Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0433555
Nº Convencional: JTRP00037246
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
SOLOS
Nº do Documento: RP200410150433555
Data do Acordão: 10/15/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: I - O processo de expropriação por utilidade pública, o critério de cálculo do valor do solo expropriado previsto no n.2 do artº 26 do Código das Expropriações de 1991 deve ter-se como aplicável, por analogia, ao caso omisso dos terrenos que tendo capacidade construtiva, o plano urbanístico tenha afectado a equipamentos públicos.
II - O disposto no n.2 do artº 22 do Código das Expropriações de 1991 não é inconstitucional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
Por despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas de 24.08.95, publicado no Diário da República, II Série, n° 230, de 04.10.95, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, para construção do lanço do IC. - ........../.......... da expropriação da parcela nº 1.25, com a área de 1.155 m2, a destacar do prédio rústico sito na periferia da freguesia de .........., do concelho de .........., inscrito na matriz rústica respectiva sob o art. 327 e descrito na Conservatória do Registo Predial de .......... sob o nº 49422, a fls. 104 vº, do Livro B-146, a confrontar de Norte com linha de água, a Sul com Caminho X.........., a Nascente com Caminho X.......... e entroncamento com o Caminho Y.........., e a Poente com B.......... .

É expropriante o IEP - Instituto de Estradas de Portugal, por substituição da extinta Junta Autónoma de Estradas, e expropriados C.......... e mulher D.......... e H.......... e mulher E.......... .

Efectuada a vistoria ad perpetuam rei memoriam, procedeu-se à respectiva arbitragem, a qual fixou em 5.544.000$00 o montante indemnizatório devido aos expropriados.
Foi depois proferido despacho a adjudicar à expropriante a propriedade da referida parcela.

Pelo Ministério Público, em representação da entidade expropriante, foi interposto o recurso de decisão arbitral, no qual concluiu que o valor da indemnização deveria se fixado em 2.145.375$00.
Também pelos expropriados foi interposto recurso de decisão arbitral, concluindo que o valor da indemnização a atribuir deveria ascender a uma importância na ordem de 38.917.500$00.

Procedeu-se à nomeação de peritos e à correspondente avaliação, tendo os Srs. Peritos do Tribunal e dos expropriados concluído que o valor actual da indemnização deveria fixar-se em 21.365.600$00.
Por sua vez, o Sr. Perito da entidade expropriante apresentou um laudo no qual atribuiu à parcela expropriada o valor total de 2.541.000$00.

Os expropriados apresentaram ainda alegações finais, sustentando que a indemnização a atribuir deveria ser na ordem de 33.701.000$00.
Foi depois proferida sentença, na qual se julgou parcialmente procedente o recurso dos expropriados, tendo sido fixado o valor da indemnização em € 106.571,16 (21.365.600$00), a actualizar nos termos legais.

Discordando desta decisão, a expropriante e os expropriados interpuseram, recurso, de apelação, tendo apresentado as seguintes

Conclusões dos expropriados
1 - Restringe-se o âmbito do presente recurso ao montante de Esc. 12.335.400$00, valor correspondente à diferença entre o cálculo apresentado para a justa indemnização pela expropriação da parcela - 33.701.000$00 - e o valor que à mesma veio a ser atribuída pela douta sentença sub censura - 21.365600$00.
2 - Os art°s. 62 CRP e 1310º C.Civ. prescrevem o direito à justa indemnização, dispondo o art°. 22 Cód. Exp. 91 que esta é medida pelo valor do bem expropriado e o seu montante (art°. 23°) deve ser calculado com referência à data da DUP, sendo actualizado à data da decisão final, de acordo com os índices de preços no consumidor, excluindo a habitação.
3 - São os Srs. Peritos a reconhecer no seu relatório que, se não fosse a destinação desta área à abertura do troço ........../.......... - projectado muito antes de ter sido elaborado o PDM de .......... - ela reunia óptimas características para ser urbanizada, dada a proximidade de vias infraestruturadas com a inerente redução dos custos e a enorme procura de terreno para construção que se verifica no local.
4 - Foi pois este empreendimento – ........../.......... - que condicionou o PDM e não este que fixou limitações construtivas à margem do referido empreendimento; comprovam-no a circunstância de, a escassas dezenas de metros da parcela em questão, existirem grandes aglomerados urbanos com 6 ou 7 pisos.
5 - A consideração do valor da parcela, à data da DUP, não conduz à determinação do valor real e corrente da mesma, o que implica a violação directa e frontal dos art°s 13 e 62 CRP, devendo, em tal medida, declarar- se a inscontitucionalidade do disposto do art° 22 Cód. Exp., quando manda reportar à data da DUP a avaliação da parcela.
8 - É assim irrecusável a capacidade construtiva da parcela, que se localiza em zona urbana e urbanizável, de características predominantemente residenciais, que seria o seu normal destino, não fosse a abertura da via que deu origem à presente expropriação.
9 - Para efeitos do disposto do art°. 25 do Cód. Exp., deve estabelecer-se um coeficiente de 25%, nos termos dos nºs. 2 e da al. h) do nº. 3 da disposição citada, já que - são os Srs. Peritos a declará-lo no seu relatório e na resposta ao qto. 5° - a parcela se localiza em zona privilegiada sob este aspecto.
10 - Consideraram os Srs. Peritos um índice de ocupação de 0,75 quando o PDM permite que o mesmo possa ser de 1.0, ou seja, de 1 m2 de construção acima do solo por cada m2 de terreno, conforme acontece com a área confinante com a parcela, a Nascente do IC., nenhuma razão vindo por eles apontada para fundamentar tal critério, pelo que o índice de ocupação do solo a ter em conta para o cálculo da justa indemnização deve pois ser 1.0.
11 - Ainda quanto ao preço unitário para a construção, os Srs. Peritos tomaram como pressuposto do seu cálculo um preço médio 90.000$00/m2 extraordinariamente baixo e de todo afastado da realidade.
12 - Localizando-se em zona de ampla expansão, quer habitacional, quer industrial, desenvolvimento que tem repercussão directa no custo da construção, o qual, por isso, é substancialmente mais elevado do que nas regiões interiores do país, como é do conhecimento geral.
13 - Esta realidade indesmentível tem aliás expressão legal, como resulta das Portarias que, anualmente, estabelecem os valores unitários por m2 do preço da construção, diplomas que dividem o território do continente em três zonas diferenciadas, fixando preços distintos para cada uma delas.
14 - Não obstante a Portaria nº 975-C/94, de 31/10, ter fixado, para o ano de 1995 - aquele em que teve lugar a DUP - e para o concelho de .........., o preço da construção em 99.700$00/m2, é também do conhecimento geral que este é um valor de referência destinado a habitações sociais, pois que o preço efectivo da construção se situa a níveis superiores ao legalmente fixado, sendo certo que, naquela época, não era já inferior a 120.000$00/m2.
15 - Atendendo à circunstância de a parcela se localizar no gaveto de duas vias, as infra-estruturas necessárias à sua rentabilização urbanística representam um custo muito baixo; daí que, já por excesso, se considere uma dedução, a este título de 5%.
16 - Tendo em atenção as correcções expostas: índice de ocupação - 1 m2/m2; preço da construção - 120.000$00/m2; percentagem do art°. 25 C. Exp. - 25%; dedução para infra-estruturas - 5%; e a área da parcela, a justa indemnização que lhe deve corresponder é de Esc. 32.917.500$00, a que haverá que adicionar valor das benfeitorias, no montante de Esc. 783.500$00.
17 - A indemnização que deve pois ser atribuída aos expropriados é de Esc. 33.701.000$00.
18 - A sentença sub censura, perfilhando integralmente o laudo maioritário dos Srs. Peritos não fez a melhor interpretação dos comandos legais, nem a mais correcta apreciação das condicionantes de facto a que deveria atender, efectuando um cálculo completamente distanciado da realidade, em infracção do disposto nos art°s. 62° da CRP, 22°, 24° e 25° do C. Exp. e 1310° Cód. Civil, do PDM de .......... e respectivo Regulamento.
19 - Sendo a expropriação uma conversão de valores patrimoniais, uma venda forçada, à saída do imóvel do património dos recorrentes, deve corresponder a entrada de um montante pecuniário rigorosamente igual ao valor retirado daquele património, ao valor que eles teriam obtido em consequência da venda que tivessem feito daquela parcela.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser atribuída aos recorrentes, como justa indemnização pelos prejuízos que lhes causa a expropriação da parcela 1.25 do empreendimento IC. - ........../.........., uma importância da ordem de Esc. 33.701.000$00 ou outra idêntica ou próxima desta por ser aquela que corresponde, de facto, ao valor real e corrente dos bens expropriados, revogando-se em consequência e da forma apontada a sentença impugnada.

Conclusões da expropriante
1° São os seguintes os aspectos da douta decisão recorrida que pretende o recorrente ver reapreciados:
- tipologia de construção e custo da mesma utilizados para e efeitos de cálculo (v.g. no que diz respeito à cave);
- não dedução de encargos de construção;
- cumulação do valor das benfeitorias com o da indemnização pelo valor do terreno propriamente dito;
2° Assim, quanto ao 1° dos pontos a abordar, diga-se desde já que, sempre salvo o devido respeito, o mesma não deveria sequer ter de ser objecto de recurso para ser apreciado.
3° É que o próprio relatório pericial maioritário refere – como não poderia deixar de ser – que, face ao PDM aplicável – há mais de dois anos – à data da DUP, a parcela expropriada integrava a designada "área verde de parque e cortina de protecção ambiental".
4° Ora, a verdade é que, reconhecendo isso mesmo, os Exmos Peritos não procederam à avaliação da parcela de acordo com a correcta classificação da mesma: nem mais nem menos.
5° E não se diga que a avaliação efectuada teve tal facto em conta porque se refere a sua fundamentação ao disposto no art. 26° n° 2 do CE.
6° É que, ao contrário do que, nesse caso, seria sua obrigação, não cuidaram os peritos em causa de calcular – de forma concreta e fundamentada – o valor médio das construções existentes “a menos de 300 m da parcela expropriada”.
7° Ao invés, "perdem-se" em considerações relativas ao facto - que não podem conhecer ou atestar – de o regulamento do PDM ter classificado da forma sobredita a parcela por se prever a construção da via aqui em causa: como podem afirmar, sem mais, tal decorrência? Que matéria probatória foi carreada para os autos que permita concluir que assim foi ou que, por outro lado, não fora a construção da via em causa e a parcela seria classificada como "zona de construção"?
8° Em resumo: não foi avaliada a parcela de acordo com a sua classificação no PDM, nem, por outro lado, a avaliação efectuada teve em conta o art. 26° n°2 do CE, uma vez que nenhuma média de construções existentes foi feita.
9° Mais: na única referência concreta a tal normativo os Exmos Peritos referem mesmo que "é obvio que deve abstrair-se das manchas destinadas a área verde"!!
10° Pergunta-se: um comprador prudente e avisado, à data da DUP, feria tal "abstracção"?
11° Mais: a ser assim, todos os terrenos avaliados com recurso ao art. 26° n° 2 teriam capacidade construtiva uma vez que até tal capacidade se mostrar possível, face ao PDM, deveriam os peritos "abstrair" da classificação real!
12° Ora, não pode ser! É sabido que só uma capacidade edificativa realmente existente à data da DUP, determinada de forma objectiva, impõe a classificação do terreno como apto para construção, e não são, por isso, aceitáveis os factores manifestamente artificiais de valorização que se prendem com eventuais possibilidades futuras ou "abstracções" como a já referida que acabam por se reflectir numa indemnização desproporcionada à perda do bem expropriado (cfr. neste sentido, Ac. do Tribunal Constitucional 194/97 in DR II série 27.01.1999).
13° Tal procedimento traduz-se em clara violação dos preceitos jurídicos atinentes (os antes referidos) e, em consequência, do princípio constitucional da justa indemnização, pelo que deverá ser anulada a avaliação efectuada, e com ela todo o posterior processado, incluindo a douta sentença apelada, baixando os autos à primeira instância por forma a que nova e legal avaliação tenha lugar.
14° Passando ao 2° dos aspectos objecto do presente recurso, cabe referir o carácter absolutamente despropositado da percentagem de 12% utilizada pelos Exmos Peritos expropriados/tribunal e aceite pela douta decisão recorrida a título de localização e qualidade ambiental.
15° É que, tratando-se, como comprovadamente se trata, de um terreno agrícola, situado a mais de 50 m de qualquer via pavimentada, à margem de um arruamento estreito (máximo 2,5 m de largura), em terra batida, e que, normalmente, era inundado no período de inverno (integrando o leito de uma linha de água aí existente), envolvida por zona industrial (v.g. industrias poluentes), como é possível que, num universo compreendido entre 0 e 15% lhe seja atribuída uma percentagem de 12%?
16° Tornar-se-ia assim impossível diferenciar devidamente parcelas como a dos autos daquelas verdadeiramente a valorizar pelo máximo ou perto dele (seja pela sua boa localização seja pela especial qualidade ambiental envolvente) cfr., a este propósito Ac. 1/99, do STJ publicado no DR, I série - a de 13.02.1999).
17º Também por tudo quanto vem de expor-se, resulta claro que não pode manter-se a peritagem maioritária levada a cabo – e com ela a douta decisão recorrida quanto a este aspecto, devendo, isso sim, fixar-se, no máximo, tal percentagem nos 8% a que alude o laudo do perito da expropriante (lembrando-se, a propósito, que a decisão arbitral fixou percentagem diversa, sendo que, com alusão à alegada maior credibilidade dos peritos do tribunal, é também ela levada a cabo (decisão arbitral) por peritos constantes da lista oficial de peritos, pelo que se afigura que tal argumentação não colhe).
18º Acresce que o montante de custo unitário da construção utilizado pelo laudo maioritário e aceite pela douta decisão apelada não corresponde, em nenhuma medida, ao valor corrente e de mercado à data da DUP.
19º Na verdade, não só não tomaram os Exmos Peritos em causa a necessária diferenciação de custos de construção entre o r/ch e o 1º andar - constitui facto notório e de senso comum que o custo unitário será necessariamente maior no r/ch - nem foi tido em conta que, à data da DUP, o valor unitário da construção do tipo da aqui em causa era em média, no caso de construção habitacional de 76.500$00/m2 (bem longe, por isso, dos 90.000$00/m2 referidos - por remissão- na decisão apelada.
20° Desconformidade esta que, também ela, terá de ser corrigida na nova avaliação a levar a cabo.
21° Por último, nenhum sentido faz concluir, como o fez a decisão recorrida, pela atribuição de um montante indemnizatório referente ao alegado valor das "benfeitorias" existentes na parcela em causa.
22° Isto porque, como é sabido, constitui jurisprudência firmada e constante que – nos caos em que o terreno expropriado venha a ser avaliado enquanto terreno apto para construção tais benfeitorias não poderão ser consideradas para efeitos de indemnização uma vez que a sua destruição e demolição seria inevitável para a concretização efectiva das potencialidades edificativas admitidas como possíveis.
Assim sendo, como é:
Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, deve anular-se o laudo pericial maioritário constante dos autos, por violação das normas e preceitos supra identificados, e todo o posterior processado – incluindo a douta decisão recorrida – baixando os autos à 1ª instância para que os Exmos peritos procedam ao cálculo da indemnização de acordo com os critérios legais atinentes;
- Subsidiariamente, e caso assim se não entenda, devem os aludidos cálculos ser refeitos de acordo com o antes defendido, corrigindo-se os erros e ilegalidades constantes dos cálculos aceites pela douta decisão apelada, a qual, por sua vez, deve ser substituída por outra que julgue no sentido defendido no presente recurso, fixando-se o montante indemnizatório no valor constante do laudo apresentado pelo perito indicado pela expropriante.

Os expropriados contra-alegaram, concluindo pela improcedência do recurso da expropriante.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Na sentença recorrida foram considerados provados estes factos:
a) Por despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas de 24.08.95, publicado no Diário da República, II Série, n° 230, de 04.10.95, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação a efectuar pela Junta Autónoma de Estradas, para construção do lanço do IC. - ........../.........., em .......... .
b) Tal expropriação engloba a parcela nº 1.25, com a área de 1.155 m2, a destacar do prédio rústico sito na periferia da freguesia de .........., do concelho de .........., pertencente a C.......... e mulher D.........., sendo usufrutuários H.......... e mulher E.......... .
c) O prédio do qual se destaca a referida parcela encontra-se inscrito na matriz rústica respectiva sob o art. 327 e descrito na Conservatória do Registo Predial de .......... sob o número 49422, a fls. 104 vº, do Livro B-146, a confrontar de Norte com linha de água, Sul com Caminho X.........., a Nascente com Caminho X.......... e entroncamento com o Caminho Y.........., e a Poente com B.......... .
d) O prédio é vedado do lado Sul e Nascente por um muro de suporte com o comprimento de cerca de 58 m; do lado poente o muro de pedra de granito arrumadas à mão com cerca de 0,60 m de altura é de meação e tem o comprimento de 35 m.
e) À data da DUP, a parcela estava a ser utilizada como terreno agrícola, explorando-se a cultura de milho de ensilagem e erva para o penso do gado.
f) O solo do prédio é de regadio, profundo e fértil, não possuindo infra-estruturas.
g) A parcela expropriada situa-se numa vasta zona localizada entre as instalações da F.........., a Poente, e o G.........., a Nascente.
h) A zona do prédio, de acordo com o P.D.M., encontra-se envolvida, a Poente da IC., por área exclusiva de armazenagem a descoberto, e a Nascente da IC., como área predominantemente residencial, sendo permitida a construção desde que respeitadas as distâncias de servidão e de protecção ambiental.

Com fundamento na peritagem efectuada e na vistoria, devem considerar-se provados ainda estes factos (art. 659º nº 3 do CPC), tal como o pressupõe, aliás, a fundamentação da sentença recorrida, embora sem o explicitar:
i) A parcela expropriada localiza-se junto ao nó do G.........., no gaveto dos Caminhos da Y.......... e do X.........., que constituíam acessos rodoviários não pavimentados, com frentes de cerca de 60 metros para essas vias e com todo a sua área na faixa de 30 metros de profundidade.
j) A parcela fica localizada nas proximidades do mar, do aglomerado urbano de .......... e do G.........., sendo bem servida de transportes públicos; não existem focos poluidores na envolvente.

III.

No seu recurso, os Expropriados suscitam a questão da inconstitucionalidade do art. 22º do CExp91.
E em ambos os recursos é posto em causa o cálculo do valor da indemnização a atribuir pela expropriação da parcela de terreno acima identificada.
Divergem os expropriados do critério seguido na sentença no que respeita aos seguintes pontos:
- custo da construção;
- índice de ocupação;
- coeficientes previstos no art. 25º nº 3 do CE91;
- dedução para infra-estruturas.
Por seu turno, a entidade expropriante contesta o cálculo adoptado na sentença nestes pontos:
- tipologia de construção e custo da mesma;
- dedução de encargos de construção;
- benfeitorias.

1. Inconstitucionalidade do art. 22º do CExp91

Sustentam os recorrentes expropriados que este preceito é inconstitucional ao mandar reportar à data da DUP a avaliação da parcela.
Tal decorreria do facto de a parcela expropriada reunir óptimas características para ser urbanizada, pelo que foi o empreendimento – abertura do troço ........../.......... – projectado muito antes de ter sido elaborado o PDM de .........., que fixou limitações construtivas.
Cremos que não têm razão, afigurando-se-nos que a questão não estará bem perspectivada.

1. Deve começar por referir-se que o pressuposto de que partem os Recorrentes não está confirmado nos autos. Se é certo, no plano racional, que a ordenação do PDM faz supor que o empreendimento já estaria projectado, como concluíram os Srs. Peritos do laudo majoritário, não é seguro afirmar-se que deste facto (anterioridade do projecto) tenham advindo consequências negativas para a valorização da parcela. A própria edificação de sete andares, referida pelos Recorrentes, como reveladora da elevada potencialidade edificativa da zona, pode ser encarada de forma diferente, como se refere na resposta ao quesito 3º do laudo do Sr. Perito nomeado pela entidade expropriante (fls. 163 e 164).
Seja como for, estando ou não projectado anteriormente o empreendimento, o certo é que o PDM previu a realização deste e a sua implantação, ordenando uma correspondente afectação dos respectivos terrenos, sendo essa a situação objectiva que deverá ser considerada.

2. Com efeito, a expropriação por utilidade pública pode ser definida como um acto de autoridade que tem como efeito típico a privação e a transferência da propriedade em proveito de um terceiro beneficiário.
O acto declarativo de utilidade pública é constitutivo da expropriação: dele resulta que os bens do particular ficam imediatamente adstritos ao fim específico da expropriação, podendo dizer-se que se verifica uma conversão imediata do direito de propriedade do particular no direito de indemnização. Por outro lado, o acto de declaração de utilidade pública constitui um meio suficiente para a entidade expropriante promover os actos necessários para se apoderar dos bens (o posterior acto de investidura na propriedade não tem efeito constitutivo) [F. Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, 113].

A declaração de utilidade pública extingue, pois, os direitos reais e pessoais inerentes ao bem, ficando os sujeitos atingidos pela expropriação com um direito de crédito à indemnização; este crédito indemnizatório sub-roga-se legalmente ao bem no património do expropriado.
Assim, o momento relevante, atendível para o cálculo da indemnização, é o da declaração de utilidade pública, por ser esse o momento em que o bem é retirado do património do expropriado sendo substituído pelo crédito indemnizatório.
Tal como ficou consagrado nos arts. 22º nº 2 e 23º nº 1 do CExp91, por forma a poder ser alcançado o (devido) pagamento contemporâneo de uma justa indemnização (cfr. arts. 1º e 22º nº 1 do mesmo diploma).
O princípio, assim reconhecido positivamente, não tem gerado controvérsia [Cfr. Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, 33 e 153; Perestrelo Oliveira, Código das Expropriações, 86 e o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.3.94, CJ XIX, 2, 99].

3. O art. 62º nº 2 da Constituição estabelece que a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e mediante o pagamento da justa indemnização.
Determina, pois, este preceito que a indemnização por expropriação deve ser justa, mas, como tem sido entendido, não define qualquer critério indemnizatório de aplicação directa e objectiva nem contém qualquer indicação sobre o método ou mecanismo de avaliação do prejuízo derivado da expropriação. É este um problema de técnica legislativa, cuja escolha foi deixada pela Constituição ao legislador ordinário [Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, 532 e 546; Acs. do TC nºs 210/1993, de 16/3 (DR IIS de 28/5) e 140/2003, de 18/3 (DR IIS de 26/5)].

Tutela constitucional é atribuída, sim, ao pagamento da justa indemnização.
A indemnização, para ser justa, tem de respeitar os princípios materiais da Constituição (igualdade, proporcionalidade) não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem expropriado [Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., 336; também o Ac. do TC nº 109/88, de 1/6, BMJ 378-103].
No conceito de justa indemnização vai implicada necessariamente a observância do princípio da igualdade, na sua manifestação de igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos. Uma indemnização justa - na perspectiva do expropriado - será aquela que, repondo a observância do princípio da igualdade violado com a expropriação, compense plenamente o sacrifício especial suportado pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja equitativamente repartida entre todos os cidadãos [Alves Correia, O Plano Urbanístico ..., 534; no mesmo sentido, Osvaldo Gomes, Ob. Cit., 115].
Ao titular da coisa expropriada não pode ser imposto, mercê de um qualquer especial destino que a Administração lhe venha a atribuir, sacrifício na justa reparação patrimonial que a expropriação deve importar ... Já basta ao expropriado o sacrifício que lhe é imposto da privação do direito; não se pode somar a esse sacrifício um segundo sacrifício que seria o de uma indemnização injusta [Ac. do TC nº 346/86, DR II de 19.3.87].
Daí que, como vem sendo entendido e é referido no próprio Preâmbulo do DL 438/91, de 9/11, embora a Constituição não assegure dentro do direito de propriedade a tutela do direito de edificação, o certo é que em terrenos com vocação urbanística manifesta tem de se atender às potencialidades edificativas como factor de potenciação valorativa, sob pena de se restringir desproporcionadamente o direito do proprietário expropriado à compensação pela lesão sofrida [Cfr. Acs. do TC nºs 109/88, já citado, 442/87, de 18.11.87, BMJ 371-191, 52/90, de 7.3.90, BMJ 395-92, 329/94, de 13.4.94, BMJ 436-62 e 194/97, de 11.3.97, DR II de 27.1.99; também Alves Correia, Ob. Cit., 542 e 543, Osvaldo Gomes, Ob. Cit., 95 e Ac. da Rel. de Évora de 18.10.90, CJ XV, 4, 292].

4. No caso dos autos, a parcela expropriada estava destinada, segundo o PDM, a implantação da via e a área verde.
Assim, o solo em questão, porque sujeito a essa afectação regulamentar, resulta ex vi lege classificado como equiparado a solo para outros fins.
Possuía, no entanto, de harmonia com os critérios objectivos fixados na lei (art. 24º nº 2 a) do CExp91), potencialidade edificativa, sendo certo que a referida afectação regulamentar não é reflexo de restrição ao uso do solo inerente à sua vinculação situacional.
Sendo o terreno apto para construção, a desconsideração deste factor na avaliação envolveria um sacrifício acrescido para o expropriado, traduzindo-se numa indemnização necessariamente desajustada, desproporcionada e injusta que não preencheria o conceito constitucional de justa indemnização.

Como observa F. Alves Correia [Ob. Cit., 390], existe uma antinomia intrínseca entre o plano urbanístico e o princípio da igualdade; todavia, o sistema jurídico deve conter respostas correctivas desta situação e criar instrumentos ou mecanismos susceptíveis de restabelecer a igualdade entre os diferentes destinatários dos planos.
Afigura-se-nos que a norma do art. 26º nº 2 do CExp91 constituirá um dos meios para se atingir esse objectivo.
Aí se dispõe que sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde ou de lazer por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes, ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.

Neste preceito prevê-se apenas os solos classificados como zona verde ou de lazer. Mas idêntico regime se justifica também para os terrenos destinados a equipamentos: em ambos os casos está em causa a necessidade de compensar o particular no momento da realização da expropriação pela redução de valor determinada pela anterior afectação do solo.
O legislador do DL 483/91 não terá previsto e, por isso, não terá incluído naquele nº 2, os terrenos classificados pelo plano municipal para equipamentos públicos e a seguir expropriados, apesar da analogia de situações e dos motivos que justificariam a sua inclusão a par dos que constam da norma.
Fê-lo, porém, o novo CExp., aprovado pelo DL 168/99, de 18/9, em cujo art. 26º nº 12 se incluem, a par dos solos classificados como zona verde ou de lazer, os que se destinam a instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos.

Daí que entendamos que o critério de cálculo do valor do solo previsto no nº 2 do art. 26º deva ter-se como aplicável, por analogia, ao caso omisso dos terrenos que, tendo capacidade construtiva, o plano urbanístico tenha afectado a equipamentos públicos (art. 10º do CC) [Neste sentido, Osvaldo Gomes, Ob. Cit., 201 e 202, Perestrelo de Oliveira, Ob. Cit., 95 e o Ac. desta Relação de 28.11.2002, em http://www.dsgi.pt - nº conv. JTRP00035123].
Se assim não fosse, então haveria de recusar a aplicação, por inconstitucionalidade decorrente da violação dos referidos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça, da norma do art. 24º nº 5, enquanto tivesse de ser interpretada por forma a excluir a classificação do solo apto para construção os reservados pelo plano urbanístico a equipamentos públicos.

No caso, apesar da afectação prevista no plano municipal, a indemnização devida pela expropriação foi calculada nos termos do citado art. 26º nº 2, acolhendo, pois, a sentença o entendimento exposto (neste ponto, aliás, com apoio na posição unânime de todos os Srs. Peritos – fls. 148 e 160).
Não se vê, portanto, fundamento para a invocada inconstitucionalidade do art. 22º, nem do art. 24º nº 5 do CExp91, na interpretação acima exposta.

2. Cálculo da indemnização

Na decisão recorrida acolheu-se o laudo majoritário dos Srs. Peritos - os nomeados pelo Tribunal e o indicado pelos expropriados - por se considerar que o mesmo observou os critérios legais, adoptando índices e valores ponderados e razoáveis.
E, na verdade, com a ressalva adiante referida no que respeita a benfeitorias, não se descortinam razões que contrariem o entendimento desses Srs. Peritos sobre os elementos e critérios a considerar no cálculo do valor do terreno; o seu laudo, designadamente nos pontos tocados nos recursos, apresenta pormenorizada e adequada fundamentação.
Assim, nenhum reparo merece a sentença por ter aderido, quanto a essas questões, de carácter técnico, ao laudo dos Srs. Peritos do Tribunal e dos expropriados.
Aliás, a jurisprudência é unânime no sentido da prevalência de um tal laudo majoritário [Cfr. os Acs. da Rel. do Porto de 27.5.80, CJ V, 3, 82, da Rel. de Évora de 7.1.88, CJ XIII, 1, 254, da Rel. de Coimbra de 21.5.91, CJ XVI, 3, 74 e da Rel. de Lisboa de 12.4.94 e de 19.1.2000, CJ XIX, 2, 109 e XXV, 1, 74].
Subscrevem-se também aqui, nessa parte, os fundamentos em que assenta a sentença recorrida, para eles se remetendo nos termos do art. 713º nº 5 do CPC.

Entendimento diferente deve, contudo, ser adoptado no que respeita às benfeitorias.
A parcela expropriada é valorizada como terreno apto para construção, sendo certo que a execução desta e respectivas infra-estruturas implicará necessariamente a demolição e destruição das benfeitorias nela existentes.
Daí que, no caso, não seja lógica nem razoável a inclusão dos muros no cômputo da indemnização.
A jurisprudência tem sido pacífica sobre esta questão, ressalvando apenas os casos em que as benfeitorias mantenham utilidade para a parte sobrante do prédio (a sua destruição provocaria a desvalorização desta) [Cfr. Acs. desta Relação de 18.9.90, CJ XV, 4, 206, de 13.2.97, CJ XXII, 1 233, da Rel. de Coimbra de 9.2.99, CJ XXIV, 1, 33 e ainda desta Relação do Porto de 16.2.95, 11.12.97, 18.1.99, 10.1.2000, de 5.6.2000, de 5.3.2002, de 10.10.2002, de 28.11.2002 e de 27.1.2003, estes em www.dgsi.pt/jtrp (nºs. conv. JTRP 00013907, 00014596, 00024216, 00027982, 00029675, 00033056, 00035071, 00035419 e 00035446, respectivamente). Com particular interesse o de 10.10.2002, em texto integral, respeitante a muros]. Não é este o caso, porém.

Assim, ao montante fixado como indemnização, deve ser deduzida a quantia de € 3.908,08 (783.500$00) respeitante a benfeitorias.

Procede deste modo, em parte, a apelação da entidade expropriante, improcedendo a apelação dos expropriados.

IV.

Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação da entidade expropriante e improcedente a apelação dos expropriados, revogando-se em parte a sentença recorrida, alterando-se o valor da indemnização que se fixa em € 102.663,08; esta indemnização deve ser actualizada nos termos indicados na sentença.
Custas pelos expropriados na proporção do seu decaimento.

Porto, 15 de Outubro de 2004
Fernando Manuel Pinto de Almeida
João Carlos da Silva Vaz
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo