunha referiu que se sentiu forçada a dar-lhes os objectos, teve medo; referiu ainda a testemunha que (no dia 12/10/2008, ao fim da tarde), no Parque Nascente, o arguido C.................. lhe disse para ir com ele para lá para fora, deu-lhe bofetadas, um soco e pontapés e tirou-lhe o telemóvel, um Nokia 5300, no valor de € 80,00, tendo de seguida ido para o hospital numa ambulância do INEM;
- G…………, que referiu que nas circunstâncias de tempo e lugar referidos nos autos foi assaltado pelo arguido B.................., que referiu estar acompanhado do C.................., pediram-lhe um cigarro que a testemunha não tinha, por não fumar, ficou sem o telemóvel Sony Ericsson, no valor de € 60,00, que entregou por medo;
- H……………, de 15 anos de idade, que referiu que saía do Parque Nascente, de tarde, com o I………….., quando surgiram os arguidos, o B…………, que se dirigiu ao I………. e o C……….., que se dirigiu a si, tendo a testemunha entregue o seu telemóvel Nokia 5300, com o valor de € 150,00 e foi-lhe ainda retirado um boné e um casaco Adidas, no valor de € 30,00; por sua vez o arguido B………… apropriou-se de um telemóvel Nokia 3500, no valor de € 150,00 e de um chapéu e de um casaco Nike, no valor de € 80,00, que o Mauro tinha e que era seu, tendo ainda a testemunha levado uma cabeçada do arguido C.................., na testa, tendo recebido tratamento hospitalar;
- I…………, que seguia com a testemunha anterior e referiu que foram assaltados por volta das 16,00 horas pelos arguidos, tendo-lhe sido retirado o telemóvel Nokia 5300, que valia € 160,00, um casaco Nike, no valor de € 80,00 (pertença da testemunha anterior) e um boné, tendo os arguidos dito que se não lhes desse o telemóvel lhe batiam, a testemunha H……….., que é seu primo, levou uma cabeçada na cabeça, tendo ainda dito que se fizessem queixa lhes batiam, tendo referido que ao seu primo foi igualmente subtraído um telemóvel Nokia 53000, um casaco Adidas e um boné;
- J……….., que referiu que (nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas na matéria de facto provada) quando vinha a sair do Parque Nascente viu o arguido B.................. que lhe disse que se não lhe desse o telemóvel “o fodia”, querendo com essa expressão dizer que o agredia, ao mesmo tempo que fez um gesto semelhante a um murro, tendo a testemunha tido medo, tendo-lhe sido subtraído um telemóvel Nokia 6288, que valia mais de € 120,00, era novo;
- K…………, que referiu que há cerca de um ano, no Verão, no Largo da Igreja, em Rio Tinto, cerca da meia noite um grupo de rapazes o rodeou e disseram-lhe para dar o telemóvel, a testemunha apenas reconheceu o arguido B.................., agarraram-no e revistaram-no, tendo o arguido retirado um telemóvel Nokia N73, no valor de € 210,00 e a carteira, mas devolveram-lhe esta, ameaçaram-no de que se não entregasse aqueles objectos lhe batiam;
- L………….., que referiu que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na matéria de facto apurada, seguia com o seu irmão E……….. e a sua colega M…………. e exigiram-lhes os telemóveis, tendo o arguido C.................. mostrado uma faca de cozinha à sua amiga M…………. e exigido o telemóvel; por sua vez o arguido B.................. encostou o seu irmão à parede e tirou-lhe os telemóveis; o seu irmão tinha um Nokia 5200, valia € 120,00, o da sua colega era um Nokia e valia € 30,00, o seu irmão é que estava com os telemóveis;
- E…………, que tem 14 anos e é irmão da testemunha L………… e seguia com a L……….., a M……….. e o U…………., junto ao Parque Nascente quando surgiram os arguidos que lhes tiraram os telemóveis; os arguidos disseram para pararem e lhes darem os telemóveis, a sua irmã tentou acalmá-los mas o arguido B.................. exibiu uma faca de cozinha e encostou-o a si à parede; tiraram-lhe um telemóvel Nokia 5200, no valor de € 100,00 e um outro que valia cerca de € 30,00, ficaram com medo; o C.................. mostrou uma faca à M…………., os arguidos trocaram a faca entre si;
- M……….., que no dia 15/08/2008, dia em que fazia anos, saíram do Parque Nascente seguia a testemunha e a L………… à frente e o E……….. atrás, a testemunha foi ameaçada com uma faca de cozinha com uns 30 cm, pelo arguido C.................., a testemunha tinha um telemóvel Siemens E 65 que valia uns € 50,00, tendo o arguido B.................. encostado o E………… à parede; os arguidos apropriaram-se de dois telemóveis marca Nokia, sendo um 2600, com o valor de € 50,00 e o outro 5200, no valor de cento e poucos euros; referiu ainda que estiveram os dois arguidos com faca na mão;
- N…………, que tem 16 anos e seguia com a testemunha O………. quando, junto às piscinas municipais de Rio Tinto surgiu o arguido B.................. veio atrás de si, agarrou-o pelo pescoço e deitou-o ao chão, tentou tirar-lhe o telemóvel, um Nokia 5610, no valor de € 170,00, novo e a testemunha fugiu, tendo o arguido levado um saco com umas chuteiras no valor de € 20,00;
- O…………., que seguia com a testemunha anterior, foram ao Shopping comprar umas chuteiras no valor de € 20,00, vinham embora e junto às piscinas de Rio Tinto o seu colega foi atirado ao chão por um indivíduo cuja identidade não conseguiu apurar, que tentou tirar o telemóvel do N……….., um Nokia e não conseguiu e levou a saca com as chuteiras;
- V…………. que, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na matéria de facto, viu o arguido C.................. agredir o ofendido P…………. a murro e pontapé e tirou-lhe um telemóvel Nokia, tendo o ofendido recebido tratamento no Hospital de S. João;
- W…………., que é vigilante e referiu que se encontrava no Parque Nascente quando surgiu um indivíduo, que não logrou identificar, a dizer que estava ali um indivíduo que o tinha assaltado há uns dias e que era o arguido B..................;
- X…………, que é agente da PSP e referiu ter efectuado vigilâncias e verificou que o assistente D………. mostrava sofrimento e medo, não conseguia falar;
- Y………….., que é agente da PSP e interceptou o arguido B.................., tendo contactado algumas das vítimas;
- Z…………., que é agente da PSP e verificou que o assistente D…………. teve um grande sofrimento com os factos descritos na matéria de facto, sentiu vergonha e teve medo;
- S…………., que tem 16 anos e referiu que quando se encontrava na Quinta das Freiras, em Rio Tinto, nas circunstâncias de tempo descritas na matéria de facto provada, o arguido B.................. exibiu uma faca, que lhe apontou e disse-lhe para lhe dar o telemóvel, o que a testemunha fez entregando-lhe o seu telemóvel, Nokia N73, no valor de cerca de € 210,00;
- BB……….., que é mãe do S…………. (testemunha anterior) e apresentou queixa e referiu que o seu filho ficou muito transtornado e que o telemóvel valia cerca de € 210,00 e tinha sido comprado pelo seu filho;
- Q…………, que referiu que no dia 25/10/2008, pelas 18,00 horas foi assaltado nas traseiras do Parque Nascente, seguia com o R……….., entraram no elevador e entraram dois indivíduos, um dos quais reconheceu na polícia, que lhe exigiram o seu telemóvel Nokia 6280, que valia € 150,00 e ao R……….. tiraram um telemóvel Nokia N80, no valor de € 150,00, a testemunha tentou resistir mas os indivíduos disseram que se resistisse lhe batiam;
- R……………, que seguia com a testemunha anterior, Q………….. e, em Outubro de 2008, ao fim da tarde referiu que num elevador do Parque Nascente o arguido B.................. abordou-os, ia com outro indivíduo e exigiu-lhes o telemóvel ameaçando-os de lhes bater se não lhe dessem os telemóveis, tendo a testemunha entregue um Nokia N80, no valor de € 150,00 e o seu colega ficou sem um outro Nokia;
- BC……….., que é mãe do D……….. e referiu que o comportamento do mesmo nunca mais foi o mesmo desde a ocorrência dos factos, o comportamento dele alterou-se, o seu filho era calmo, passou a ser nervoso, fica perturbado quando vê programas de televisão que lhe lembram o que aconteceu, fala de noite, teve necessidade de acompanhamento no hospital, é uma pessoa revoltada, isto vai afectá-lo para toda a vida, agora convive pouco com os amigos;
- BD…………, que vive com a mãe do assistente e referiu que o D…………, na data da ocorrência dos factos chegou a casa a chorar, tendo contado o que se passou e ficou chocado, ainda hoje sente vergonha, agora já não sai com os amigos, passou a andar mais com a mãe, perdeu a alegria, nunca mais foi o mesmo.
As testemunhas referidas depuseram, globalmente, de forma credível e coerente relativamente aos factos de que tiveram conhecimento directo, por forma a convencerem o tribunal.
C) Baseou-se ainda o tribunal no teor dos documentos juntos aos autos e, nomeadamente, nos de fls. 3 a 4, 25 a 27, 76 e v.º, 81 a 82, 95 e v.º, 99 e3 v.º, 104 e v.º, 110 a 112 v.º, 173 a 187, do 1.º volume, 2 e v.º do 2.º volume, 263 e v.º, 272 e v.º, 278 e v.º, 282 e v.º, 295 e43 v.º, 312 e v.º, 316, 387 a 388, 406 e v.º, 416 e v.º, 421, 525ª 526 v.º, 611 a 612, 651 a 652 e, ainda de fls. 3e v.º do PC singular n.º 773/08.2PJPRT, autos de reconhecimento pessoal de fls. 74 a 75, 79 a 80, 91 a 94, 97 a 98, 102 a 103, 108 a 109, 131 a 132, 140 a 141, 147 a 148, 154 a 155, 442 a 455, 457 a 463, 542 a 545 e, ainda de fls. 17 a 18 do PC singular n.º 773/08.2PJPRT, relatório de perícia médico-legal de fls. 11 a 15, 560 a 564, relatório de exame médico-legal psiquiátrico de fls. 885 a 892, relatório pericial de fls. 565 a 567, relatórios sociais de fls. 603 a 605, 823 a 826 e 852 a 855 e certificados de registo criminal.
(…)”
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……………
……………
…………..
…………..
…………..
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Colhidos os Vistos, efectuada a Conferência, na deliberação, o Sr. Juiz Relator ficou vencido, incumbindo ao presente a redacção do Acórdão, de acordo com as posições que obtiveram vencimento.
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Sob revisão por este Tribunal está a actividade Jurisdicional de Julgamento levada a cabo neste processo, em que, no que respeita ao recorrente C…………, estão em causa factos que determinaram a condenação do mesmo pela prática, em concurso real, de cinco crimes de roubo e um crime de ofensa à integridade física.
Foi um Julgamento com alguma complexidade, pela extensão e número dos acontecimentos sob apreciação.
E, da leitura da decisão produzida e do recurso a que deu lugar, desde logo se evidencia uma diferença considerável, enquanto peças de cariz técnico-jurídico, no que respeita à sua construção e rigor da terminologia jurídica utilizada.
Mostra-se, assim, apropriado relembrar que sobre o requerimento do recurso também impendem – quer na impugnação da matéria de facto, quer na de Direito – exigências de cariz técnico-jurídico, nomeadamente na correcta utilização dos conceitos jurídico-processuais próprios do nosso Ordenamento Jurídico, e na formulação de uma motivação e conclusões (de que deverão ser a síntese e que, no caso, pouco diminuíram na sua extensão, mesmo depois de emendadas), onde as questões surjam devidamente separadas, com uma arrumação lógica, por forma a ser indicadas com clareza e precisão as razões de facto e de Direito por que se pede o provimento do recurso.
Todavia, essa incorrecta utilização dos conceitos jurídico-processuais penais invocados, e a confusa e dispersa enunciação, não podem redundar em benefício do recorrente; daí que seja Jurisprudência assente a nível dos Tribunais Superiores não deverem ser confundidas questões com argumentos, ou modos de exposição. Isto é, o Tribunal de Recurso não está vinculado a esgotar a análise de argumentos, mas, apenas, a explicitar e considerar todas as questões que devam ser conhecidas, e só essas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente.
Apresenta-se, pois, como primeira tarefa deste Tribunal, o conferir uma enunciação e sequência lógica às questões, efectivamente suscitadas nas conclusões, apresentadas após o despacho que determinou a sua emenda e que delimitam o objecto do recurso:
Vícios formais
- nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia sobre «a defesa escrita» do recorrente, «relativamente à alteração da qualificação jurídica»;
- nulidade do Acórdão, «por violação do dever de fundamentação do art. 374º, nº2 do CPP»;
- nulidade do Acórdão por «não se mostrar fundamentado, por falta da devida avaliação do conjunto dos factos e da sua personalidade», quanto às penas parcelares e à fixação da pena conjunta.
Em matéria de facto
- impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- vícios da decisão sobre a matéria de facto previstos no art. 410º, nº 2, als. a) e c) do CPP;
- violação do princípio in dubio pro reo;
- violação do princípio da livre apreciação da prova.
Em matéria de Direito
- qualificação jurídica do crime de ofensas à integridade física;
- não aplicação do «regime especial para jovens delinquentes»;
- Caso assim se não entenda, pretende a atenuação especial da pena do art.º 72º, escrevendo «deve a moldura penal ser especialmente atenuada nos termos do artigo 72° do Código Penal, devendo a mesma ser suspensa na sua execução, se necessário com regime de prova, nos termos do artigo 50º e seguintes do Código Penal».
- espécie da pena aplicada ao crime de ofensas à integridade física;
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Vícios formais.
Invocada nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia sobre «a defesa escrita» do recorrente, «relativamente à alteração da qualificação jurídica».
O recorrente não apresentou qualquer defesa escrita, o que é expresso no relatório do Acórdão, onde é feita referência à contestação do B…………. e a seguir se relata que “O arguido C………… não apresentou contestação escrita”.
No que respeita à alteração da qualificação jurídica de factos constantes da acusação, operada numa das sessões da Audiência, na Acta da sessão de 18/06/2009, o que consta é o seguinte:
“Neste momento, pelo Senhor Procurador da República foi pedida a palavra e tendo-lhe sido concedida, no seu uso disse:
Face às declarações das testemunhas acabadas de ouvir requeiro que se aditem à acusação, no parágrafo quatro de fls. 634, onde se diz ‘Pois, acto contínuo, …ordenando-lhe que esta lhe entregasse o seu telemóvel’ se adite ‘sendo que tinha no bolso das calças um telemóvel da marca Siemens, no valor de €50 euros.’.
Mais se requer que se proceda eventualmente à requalificação jurídica em relação aos factos de que foi alvo E……….., nos termos do art.º 358º, nºs 1 e 3, do C.P. Penal, pois os mesmos factos integram a meu ver, um crime de roubo agravado, p. e p., no art.º 210º, nº2, al. b) e 204º, nº2, al. f), ambos do C. Penal, só não se verificando idêntica agravação ao crime de roubo tentado de que foi alvo M………….., face ao disposto no art.º 202º, al. c) e 204º, nº4, do C. Penal.”
A que se segue o seguinte despacho:
“Atentas as razões invocadas pelo Exmo. Senhor Procurador da República, julgo as mesmas procedentes e determino que se adite o facto referido, bem como se proceda à alteração da qualificação jurídica nos termos indicados, comunicando-se tal alteração aos arguidos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 358.º, n.ºs 1 e 3, do C.P.Penal.”.
Esta alteração foi, obviamente, comunicada no momento ao arguido e seu mandatário, presentes na Audiência, tendo este pedido prazo para a preparação da defesa.
Defesa que teria de ser sempre oral, em Audiência, visto que é esse o princípio (da oralidade) pelo qual a mesma se rege (embora pudesse ficar registada em Acta).
Mas, não se encontrada registada qualquer oposição, tendo o despacho em questão transitado em julgado, constituindo questão intraprocessual decidida (caso julgado formal).
Carece, pois, de sentido invocar uma omissão de pronúncia por parte do Tribunal, a esse respeito.
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Invocada nulidade do Acórdão, «por violação do dever de fundamentação do art. 374º, nº2 do CPP».
Afirma o recorrente que o Tribunal não fez «o exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção».
A exigência de, na fundamentação da Sentença, constar um “exame crítico das provas”, não constava da versão original do Código de Processo Penal de 1987. Foi apenas estabelecida a partir de 01/01/1999, com a entrada em vigor da Lei nº 59/98, que procedeu à segunda revisão do CPP (na sequência de algumas decisões de inconstitucionalidade com fundamento na violação do direito ao recurso, da interpretação do nº2 do artigo 374º do CPP de 87 que considerava suficiente para cumprir o dever de fundamentação a simples indicação dos meios de prova utilizados para formar a convicção do Julgador).
A expressão utilizada - até aí inédita no nosso Processo Penal -, tem vindo a ser sujeita às mais díspares interpretações (inculcando a ideia de que não será a mais precisa e adequada).
Parece ser pacífico, no entanto, que com a mesma se pretende incrementar a produção de uma decisão ajustada à verdade material, assegurar a sua compreensibilidade, quer pelos sujeitos processuais: permitindo a sua impugnação e revisão por uma Instância superior (assim assegurando o duplo grau de jurisdição em matéria de facto); quer pela generalidade dos cidadãos: tendo em vista a imprescindível transparência da acção da Justiça, num Estado de Direito Democrático.
Tal mostrar-se-á cumprido, com a referenciação de todos os meios de prova que o Julgador analisou, comparou e conjugou para formular a sua convicção; tratando-se de meios de prova orais, essa explicitação deve ser efectuada com indicação da sua razão de ciência e razão por que lhe foi atribuída credibilidade (no todo ou em parte); tratando-se de meios de prova escritos, essa explicitação deve ser concretizada através da referenciação do tipo de documento e da sua localização nos autos (por forma a permitir o seu cotejo com os factos provados a que se reporta).
É imprescindível ter sempre presente - e a experiência Judiciária é nesse particular fundamental - a forma como se desenrola a apreciação da prova pelo Julgador em Audiência, devendo este (seja singular ou colectivo) formular a sua convicção, gradualmente, à medida que vai apreendendo, conjugando e comparando todos os meios de prova que vão sendo produzidos. É um processo raciocinativo insusceptível, pela sua própria natureza exclusivamente intelectual, de uma explicitação detalhada, em todos os seus pontos.
Daí que não se mostre acertado – em nosso entender – exigir um relato exaustivo do conteúdo dos meios de prova produzidos e de todos os raciocínios efectuados na formulação da convicção; tal não ajuda à compreensão do processo de formulação da decisão, antes pelo contrário, resulta numa intolerável subjectivização da decisão que dificulta a sua apreensão, e em nada garante a produção de uma decisão mais justa.
Da análise da decisão, aqui em causa, alcança-se que o Julgador referencia – de forma bastante alargada – as declarações orais prestadas, donde se extrai a respectiva razão de ciência, sendo indicado no final a credibilidade que lhes foi atribuída.
É ainda indicada a prova documental que, conjugada com a oral serviu para fundamentar a convicção do Julgador, referenciando-se adequadamente a sua localização nos Autos e – em relação a parte dela – assinalando-se a que se reporta, designadamente os Autos de reconhecimento pessoal e os relatórios periciais.
Esta explicitação, aliás, extensa – não sendo exemplar -, permite colher as razões do decidido; exigir uma fundamentação ainda maior, constitui uma exigência formal desproporcionada e excessiva, numa altura em que as decisões já padecem (por mais simples que o caso se apresente) de desmedida extensão, em prejuízo da respectiva compreensibilidade e – por vezes – ajustamento à verdade material.
As exigências formais, não existem por si, têm de ser interpretadas e apreciadas à luz das suas finalidades.
As acima assinaladas finalidades da fundamentação em causa, mostram-se, desde já, em parte, preenchidas:
- a decisão sobre a matéria de facto foi objecto impugnação (a boa ou a má qualidade da mesma, não poderá ser atribuída ao modo como essa decisão foi fundamentada);
- o decidido irá ser objecto de revisão por este Tribunal, assim se garantindo e efectivando o duplo grau de jurisdição em matéria de facto.
Em conclusão, a arguida nulidade mostra-se inexistente.
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Invocada nulidade do Acórdão por «não se mostrar fundamentado, por falta da devida avaliação do conjunto dos factos e da sua personalidade», quanto às penas parcelares e à fixação da pena conjunta.
Da fundamentação do Acórdão resulta ter sido ponderado - em relação às penas parcelares – o grau de ilicitude, por referenciação ao seu modo de execução, valores subtraídos, e danos causados, sendo ainda extensamente referidos os factores de medida da pena atinentes ao percurso de vida e personalidade do recorrente.
Na fixação da pena única são ponderados em conjunto os factos e a personalidade do recorrente, o que constitui o exigido por Lei.
Esta fundamentação permite a compreensão do decidido, e possibilita a sua impugnação (não se mostrando, pois, intoleravelmente violado o direito de defesa do condenado).
Impugnação a que, como iremos ver noutro segmento desta decisão, o recorrente não procede, embora o pudesse ter feito (a medida da pena surge apenas aludida na argumentação para a aplicação do regime especial para jovens delinquentes, qualificando-a de «excessiva por não servir o fim de prevenção especial»).
A sua anulação, pelos motivos pretendidos pelo recorrente, representaria – em nosso entender - uma “exigência formalista exacerbada”, em prejuízo da produção de uma decisão ajustada, quer do ponto de vista fáctico, quer do ponto de vista da aplicação da sanção, em tempo razoável.
Em conclusão, também esta invocada nulidade se mostra inexistente.
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Recurso em matéria de facto.
Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Da extensa peça de recurso, onde surgem misturadas questões de facto e questões de Direito, a par da mais diversa argumentação, numa exposição errática e difusa, é possível colher-se - tal como resulta das questões inicialmente enunciadas – uma impugnação, válida, do decidido quanto a alguns pontos de facto.
É imprescindível, no entanto, iniciar a sua análise, com a enunciação de alguns factores inerentes à apreciação da prova em Audiência:
- o Julgador analisa e conjuga todos os meios de prova produzidos ou analisados em Audiência, e não somente os meios de prova orais;
- na apreciação da veracidade e verosimilhança de umas declarações ou de um testemunho, concorrem uma multiplicidade de factores, muitos deles só apreensíveis através da imediação, não tendo de ser julgados válidos ou inválidos no seu todo, podendo merecer crédito, nalgumas partes e noutras, não;
- as vítimas de crimes violentos (como é o caso dos roubos), foram sujeitas a uma experiência traumática, o que pode gerar – para além do mais – factores inibidores da memória, não lhes sendo exigível que reproduzam em pormenor toda a sequência da acção, nomeadamente em casos (como o dos autos) em que tudo se passa com rapidez;
- a essa experiência traumática segue-se a necessidade de reproduzir – por vezes, muito tempo depois – em Audiência, o ocorrido, o que, por vezes, representa outra experiência, também ela ansiogénica, e que pode conduzir a um discurso impreciso e hesitante;
- as imprecisões, as faltas de memória e, por vezes, as pequenas discrepâncias que ocorrem nesses depoimentos, têm de ser apreciadas e analisadas no descrito contexto; acrescendo que, algumas delas resultam da forma como as perguntas sobre o ocorrido são colocadas, e da repetição das mesmas, sob diversas formas, pelos diversos intervenientes processuais (é adequado relembrar-se que, ao Presidente, no cumprimento do dever de disciplina e direcção da Audiência, incumbe evitar perguntas repetitivas, capciosas, que induzam em erro a testemunha ou potenciem respostas imprecisas da mesma).
Regressando ao recurso sob apreciação, a ideia que se logra colher da sua já referenciada argumentação, é que se pretende impugnar alguns dos pontos de facto, não negando a sua ocorrência, mas sim estribando-se, no tocante à sua descrição, naquilo que qualifica de «contradições» nos depoimentos das vítimas.
Por outro lado, padece o mesmo, logo à partida, de uma grave deficiência: a prova documental é ignorada, por completo. Nenhuma referência é feita à mesma.
Ora, no tocante aos ponto de facto impugnados – como se irá ver a seguir – os Autos de reconhecimento pessoal, constantes dos autos, constituem um meio de prova de enorme relevância.
Passando à análise dos pontos de facto, validamente impugnados, estes são os descritos sob os números: 9, 10, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 22, 43, 44, 45, 46, 47 e 49.
Começando pelos factos descritos sob os nºs 9 e 10, indica como provas que impõem decisão diversa (a sua não prova), o depoimento do P……….. e – noutro local da peça - as declarações do co-arguido B………...
Nestes factos descreve-se, em síntese, que em 03/02/2008, junto ao Centro Comercial “Parque Nascente”, em Rio Tinto, o C……….. e o B…………… (acompanhados de 4 outros indivíduos) rodearam o P…………, tendo-lhe o B………. “arrancado” o telemóvel, e o recorrente retirado um “MP4”.
Efectivamente, o co-arguido B……….. assume a sua acção, mas nega a do recorrente (à semelhança do que faz em todos os casos de co-autoria).
Porém, existe prova documental a esse respeito, consistente no auto de reconhecimento pessoal de fls 442 e 443, em que a vítima reconhece o recorrente como autor dos factos.
E, em Audiência, a vítima P…………., no seu depoimento, descreve – ainda que algumas hesitações – o ocorrido e indica o recorrente e o seu co-arguido B……….. como autores dos factos (“foram estes dois indivíduos que estão aqui?” (…) “Sim, sim, eu reconheço-os”. (…) “Era o B……….., era o C………. e eram mais 3 ou 4 indivíduos que eu não sei quem eram”).
Em conclusão, não subsistem dúvidas que os factos foram praticados pelo B………….. e pelo recorrente.
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Quanto aos factos nºs 15, 16, 18, 19, 20, 21, 22, indica como provas que impõem decisão diversa os depoimentos do H………… e do I………… «por serem contraditórios».
Nestes factos, descreve-se, em síntese, que no dia 25/07/2008, pelas 16.00h, junto ao C.C. “Parque Nascente”, o recorrente e o B………… abordaram o I……….. e o H…………. e apoderaram-se dos respectivos telemóveis, casacos e um chapéus, tendo o recorrente “desferido uma cabeçada no H…………, atingindo-o entre a testa, o nariz e os olhos”.
Como prova documental de grande relevância, temos os autos de reconhecimento do recorrente como participante nos factos, efectuados pelas vítimas H……….. (fls. 444/445) e I…………. (fls.446/447).
Afirma-se na peça de recurso que o co-arguido B…………. «nega a intervenção» do recorrente, que a vítima H………… afirmou não conhecer «os indivíduos que ali estavam», mas mais à frente no seu depoimento terá referido os seus nomes (concluindo que «se não os conhecia, como soube os seus nomes») e referiu ainda que o número de indivíduos eram dois, enquanto o I………….. referiu que o número de indivíduos era quatro.
Classifica ainda de «estranha coincidência os objectos roubados serem praticamente os mesmos» (telemóveis, casacos e chapéus).
Não há contradições nos dois depoimentos, há apenas divergências quanto a pormenores, o que é, pelas razões já expostas, aceitável.
O I…………, ao descrever espontaneamente o acontecimento, refere que o número de indivíduos era 4, e que só dois deles (C………. e B………..) o abordaram a si e ao seu primo.
É verdade que o H………… não refere a existência de 4 indivíduos, descrevendo apenas aqueles (C.................. e B..................) que participaram no roubo, mas também não é questionado a respeito da existência de outros indivíduos.
Fundamental é que, acerca do essencial, a acção do recorrente e do B…………, não há divergência, há consonância.
Quanto à «coincidência» dos objectos, é evidente que a argumentação é “disparatada”, sendo do conhecimento comum que os telemóveis são um objecto de uso massificado e que as roupas dos adolescentes, ainda por cima primos e amigos, são do mesmo tipo.
Finalmente quanto à afirmação do H………… de que não os conhecia, e posteriormente, ter referido os nomes. O que resulta do depoimento do H………… é que não os conhecia pessoalmente, aquando do ocorrido, mas os reconhecia como autores dos factos (“Não, não conheço.”; “Mas recorda-se deles dos factos que aconteceram consigo.”; “Sim”). E, é evidente que após todo o procedimento em Inquérito e para Audiência os nomes dos arguidos lhe sejam familiares (“O C.................. veio para mim, não é… E o B.................. foi para o meu primo”).
Em conclusão, não subsistem dúvidas que tais ocorreram e foram praticados pelo B…………. e pelo recorrente.
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No que respeita aos factos descritos sob os nºs 43, 44, 45, 46, 47 e 49, o recorrente indica como provas que impõem decisão diversa os depoimentos do P………… e do V………., «por serem contraditórios».
Nestes factos descreve-se, em síntese, que no dia 12/10/2008, à porta de saída do C.C. “Parque Nascente”, o recorrente abordou, novamente, o P…………, agarrou-o no braço e, ameaçando-o, puxou-o para fora do Centro Comercial, deu-lhe vários socos e pontapés e apoderou-se de um telemóvel.
Neste caso, à semelhança dos anteriores, como prova documental temos os autos de reconhecimento pessoal (fls.442/443) em que a vítima P…………. reconhece o C……….. como autor dos factos, e o auto de reconhecimento pessoal (fls. 454/455) em que a testemunha presencial V………… reconhece o recorrente como o autor do roubo perpetrado sobre o seu amigo P………….
Quanto às discrepância na sequência da acção, o que resulta seguro de ambos os depoimentos é que a vítima foi forçada a sair do Centro Comercial, foi agredido “a soco e pontapés”, tendo-se o recorrente apoderado do telemóvel e tendo a vítima recebido tratamento em consequência das agressões, no Hospital de S. João, o que corresponde à descrição efectuada na decisão sobre a matéria de facto.
Em conclusão, não subsistem dúvidas que os factos em causa ocorreram e foram praticados pelo recorrente.
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Quanto aos factos descritos sob os nºs 31, 32, 33,34,35,36, 37, embora anteriormente não fossem referidos, eles acabam por ser incluídos na conclusão «3.16», em conjunto com os anteriormente analisados, por «estarem em contradição com os depoimentos das testemunhas ou dos arguidos».
Porém, em relação a estes factos, o que se verifica é que confundindo a matéria de facto com as questões de Direito, o que o recorrente faz é contestar a qualificação do crime de roubo, tentado, escrevendo-se que das declarações da testemunha M…………, resultaria uma «desistência da tentativa».
É evidente que esta impugnação neste segmento não tem o mínimo de fundamentação para poder ser objecto de análise, não indicando, concretizadamente, os meios de prova que imporiam decisão diversa ou os factos que deveriam ser considerados provados em vez dos constantes da decisão recorrida, para integrar a tal «desistência da tentativa».
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Invocados vícios da decisão sobre a matéria de facto previstos no art. 410º, nº 2, als. a) e c) do CPP.
Pretendendo-se na peça de recurso – pela forma analisada – impugnar a decisão sobre a matéria de facto, e a isso se dedica grande parte do seu teor, nela surgem misturadas invocações da existência dos vícios previstos no art. 410º, nº2, als. a) e c) do CPP (que têm de resultar do texto da Sentença), escrevendo-se que o faz «com base nos mesmo depoimentos (arguidos e testemunhas)» (cl. 4 – aludindo ao exposto «nos números 50 a 54 e 57 a 59 do quesito 6º das Motivações deste Recurso», acrescentando na cl. 4.2 que fundamenta «tais vícios em supostos erros de julgamento da matéria de facto, que sustenta com recurso a depoimentos prestados nas audiências de julgamento»).
Não nos detendo sequer neste quase ininteligível encadeado de remissões, tal como resulta da revista alargada da decisão sobre a matéria de facto (obviamente que a análise do mais, comporta a análise do menos), a decisão não enferma dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova, que se lhe atribuem.
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Invocada violação do princípio in dubio pro reo.
Este princípio do Direito Probatório é usado pelo recorrente – aproveitando o Latim que parece conhecer – et ab hic, et hab hoc, ou seja, a propósito de tudo: a expressão é repetida, pelo menos, por 46 vezes (29 na motivação, 17 nas conclusões).
Ora, ao contrário do pretendido, o mesmo não se traduz num sistemático favorecimento do réu, circunscrevendo-se à apreciação da matéria de facto, com o seguinte significado: ficando o Tribunal, após a produção das provas, na dúvida sobre se determinado facto se provou, essa dúvida tem de ser resolvida a favor da defesa, considerando-se o facto não provado, se tal o favorecer.
Este princípio é «a expressão dum dos momentos fundamentais da intenção jurídica (“de direito”) do processo criminal – da sua intenção de justiça e de verdade material» - Castanheira Neves, Sumários de Proc. Criminal, 1968, pág. 58 -, pelo que, da sua aplicação nunca pode resultar uma descrição dos factos violadora das regras do raciocínio lógico-dedutivo, ou do senso comum.
Da leitura do texto da decisão não resulta que o Julgador tenha ficado na dúvida acerca da ocorrência de algum facto e que, nessa dúvida, o tenha considerado provado.
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Invocada violação do princípio da livre apreciação da prova.
A par da repetida invocação da violação do princípio in dubio pro reo, surge igualmente uma constante referência ao princípio da livre apreciação da prova, chegando-se ao ponto de estabelecer uma relação hierárquica entre ambos, «sendo que o princípio "in dubio pro reo" é um dos princípios estruturantes do processo penal, ao qual a regra da livre apreciação da prova está sujeita» (cls. 2.26).
Este princípio que tem expressão no art.127º do CPP, significa que não há critérios legais acerca do valor a atribuir às provas que o Julgador deverá valorar, livremente, segundo a sua convicção, e tem por oposto o princípio da prova vinculada (ou legal).
Não se vê como este princípio se mostra violado na decisão recorrida, onde o Julgador explicita a livre convicção que formulou com base nas provas produzidas ou analisadas em Audiência (sendo que o que no recurso se pretende atacar é, precisamente, essa convicção, formada livremente, mas em sentido desfavorável ao recorrente).
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Em conclusão, o recurso mostra-se totalmente improcedente em matéria e facto, devendo a mesma ser considerada assente.
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Recurso em matéria de Direito.
Qualificação jurídica do crime de ofensa à integridade física.
Os factos integrantes do crime de ofensa à integridade física são os descritos sob os nºs 19, 20 e 22, de que foi vítima o H……….., em 25/07/2008, e consubstanciam-se no seguinte, após consumado o roubo, o recorrente, antes de abandonar o local “desferiu uma cabeçada no H……….., atingindo-o entre a testa, o nariz e os olhos”, tendo, em consequência dessa agressão, a vítima sido assistida no serviço de urgência do Hospital de S. João do Porto.
Não existe uma relação de absorção entre este crime e o de roubo, uma vez que as agressões não foram perpetradas para consumar o roubo, mas sim depois da consumação deste, requerendo uma punição autónoma.
Na peça de recurso confundem-se os factos integrantes do mesmo, fazendo-se referência à «situação de 12.10.2008 (de que foi vítima o P…………) ao ser absolvido da prática de um crime de roubo, «não pode ser condenado por um crime de ofensas à integridade física», mas «o contrário, também é válido» (cl. 3,12 e 3.13)».
Em conclusão, a matéria de facto provada integra a prática, em concurso real, dos crimes de roubo (um na forma tentada) e ofensa à integridade física, por cuja prática o recorrente foi condenado.
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- não aplicação do «regime especial para jovens delinquentes»;
Denominado de «Despacho» o segmento da decisão que a esse respeito se refere, regressando a uma suposta falta de «exame crítico das provas produzidas em julgamento, parece insuficiente este mero despacho sem que o Tribunal a quo objective de facto e de direito sobre as razões in concreto o levaram a não aplicar o regime especial» (cl. 6.2), acabando por propor a sua aplicação por entender «estarem preenchidos os pressupostos de aplicação do regime de jovens delinquentes, quer formais, dado o recorrente ter à data dos factos 19 anos de idade, quer substanciais dado o recorrente estar actualmente inserido socialmente e familiarmente, nos termos referidos nos números 12 a 14 do quesito 9º das Motivações deste Recurso» (cl. 6.3).
A respeito do seu afastamento é a seguinte a fundamentação:
“Antes de entrar propriamente na determinação da medida concreta das penas, poder-se-á colocar a questão de se saber se deverá ser aplicável aos arguidos que à data da prática dos crimes tinham completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21, o regime penal para jovens, constante do Decreto-Lei n.° 401/82, de 23/09.
Conforme se refere no Acórdão do STJ de 14-5-2003 (recurso 03P518), “(...) subjazem aos objectivos do regime especial dos jovens imputáveis, com idades compreendidas entre os 16 e os 21 anos, constante desse diploma, relevantes interesses públicos de justiça e de política criminal.
Resulta expressivamente do preâmbulo do Decreto-Lei n.° 401/82 que esses objectivos se traduzem no intuito de, sempre que possível e adequado às exigências concretas de prevenção especial e geral, se optar, relativamente aos jovens imputáveis, por medidas ou sanções que, tendo em conta o processo real de desenvolvimento do jovem, promovam a sua responsabilização e socialização ou ressocialização sem os referidos riscos evitáveis de efeitos criminógenos de estigmatização e de marginalização frequentemente ligados às medidas institucionais, designadamente às penas de prisão
Em harmonia com tais objectivos, esse regime especial prescreve, além do mais, no seu artigo 4.° que, no caso de ser de aplicar pena de prisão, ela deve ser especialmente atenuada - independentemente da verificação das circunstâncias com os efeitos previstos na segunda parte do n.° 1 do art. 72.° do Código Penal, indicadas, a título exemplificativo, no n.° 2 deste artigo - sempre que o Tribunal tenha sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado (...)“.
Ora, dos autos não resultam quaisquer elementos que permitam concluir pela existência de sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social dos arguidos (artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 401/82, de 23/09), como resulta, nomeadamente, do número e gravidade objectiva e subjectiva dos crimes praticados pelos arguidos, motivo pelo qual se entende não ser de aplicar tal regime.”
Tal como se pode alcançar da fundamentação transcrita, são razões de prevenção geral e especial, derivadas da gravidade dos crimes praticados, que conduzem ao afastamento da aplicação desse regime.
Com efeito, a aplicação desse regime impõe sempre a sua compatibilização com o interesse oposto da Colectividade, na prevenção e punição da criminalidade, na segurança e tranquilidade dos cidadãos, no assegurar da paz pública.
Isso mesmo resulta, com clareza, do Preâmbulo do DL 401/82, de 23/09 (objecto, aliás, de adequada citação no Acórdão): «Trata-se, em suma, de instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da Comunidade (…)».
No caso, para além do assinalável grau de ilicitude dos factos praticados pelo recorrente, têm de se ter presentes as exigências de prevenção geral, resultantes da insegurança provocada na comunidade pela prática destes crimes, com violência sobre as pessoas.
Em conclusão, a decisão de não aplicação, no caso, do regime especial para jovens delinquentes – nomeadamente da atenuação especial da moldura abstracta da pena que o mesmo comporta - não merece censura.
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Invocada pretensão, subsidiária, de aplicação da atenuação especial da pena do art.º 72º, escrevendo «deve a moldura penal ser especialmente atenuada nos termos do artigo 72° do Código Penal, devendo a mesma ser suspensa na sua execução, se necessário com regime de prova, nos termos do artigo 50º e seguintes do Código Penal».
Esta pretensão não tem qualquer fundamento válido, face à natureza e grau de ilicitude da actividade criminosa sob punição, e à culpa manifestada pelo recorrente na sua prática.
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Espécie da pena do crime de ofensa à integridade física, pretendendo o recorrente que seja aplicada pena de multa.
Também não tem qualquer fundamento esta pretensão, face ao contexto em que as mesmas foram praticadas, na sequência da consumação de um crime de roubo, não se mostrando adequada às finalidades retributiva e restaurativa da punição a aplicação de uma pena não privativa da liberdade.
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Quanto à medida da pena - tal como já referido - ela surge apenas aludida na argumentação para a aplicação do regime especial para jovens delinquentes (cls 6.5/6.6) «a aplicação no presente caso concreto de uma pena de prisão tão elevada e efectiva na sua execução é sem dúvida excessiva por não servir o fim de prevenção especial, o que o poderá lançar na “escola do crime”» (…) «Entende-se, pois, que no presente caso, a considerar-se o arguido C………. culpado dos crimes, na totalidade ou só algum deles, de que foi acusado e condenado, deve ser observada a atenuação da pena aplicada, por aplicação do regime especial dos jovens delinquentes e por isso a pena que lhe foi aplicada ser reduzida.».
Não existe uma invocação autónoma e devidamente motivada, com referência aos factores de medida da pena aplicáveis, que permita uma revisão por este Tribunal da decisão, a esse respeito.
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Em conclusão, o recurso mostra-se totalmente improcedente, devendo a decisão recorrida ser mantida.
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Nos termos relatados, decide-se julgar totalmente improcedente o recurso, mantendo-se o Acórdão recorrido.
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Custas pela recorrente, fixando-se a Taxa de Justiça em 5 UC’s.
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Porto, 14/04/2010
José Joaquim Aniceto Piedade
Artur Manuel da Silva Oliveira (votei vencido conforme declaração que junto)
Arlindo Manuel Teixeira Pinto
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Voto de vencido:
Como relator inicial sustentei que o acórdão recorrido deveria ser declaro nulo, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, por falta de exame crítico da prova e de fundamentação da pena conjunta do concurso.
A) Exame crítico da prova. Na motivação, o acórdão recorrido oferece uma descrição sumária das declarações e dos depoimentos prestados. Após, conclui:
“As testemunhas referidas depuseram, globalmente, de forma credível e coerente relativamente aos factos de que tiveram conhecimento directo, de forma a convencerem o tribunal”.
Defendi que esta declaração não realiza o “exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” determinado pelo artigo 374,º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Na verdade, 1) não basta “enumerar” as provas produzidas: é necessário analisá-las criticamente, revelando em que medida cada uma delas, por si e em relação com as demais, contribui para a decisão tomada; 2) essa análise crítica deve dar um especial destaque às razões da inatendibilidade das provas aduzidas em sentido contrário, como tem sido repetidamente afirmado pelo TEDH; por fim, 3) as “fórmulas genéricas”, de vocação universal, como a usada no acórdão recorrido, são de nenhum valor: o Direito Penal do facto concreto é avesso a enunciados formais.
No caso dos autos, o recorrente [que vai condenado em pena de 6 anos de prisão] sempre negou o seu envolvimento nos factos de que é acusado. Também o co-arguido B…………… afirma que o recorrente não praticou os factos. Sobre estes e outros elementos não esclarece o tribunal recorrido por que razão os não atendeu. Acresce que sobre os factos depuseram 23 testemunhas, sem que o acórdão faça a mínima distinção entre todos estes depoimentos (as suas divergências e dissonâncias) nem os diferencie em função da credibilidade que mereceram ao tribunal.
O dever de motivar a sentença — que, como se sabe, tem por finalidade ilustrar as razões que fundamentam a decisão e permitir ao tribunal de recurso um controlo sobre a razoabilidade e o rigor do seu próprio discurso — não se satisfaz com a mera alusão aos meios de prova produzidos: antes exige e pressupõe que a sentença contenha a imprescindível referência articulada ao que aconteceu no desenvolvimento da actividade probatória e em que medida serviu para apoiar a decisão proferida.
Assim, defendi que o acórdão recorrido apresenta uma fundamentação insuficiente, por falta de “exame crítico das provas”, vício que, por ter sido oportunamente arguido, determina a sua nulidade [artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal].
Vão nesse sentido a jurisprudência e a doutrina conhecidas.
• Jurisprudência [recolha feita apenas entre decisões proferidas no último ano (excepto a do Tribunal Constitucional) — com sublinhados meus] –
- “(…) Julgar inconstitucional a norma do nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal de 1987, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no nº 1 do artigo 205º da Constituição, bem como, quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 410º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no nº 1 do artigo 32º, também da Constituição [Ac. TC n.º 680/98 – em cuja fundamentação se pode ainda ler: “Não sendo naturalmente uniformes as exigências constitucionais de fundamentação relativamente a todo o tipo de decisões judiciais, como já se referiu, algumas destas hão-de ser objecto de um dever de fundamentar de especial intensidade. Entre elas, facilmente se convirá estarem as decisões finais em matéria penal, mormente as condenatórias, na primeira linha. (…)”];
- (…) II - O exame crítico das provas encerra um esforço tendencialmente de convicção sobre a razão porque certas provas são aceitáveis aos olhos do julgador e outras merecem o seu repúdio, juízo de que se não abdica em caso de impugnação da matéria de facto.
III - Esse exame crítico das provas é um direito do recorrente na correcção de julgamento que pede à 2.ª instância com base nas provas anteproduzidas em audiência, em que, verdadeiramente, não está em jogo a discussão do princípio da livre convicção probatória – cf. Damião da Cunha, Caso Julgado Parcial, UCP, 2002, págs. 547-551.
IV - A motivação em todas as suas vertentes é condição de fiabilidade de uma decisão e passa por uma exposição objectiva e clara, pela promoção da sua aceitação e compreensão, por uma valoração crítica e racional, como se decidiu nos Acs. do TC n.ºs 401/02 e 546/98 (in Acs. do TC, vol. 3).
V - A base argumentativa em que se apoia a decisão judicial exige cada vez mais que por ela se explique o seu conteúdo às partes, ao público em geral, que espera dos tribunais decisões claras e credíveis, e faculte ao tribunal superior um seu reexame, ou seja, ela deve apresentar-se como uma decisão “correcta, possível, adequada ao ordenamento jurídico e ao contributo efectivo que as partes deram para o delinear do caminho que conduziu a ela” – cf. rev. cit., pág. 75 [Ac STJ, de 19-03-2009, Proc. n.º 381/09];
- “I - A fundamentação não se satisfaz com a enumeração dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento e dos que serviram para fundamentar a sentença. É ainda necessário um exame crítico desses meios, que servirá para convencer os interessados e a comunidade em geral da correcta aplicação da justiça no caso concreto.
II - «... Estes motivos de facto que fundamentam a decisão, não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum), mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados
(…)
IV - A razão de ser da exigência da exposição, ainda que concisa, dos meios de prova é não só permitir aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador, como também assegurar a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova; é necessário revelar o processo racional que conduziu à expressão da convicção. E a indicação das provas que serviram para formar a convicção apenas é obrigatória na medida do que é necessário – cf. Ac. do STJ de 29-06-1995, CJ-STJ, III, tomo 2, pág. 254.
V - O exame crítico das provas, a que faz referência o n.º 2 do art. 374.º do CPP, em sede de fundamentação da sentença, consiste tão-somente na indicação das razões que levaram a que determinada prova tenha convencido o tribunal – cf. Ac. do STJ de 24-06-1999, Proc. n.º 457/99 - 3.ª, SASTJ, n.º 32, pág. 88. (…)” [Ac. STJ, de 22-04-2009, Proc. n.º 303/06.0GEVFX.S1];
- “(…) VIII - Actualmente, face à nova redacção do n.º 2 do art. 374.º do CPP, é indiscutível que tem de ser feito um exame crítico das provas. Com efeito, a referida Lei 59/98, de 25-08, aditou a exigência de tal exame, que se manteve inalterada na revisão de 2007, operada pela Lei 48/2007, de 29-08.
IX - O exame crítico das provas tem como finalidade impor ao julgador que esclareça quais foram os elementos probatórios que, em maior ou menor grau, o elucidaram e porque o elucidaram, de forma a que se possibilite a compreensão de ter sido proferida uma dada decisão e não outra.
X - Não dizendo a lei em que consiste aquele exame, tem o mesmo de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.
XI - A fundamentação decisória não tem que preencher uma extensão épica, sem embargo de dever permitir ao seu destinatário directo e à comunidade mais vasta de cidadãos, que sobre o julgado exerce um controle indirecto, apreender o raciocínio que conduziu o juiz a proferir tal decisão. Para além da enumeração das razões de facto e de direito, a sentença, nos termos do art. 374.º, n.º 2, do CPP, reclama do juiz o exame crítico das provas, que é a sua descrição e o juízo de valor que elas oferecem em termos de suporte decisório, ou seja, a crítica porque umas merecem credibilidade e outras não, impondo que o juiz indique todas as provas, a favor ou contra, que constituem a decisão e diga as razões pelas quais não atendeu às provas contrárias à decisão tomada.” [Ac. STJ, de 27-05-2009 Proc. n.º 1511/05.7PBFAR.S1, tal como os anteriores disponíveis em www.stj.pt];
- (…) IV - Enferma de nulidade – sanável e dependente de arguição – a sentença em que a motivação dos factos limita-se a enunciar e elencar meios de prova, sem proceder a uma análise crítica dessas provas” [Acórdão desta secção, de 27.1.2010, António Gama, processo, 42/05.0GAVFL.P1];
- “A fundamentação da sentença demanda, para lá do mais, a indicação: i. da razão de ciência de cada pessoa cujo depoimento o tribunal tomou em consideração; ii. dos motivos de credibilidade em testemunhas, documentos ou exames; iii. dos motivos pelos quais se elegeu a versão dada como assente em detrimento de qualquer outra de sentido contrário” [Acórdão desta secção, de 19.10.2009, Custódio Silva, processo 7631/04.8TDPRT.P1, tal como o anterior disponível em www.dgsi.pt].

• Doutrina – a citada nos sumários anteriores e ainda:
“(…) 7. Concomitantemente à indicação dos factos provados e não provados, é dever da decisão analisar criticamente a prova.
Em que consiste tal análise?
Consiste na abordagem, dissecação, cruzamento e comparação das provas com vista a revelar o respectivo mérito ou bondade, de acordo com a interpretação que delas faz o julgador. Aqui intervêm necessariamente as regras de lógica, da ciência e da experiência. Aqui o julgador tem de explicar porque deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, porque um documento se deve sobrepor a outro, porque um laudo pericial deve prevalecer sobre o outro.
(…) a letra da lei tem o inegável condão de significar de uma vez por todas em que não basta ao julgador indicar os concretos meios de prova em que assenta a sua convicção. Ao invés, tem de os analisar activa ou positivamente, tem de os sopesar analiticamente, tem de fazer incidir sobre eles o seu criticismo pessoal.” [José I. M. Raínho, “Decisão da matéria de facto – Exame crítico das provas”, Revista do CEJ, IV, 158-159];
- “(…) a fundamentação das sentenças consistirá:
a) num elenco das provas carreadas para o processo;
b) numa análise crítica e racional dos motivos que levaram a conferir relevância a determinadas provas e a negar importância a outras;
c) a concatenação racional e lógica das provas relevantes e dos factos investigados (o que permitirá arrolar e arrumar lógica e metodologicamente os factos provados e não provados); e
d) numa apreciação dos factos considerados assentes à luz do direito vigente [Paulo Saragoça da Mata, “A livre apreciação da prova e o dever de fundamentação da sentença” – Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, 265].
- Os motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão são «os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência» [Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 229].
- Na fundamentação assume especial importância a demonstração da prova que sustenta os factos.
Deverá sempre explicitar-se o porquê de determinada valoração, e porque não outra, O que levou o tribunal a decidir-se por esta ou por aquela opção de prova.
O exame crítico da prova não é, no entanto, um mero exercício de retórica.
Ou seja, o que deve explicitar-se é o processo de formação da convicção do tribunal, através da análise das provas produzidas” [Luís Correia de Mendonça e José Mouraz Lopes, “Julgar: contributo para uma análise estrutural da sentença civil e penal; a legitimação pela decisão – Revista do CEJ, III-IV, pág. 234-235].

B) Fundamentação da pena conjunta do concurso. Sobre a pena conjunta do concurso, o acórdão recorrido não apresenta qualquer fundamentação, limitando-se a afirmar em tom conclusivo:
“Em cúmulo jurídico, atendendo em conjunto aos factos e à personalidade do arguido, nos termos do disposto no artigo 77.º do Código Penal, a pena única de 6 (seis) anos de prisão.”
Defendi que a individualização da pena do concurso de crimes não constitui uma simples operação aritmética e automática, antes exige uma elaboração específica sobre a avaliação global dos factos e da personalidade do agente, tal como o determina o artigo 77.º, nº 1, do Código Penal; ou seja, um juízo autónomo e uma fundamentação própria [a “dupla fundamentação” de que nos fala Cristina Líbano Monteiro, in “A pena ‘unitária’ no concurso de crimes”, RPCC, Ano 16º, n.º 1, p. 151-166].
Ao não apreciar, em concreto, o conjunto dos factos praticados, esclarecendo em que termos a gravidade das infracções, as conexões entre elas e a totalidade dos dados conhecidos sobre a personalidade do arguido contribuíram para a fixação da pena conjunta, o acórdão recorrido inviabiliza que o tribunal de recurso ajuíze sobre a razoabilidade desta pena. Por isso, acolhi a procedência da arguida nulidade do acórdão, por falta de fundamentação [artigo 379.º, n.° 1, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal].
Vão nesse sentido a jurisprudência e a doutrina conhecidas.
• Jurisprudência [recolha feita apenas entre as decisões proferidas no último ano, com sublinhados meus]
- “(…) IV - A determinação da pena do cúmulo exige, pois, um exame crítico, de ponderação conjunta, sobre a interligação entre os factos e a personalidade do agente, de molde a poder valorar-se o ilícito global perpetrado.
V - Não são enunciados de premissas ou fórmulas tabelares, nem juízos conclusivos, que determinam e justificam a pena conjunta, mas sim os factores relevantes, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que respeita à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.
VI - São factores relevantes: a determinação da dimensão do bem jurídico ofendido e da intensidade da ofensa; se ocorre ou não ligação, conexão ou relação entre os factos em concurso, bem como a indagação da sua natureza, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas; a determinação dos motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados, e de eventuais estados de dependência; a determinação da tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade; na avaliação da personalidade expressa nos factos, a ponderação de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade; a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente.
VII - É nulo, por força do art. 379.º, n.° 1, als. a) e c), do CPP, face ao disposto no art. 77.º, n.º 1, do mesmo diploma, o acórdão de realização de cúmulo que não indica, ainda que em resumo sucinto, os factos atinentes às ilicitudes desencadeadoras das condenações objecto de concurso, bem como os referentes à personalidade do arguido – nomeadamente os que possam ter sido valorados pelo tribunal, quer através do relatório social, quer através das declarações do arguido, e sendo certo que o tribunal pode ordenar, «oficiosamente ou a requerimento, as diligências que se lhe afigurem necessárias para decisão» (art. 472.º, n.º 1, do CPP) –, e que não analisa se os ilícitos praticados resultam de tendência criminosa ou de actuação meramente pluriocasional, nem o efeito previsível da pena a aplicar no comportamento futuro do condenado, tendo em vista as exigências da prevenção especial de socialização [Ac. STJ, de 02-04-2009, Proc. n.º 580/09].
- “IV – O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar impor-se um dever especial de fundamentação na elaboração da pena conjunta, não se podendo ficar a decisão comulatória pelo emprego de formulas genéricas, tabelares ou conclusivas, sem reporte a uma efectiva ponderação abrangente da situação global e relacionação das condutas apuradas do com a personalidade do agente, seu autor, sob pena de inquinação da decisão com o vicio de nulidade. (…)
VI – Na formulação do cúmulo jurídico, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da ilicitude; já a personalidade revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira” criminosa ou uma simples pluriocasionalidade. (…)” [Ac. STJ, 2.4.2009, CJ tomo II, pág. 187].
- (…) VI - A utilização de fórmulas tabelares, como o “número”, a “natureza”, e a “gravidade”, não são uma “exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito”, mas expressões vazias de conteúdo e que nada acrescentam de útil. A decisão que se limita a utilizar essas fórmulas tabelares para proceder ao cúmulo jurídico de penas anteriores transitadas em julgado, viola o disposto no n.º 1 do art. 77.º do CP e no n.º 2 do art. 374.º do CPP e padece da nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP – cf. Acs. do STJ de 27-03-2003, Proc. n.º 4408/02 - 5.ª, e de 31-01-2008, Proc. n.º 121/08 - 5.ª.
VII - (…)- o acórdão recorrido não efectua uma ponderação em conjunto, interligada, integrada, quer da apreciação dos factos, de modo a poder avaliar-se globalmente a sua dimensão, intensidade, gravidade, alcance e consequências, quer da personalidade manifestada na sua prática, procurando caracterizar a personalidade emergente do conjunto das condutas, encaradas a jusante daquele processo circunscrito, de determinado pedaço de vida, agora em visão e apreciação global, de uma forma mais completa e abrangente, de modo a dar uma panorâmica de toda a actividade do arguido, indagando das suas inter-relações, ligações e conexões, e, por isso mesmo, fornecendo uma visão mais compreensiva, em ordem a, a final, concluir sobre a sua motivação subjacente, se emergindo e sendo expressão de uma tendência criminosa, como manifestação de uma personalidade propensa ao crime, ou antes de mera pluriocasionalidade, fruto de reunião de circunstâncias, não oriunda, fundamentada ou radicada na personalidade;
é patente que o acórdão recorrido, para além das omissões apontadas relativamente aos requisitos primários – como as datas de trânsito e a especificação das datas da prática dos factos –, ao omitir a necessária avaliação global incorreu em omissão de pronúncia sobre questão que tinha de apreciar e decidir (a especial fundamentação da pena conjunta), sendo nulo, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, por violação dos arts. 77.º e 78.º, n.º 2, do CP e 374.º, n.º 2, do CPP [Ac STJ, de 02-04-2009, Proc. n.º 581/09].
“(…) XVII - A determinação da medida da pena conjunta do concurso – que é feita em função das exigências gerais da culpa e da prevenção – impõe que do teor da decisão conste uma especial fundamentação, só assim se evitando que a medida da pena única surja como resultado da apregoada, e ultrapassada, arte de julgar, de um acto intuitivo, puramente mecânico e, por isso, arbitrário.
XVIII - Em caso de cúmulo jurídico de penas, embora não seja exigível o rigor e a extensão da fundamentação nos termos do n.º 2 do art. 71.º do CP, nem por isso o cumprimento de tal dever deixa de ser obrigatório, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista material, podendo os factores enumerados no citado n.º 2 servir de orientação na determinação da medida da pena do concurso – cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 291.
XIX - Aduz, ainda, o mesmo Autor que a doutrina alemã discute muito a questão de saber se factores de medida das penas parcelares podem ou não, perante o princípio da proibição de dupla valoração, ser de novo considerados na medida da pena conjunta. Em princípio impõe-se uma resposta negativa; mas deve notar-se que aquilo que à primeira vista poderá parecer o mesmo factor concreto verdadeiramente não o será, consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração (ob. cit., pág. 292, § 422) [Ac. STJ, de 27-05-2009, Proc. n.º 1511/05.7PBFAR.S1 - 3.ª Secção – tal como os anteriores, disponíveis em www.stj.pt].
“(…) III - A determinação da pena do cúmulo exige, pois, um exame crítico de ponderação conjunta sobre a interligação entre os factos e a personalidade do condenado, de molde a poder valorar-se o ilícito global perpetrado.
IV - Com efeito, na fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente não só pelos factos individualmente considerados mas também, e especialmente, pelo conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente (e não como mero somatório de factos criminosos), visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado – ob. cit., págs. 290-292.
V - Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e a gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso.
(…)
IX - Por outro lado, a decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas não se pode reconduzir à invocação de fórmulas genéricas e sem significação concreta; não basta dizer-se, sobre a personalidade dos arguidos, que “o seu percurso criminal é preocupante e revela uma acentuada propensão para o desrespeito das normas de conduta em sociedade que regulam dever-ser jurídico-penal”. Tem antes de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação conjunta dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese. [Ac. STJ, de 14-05-2009 Proc. n.º 170/04.9PBVCT.S1 - 3.ª Secção].

• Doutrina – a citada nos sumários anteriores e ainda:
- “Em primeiro lugar, o tribunal tem de determinar a pena que concretamente caberia a cada um dos crimes em concurso, como se de crimes singulares, objecto de cognições autónomas, se tratasse, para tanto seguindo o procedimento normal de determinação da pena. (…) Em seguida, o tribunal constituirá a moldura penal do crime do concurso – uma verdadeira moldura penal, com o seu limite máximo e o seu limite mínimo (…) Estabelecida a moldura penal do concurso o tribunal ocupar-se-á finalmente da determinação, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontrará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. (…) “A existência deste critério especial obriga logo (circunstância de que a nossa jurisprudência não parece dar-se conta) a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso: a tanto vincula a indispensável conexão entre o disposto nos art. 78.º-1 e 72.º-3, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da ‘arte’ do juiz uma vez mais – ou puramente mecânico e portanto arbitrário” [Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 285-291].
“(…) este modelo exige do tribunal uma metodologia em dois tempos e uma dupla fundamentação. Encontrar e justificar cada pena parcial; encontrar e justificar a pena definitiva, pois os critérios legais diferem num caso e no outro.
(…) O tribunal julga cada um dos crimes (…) Numa segunda fase (…) não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido. Adverte que o todo não equivale à mera soma das partes e repara, além disso, que os mesmos tipos legais de crimes são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A esse novo ilícito corresponderá uma nova culpa. Que continua a ser culpa pelo facto. Mas agora culpa pelos factos em relação. Afinal, a avaliação conjunta dos factos e da personalidade de que fala o CP.” [Cristina Líbano Monteiro, in “A pena ‘unitária’ no concurso de crimes”, RPCC, Ano 16º, n.º 1, p. 151-166].
- “O princípio da proibição da dupla valoração não obsta à consideração na determinação da pena conjunta do concurso de crimes de uma circunstância já considerada na determinação da pena de um dos crimes em concurso, desde que essa circunstância se reporte ao conjunto de factos, pois neste o objecto de valoração é distinto (já assim, José Osório, na discussão na comissão revisora do CP, in Actas CP/ Eduardo Correia, 1965, b: 153 e Figueiredo Dias, 1993, 292)” [Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código de Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nota 5. da anotação ao art. 77.º].
- “Naturalmente, la ley tampoco admite un esquematismo puramente matemático en el cálculo global da las penas (…) Así pues, las penas individuales por debajo de la pena máxima individual tiene en la práctica un efecto totalmente distinto en la determinación de la pena dentro del marco penal, en función de la situación global” [Günther Jakobs, Derecho Penal – Parte General – Fundamentos y teoría de la imputación, 2ª ed., 1997, pág. 1112].

[Artur Oliveira]