Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00041293 | ||
Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
Descritores: | EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA CUSTO DA CONSTRUÇÃO AGRAVAMENTO CONTRIBUIÇÃO AUTÁRQUICA INCONSTITUCIONALIDADE RISCO DA ACTIVIDADE CONSTRUTIVA FACTOR CORRECTIVO | ||
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Nº do Documento: | RP200804220821081 | ||
Data do Acordão: | 04/22/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 271 - FLS 76. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - As condições especiais a que alude o art. 26º nº 8 do CExp. são as que respeitam aos próprios contornos físico-materiais da parcela que afectam os custos da construção. II - Importa que sejam condições especiais, isto é, fora do comum, e que a variação do custo de construção que elas acarretam seja substancial, relevante e acentuada, ultrapassando certos acréscimos ou aumentos que normalmente decorrem de certas dificuldades geralmente inerentes à actividade construtiva. III - A norma do art. 23º nº 4 do CExp., que prevê a dedução do valor correspondente à diferença entre as quantias pagas a título de contribuição autárquica e as que seriam pagas com base na avaliação, viola o princípio da igualdade e da irretroactividade da lei fiscal, sendo inconstitucional. IV - O factor correctivo previsto no art. 26º nº 10 do CExp. não é de aplicação automática, passando pela demonstração dos riscos que seriam corridos e dos esforços que seriam suportados no caso de efectiva edificação no terreno expropriado, se não fosse a expropriação. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo 1081/08-2 ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO 1. Estradas de Portugal, EPE introduziu feito em juízo no sentido de ser decretada a expropriação de parcela de terreno infra melhor identificada pertencente a B………. e C………. . 1.1. Na instrução do processo pela expropriante, após ser notificada do relatório pericial, por ela foram pedidos esclarecimentos relativamente ao seu teor - que foram deferidos - e ainda mais requerendo que: «seja ordenado aos senhores peritos que avaliem a parcela como “solo apto para outros fins”, pois que é entendimento unânime dos tribunais que as parcelas inseridas em RAN, assim devem ser classificadas, importando deste modo fixar o valor da parcela de acordo com tal classificação». A sra. Juíza, por despacho, indeferiu esta pretensão: «por infundada e conclusiva». 1.2. Inconformada agravou a requerente. Concluindo, em síntese: 1ª Como os senhores peritos reconhecem no relatório, à data da DUP, a parcela localizava-se em área de RAN. 2ª Tal classificação limita e restringe fortemente a capacidade construtiva doa solos aí localizados, tal como é confirmado pelos Srs. Peritos. 3ª É entendimento unânime dos tribunais que as parcelas inseridas em RAN devem ser classificadas como “solo apto para outros fins”, importando deste modo fixar o valor da parcela de acordo com tal classificação. 4ª Fazia todo o sentido que os Srs. Peritos avaliassem a parcela como “solo apto para outros fins”, para que desta forma o tribunal dispusesse os elementos necessários à boa decisão da causa. 5ª A classificação do solo configura uma simples qualificação jurídica – pelo que o tribunal não está vinculado pela classificação feita pelos Srs. Peritos ou pelas partes. 6ª A ora agravante não requereu que os Srs. peritos classificassem a parcela como “solo apto para outros fins”, apenas requereu que também avaliassem dessa forma, pois que é uma classificação possível. 7ª A agravante não pretendia alterar a classificação adoptada pelos Srs. Peritos, mas apenas que estes avaliassem a parcela, como é seu dever, de acordo com uma classificação legalmente possível. 8ª O douto despacho recorrido impediu, desta forma, a cabal prestação de esclarecimentos que são essenciais á boa decisão da causa e violou o artº 61º do CE e o artº 578º e sgs. do CPC. 1.3. Na continuação do processo foi proferida sentença que: Julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelos Expropriados e improcedente o recurso subordinado interposto pela Entidade Expropriante e, em consequência, fixou em € 140.145,04 a indemnização a pagar pelo EP –Estradas de Portugal, EPE, montante esse a ser actualizado, de acordo com o índice de preços no consumidor, em vigor na região Norte, nos termos do art. 24º, nºs 1 e 2 do Cód. das Expropriações de 1999: a) sobre o montante de € 140.145,04 de 26/03/2004 até 30/06/2006; b) sobre o montante de € 45262,29 desde 01/07/2006 até ao trânsito em julgado da decisão final. 2. Inconformados apelaram a expropriante e os expropriados, estes subordinadamente. 2.1. Concluindo aquela nos seguintes termos: 1-O relatório de avaliação dos peritos está submetido à livre apreciação do julgador e deve ser objecto de uma leitura crítica, tendo em conta a sua comparação com os demais elementos dos autos e legislação aplicável. 2-O Relatório Pericial maioritário avaliou a parcela expropriada de uma forma que não é legal nem factualmente admissível, fixando valores que não podem ser aceites e que carecem de qualquer fundamento, em razão do que não revela as qualidades necessárias para lograr convencer o Tribunal. 3-De acordo com o PDM de ………. a parcela expropriada situa-se em Rede Agrícola Nacional, o que de acordo com os artigos 29º e 30º do referido diploma, impõe fortes condicionantes à edificação em tais terrenos. 4-A Apelante até pode concordar com a classificação do solo como “apto para construção”. 5-No entanto, há que ter em conta que a parcela não possui, de forma alguma, as capacidades construtivas defendidas no Relatório Pericial maioritário e fixadas na douta sentença. 6-Conforme resulta do relatório de “vistoria ad perpetuam rei memoriam”, à data de publicação da DUP, a parcela expropriada encontrava-se inserida em zona de Reserva Agrícola Nacional, sendo normal, para esta zona, uma forte limitação à aptidão construtiva, que se traduzia num índice de 0,02 m2/m2. 7-Desta forma, os Senhores Árbitros e os Senhores Peritos foram bem generosos na fixação do índice de construção, tendo fixado um valor superior ao normal, de acordo com o PDM vigente e os valores normalmente fixados no local. 8-Pela função que desempenha, devem ser absolutamente respeitados e cumpridos, no âmbito do presente processo, os mandamentos vertidos no Plano Director Municipal, tanto mais que, caso fosse requerida uma qualquer autorização ou licença edificativa para a parcela n.º 101, a análise de tal pedido seria sempre feito à luz do PDM em vigor. 9-Tanto os Senhores Árbitros como os Senhores Peritos, embora com especificações distintas, avaliaram o terreno expropriado como se o mesmo tivesse sido sujeito a operação de loteamento. 10-Para a consideração de tal loteamento, torna-se absolutamente fulcral, para o cálculo da justa indemnização, contabilizar as despesas previstas nos n.os 8, 9 e 10 do artigo 26º do Código das Expropriações. 11-Para a eventual criação de lotes, ou seja, para a realização de uma operação de loteamento, existem encargos a considerar, tornando-se necessário, de igual forma, reforçar e conduzir as infra-estruturas existentes, nos termos dos n.ºs 8 e 9, do art. 26º, do CE. 12-Sempre seria necessário indexar ao valor unitário da construção as despesas necessárias com o loteamento e o projecto urbanístico para a operação idealizada, num montante nunca inferior a 10%. 13-Foi, aliás, este o sentido seguido não só pelo perito indicado pela Expropriante, como pela perita indicada pelo Tribunal. 14-É totalmente inaceitável que não tenham sido considerados os custos relacionados com as despesas de urbanização e loteamento. 15-A douta sentença considerou que “ao contrário do que foi preconizado em sede de esclarecimentos pelos dois Senhores Peritos ali identificados, cremos não ser de aplicar qualquer factor correctivo” – não fundamentando minimamente tal opção. 16-Como referem os dois Peritos minoritários, “deveriam ter sido consideradas tais despesas, pois a adopção de tal índice requer um projecto urbanístico e loteamento, com despesas inerentes para tal operação, computando as mesmas em cerca de 15%”. 17-É evidente que, face ao vertido no Plano Director Municipal, era necessário que fosse requerida uma autorização ou licença edificativa para a parcela n.º 101, o que sempre implicaria custos e encargos, realidade que os Senhores Peritos maioritários omitiram. 18-A douta sentença omitiu um critério indispensável na fixação da justa indemnização, pelo que também nesta parte deverá ser reformada. 19-Era ainda necessário contabilizar um factor correctivo, também na ordem dos 10%, pelo risco inerente à actividade construtiva em terreno inserido em RAN. 20-A douta sentença fixou este valor em apenas 5%, acabando por se contradizer, uma vez que afirma, do mesmo passo, que “tendo em conta que a parcela se encontra inserida em zona de RAN – o que restringe e muito – as suas capacidades construtivas, cremos dever fazer accionar, tal como foi minoritariamente preconizado por dois dos Srs. Peritos este valor correctivo”. 21-A douta sentença não justifica a aplicação do valor de 5%, o qual é manifestamente insuficiente, se tivermos em conta os elevados custos que estariam associados a uma operação de loteamento de uma parcela que, convém não esquecer, se situa em Reserva Agrícola Nacional. 22-Não tem qualquer fundamento, em nosso entender, deixar de aplicar a dedução prevista no n.º 4 do art. 23º (que a própria sentença reconhece que é imperativo) alegando que a Entidade Expropriante não é um município. 23-Uma tal interpretação não tem qualquer apoio legal, pois a lei não exige que a Entidade Expropriante seja um município. 24-A Recorrente considera que o valor da indemnização fixado na douta sentença omite alguns critérios legais impreteríveis, redundando num valor exagerado e sem paralelo com a realidade factual e legal aplicável. 25-A decisão em crise fez uma incorrecta interpretação dos factos e desadequada aplicação do Direito, designadamente das disposições legais supra citadas, que violou, devendo por isso, ser revogada e substituída por outra que fixe o valor da justa indemnização pela expropriação em apreço no montante de € 95.175,00 (noventa e cinco mil cento e setenta e cinco euros). 2.2. E concluindo estes pelo modo seguinte: A. A douta sentença não fez a correcta interpretação dos factos e adequada aplicação do direito no concernente ao nº 10 do citado art. 26º do CE, como parece ter havido lapso na fixação da indemnização a título de benfeitorias; B. Sendo admissível o fraccionamento e a construção na parcela, pelo facto de estar integrada em núcleo urbano e possuir mais de 3000m2, segundo PDM, estamos na presença de um terreno ideal, para sem custos acrescidos para o proprietário, quer de organização, comercialização e até de impostos, como entende a Mª Juiz “quo”, por desnecessidade de operações urbanísticas e imobiliárias, promover a sua venda, sem quaisquer encargos ou riscos; C. Terrenos ou parcelas como estas, são as mais procuradas, de melhor e mais simples venda, já que não necessitam de transformação, de realização de trabalhos específicos ou da execução de infra-estruturas para a sua alienação; D. Só pelo facto de estarem inseridas em zonas de RAN, mas com grandes potencialidades de construção, atento os núcleos urbanos onde se situam e sabendo os seus proprietários que as construções a efectuar terão de se harmonizarem com núcleos urbanos já consolidados, propiciam a sua venda com rapidez, para quem pretende paz, sossego e espaços verdes envolventes; E. Ora atenta a garantia de sucesso da operação urbanística e imobiliária sem qualquer esforço do proprietário ou investidor, são estas parcelas que se enquadram na excepção defendida pela Mª Juiz “a quo”, em que há a garantia quase absoluta de sucesso de inexistir qualquer risco, esforço e custos acrescidos, conforme se escreve a pag. 335 da douta sentença dos autos; F. Não se justifica a fixação do factor correctivo de 5%, tal como considerou o laudo minoritário, por manifesta ausência de risco e esforço na actividade construtiva; G. Também no tocante a benfeitorias não andou bem o Tribunal “a quo”; H. O valor da indemnização do muro referenciado na al. a), do ponto 31, da sentença de pag. 336, não deve ser o aí indicado, mas o formulado no Relatório dos Senhores Peritos e fixado por unanimidade; I. O Tribunal “a quo”, sem qualquer justificação, fixou a indemnização atribuída no laudo de Arbitragem que havia sido objecto de recurso, quando devia ter fixado a atribuída por unanimidade dos 5 (cinco) do Relatório, incluindo o da entidade expropriante, que fixou a indemnização justa em 13.680,00€, a título de benfeitorias; J. E tal lapso, é mais notório, quando se lê, o que vem escrito na sentença pela Mª Juiz “a quo”: “uma vez que a entidade expropriante concordou com o juízo dos árbitros quanto à avaliação do muro, fez-se caso julgado”; K. Como houve recurso dos expropriados do laudo de arbitragem, o que a Mª Juiz pretendeu dizer é que houve unanimidade de todos os Peritos, incluindo da Expropriante, do Relatório de Arbitragem, que não colocou em causa o valor das benfeitorias, pelo que deve ser fixado não em 11.400€, mas em 13.680,00€; L. A indemnização a atribuir na presente expropriação nunca deverá ser inferior ao laudo maioritário dos Senhores Peritos do Relatório, no montante de 149.194,44€, actualizado pelas disposições legais em vigor; Mais pugnaram, em Contra-alegações pela improcedência do recurso da expropriante com os seguintes argumentos conclusivos: A. Quer no laudo de Arbitragem, quer no Relatório de Avaliação, sempre a parcela expropriada foi considerada apta para a construção, por unanimidade dos Senhores Árbitros e Peritos, independentemente de estar situada na RAN; B. Sempre no critério de avaliação de ambas peritagens a parcela esteve marginada por acesso infra-estruturado, existindo habitações na envolvente integradas em núcleo urbano, à data da vistoria “aprm”, com dois pisos, diversas moradias unifamiliares, respondendo os peritos nesse sentido aos quesitos da expropriante no Relatório, C. Também foi subscrito por todos os Peritos no Relatório que “a profundidade do terreno ao longo do arruamento é inferior a 50 m, o que para o tipo de habitação existente na envolvente se pode considerar adequado e de utilização em toda a sua profundidade”; D. O mesmo é dizer-se que a parcela podia ser construída em toda a sua extensão, sem formação de lotes, sem outras despesas senão as resultantes da implantação das moradias, conforme resulta da resposta dada ao quesito 6º da expropriante no Relatório; E. Por unanimidade, consideraram os peritos que o coeficiente de ocupação era de 0,6m2/m2, o que corresponde à média dos índices das construções na envolvente, e só pelo facto da parcela estar inserida na RAN; F. Em todos os outros critérios de interesse para a avaliação, nomeadamente, os constantes do nºs 7, 8 e 9 do art. 26º do CE, houve acordo unânime dos peritos; G. Somente no tocante ao nº 10 do citado art. 26º, houve uma pequena divergência do perito da expropriante e outro, que admitiram um factor de risco mínimo de 5% na promoção da construção, enquanto a maioria dos peritos o consideraram nulo H. Porém, tal posição não tem razão de ser, porque o esforço inerente à construção é nulo, quer pelas características, dimensões e localização da parcela, quer pelo facto de poder ser alienada sem qualquer transformação e sem execução de infra-estruturas; I. Inexiste risco associado e esforço inerente à actividade construtiva, porque se trata de uma pequena parcela facilmente vendável, onde poderão ser construídas uma ou duas moradias, com logradouro privilegiado, com grande potencial de procura, para quem pretende e deseja sossego, tranquilidade e espaços verdes envolventes; J. A sentença do Tribunal “a quo” seguiu, no essencial, a matéria fáctica assente por unanimidade no Relatório, não merecendo quanto a esta qualquer crítica; K. Não há que contabilizar custos nesta pequena parcela que só a apelante ficcionou, já que nem o próprio perito da expropriante no Relatório os vislumbrou, nomeadamente, os dos nºs 8 e 9 do art.26º do CE; L. Cada parcela de terreno tem as suas especificidades, e, no caso concreto, os Senhores Peritos reconheceram que por força da sua configuração e reduzida dimensão não se justificava qualquer loteamento, cf. Resposta ao quesito 6º da expropriante do relatório, gerador de qualquer projecto urbanístico, e, por consequência, gerador dos tão propalados custos inexistentes; M. No caso concreto, não se justificam quaisquer custos acrescidos à construção, sendo, por isso, totalmente aceitável a resposta dada por todos os peritos no relatório, de que o terreno à data da DUP tinha capacidades suficientes para ser imediatamente edificado; N. Os factos invocados pela apelante como justificação para aplicação de um factor correctivo, pelo risco inerente à actividade construtiva, não se coadunam, nem se subsumem, no preceituado em nº 10 do art. 26º; O. A douta sentença errou ao seguir o laudo minoritário preconizado pelo perito da expropriante e outro, que atribuiu, sem justificação factual, um risco de 5% inerente à actividade construtiva, maioritariamente negado pelos restantes peritos; P. O Tribunal deveria, pelo menos, ter admitido o valor da indemnização fixado pelo laudo maioritário do Relatório, no montante de 149.194,44€, que só não foi aceite por unanimidade, pela alegada divergência no tocante ao citado item do nº 10 do art.26º do CE, redundando, assim, num laudo minoritário de 142.425,42€, mesmo assim, de valor superior ao fixado na presente sentença; Q. Não é por força do PDM que era necessário requerer uma licença para construção na parcela, mas sim, por força do RGEU (Regulamento Geral das Edificações urbanas); R. Andou bem o Tribunal, pelas razões expendidas na sentença, ao não aplicar a dedução prevista no nº 4 do art. 23º do CE; S. Acrescerá que não pode ser imputado aos expropriados qualquer culpa pelo facto de inexistir avaliação fiscal actualizada; T. É ridícula e lamentável a posição da expropriante que mais parece pretender ser cobradora de impostos em proveito próprio, pretendendo, de modo ilícito, reduzir a indemnização dos expropriados; U. O nº 4 do art. 23º do CE deve ser interpretado restritamente, em virtude da entidade expropriante não ser um município, nem o prédio expropriado nele se localizar. V. “O golpe de sorte” com a expropriação da parcela a que a apelante faz uma triste alusão, não foi pedido, nem querido pelos expropriados, que por via dela, sacrificaram, desde já, todo o sossego e tranquilidade que dispunham numa propriedade pacata, pela turbulência diária e para sempre de uma auto-estrada construída de paredes meias com a sua propriedade; W. Aos expropriados foi-lhes imposto o real sacrifício de vender a parcela que lhes fraccionou a propriedade, que muito os desgostou, em nome do interesse colectivo e, no caso concreto, à revelia dos mais nobres princípios da lei, por tampouco lhes ser atribuído uma indemnização compensatória do real valor de mercado da parcela; X. A douta sentença apenas fez uma incorrecta interpretação dos factos e desadequada aplicação do direito no concernente ao nº 10 do citado art. 26º do CE, e, pelo menos, ao não fixar a justa indemnização atribuída pelo laudo maioritário, pelo que, deve ser revogada e substituída por outra, em conformidade com o recurso subordinado dos apelados. 3. Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do cpc - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: A) Do agravo. 1ª Ilegalidade do despacho que indeferiu o pedido da expropriante no sentido de os Srs. Peritos avaliarem a parcela em causa como “solo apto para outros fins”. B) Da apelação da expropriante. 2ª O índice de construção a atender deve ser inferior ao adoptado pelos árbitros e peritos. 3ª Consideração no valor do custo da construção e da indemnização dos factores consagrados nos nºs 8 e 9 do artº 26º do CE. 4ª Aplicação ao valor indemnizatório da parcela da dedução fiscal prevista no artº 23º nº4 do CE. C) Da apelação dos expropriados. 5ª Determinação da indemnização da benfeitoria que constitui o muro de vedação do terreno. D) Das duas apelações. 6ª Inaplicação ou aplicação do factor correctivo previsto nº10 do artº 26º e, neste caso, em que medida. 4. Os factos dados como relevantes foram os seguintes: a) Por despacho n.º 6073-B/2004, de 26/02/2004, do Exmº Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas, publicado no D.R. n.º 73, II Série, de 26 de Março de 2004, foi declarada a utilidade pública e atribuído carácter de urgência à expropriação da parcela de terreno, a seguir identificada, por ser indispensável à obra denominada “A11 / IP 9 – Sublanço Lousada (IC 25) – EN 15 – IP 4/A4 (km 5+425 ao km 9+159”, e, consequentemente, autorizada a posse administrativa: - Parcela nº …, com a área de 3.351 m2, a destacar de um prédio de maiores dimensões, denominado D………., com a área total de 31.300 m2, sito no ………., freguesia de ………., inscrito na matriz rústica sob o artigo 54 e omisso na Conservatória do Registo Predial de Lousada, que confronta do Norte e Nascente com B………., do Sul com E………. e do Poente com Caminho, propriedade dos Expropriados. b) A parcela expropriada confronta do Norte com parte sobrante do prédio, do Sul com E………., do Nascente com B………. e do Poente com caminho; c) À data da vistoria ad perpetuam rei memoriam, a parcela possuía solos de origem granítica, com inclinação suave para poente, dotada de água de rega e encontrava-se completamente ocupada com vinha em bardo, espaçados de 3 metros, ao compasso de plantação de 1 metro, suportada por esteios em cimento de 10x12 cms e espaçados de 5 em 5 metros. A vinha era em casta Azal e apresentava em bom estado vegetativo; Possuía 227 esteios e 1025 vides; d) A propriedade é vedada por muro de suporte em betão com 1,20 metros de altura e 30 cms de espessura; e) A parcela possuía acesso através de caminho público com 6 metros de largura, em terra batida e dotado de iluminação pública e a partir de metade da parcela possuía também pavimentação em betuminoso, rede de abastecimento de água e telefone, onde se verifica a existência de diversas moradias unifamiliares, de dois pisos, algumas relativamente recentes; f) Na envolvente, existe um povoamento disperso, com predominância de moradias unifamiliares isoladas ou em pequenos núcleos; g) A profundidade da parcela ao longo do arruamento é inferior a 50 metros; h) A parcela expropriada esta inserida em área classificada pelo PDM de ………. em Zona de Reserva Agrícola Nacional; i) A parcela está inserida no núcleo urbano de ………., localizando-se a menos de 100 metros da Junta de Freguesia, da Igreja, do Centro de Saúde, existindo diversas construções na envolvente; j) Na parte sobrante da parcela existe, já edificada, uma construção habitacional; 5. Apreciando. 5.1. Primeira questão. A peritagem é um elemento de prova no processo expropriativo. Relevante, necessário e indispensável, porque legalmente obrigatório – artº 61º nº2 do CE. Obrigatório porque a lei parte do princípio que os factos a apurar exigem conhecimentos e apetrechos técnico-científicos que os Srs. Peritos possuem e que escapam ao julgador, pelo que se impõe o seu contributo para uma decisão justa e conscienciosa. Mas, por outro lado, os resultados da peritagem não são inexoravelmente vinculativos para o tribunal, o qual, apreciando-os livremente, a eles pode, ou não, aderir. Destes pressupostos emergem dois corolários. Em primeiro lugar sendo necessário, como pressuposto e conditio sine qua non, determinar a natureza do solo para se apurar o seu valor, e dependendo tal apuramento, pelo menos em boa medida, dos referidos conhecimentos específicos, os Srs. Peritos têm uma muito larga margem de manobra para concluírem se o solo deve ser classificado como “apto para construção” ou “solo para outros fins”. Não podendo eles ser obrigados - sob pena de se estar, em principio, a violar intoleravelmente a sua autonomia essencialmente alicerçada nos seus conhecimentos técnico-científicos - a que se pronunciem num determinado sentido. Nem mesmo, pelo menos por via de regra, exigir-se-lhes que procedam à avaliação com base nas duas hipóteses, ou seja, considerando os dois tipos de solo. O que, condescendendo e em termos essencialmente académicos apenas se poderia admitir em situações limite nas quais, devido à complexidade ou inexistência de elementos, fosse, de todo, impossível ou altamente duvidoso, optar por uma determinada classificação do solo. O que não se vislumbra in casu. Sob pena de o seu contributo probatório se revelar pouco mais que irrelevante ou inócuo, pois que colocariam à apreciação do tribunal todas as hipóteses legais possíveis e, ainda, mais complexo, moroso e dispendioso, com todos os inconvenientes daí decorrentes. Antes pelo contrário, a sua função e as finalidades que se pretendem obter desta prova, implicam que, desde logo, ela aponte para um determinado caminho, para uma concreta solução. Em segundo lugar porque, como se disse, esta solução apontada pelos peritos não é inatacável e imperativa. Nem para o juiz nem para as partes. Estas, desde logo podem pedir esclarecimentos sobre o relatório como, aliás, se verificou no caso vertente. Prestados estes esclarecimentos podem ainda as partes, concluídas as diligências de prova, alegarem o que se lhe oferecer quanto às mesmas, vg. a pericial, ou seja, escalpelizarem-nas e, até, valorarem-nas, podendo expressar a sua discordância para com elas nos termos do artº 64º nº1 do CE – cfr. Pedro Paes, Ana Pacheco e Luís Barbosa in Código das Expropriações, Almedina, 2003, p.266. Apreciação e valoração estas que, finalmente, serão, em última análise, livremente efectivadas pelo julgador – artº 655º do CPC. O qual, dentro do seu poder inquisitório – cfr. artº 265º nº3 do CPC - e até à prolação da sentença final, sempre poderá ordenar as diligências tidas por pertinentes para o apuramento da verdade material com vista á realização da justiça. Expostas estas considerações gerais, há que dizer que as particularidades do caso sub júdice são ainda mais sintomáticas da sem razão da impetrante. Em primeiro lugar por que não procedem os argumentos em que se estriba. Já porque - versus o por ele defendido - não é entendimento unânime dos tribunais – tal como, acertadamente, foi referido na sentença - que as parcelas inseridas em RAN devem ser sempre classificadas como “solo apto para outros fins”, importando deste modo fixar o valor da parcela de acordo com tal classificação. Já porque configurando, como ela – aqui bem - afirma a classificação do solo uma simples qualificação jurídica, o tribunal não está vinculado pela classificação feita pelos Srs. peritos ou pelas partes, certo é que sempre o juiz pode optar por classificação diversa da propugnada pelos peritos, sem se obrigarem estes – ao arrepio ou com compressão da sua autonomia técnico-científica e com prejuízo de princípios de eficácia, economia, síntese e celeridade – a plasmarem no relatório todas as hipóteses legalmente admissíveis. Em segundo lugar e finalmente – the last but not the least – porque de todo o processado se extrai que a recorrente aceita, ainda que, naturalmente, a contra-gosto, a classificação do solo como “apto para construção”. Tal extrai-se desde logo do teor dos esclarecimentos pedidos aos peritos e ressumbra inequivocamente da conclusão 4ª do recurso de apelação. Sendo que a sua oposição se limita e centra no acolhimento ou não acolhimento e na ponderação dos critérios legais para a determinação do valor de tal tipo de solo. Assim se concluindo que, neste particular, quer em tese ou abstractamente, quer perspectivados os contornos do caso concreto, não assiste razão à expropriante. 5.2. Segunda questão. Liminarmente há que dizer que o laudo pericial foi subscrito por unanimidade no que concerne a todos os critérios legais para determinação do valor indemnizatório, excepto quanto a um, a saber: a consideração, ou não, do factor correctivo previsto no nº10 do artº 26º do CE, o que foi aceite pelo perito do expropriante e por um perito do tribunal e foi recusado pelos restantes. Verifica-se, assim que existe uma larga margem de consenso entre os Srs. Peritos, incluindo o da expropriante. Consequentemente - como é sobejamente consabido mas nunca é demais repeti-lo - devido ao respeito que os seus conhecimentos técnico-científicos devem merecer apenas perante uma prova clara, cabal e inequivocamente orientada em sentido diverso do por aqueles propugnado, ou perante a constatação de erro seu ou lapso manifesto ou adopção de critério ostensivamente inadmissível, se poderá contrariar a sua fundamentação e suas conclusões. Isto na parte em que as mesmas se reportem à percepção e valoração técnica dos factos. Pois já no que tange à formulação de juízos jurídico-normativos e à estrita subsunção dos factos ao direito, a lei reserva tal tarefa ao julgador. – cfr. entre muitos outros, os Acs. da Relação de Lisboa de 03.11.2005 e de 16.03.2006, in dgsi.pt. ps.3525/2005-6 e 241/2006-6; Ac. da Relação de Guimarães de 04.10.2007, p.1565/07-1 e Alberto dos Reis, CPC anotado, IV, 186. Por outro lado, os critérios de avaliação dos bens, previstos nos arts. 26º e segs. do Cód. das Expropriações, constituem referenciais, indicadores para uniformização de situações idênticas e normais, que podem ser afastados quando (mas só quando), apenas com a sua intervenção, se não obtenha a justa indemnização, por a concreta situação sair fora da normalidade. - Ac. da Relação do Porto de 15.10.2007, dgsi.pt, p.0732452. Posto isto constata-se que a expropriante refere que os Srs. árbitros e peritos foram demasiado generosos na fixação do índice de construção pois que a parcela expropriada encontrava-se inserida, de acordo dom o PDM, em zona de Reserva Agrícola Nacional, sendo normal, para esta zona, uma forte limitação à aptidão construtiva, que se traduzia num índice de 0,02 m2/m2. Há, desde logo, uma disparidade entre o laudo arbitral e o relatório pericial. Naquele fixou-se um índice de 0,33 m2/m2 para a parte habitacional e 0,1 m2/m2 para os anexos. A tal se chegando no pressuposto que num hipotético lote de 750m2 seria possível construir uma moradia com a área coberta de 10mx12,5m o que dá uma área de 250m2 e uns anexos com 75m2. Neste, por unanimidade, atingiu-se um índice de 0,60m2: «tendo em atenção a localização da parcela, próxima do centro da Freguesia…próxima de vários equipamentos e considerando as construções típicas da envolvente.» De notar que os expropriados, em sede de recurso da decisão arbitral, contestaram o índice de construção nela atribuído à parcela, pugnando pelo que veio a ser consagrado no relatório pericial, até porque ele se situa: «muito abaixo do limite do imposto pelo PDM de .......... de 0,9m2/m2, atento o disposto no artº 15º nº2 al.b) desse normativo.» Valor este que não é posto em causa nos autos. O índice de construção, que corresponde á relação entre a área construída, ou que é possível construir e a área total do lote, deve, em princípio, ser determinado de acordo com o estabelecido no PDM – cfr.Pedro Paes, Ana Pacheco e Luís Barbosa ob. cit, p.175. Não obstante, o ser permitido, pelo PDM e leis ou regulamentos em vigor, um certo índice de construção para determinada zona, isso não significa, só por si, que, pela sua consideração única e exclusiva, tal potencial volume de edificabilidade seja passível de implantação na parcela em causa. Antes de mais e acima de tudo haverá que ajustar se aqueles índices, no caso concreto, são os urbanisticamente adequados, tendo em consideração as características dessa parcela, designadamente a sua área e configuração geométrica, especificidades da zona envolvente, bem como as dos edifícios aí situados e o tipo de construção já existente nas imediações – cfr. Acs. da Relação do Porto de 03.07.2003, dgsi.pt. p. 0332821 e de 19.04.2005, p.0521678. A expropriante adianta um índice de construção condicionado pelas limitações decorrentes de localização em RAN. Valor este que, aliás, nem sequer dimana de elementos probatórios constantes dos autos. Antes sendo por ela indicado, ao que parece, por entender que tal é “normal”. E que contraria a sua posição assumida nos autos, pois que, conforme deles dimana, não se insurgiu, atempadamente, contra o índice proposto pelos árbitros, o qual, assim, quanto a ela fez caso julgado, na medida em que a decisão arbitral tem a natureza de uma decisão judicial, sendo-lhe aplicáveis as regras estabelecidas para as restantes decisões judiciais. Efectivamente se na alegação de interposição de recurso da decisão arbitral a parte aceitou a aplicação pelos árbitros de determinado critério, não pode depois impugná-lo nas alegações finais desse recurso - cf. entre outros, o Ac. da Relação do Porto de 10.04.1997, CJ, II, 212; o Ac. da Relação de Lisboa de 26.11.1998, CJ, V, 104 e o da Relação de Coimbra de 8.03.2006, CJ, II, 10. Decorrentemente, nunca o índice por ela proposto ou sugerido poderia ser aceite, sendo-lhe, no mínimo, imposto o fixado pelos árbitros, pois que com o mesmo oportunamente se conformou. Em todo o caso, sendo a parcela classificada como “solo apto para construção”, é nesta perspectiva que deve, qualitativa e quantitativamente, ser considerada a sua potencialidade construtiva. O índice adiantado pelos peritos situa-se bem abaixo do limite consagrado no PDM. Tal índice encontra-se suficientemente fundamentado e foi atingido por unanimidade dos cinco peritos. Aliás dos elementos constantes no processo, rectius a fotografia inserta no laudo arbitral, retira-se que na zona envolvente se encontram edificadas várias moradias, com dimensões diversas, algumas das quais ultrapassam as que em tal laudo foram indicadas para justificar o valor do índice construtivo a que se chegou. E inexistindo os supra elementos probatórios que infirmem os fundamentos e a conclusão dos peritos no que a este critério concerne, e não se verificando que os mesmos se alicerçam em critério ostensivamente inadmissível, é evidente que não se pode inferir lavrar a sua posição em erro ou lapso manifesto, antes pelo contrário. Havendo, consequentemente, que manter o índice. 5.3. Terceira questão. 5.3.1. Prescreve o artº 26º nº8 do Código das Expropriações: «Se o custo da construção for substancialmente agravado ou diminuído pelas especiais condições do local, o montante do acréscimo ou da diminuição daí resultante é reduzido ou adicionado ao custo da edificação a considerar para efeito da determinação do valor do terreno.» Este segmento normativo transcreve o nº4 do artº 25º do Código de 1991. Prevê ele um aumento ou diminuição do custo da construção em função das especiais condições ou circunstâncias do local que tal impliquem. Em primeiro lugar as condições a considerar não são umas quaisquer, designadamente as situadas a montante, isto é, as necessárias para tornar efectiva a capacidade construtiva da parcela. Pois que tal alargaria demasiadamente a previsão legal e conferir-lhe-ia contornos de tal modo abrangentes e indefinidos que descambaria numa intolerável aleatoriedade. Antes tais condições devem ser entendidas como reportadas aos próprios contornos físico-materiais da parcela que afectem - para melhor: diminuindo-os, ou para pior: aumentando-os - os custos da construção. Como sejam, p.ex., as sua características orográficas ou a sua inclinação, na medida em que é muito mais difícil e oneroso construir num terreno montanhoso e com um declive acentuado do que num terreno plano e sem tal declive ou inclinação. Em segundo lugar porque não são quaisquer condições ou circunstâncias do terreno que justificam a aplicação deste segmento normativo, nem as suas consequências no preço da construção podem apenas ser medianas ou normais. Importa que sejam condições especiais, ie. fora do comum, extraordinárias. E que a variação do custo da construção que elas acarretem seja substancial, relevante e acentuado, ultrapassando certos acréscimos ou aumentos que normalmente decorrem de certas dificuldades geralmente inerentes à actividade construtiva – cfr. Ac. da Relação do Porto de 19.04.2005, dgsi.pt, p.0521678. No caso vertente nada se apurou e sequer emerge dos autos que a parcela expropriada encerre tais especiais condições. Nem sendo de acolher a tese da expropriante que defende que o caso se deve subsumir na presente previsão legal pois que: «tanto os Senhores Árbitros como os Senhores Peritos, embora com especificações distintas, avaliaram o terreno expropriado como se o mesmo tivesse sido sujeito a operação de loteamento e que para a eventual criação de lotes existem encargos a considerar, tornando-se necessário, de igual forma, reforçar e conduzir as infra-estruturas existentes.» A referência à criação de lotes apenas foi feita na arbitragem e não na peritagem. E, naquela, naturalmente e como refere a recorrente, apenas em termos “idealizados”, para melhor concretizar o critério e os pressupostos base para a definição do índice de construção. Tendo a parcela aptidões construtivas e inserindo-se ela num terreno com mais de três hectares, superior á respectiva unidade de cultura, naturalmente que não seria obrigatório e imperioso que os expropriados recorressem a qualquer operação de loteamento para nela construir uma moradia, até porque na zona envolvente, com idênticas características, outras construções similares – moradias unifamiliares com dois pisos, algumas das quais relativamente recentes – já existem. 5.3.2. Por seu turno estatui o art. 26º n.º9: «Se o aproveitamento urbanístico que serviu de base à aplicação do critério fixado nos nºs 4 a 8 constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes, no cálculo do montante indemnizatório deverão ter-se em conta as despesas necessárias ao reforço das mesmas.» Este preceito é inovador em relação ao código de 1991. Introduzindo um elemento redutor no calculo da indemnização. Deve entender-se que as infraestruturas a que se reporta são as mencionadas na al.a) do nº2 do artº 25º: acesso rodoviário, abastecimento de água, energia eléctrica e sistema de saneamento ou, nos termos da alínea b), as existentes no núcleo urbano em que o solo se insere. Mais uma vez o legislador foi exigente para fazer actuar a previsão legal. Pois não se contenta com uma sobrecarga qualquer mas antes exige uma sobrecarga “incomportável”. Compreendendo-se porquê. É que o valor das infra-estruturas normais já está considerado na não aplicação das diversas percentagens a elas atinentes referidas no n.º7 do citado art. 26º. Consequentemente, faltando uma ou mais dessas infraestruturas, o seu valor não é tomado em conta para o efeito de aumentar a percentagem do valor do terreno em relação ao valor da construção. E assim, a ausência das mesmas, provocando uma diminuição do valor do terreno, está obviamente a ser tomada em conta para o efeito do cálculo do mesmo valor – cfr. Ac. da Relação do Porto de 31.03.2004, dgsi.pt. p.0431552. No caso sub júdice falece nitidamente razão á recorrente. Pois que o mencionado segmento normativo não tem aplicação. Efectivamente, e por um lado, tanto os árbitros como os peritos fundaram os seus cálculos na base da construção de moradias unifamiliares que constituem já as: «construções típicas da zona envolvente». Por outro lado, certo é que a parcela possui acesso através de caminho público com 6 metros de largura, em terra batida e dotado de iluminação pública e a partir de metade da parcela possui também pavimentação em betuminoso, rede de abastecimento de água e telefone. Torna-se, destarte, evidente que existe uma relação de adequabilidade e de normalidade entre as construções admitidas como possíveis pelos peritos e aceites pelo tribunal e a natureza, amplitude e qualidade das infraestruturas existentes. Nada nos autos se provando ou sequer indiciando que o referido aproveitamento urbanístico que serviu de base à determinação do valor do solo e da indemnização constitua uma sobrecarga incomportável para as mencionadas infra-estruturas neste existentes. Aliás esta norma deve ser aplicada com cautelas, cum granno sallis. Em primeiro lugar porque, como já se referiu, ela não pode deixar de ser concatenada com o estatuído na parte restante do artº 26, rectius o seu nº7. Em segundo lugar porque se vislumbra sempre difícil, na prática, quantificar as despesas necessárias ao reforço das infraestruturas. Em terceiro lugar porque constituindo normalmente o reforço das infraestructuras um benefício para outros prédios adjacentes não pertencentes ao expropriado, não parece justo – por violação do princípio da igualdade e da atribuição da equitativa indemnização expropriativa– obrigar o expropriado a arcar sozinho com as correspondentes despesas a deduzir naquela indemnização – cfr. Alípio Guedes in Valorização dos Bens Expropriados, Almedina, 2003, p.90. 5.4. Quarta questão. Nos termos do art. 23º, n.º 4 do CE: «Ao valor dos bens calculado por aplicação dos critérios referenciais fixados nos artigos 26º e seguintes, será deduzido o valor correspondente à diferença entre as quantias efectivamente pagas a título de contribuição autárquica e aquelas que o expropriado teria pago com base na avaliação efectuada para efeitos de expropriação, nos últimos cinco anos.» Este segmento normativo tem tido interpretações diversificadas. Para uns ele deve ser aplicado sem quaisquer restrições, independentemente da natureza da entidade expropriante e do expropriado – cfr. Pedro Paes… e Alípio Guedes, obs. Cits., p.142/143 e 79, respectivamente. Para outros ele tem de ser interpretado restritivamente, apenas podendo ser aplicado quando a entidade expropriante seja um município e o prédio expropriado se localize na respectiva circunscrição territorial – F. Alves Correia, RLJ, 133º, p.116/117. Finalmente para outros ele é, de todo, inaplicável, por inconstitucional, já que viola o princípio da igualdade e da irretroactividade da lei fiscal, consagrados nos artºs 13º e 103º nº3 da Constituição – Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 07.03.06, dgsi.pt, p.0526223. Propendemos para esta última orientação. De facto, tal norma tem subjacente a actualização retroactiva da matéria colectável da contribuição autárquica e a liquidação e cobrança retroactivas do acréscimo do mesmo imposto, no período correspondente aos cinco anos anteriores à data da declaração de utilidade pública. E fere nitidamente o princípio da igualdade. Não apenas na vertente da expropriante se se admitisse tal possibilidade às Câmaras Municipais em detrimento de outras entidades. Como, acima de tudo, na perspectiva do expropriado. Na medida em que está a onerar e prejudicar - por chamamento de meros critérios de cariz estritamente fiscal e que substancialmente em nada se conexionam com o acto expropriativo - os donos dos prédios expropriados, em contraposição com os proprietários de prédios idênticos que podem até ser contíguos. Na verdade, o desapossamento ex vi de um acto expropriativo, é, já por si, uma situação normalmente imposta á vontade do expropriado e, que, geralmente, a contraria. Por outro lado, a indemnização atribuída, apesar de, doutrinal e jurisprudencialmente se pretender que corresponda ao preço normal do bem, decorrente do funcionamento das leis do mercado, está sujeita a critérios legais, os quais por diversos motivos, vg. por distintas interpretações de que são objecto – como o presente caso e muitos outros são paradigma – por vezes podem descambar na atribuição de valor que não satisfaça tal desiderato. Acresce que a afectação da esfera jurídico-patrimonial do expropriado, se reporta á satisfação de interesses comunitários e de ordem pública, constituindo a mesma, objectivamente, uma contribuição necessária, por vezes sine qua non, para a consecução de tal fito. Sendo que, por vezes o expropriado fica ainda, posto que mediata e indirectamente, prejudicado, condicionado ou constrangido, quer a nível patrimonial, quer na vertente da sua esfera jurídica pessoal. Já porque, vg. nas expropriações parciais a parte sobrante fica afectada na produção das suas completas e cabais utilidades, o que nem sempre é devidamente compensado; já porque certas obras a que os terrenos se destinam, como sejam as vias publicas, acarretam a inquinação da qualidade ambiental, designadamente pela produção de poluição sonora e atmosférica. Do que, aliás, neste autos os expropriados se queixam. Não parece, destarte, legal, mas acima de tudo, justo e equitativo permitir tal diferenciação, mais a mais com sobrecarga e prejuízo de quem já está a dar um contributo para o bem comum, com alguma afectação ou compressão dos seus direitos, com a agravante de algumas vezes nem sequer ser cabal e adequadamente ressarcido ou compensado. 5.5. Quinta questão. Pretendem os expropriados que o valor indemnizatório da benfeitoria considerada na parcela, qual seja um muro de vedação, seja fixado em 13.680,00€, montante fixado na peritagem e não em 11.400€ como atingido anteriormente na arbitragem e determinado na sentença. A Sra. Juiza “a quo” assim decidiu porque: “uma vez que a entidade expropriante concordou com o juízo dos árbitros quanto à avaliação do muro, fez-se caso julgado”. Os expropriados entendem que tendo eles recorrido do laudo de arbitragem não pode ter havido caso julgado. Vejamos. A decisão arbitral, porque proferida por tribunal arbitral necessário, nos termos do artº 1525º do CPC, constitui uma verdadeira decisão judicial, com a potencialidade de formar caso julgado, nos termos do CPC. Certo é que o trânsito dessa decisão não abrange o que nela tenha a ver com uma qualificação jurídica, posto esta matéria estar reservada ao juiz, o qual não está sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras do direito que nessa decisão tenham sido feitos. Por outro lado, sendo o objecto do recurso delimitado pelo teor das conclusões, é por estas que tem de se apreciar se determinada questão apreciada pelo Acórdão arbitral transitou, ou não, em julgado. – cfr. Ac. do STJ de 09.05.1990, BMJ, 397º, 423 e Ac. da Relação do Porto de 11.05.06, dgsi.ptp.0631941. In casu e conforme se alcança do teor d fls.62 e segs. quem recorreu da decisão arbitral foram os expropriados, sendo que a expropriante apenas o fez subordinadamente. E naquele recurso os expropriados expressamente se insurgiram contra o valor - 11.400 euros - em tal decisão atribuído ao muro ora em causa e classificado como benfeitoria, pugnando que aos mesmo - na consideração de que o seu custo de construção ascenderia a 130,00 euros por metro – fosse atribuído um valor indemnizatório de 24.700 euros – cfr- artº 39 das alegações. Temos, assim, que contrariamente ao expendido na decisão recorrida, esta questão não transitou em julgado. E, tanto assim, que foi apreciada no relatório pericial. Tendo os Srs. Peritos, por unanimidade – e no pressuposto que o m2 de construção do muro ascendia a 60 euros, versus o entendimento dos Srs. Árbitros que optaram pelo valor de 50 euros – fixado o valor indemnizatório em 13.680 euros. Nada nos autos nos permite contrariar a posição unânime dos peritos, que, certamente foi adoptada com base em conhecimentos técnicos que escapam a este tribunal e análise directa, in loco, do local e do muro. Assiste, decorrentemente, razão aos expropriados, neste particular. Devendo o valor a fixar pela referida benfeitoria ser o de 13,680 euros, o que implica uma indemnização remanescente para os expropriados de 2.280 euros. 5.6. Sexta questão. Prescreve o nº10 do artº 26º do CE. «O valor resultante da aplicação dos critérios fixados nos n.ºs 4 a 9 será objecto da aplicação de um factor correctivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à actividade construtiva no montante máximo de 15% do valor da avaliação». Esta norma tem por função diminuir o valor da avaliação com o fim de o ajustar ao valor do mercado. E é ditada por exigências de igualdade entre o expropriado que, por virtude da expropriação, obtém uma indemnização sem sofrer os riscos e o esforço decorrentes do processo construtivo e o não expropriado que, em idênticas condições, levasse a cabo a edificação possível. Na verdade em situações normais, existem esforços, riscos e custos inerentes à construção que devem ser tomados em conta no valor da avaliação. Estão em causa, vg., os riscos inerentes aos custos de organização, marketing, impostos, acidentes na obra, mau tempo, surpresas geológicas, encarecimentos da mão-de-obra e dos materiais e, até, riscos inerentes à comercialização, como, por exemplo, depreciação do imóvel, dificuldades de venda por retracção do mercado por virtude de aumento das taxas de juro de empréstimos para habitação que o expropriado suportaria se tivesse podido realizar o empreendimento admitido como possível na avaliação. A aplicação deste normativo funda-se, pois, no pressuposto de que o expropriado ao receber uma indemnização liquida dos custos que normalmente advêm dos riscos e do esforço inerentes à efectiva edificação, ficaria numa situação de intolerável vantagem ou benefício. Mas se por via de regra tal risco e esforço existem, em tese é admissível que eles se não verifiquem, pelo menos com a relevância e amplitude suficientes para afectarem o referido princípio da igualdade e, assim, poderem ser considerados. É que, como é referido na sentença e sufragando-se em jurisprudência, por um lado, a indemnização já é fixada por valores médios; por outro, no custo da construção, factor a tomar em consideração para cálculo do valor do terreno, já se entra em linha de conta com o esforço construtivo na situação concreta; e, finalmente, pode o expropriado vender o terreno a alguém que depois vai construir. Logo, e como outrossim constitui jurisprudência uniforme, a aplicação deste factor correctivo não opera de modo automático, ou seja, não decorre do simples facto da concretização do acto expropriativo. Nesta conformidade para o seu funcionamento exige-se uma comprovada inexistência de risco e esforço inerente à actividade construtiva, relevante na situação concreta, capaz de justificar uma redução do valor da avaliação do solo apto para construção, ajustando os custos à realidade hipotética. O que passa pela prova da demonstração dos riscos que seriam corridos e os esforços que seriam suportados no caso de uma efectiva edificação no terreno expropriado, se não fosse a expropriação. Na verdade a aplicação da dedução de forma sistemática, abstracta, “cega” e, quiçá, no seu máximo admissível, acarretaria a violação dos princípios da justa indemnização e da igualdade, na medida em que se prejudicariam indevidamente os expropriados nos casos em que a efectiva construção, se não fora a expropriação, não acarretasse riscos ou esforços que originassem despesas ou encargos relevantes - cfr. Acs. da Relação do Porto de 31.03.2004, dgsi. pt. p.0431552; de 19.04.2005, p.0521678; de 16.05.2006, p.0621568 e de 15.10.2007, p.0732452. No caso sub júdice este ponto foi o único em que os peritos divergiram. E que mereceu apreciações díspares da julgadora e de ambas as partes. Sendo que a Sra. Juíza optou pela posição dos peritos minoritários – um do tribunal e outro da expropriante - que entendeu ser aplicável o factor correctivo de 5%, quando a maioria dos técnicos entendeu não ser aplicável qualquer percentagem. Fundou-se no facto de: «a parcela em causa se encontrar inserida em zona de RAN – o que restringe – e muito - as suas capacidades construtivas.» Considerando o aproveitamento urbanístico que se considerou possível para o local – construção de moradias familiares – e as características de toda a zona envolvente – na qual já existe um aproveitamento urbano de semelhante jaez –, bem como todas as infraestruturas que já servem a parcela, não nos parece que o simples facto de ela se encontrar inserida em RAN, dificulte, pelo menos muito, as suas capacidades edificativas. Mas tal não significa que tenha necessariamente de se aplicar a percentagem zero - 0% -do presente factor de correcção, como pretendem os expropriados. Pois que, como se viu, na esmagadora maioria dos casos, qualquer actividade de efectiva urbanização e edificação acarreta, por comparação com uma situação indemnizatória decorrente de expropriação, seguramente esforços acrescidos e, quase sempre e muito provavelmente, riscos e custos adicionais, oriundos de toda uma plêiade de situações que supra e apenas exemplificativamente se referiram. O que, no caso concreto, não se provou que não possam vir a verificar-se, ou seja, pode admitir-se que se indicia suficientemente que, in casu, e em termos de normalidade, tais esforços, riscos e custos sobrevirão, não constituindo ele uma das situações excepcionais em que tal, seguramente, não se verificará. Certo é, porém, que não parece que eles assumam uma relevância e magnitude tais que permitam a aplicação de uma percentagem próxima do limite máximo legal:15%, como pretende a expropriante e ao arrepio quantitativo da posição assumida pelo seu próprio perito. Assim e tendo na sentença sido fixada a percentagem de 5% afigura-se-nos que tal valor se apresenta situado dentro de parâmetros admissíveis, o que vale por dizer que se vislumbra como razoável, sensato e susceptível de operar a equilibrada composição dos direitos e interesses aqui em ponderação. Havendo, consequentemente, que mantê-lo. 6. Deliberação. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso da expropriante e conceder parcial provimento ao recurso subordinado dos expropriados e, consequentemente fixar a indemnização da benfeitoria correspondente ao muro no montante de 13.680 euros, o que acarreta um valor indemnizatório global de 142.425,04 euros. No mais se mantendo a sentença. Custas pelas partes na proporção da presente sucumbência. Porto, 2008.04.22 Carlos António Paula Moreira Maria da Graça Pereira Marques Mira António Guerra Banha |