Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA | ||
Descritores: | SUBEMPREITADA DEFEITOS DA OBRA EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP20141002362730/10.8YIPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/02/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - Um auto de medição, tem apenas por finalidade, em regra, medir o volume de trabalhos executados em ordem a permitir a emissão da factura correspondente, pelo que, excepto no tocante aos defeitos visíveis, não se pode extrair do simples facto de o dono da obra assinar o auto de medição em conjunto com o empreiteiro que aceitou sem reservas a obra realizada. II - Para exercer qualquer dos direitos relativos aos defeitos da obra, o dono da obra necessita de os denunciar, mas a denúncia pode ser feita inclusivamente nos articulados da acção onde se pretende fazer valer desses direitos desde que ainda esteja em tempo ou o empreiteiro não argua a caducidade por ultrapassagem do prazo para a denúncia. III - Perante a existência de defeitos na obra, o dono da obra, obrigado a pagar o preço da obra à medida da elaboração dos autos de medição, pode opor a essa obrigação a exceptio non rite adimpleti contractus. IV - O exercício dessa excepção tem de respeitar os ditames da boa fé, mas tal não exige que a prestação do dono da obra que é suspensa seja rigorosamente proporcional ou tenha a exacta medida da prestação realizada defeituosamente uma vez que a excepção é um mecanismo de coerção privada destinado a assegurar o cumprimento pontual. V - A consequência da exceptio non rite adimpleti contractus deve ser aferida em função das características do caso concreto, devendo ser a improcedência da acção e não a condenação a pagar quando for feita a reparação dos defeitos nos casos em que a matéria de facto não permita sequer saber se o empreiteiro está em mora ou incumprimento definitivo, se a reparação dos defeitos não exige mesmo a realização de uma obra nova, se esta é possível, se a final o dono da obra não acabará por exercer o direito à redução do preço ou à resolução do contrato. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Recurso de Apelação Processo n.º 362730/10.8YIPRT.P1 [Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. B…, Lda., com sede em …, Vila Nova de Famalicão, apresentou no Balcão Nacional de Injunções requerimento de injunção pedindo a notificação da requerida C…, S.A, com sede em …, Cascais, para lhe pagar a quantia de €177.788,44 de capital, acrescido de juros de mora no montante de €3.608,00. Para o efeito, alegou que no dia 11 de Fevereiro de 2010, celebrou um contrato de subempreitada com a requerida, que consistia na execução de trabalhos de fornecimento, transporte e aplicação de revestimentos de pavimentos na obra da D…, em Coimbra da qual a requerida era o empreiteiro geral; que a obra foi executada pela requerente e aceite pela requerida sem quaisquer reservas; que a requerida aceitou os trabalhos efectuados sem vícios conforme atestam os autos de medição que assinou; que após a assinatura dos autos de medição elaborou e apresentou as facturas correspondentes; que a requerida não pagou o valor das facturas correspondente ao pedido formulado. A requerida deduziu oposição, pugnando pela improcedência total do pedido, mediante a alegação de que a parte não paga da 1.ª factura corresponde a uma retenção a título de garantia de boa execução dos trabalhos conforme previsto no contrato; que a requerente executou os trabalhos com defeitos notórios, os quais foram denunciados e a sua reparação exigida, mas a requerente até à data mostrou-se incapaz de resolver os problemas criados, pelo que a requerente não tem o direito ao preço ou, subsidiariamente, a requerida tem o direito de invocar a excepção de não cumprimento. A injunção foi convertida em acção e, após julgamento, foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo a ré do pedido. Do assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1– O quesito 1º (“A Requerida aceitou os trabalhos efectuados sem vícios conforme atesta os Autos de Medição que assinou?) foi dado como não provado, quando deveria ter sido dado por provado atento o teor inequívoco da clausula quarta do contrato de subempreitada de 09.02.2010 junto aos autos pela recorrida e não impugnado pela recorrente e conjugado com os demais factos dados por provados (factos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 85 e 66), o que este Tribunal de recurso pode alterar nos termos do art. 662 NCPC. 2- A recorrida como empreiteira não obstante ser confrontada como alegou com vícios na obra (falta de homogeneidade da cor e engorduramento dos pavimentos) recebeu a obra de pavimentos levada a efeito pela recorrente, ao assinar todos os autos de medição e sem lhe apor quaisquer reservas e ao receber aos facturas dos autos. 3– A recorrida por sua conta e risco tentou reparar a obra levada a efeito pela recorrente, procedendo ao desengorduramento e aplicando um selante acrílico (factos 37 e 38), previamente a qualquer interpelação à recorrente, pelo que, esta nunca foi constituída em mora quanto à sua obrigação de eliminar/reparar quaisquer defeitos na obra. 4– A excepção de não cumprimento na pratica apenas paralisa ou suspende temporariamente a realização da prestação pelo excipiens enquanto se mantiver a recusa de cumprir pela contraparte, pelo que 5– Mesmo a proceder tal excepção (o que não se aceita de modo algum) o pedido principal deveria ser decretado, ficando a sua realização suspensa até à eliminação dos defeitos provados nos autos. 6– A recorrida/empreiteira para aproveitar da referida excepção deveria ter denunciado os defeitos e exigir a sua eliminação pela própria recorrente/subempreiteira, em prazo razoável, para poder operar tal excepção. 7– Mas, também é pressuposto para operar tal excepção, que para além da existência de defeitos, a sua prévia denúncia pela recorrida como empreiteira e a exigência da sua eliminação à recorrente como subempreiteira, o que não foi alegado e provado nos autos pela recorrida. 8– Também não podemos olvidar o princípio da boa fé, que, neste caso se traduz no facto de a excepção ser exercida de modo proporcionado ou adequado à gravidade da inexecução ou violação do contrato, ou seja, as prestações e contraprestações teriam de ser mais ou menos equivalentes (no nosso caso, a recorrida teria de invocar defeitos de valor igual ao credito da recorrente). Só assim se estabelecerá o equilíbrio ou a equivalência entre as obrigações sinalagmáticas. 9– Era à recorrida que se impunha, para se poder valer da excepção de não cumprimento, alegar e demonstrar a tríplice relação entre o incumprimento da recorrente e a recusa em cumprir, nomeadamente, a relação de sucessão, de causalidade e de proporcionalidade. 10– A invocação da excepção, dada a matéria de facto provada nos autos contraria os ditames da boa-fé e constitui manifesto abuso de direito. 11- Entre outras, a sentença recorrida violou os artigos 334º, 428 e ss., 762/2, 1219º e ss. CC e 456 e ss. CPC. A recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado. Após os vistos legais, cumpre decidir. II. As conclusões das alegações de recurso colocam este Tribunal perante o dever de resolver as seguintes questões: i) Se houve erro na apreciação da prova e a matéria de facto do item 1 dos factos controvertidos deve ser julgada provada. ii) Qual a natureza jurídica da denúncia dos defeitos da obra e se no caso os mesmos foram denunciados e a sua reparação exigida. iii) Se estão reunidos os requisitos da excepção de não cumprimento. iv) Qual a consequência da procedência da excepção de não cumprimento relativamente ao pedido da autora: a improcedência da acção ou a condenação da requerida a pagar-lhe uma vez efectuada a reparação dos defeitos. III. Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos: 1 - A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à execução de trabalhos de construção civil – al. A) Factos Assentes. 2 - No âmbito da sua actividade, no dia 11 de Fevereiro de 2010, celebrou um contrato com a Requerida, que consistia na execução de trabalhos de fornecimento, transporte e aplicação de revestimentos de pavimentos na obra na qual a Requerida era o empreiteiro geral, sita na D…, em Coimbra – cfr. doc. de fls. 26 a 29 que aqui se dá por integralmente reproduzido – al. B) Factos Assentes. 3 - Nos dias 08-04-2010 e 10-04-2010, foram assinados dois Autos de Medição (Auto de Medição n.º 1 e n.º 2), pela Requerente e pelo Director de Obra em representação da Requerida, em sinal da conformidade e aceitação dos trabalhos até então efectuados – al. C) Factos Assentes. 4 - Em correspondência com esses Autos de Medição, no dia 13-04-2010, a Requerente elaborou e enviou para a Requerida a factura n.º .., do montante de € 68.776,56, com vencimento no dia 12-06-2010 – al. D) Factos Assentes. 5 - Deste valor, a Requerida liquidou o montante de € 61.898,90 – al. E) Factos Assentes. 6 - No dia 25-04-2010 foi assinado o Auto de Medição (n.º 3), pelo Director de obra em representação da Requerida e pela Requerente – al. F) Factos Assentes. 7 - No dia 30-04-2010, a Requerente elaborou e enviou para a Requerida a Factura n.º ../2010, do montante de € 33.210,78, com vencimento no dia 29-06-2010 – al. G) Factos Assentes. 8 - No dia 02-06-2010, foi elaborado e assinado pela Requerente e Requerida o Auto de Medição n.º 4 – al. H) Factos Assentes. 9 - No dia 31-05-2010, a Requerente elaborou e enviou para a Requerida a Factura n.º ../2010, no valor de € 56.700,00, com vencimento no dia 30-07-2010 – al. I) Factos Assentes. 10 - No dia 15-07-2010, foi elaborado mais um Auto de Medição, concernente aos trabalhos então realizados e que são referidos nesse documento – al. J) Factos Assentes. 11 - Esse Auto foi assinado pela Requerente e, em representação da Requerida, pelo Director de Obra, pelo medidor e Encarregado – al. K) Factos Assentes. 12 - A Requerente elaborou e enviou para a Requerida a Factura n.º ../2010, no montante de 81.000,00, datada de 15-07-2010 e com vencimento no dia 12-09-2010 – al. L) Factos Assentes. 13 - Apesar das várias diligências desencadeadas e do tempo entretanto decorrido, a Requerida, até à presente data, apenas pagou a parte da factura ../2010 – quesito 2. 14 - A Autora facturou e apresentou à Ré para pagamento os valores referidos nos factos assentes – quesito 3. 15 - Não tendo a Requerente apresentado, nos termos contratuais, qualquer garantia bancária para assegurar o exacto e pontual cumprimento das obrigações para si decorrentes do contrato, a Requerida no exacto cumprimento do clausulado no contrato procedeu à retenção da quantia correspondente a 10% do pagamento devido, isto é, € 6.877,66 – quesito 4. 16 - De acordo com o contrato celebrado a Requerente comprometeu-se a executar todos os trabalhos de fornecimento, transporte, aplicação de revestimentos de pavimentos, com resinas de poliuretano …floor 21 PurCem com 4mm de espessura, nas cores RAL 6011 e 6005, de acordo com as amostras apresentadas e aprovadas, incluindo todos os acessórios e trabalhos necessários ao seu perfeito acabamento, definidos quanto à espécie e condições de execução nos documentos da Empreitada patenteados a concurso – quesito 5. 17 - No âmbito da Empreitada "D…" estava inicialmente prevista a aplicação em obra de um determinado tipo de pavimento, mais propriamente o pavimento "Durafloor" – quesito 6. 18 - Em reunião de obra havida em 29 de Dezembro de 2009 foi apresentada pela Requerida C…, após consulta à Requerente, uma alternativa ao revestimento de pavimento constante do projecto, e que se traduzia na substituição do pavimento "Durafloor" pelo pavimento "… PurCem" – quesito 8. 19 - No seguimento do referido supra, foi promovida uma reunião com o Dono de Obra, a Coordenação do Projecto, a Fiscalização, a Requerida, a estrutura comercial da E…, S.A. (na qualidade de fornecedora do Produto), e com a Requerente (na qualidade de executante do pavimento) de modo a serem verificadas e conhecidas as características técnicas e respectivas amostras da solução alternativa apresentada – quesito 9. 20 - As amostras apresentadas pela Requerente, bem como a definição das cores a aplicar em cada uma das unidades a intervencionar, estavam aptas ao fim a que se destinavam, pelo que foram aprovadas pelo Dono da Obra em 2 de Fevereiro de 2010, uma vez que as mesmas se encontravam executadas de acordo com o acabamento pretendido pelo Coordenador do Projecto – quesito 10. 21 - Nos dias 3 e 10 de Março deram-se início aos trabalhos de execução dos pavimentos nas Unidades 5 e 6 da D…, respectivamente, tendo os mesmos sido entregues para utilização da D… a 12 de Abril de 2010. – quesito 11. 22 - No decurso da execução dos trabalhos nas referidas Unidades da D… verificou-se que o acabamento do pavimento aplicado pela Requerente não se encontrava correctamente executado – quesito 12. 23 – [Além do que consta no facto 72] Um dos problemas residia no facto de que aplicação do produto foi feita com 4 mm de espessura, tendo inicialmente sido usadas mós para polimento que geraram excesso de desbaste dessa espessura e coloração irregular. O correcto acabamento final do pavimento consistia na passagem sucessiva de lixa de granulometria variável para aplicação de um selante a final – quesito 13. 24 - Após diversas tentativas com os mais diversos materiais e equipamentos não logrou a Requerente atingir a homogeneidade no pavimento – quesito 15. 25 - Tendo em consideração que não se mostrou possível conseguir o nível de acabamento pretendido e garantido ao dono da obra nos termos da amostra por este aprovada, e com o objectivo de aferir a viabilidade do acabamento proposto foi solicitada à Requerente – no seguimento das instruções do dono da obra – que efectuasse uma nova amostra numa sala da Unidade 3 para posterior aprovação por parte do dono da obra, que a aprovou – quesito 16. 26 - Após vários testes, o Dono da Obra acabou por aprovar, em 6 de Abril de 2010, uma determinada solução idêntica à amostra previamente aprovada – quesito 17. 27 - O pavimento em … PurCem continuou a ser executado e aplicado pela Requerente – quesito 18. 28 - Pelo menos em Julho de 2010, o Dono da Obra detecta e alerta que se encontra a ser utilizado nos pavimentos um produto gorduroso na unidade 4, gordura essa que aparece também nas unidades 1, 2, e 3 – quesito 19. 29 - Perante esta situação, a Requerida C…, de imediato agenda uma reunião com a Requerente e com a E… (empresa fornecedora do produto … PurCem) para identificar e diagnosticar as patologias referenciadas – quesito 20. 30 - Após a realização da aludida reunião a E… envia um relatório técnico onde dá o parecer de que o produto aplicado ao nível do acabamento é desconhecido para si, sendo certo que a solução para os pavimentos passaria, então, pelo desengorduramento de todos os pavimentos para remoção do produto aplicado, após o que deveria ser aplicado um selante acrílico – quesito 21. 31 - No seguimento das indicações dadas pelos técnicos da empresa E…, foi de imediato contratada pela Requerente uma equipa tendo em vista remover todo o produto aplicado, de forma a permitir que a Requerente pudesse concluir os pavimentos projectados com o grau de qualidade exigido – quesito 22. 32 - A C… solicitou de imediato à “B…” a realização dos trabalhos de desengorduramento e aplicação de selante – quesito 23. 33 - A Ambiental estava em obra a executar limpezas e ensaios para a “B…” – quesito 24. 34 - Os trabalhos que haviam sido previstos para as férias do verão não foram objecto de correcta preparação por parte da Requerente porque… – quesito 25. 35 - …o material necessário à execução do pavimento na Unidade 6 apenas foi entregue em obra a 20 de Agosto – quesito 26 36 - Sendo certo que o prazo para a entrega das unidades era o dia 30 desse mês – quesito 27. 37 - Nalgumas Unidades os pavimentos foram desengordurados e aplicado um selante – quesito 32. 38 - Porém, mais uma vez, esta solução não foi satisfatória, pois constatou-se que mesmo após o desengorduramento e aplicação do selante os pavimentos se encontravam muito manchados, não sendo aceites pelo dono da obra – quesito 33. 39 - …em Outubro foram detectadas novas patologias em pavimento (pequenos buracos/orifícios) – quesito 34. 40 - Tendo sido solicitado pela Requerida a realização de mais uma reunião em obra de forma a ser identificado o problema – quesito 35. 41 - Ocorreu reunião no dia 20 de Outubro e na mesma estiveram presentes a Requerente, a Requerida e a E… – quesito 36. 42 - …após essa reunião, após a análise do pavimento danificado, foi elaborado um novo parecer pela E… que concluiu que as novas patologias (poros) tinham a sua génese na deficiente selagem, ou seja, da falta ou insuficiência da aplicação primeira camada do pavimento … PurCem, ou da deficiente passagem do rolo de picos para eliminar ar poluído proveniente da mistura mecânica (nos termos relatados no documento de fls. 40 que aqui se considera reproduzido) – quesito 37. 43 - Os problemas elencados não se verificaram nos pavimentos das Unidades 7 e 9 – quesito 39. 44 - A justificação para tal reside no facto de que nessas unidades foi aplicado, com aprovação do Dono da Obra, e por forma a minimizar o impacto das deficiências verificadas com a execução da solução apresentada e garantida pela Requerente, um revestimento em mosaico hidráulico – quesito 40. 45 - Porque o problema se mantém até à presente data por resolver nas restantes Unidades já foi a Requerente, formalmente notificada, por escrito enviado em 7.12.2010, para proceder à correcção dos defeitos existentes, sob pena de incorrer em incumprimento definitivo – quesito 41. 46 - Relativamente ao processo de aprovação do revestimento de pavimento, no dia 10 de Novembro de 2009, foi realizada uma reunião em obra, na qual estiveram presentes o coordenador de Projecto, o fornecedor do pavimento preconizado "Durafloor", elementos da Requerida e da Fiscalização (VHM), na qual foi discutida a aplicação daquele pavimento – quesito 42. 47 - Ou seja, o material a aplicar no pavimento da obra – D… – previsto no contrato de empreitada celebrado entre o Dono da Obra (F…) e o empreiteiro geral (C…) seria o denominado "Durafloor" – quesito 43. 48 - Numa reunião de obra datada de 29 de Novembro de 2009, foi proposto pela C…, ora requerida, uma alternativa ao revestimento de pavimento preconizado em projecto "Durafloor" por um outro revestimento denominado "… PurCem" – quesito 44. 49 - Esta alteração motivou-se também no facto deste pavimento ser mais barato – quesito 45. 50 - Foram então executadas diversas amostras em laboratório da empresa fornecedora (E…) em superfícies com 10 cm de diâmetro – quesito 47. 51 – As amostras essas que foram aprovadas no dia 02 de Fevereiro de 2010, em reunião de projecto, encontrando-se executadas com o acabamento polido, conforme pretendido pelo coordenador do Projecto – quesito 48. 52 - A Requerente iniciou nos dias 03 e 10 de Março de 2010, a execução dos pavimentos 5 e 6, respectivamente, tendo as unidades sido entregues para utilização da D… no dia 12 de Abril de 2010 – quesito 49. 54 - As amostras são efectuadas em laboratório numa superfície com 10 cm de diâmetro e a aplicação do pavimento em obra é efectuada manualmente e com a utilização de equipamento pesado, o que desde logo, motivaria uma diferenciação da amostra em relação à aplicação em obra – quesito 50. 55 – É a Requerida C… a responsável pela distinção em obra do produto … PurCem relativamente, nomeadamente, ao DuraFloor, – que seria a expectativa do Dono da Obra – quesito 51. 56 - No dia 12 de Abril de 2010 a requerida entregou para utilização, os pavimentos das Unidades 5 e 6 – quesito 52. 57 - Todas as restantes facturas foram elaboradas na sequência de Autos de Medição assinados pelo director de obra em representação da Requerida e pela Requerente, atestando formalmente nesse escrito, a conformidade e aceitação dos trabalhos levados a cabo pela A., em espécie e quantidade, tal como previsto no contrato referido no facto n.º 2 – quesito 53. 58 - Pelo menos no dia 27 de Abril de 2010 foi assinado o Auto de Medição n.º 3, pelo Director de Obra Adjunto, da Ré – quesito 54. 59 - A requerente elaborou e enviou para a Requerida a factura n.º ../2010, no montante de € 33.210,78, exibindo como data de vencimento o dia 29 de Junho de 2010 – quesito 55. 60 - No dia 02 de Junho de 2010, foi elaborado e assinado pela Director de Obra, em representação da Requerida, o Auto de Medição n.º 4 – quesito 56. 61 - …e, em conformidade com esse Auto, foi elaborada e enviada para a Requerida a factura n.º ../2010, do montante de € 56.700,00, exibindo como data de vencimento o dia 30 de Julho de 2010 – quesito 57. 62 - No decorrer da obra foi elaborado e assinado ainda, em 15.7.2010, pelo Director de Obra Adjunto da Requerida, outro Auto de Medição, nº 5 – quesito 58. 63 - Em conformidade com esse Auto, a Requerente elaborou e enviou para a Requerida a factura n.º ../2010, no montante de €81000,00, datada de 14 de Julho de 201042 e exibindo como data de vencimento o dia 12 de Setembro de 2010 – quesito 59. 64 - …nunca a Requerida C… se recusou a assinar os mencionados Autos de Medição ou atestou neles defeitos ou desconformidades dos trabalhos efectuados – quesito 60 65 - Nunca a C… – até então – ordenou que os trabalhos fossem suspensos, mantendo a Requerente em obra até Setembro de 2010 – quesito 61. 66 - Nunca a Requerida recusou a recepção das mencionadas facturas, embora as tenha devolvido em Novembro de 2010 – quesito 62 67 - A E… era a fornecedora do … PurCem – quesito 66. 68 – O … PurCem, proposto pela E…, teve anuência da Requerida, que com este produto e com a forma como foi previsto ser aplicado, conseguiria reduzir os custos da obra a seu cargo – quesito 67. 69 - Dos 16.003 M2 previstos no contrato referido em 2, a Requerente aplicou pelo menos 8.877,31 M2 – quesito 68. 70 - Com correcções pontuais e com os defeitos detectados, todos os espaços foram utilizados pelos alunos, professores e demais pessoas – quesito 69. 71 - A Requerente esteve em obra até Setembro de 2010, sem que antes a Requerida tivesse ordenado que os trabalhos parassem – quesito 70. 72 - Foi a própria E… que instruiu a Requerente no sentido de que a primeira camada dos pavimentos tivesse apenas 2 mm – quesito 76. IV. A] da matéria de facto: A recorrente entende que a decisão de julgar não provado o facto do quesito 1 enferma de erro na avaliação da prova, devendo ser alterada para provado, com fundamento na cláusula 4.ª do contrato celebrado entre as partes. Perguntava-se nesse quesito se “a Requerida aceitou os trabalhos efectuados sem vícios conforme atesta os Autos de Medição que assinou?”. O Mmo. Juiz a quo justificou assim a sua decisão de julgar não provado esse facto: “No quesito 1º, a decisão tem em mente que, apesar do que se reproduz na cláusula 4ª, nº 2, do contrato junto a fls. 28, é patente na prova produzida que quer nestes autos de medição, quer nos que terão, estranhamente, suportado pagamentos pela dona da obra à Ré, os mesmos serviam apenas para medir quantidade de pavimento colocado na obra pela Autora e não aferir a sua qualidade e correspondência com o que foi contratado e, supostamente, querido (não a final), pela dona da obra, pelo que resulta do contrato e caderno e encargos parcialmente junto. Se esmiuçarmos toda a prova pessoal, testemunhal e por declarações de parte, bem como a documental, constituída por autos de reunião e pareceres juntos aos autos, convencemo-nos de que esses autos de medição não aferiram nunca qualidade e ausência de vícios da obra executada pela Autora que desde o início e até ao fim apresentou deficiências e assim foi entregue àquela e terá ficado até hoje, apesar de a F… informar e documentar que todas a faturas emitidas pela C… relativas ao pavimento da D… em apreço foram pagas (cf. fls. 304 e ss.)! Daí a resposta negativa a esta e outras questões conexas infra exaradas.” Como se vê, o único meio de prova que a recorrente invoca para inverter esta análise e conclusão feita pelo julgador para fundamentar a sua convicção, é o teor do próprio contrato, em particular a sua cláusula 4.ª, ponto 2, cuja redacção é a seguinte: “Os trabalhos a facturar pelo Subempreiteiro serão, em espécie e quantidade, os aprovados pelo Empreiteiro e até ao limite dos insertos nos Autos de Vistoria e de Medição, aprovados pelo Dono da Obra no âmbito da Empreitada.” Será isto suficiente para forçar a modificação da decisão? Vejamos. Conforme se lê na cláusula 3.ª do contrato, este foi celebrado por “série de preços” à razão de €27,00/m2. No âmbito das obras públicas e no tocante ao modo de remuneração do empreiteiro, a lei costuma distinguir as seguintes modalidades: a) a empreitada por preço global (por vezes designada por preço único e fixo, a corpo, à forfait ou per avisionem) que é quando a remuneração é fixada adiantadamente numa soma certa, correspondente à realização de todos os trabalhos necessários para a execução da obra, objecto do contrato; b) a empreitada por série de preços (também designada por medição) quando a remuneração resulta da aplicação dos preços unitários previstos no contrato para cada espécie de trabalho a realizar, às quantidades desse trabalho realmente executadas, segundo se comprovar por medição periódica; c) a empreitada por percentagem quando o empreiteiro assume a obrigação de executar a obra por preço correspondente ao seu custo, acrescido de uma percentagem destinada a cobrir os encargos de administração e a sua remuneração (cf. artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 48.871, artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 235/86, de 18 de Agosto, artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro, ou artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março). Assim, quando no contrato se estabelece o preço “por série de preços”, isso significa que o preço corresponderá ao montante que no final se viesse a apurar por aplicação às quantidades de trabalho realmente executadas dos preços unitários previstos no contrato para cada espécie de trabalho a realizar, a comprovar por medição periódica. É essa a razão e finalidade dos autos de medição: medir o volume de trabalhos executados no período em análise em ordem a permitir que a factura desse período seja emitida para ser paga. Trata-se de um mecanismo consensual de liquidação dos trabalhos (note-se, em consonância, que a cláusula menciona trabalhos aprovados e não trabalhos aceites) efectuados ao longo do contrato que serve, por um lado, para evitar o arbítrio do empreiteiro da emissão das facturas com vista à antecipação dos pagamentos, e por outro lado, que o dono da obra retarde os pagamentos com fundamentos no não apuramento dos trabalhos realizados. Isso mesmo resulta claro do teor da totalidade da cláusula 4.ª do contrato, cuja epígrafe é aliás “medições e pagamentos” em vez, por exemplo, de “recepção e aceitação”. O ponto 1 da cláusula refere-se ao prazo de pagamento, indexando-o ao 60.º dia posterior à recepção do original das facturas. O ponto 2 refere-se ao modo como as facturas deverão ser elaboradas: mencionando, em espécie e quantidade, os volumes de trabalho aprovados pelo empreiteiro através do auto de medição. O ponto 3 refere-se ao processo de elaboração do auto de medição: conjuntamente por ambas as partes, com menção dos preços unitários. Por fim o ponto 3 refere-se à emissão da factura em correspondência com os autos de medição e sendo acompanhadas destes para efeitos de pagamento. Esta cláusula prevê e regula, portanto, em ordem inversa, o procedimento de natureza administrativo de apuro ou liquidação dos trabalhos que vão sendo realizados pelo empreiteiro com vista ao pagamento do respectivo preço. Não existe em toda a cláusula qualquer referência a que, para além da medição dos trabalhos já efectuados, o auto de medição deva conter qualquer verificação da qualidade dos trabalhos e/ou da presença de defeitos, embora, naturalmente, se existirem defeitos visíveis o dono da obra tenha a obrigação de os denunciar no prazo legal a contar da data em que é feita a vistoria e medição já que nessa circunstância não poderá mais tarde invocar o desconhecimento da existência desses defeitos. Por conseguinte, da mera existência de autos de medição (que pressupõem evidentemente a participação do dono da obra ou do empreiteiro no caso do contrato de subempreitada) não é possível extrair a ilação de que os trabalhos foram aceites sem qualquer reserva ou denúncia de defeitos, mas tão-somente que o dono da obra verificou (ou aceitou) que estava executada a quantidade de trabalhos medida. Não significa isto que a existência do auto de medição não pudesse constituir um indício de aceitação sem reservas dos trabalhos e, conjugadamente com outros meios de prova, servir para fundamentar a convicção do julgador nesse sentido. Significa apenas que isolado de qualquer outro meio de prova, o auto de medição não constitui prova bastante dessa aceitação, e que é perfeitamente possível deduzir de outros meios de prova uma conclusão em sentido oposto. Por conseguinte, alicerçando a recorrente unicamente na cláusula do contrato e nos autos de medição a alteração do decidido em 1.ª instância a impugnação da decisão da matéria de facto tem de improceder porque a decisão recorrida se ancora noutros meios de prova cujo valor indiciário não vem sequer questionado no recurso. Refira-se a finalizar que os factos provados não são meios de prova e, portanto, nunca se pode ancorar neles a decisão de julgar provados outros factos. O que sucede é que a matéria de facto tem de ser lógica, coerente e sem contradições ou obscuridades, pelo que a entender-se que um determinado facto foi provado por determinado meio de prova tem de se entender que o mesmo meio de prova (ou outros) demonstra ainda os factos que surgem como consequência lógica do outro ou são necessários para lhe dar sentido, sem prejuízo de na génese da decisão terem de estar sempre meios de prova. Sucede que não existe qualquer contradição, incoerência ou obscuridade entre dar como não provado o quesito 1.º e dar como provados os factos que o foram no caso, não surgindo aquele como consequência lógica ou necessária de qualquer destes. A única dúvida poderia residir no facto 57 segundo o qual todas as restantes facturas (isto é, as facturas que se seguiram àquela que foi parcialmente paga) foram elaboradas na sequência de autos de medição assinados pelo director de obra em representação da requerida e pela requerente, atestando formalmente nesse escrito, a conformidade e aceitação dos trabalhos levados a cabo pela autora, em espécie e quantidade, tal como previsto no contrato. Na nossa leitura, que encontra apoio na motivação da decisão da matéria de facto onde o julgador do facto enuncia a sua convicção e donde é possível deduzir o que ele pretendeu afirmar com a redacção do facto, esse facto apenas pretende significar que nos autos de medição a ré aceitou terem sido executados, em espécie e quantidade, os trabalhos medidos e que estes estavam compreendidos no objecto do contrato, isto é, não os aceitou como estando isentos de defeitos, aceitou-os como estando compreendidos no objecto do contrato e executados na espécie e na medida do que se fez constar do auto de medição. Não existe, pois, qualquer contradição entre julgar este facto provado e julgar o facto do quesito 1.º não provado. Improcede, pois, o recurso da matéria de facto. B] da matéria de direito: Em função do teor das alegações de recurso, colocadas na sua ordem lógica, é possível sistematizar a oposição da recorrente ao decidido nos seguintes aspectos jurídicos: 1) Não está demonstrado nos autos que os defeitos invocados pela ré tenham sido denunciados; 2) Não está demonstrado nos autos que a ré tenha solicitado a eliminação desses defeitos ou concedido à autora a oportunidade e o tempo para efectuar as reparações necessárias; 3) Não estão verificados os requisitos da excepção de não cumprimento, designadamente a sua relação de sucessão, causalidade e proporcionalidade com o incumprimento da autora; 4) Ainda que proceda, a excepção não faz extinguir o direito mas suspende a sua exigibilidade até que ocorra o cumprimento pontual, pelo que a acção não deveria improceder mas antes a ré condenada a pagar quando o cumprimento pontual vier a ter lugar. Analisemos cada uma das questões. As partes estão de acordo quanto a terem celebrado um contrato de subempreitada que o artigo 1213.º do Código Civil define como aquele pelo qual um terceiro alheio ao contrato de empreitada se obriga perante o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado por um contrato de empreitada, ou uma parte dela. A subempreitada pressupõe a existência de um contrato anterior, nos termos do qual alguém (o empreiteiro) se obriga a realizar uma obra, e um segundo negócio jurídico, pelo qual um terceiro se obriga, para com o empreiteiro, a realizar a totalidade ou parte da mesma obra. Trata-se de uma figura de subcontrato que remete para o regime jurídico do contrato principal, no caso o contrato de empreitada, já que é, fundamentalmente, uma empreitada em segundo grau. O subempreiteiro apresenta-se, pois, como «um empreiteiro do empreiteiro», também adstrito a uma obrigação de resultado. Na subempreitada não existe relação directa entre o dono da obra e o subempreiteiro: se a obra apresentar defeitos, por culpa do subempreiteiro, nem por isso o dono da obra lhe poderá exigir a reparação ou a eliminação desses defeitos, apenas o podendo reclamar do empreiteiro, este é que poderá exigir do subempreiteiro a reparação ou a eliminação dos defeitos da obra, assumindo perante o subempreiteiro a posição de dono da obra. O artigo 1207º do Código Civil define a empreitada como o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço. A aplicação de revestimento em pavimentos de um edifício escolar não pode de forma alguma deixar de ser visto como uma obra, uma realização humana que surge como resultado do trabalho. O subempreiteiro obriga-se, pelo contrato de subempreitada, a realizar uma obra, mas em conformidade com o convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato – artigo 1208º do Código Civil –. A obrigação do subempreiteiro é essencialmente uma obrigação de resultado, ele vincula-se a realizar para o empreiteiro a obra convencionada, nos termos acordados e segundo os usos e as leges artis, sob pena de falhar ao cumprimento da sua obrigação. O regime dos defeitos da obra encontra-se previsto nos artigos 1218º e seguintes do Código Civil. Realizada a obra pelo empreiteiro com defeitos, assistem ao dono da obra vários direitos: o de exigir a eliminação dos defeitos ou uma obra nova caso os defeitos não possam ser eliminados, o de exigir a redução do preço se os defeitos não forem eliminados nem realizada de novo a obra, o de exigir a resolução do contrato se nessa situação os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina, em qualquer caso o de indemnização segundo as regras gerais pelos danos sofridos – artigos 1221º, 1222º e 1223º do Código Civil –. O primeiro requisito para o exercício destes direitos é a denúncia dos mesmos pelo dono da obra. Diz o artigo 1220º do Código Civil que o dono da obra deve, sob pena de caducidade dos direitos conferidos nos artigos seguintes, denunciar ao empreiteiro os defeitos da obra dentro dos 30 dias seguintes ao seu descobrimento. Como é evidente, denunciar os defeitos é fazer chegar ao conhecimento do empreiteiro que a obra padece deste e daquele defeito concreto. Não basta comunicar que a obra padece em abstracto de defeitos. É necessário especificar esses defeitos, dizer quais são os defeitos, onde se encontram, em que consistem. Sendo embora necessária para que o dono da obra possa exercer os direitos correspondentes, a denúncia dos defeitos não é um requisito do próprio direito, trata-se antes de um pressuposto do seu exercício. Na verdade, pelo menos através do próprio articulado da acção onde suscita a existência dos defeitos e reclama os direitos correspondentes, o dono da obra procede à respectiva denúncia. A questão é se o faz ainda em tempo ou qual a consequência de não ter feito a denúncia no respectivo prazo legal. A consequência da falta de denúncia é a caducidade do direito. Todavia, não estando em causa numa relação contratual como esta direitos indisponíveis, a caducidade não é de conhecimento oficioso, pelo que carecia de ser arguida pelo dono da obra sob pena de não poder ser conhecida pelo tribunal. Ora lida a réplica da autora à contestação da ré, na qual foi alegada a existência de defeitos na execução de trabalhos, constatamos que em momento algum a autora opôs à alegação desses defeitos a caducidade do direito por falta de denúncia dos mesmos no respectivo prazo. A autora limitou-se a impugnar a existência dos defeitos e a sustentar que alguns problemas surgidos com o material aplicado não são consequência do modo como executou os trabalhos, ou seja, não lhe são imputáveis, mas não alegou em momento algum que a falta de denúncia dos defeitos alegados pela ré e, sobretudo, não alegou a caducidade do direito decorrente da existência de defeitos. Nessa medida, o tribunal está impedido de conhecer dessa excepção, a qual, aliás, representaria sempre uma questão nova de que o tribunal de recurso não poderia conhecer. Sucede ainda que ao contrário do que defende a recorrente, a matéria de facto revela à saciedade que a autora foi sempre posta ao corrente dos problemas detectados nos pavimentos que executou (factos 28 a 32, 41), que participou em reuniões (factos 29, 30, 40, 41, 42) em que inclusivamente esteve presente o fornecedor do material para discutir o problemas detectado e as soluções possíveis, que na sequência dessas reuniões tentou por si própria ou mesmo com recurso a outras entidades (Ambiental) resolver os problemas detectados (factos 24, 31, 32 e 33, 37) e que na sequência do insucesso dessas tentativas e do surgimento de novos problemas a ré notificou formalmente a autora, por escrito enviado em 07.12.2010, para proceder à correcção dos defeitos existentes, sob pena de incorrer em incumprimento definitivo (facto 45). Sinceramente não vemos que mais seria necessário para considerar que os problemas foram efectivamente denunciados pela ré e que a sua existência foi mesmo reconhecida pela própria autora pelo menos nos casos em que esta inclusivamente encetou diligências para resolver as anomalias que lhe eram apontadas. Esta leitura dos factos faz naufragar igualmente a alegação de que não foi solicitado à autora que reparasse os defeitos dos pavimentos nem lhe foi dada oportunidade para efectuar as reparações. Pelo contrário, não só essa solicitação lhe foi feita e a oportunidade concedida, como inclusivamente ela tentou efectuar as reparações, sem sucesso, aliás, porque apesar dos trabalhos de desengorduramento e aplicação de selante o trabalho não foi aceite pelo dono da obra (factos 37 e 38 e 39 a 45), vendo-se o dono da obra e a empreiteira geral obrigados mesmo a alterar o material a aplicar nos pavimentos seguintes para evitar que os problemas viessem a ocorrer também nesses pavimentos. Entrando agora na questão da excepção de não cumprimento que a sentença de 1.ª instância deu por verificada e em virtude do que, com uma peculiar fundamentação, se julgou a acção improcedente, convém fazer uma primeira observação. Na oposição que ofereceu ao requerimento de injunção a ré apenas deduziu a excepção de não cumprimento a título subsidiário. Antes disso e a título principal o que a ré argumentou foi que “não tendo executado de forma correcta, a prestação da requerente não ficou cumprida. E não ficando cumprida a sua prestação, também não tem direito ao recebimento do preço, enquanto contrapartida contratual. Há, portanto, um incumprimento da obrigação por parte da requerente que se presume culposo, nos termos do artº 799º do Código Civil, e que confere à requerida o direito de recusar o pagamento daquela defeituosa reparação”. Por outras palavras, a ré sustentou que em virtude do cumprimento defeituoso da autora a obrigação de pagar o preço não lhe é ainda exigível. Se assim fosse não seria necessário invocar qualquer excepção de não cumprimento, a qual pressupõe que já se haja constituído e tornado exigível a obrigação de pagamento do preço da empreitada. Sucede, no entanto, que esta argumentação da ré não é procedente. Com efeito, importa distinguir no contrato de empreitada o regime jurídico e voluntário da própria relação contratual do regime jurídico específico do cumprimento defeituoso da prestação do empreiteiro. O n.º 2 do artigo 1211.º do Código Civil diz que o preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra. Esta disposição encontra a justificação na circunstância de a obra poder exigir um grande dispêndio na aquisição dos materiais e na remuneração da mão-de-obra necessária para a sua execução e as partes poderem repartir entre si, directa ou indirectamente, esse encargo. Tal pode ser feito directamente, como quando o dono da obra suporta o custo dos materiais ou entregue ao empreiteiro a quantia necessária para a sua aquisição, ou indirectamente, por exemplo no caso de se estabelecer um plano de pagamento do preço ao longo da execução da obra em função da sua evolução ou mesmo apenas do decurso do tempo, caso em que o dono da obra se obriga a pagar o preço ou parte do preço independentemente de a obra ainda não estar concluída e ainda não ter sido verificada e aceite, conforme consente expressamente o citado n.º 2 do artigo 1211.º do Código Civil. Essa situação em nada contende com o regime jurídico dos defeitos ou do cumprimento defeituoso da prestação do empreiteiro e com os direitos do dono da obra face à existência de defeitos. O dono da obra pode estar obrigado a suportar o preço da obra executada, bastando para o efeito que haja sido alcançado o momento ou a condição que nos termos do contrato desencadeia o direito do empreiteiro a receber o preço, apesar de a obra possuir defeitos. Tal como não é a aceitação da obra e, na falta de qualquer acordo em contrário, a consequente obrigação de pagamento imediato do preço, que impede que posteriormente, no decurso do prazo de garantia, possam surgir defeitos que não eram visíveis no momento da aceitação e por isso não foram objecto de reserva, e que o dono a obra possa exercer ainda os direitos inerentes a essa prestação defeituosa. Por outras palavras, independentemente da existência dos defeitos, se não tiver à sua disposição qualquer outra excepção de direito material que impeça o direito do empreiteiro, uma vez atingido o momento ou verificada a condição de que, conforme o contrato, depende o vencimento do preço, pode ser exigido ao dono da obra que cumpra a sua prestação de pagamento do preço. Ora, no caso, a obrigação de pagamento do preço estava dependente apenas da emissão dos autos de vistoria e do decurso do prazo para a emissão e vencimento da factura subsequente a cada auto de medição. Esses autos de medição foram emitidos com intervenção da própria ré, que os aprovou subscreveu, e as facturas respectivas foram emitidas com respeito pelos prazos consignados no contrato, pelo que a obrigação do pagamento do preço era exigível à ré, independentemente da existência de defeitos na obra já executada, da mesma forma, aliás, que não foi a existência desses defeitos que impediu a ré de aprovar e subscrever os autos de medição. A questão era se a ré podia opor à autora alguma excepção de direito material que neutralizasse o direito desta ao recebimento do preço. A única que foi invocada foi precisamente a excepção de não cumprimento com fundamento da existência de defeitos na obra, pelo que bem andou a sentença recorrida ao colocar aí o acento tónico do enquadramento jurídico susceptível de neutralizar o direito ao preço. Vejamos, pois. Sabe-se que o contrato de empreitada é um contrato bilateral, oneroso e sinalagmático. Neste contrato, o sinalagma é não só genético, porque a reciprocidade das prestações do empreiteiro e do dono da obra nasce no momento em que é celebrado, como também funcional, na medida em que perdura durante a sua execução. Em conformidade com o princípio geral da pontualidade dos contratos (artigo 406º do Código Civil, o empreiteiro obriga-se, como já vimos, a executar a obra nos termos convencionados, sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (artigo 1208º do Código Civil). Nos contratos bilaterais as partes vinculam-se a trocar entre si prestações que assumem e pretendem que sejam a contraprestação uma da outra. Independentemente dos objectivos a que cada uma das partes se propõe com a prestação que pretende praticar ou receber, ambas aceitam que a prestação da outra é a justa medida ou retribuição da sua própria prestação. Inerente ao contrato está pois uma ideia e uma intenção de justiça comutativa: uma prestação não existe sem a outra, é a razão de ser da outra e é ainda a medida da outra. Por isso, em homenagem a esse vínculo de reciprocidade entre as prestações, a essa justiça comutativa aceite e querida pelas partes, nenhum dos contraentes deve ser obrigado a cumprir sem que o outro cumpra igualmente, melhor dizendo, a executar a sua prestação e não receber a contraprestação. A excepção de não cumprimento é precisamente o mecanismo potestativo que num contrato bilateral permite a qualquer das partes suspender a sua prestação enquanto a outra não realizar também a sua ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo (cf. João Abrantes, in A Excepção de Não Cumprimento do Contrato, Almedina, 1986, pág. 39 e seguintes). Não se trata de uma sanção para o incumprimento, trata-se de uma medida de coerção privada e de natureza contratual destinada a assegurar que as partes respeitarão o nexo sinalagmático entre as prestações a que se vincularam reciprocamente. Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, I vol. pág. 406, “a exceptio não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral.” Segundo o n.º 1 do artigo 428º do Código Civil, “se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”. Esta exigência de que os prazos para o cumprimento das prestações não sejam diferentes, tem sido interpretada, pela doutrina e pela jurisprudência, com o sentido de a excepção só está vedada ao contraente que estiver obrigado a cumprir antes da contraparte, ou seja, que mesmo que uma parte tenha um prazo para cumprir a sua prestação diferente do da outra parte é-lhe lícito invocar a excepção desde que não seja sua obrigação cumprir antes da outra. Ninguém questiona que a excepção vale não só para o incumprimento total, mas também para os casos de incumprimento parcial ou de cumprimento defeituoso – a chamada exceptio non rite adimpleti contractus. E isso é assim porque estando o devedor obrigado a cumprir pontualmente a sua prestação, a observar na íntegra o programa contratual, a não definir ele mesmo, à revelia do contrato e do interesse da contraparte, a medida ou os termos em que deve executar a sua prestação, a outra parte tem sempre direito à prestação definida e fixada contratualmente e, como tal, o direito de suspender o cumprimento da sua enquanto a outra não se mostrar rigorosamente cumprida. Segundo Baptista Machado, in Resolução por Incumprimento, Estudos de Homenagem ao Professor Doutor J.J. Teixeira Ribeiro, 2º, pág. 386, o cumprimento defeituoso ou inexacto ocorre quando a prestação efectuada não tem os requisitos idóneos para corresponder ao conteúdo do programa obrigacional, tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correcção e boa fé. Essa desconformidade pode ser quantitativa ou qualitativa. É quantitativa quando representa um minus em relação ao objecto da prestação contratada. É qualitativa quando existe uma diversidade da prestação, uma deformidade, um vício ou falta de qualidade da mesma ou sobre o seu objecto recaem direitos de terceiro. No caso do contrato de empreitada, essas desconformidades constituem desvios em relação às características projectadas contratualmente, estejam elas estipuladas expressa ou tacitamente, originando uma diminuição da aptidão da coisa para o uso e finalidade pretendidas aquando da celebração daquele contrato. As características projectadas no contrato englobam não só as características típicas da obra em causa e as características afirmadas pelo empreiteiro por qualquer meio, como também todas aquelas que especificamente foram acordadas, tácita ou expressamente. Se o empreiteiro sabe ou tem obrigação de saber que o dono da obra quer que a obra executada apresente determinadas qualidades ou características e que as mesmas são possíveis de obter, como maior ou menor diligência, pelo empreiteiro, cabe-lhe a obrigação de executar a obra com essas qualidades ou características, sob pena de cumprimento defeituoso da sua prestação. Diz P. Romano Martinez, in Contrato de Empreitada, Almedina, pág. 189, que “na empreitada o cumprimento ter-se-á por defeituoso quando a obra tenha sido realizada com deformidades ou com vícios. As deformidades são as discordâncias relativamente ao plano convencionado (p. ex., encomendou-se uma mesa com três metros de comprimento e foi realizada uma mesa com dois metros e meio de comprimento). Os vícios são as imperfeições que excluem ou reduzem o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou o previsto no contrato (artº 1208º), designadamente por violação de regras especiais de segurança. Ao conjunto das deformidades e dos vícios chamar-se-á, tal como faz o Código Civil, defeitos”. Podemos afirmar, por outras palavras, que os defeitos em sentido técnico são todas aquelas manifestações que resultam de violações das boas práticas e técnicas de execução de uma específica obra e que consistem na exteriorização na obra de algo que lá não se deveria estar ou da falta de algo que lá deveria estar, num caso ou no outro em prejuízo da funcionalidade, da durabilidade e da qualidade da obra contratada. O exercício da exceptio non rite adimpleti contractus tem, desde logo, pressupostos específicos, concretamente os previstos no n.º 1 do artigo 428.º do Código Civil: que as prestações derivem de um contrato bilateral e sinalagmático; que quem a invoca não esteja obrigado a cumprir antes do contraente a quem vai opor a excepção; que esta parte tenha falhado o cumprimento ou cumprido defeituosamente a contraprestação ou não tenha oferecido o cumprimento simultâneo da mesma. Mas a excepção tem ainda o que poderemos designar como pressuposto geral dado ser comum à generalidade dos direitos subjectivos: não ser contrária à boa fé, o que emerge da necessidade de preservar o equilíbrio entre as obrigações sinalagmáticas e subentende, portanto, que a invocação da excepção seja necessária e proporcional. José João Abrantes in Cadernos de Direito Privado, n.º 18, pág. 55, defende que a parte da prestação recusada pelo excipiente deve ser proporcional à parte ainda não executada pelo contraente faltoso. A este respeito deve acentuar-se que a excepção funciona como um mecanismo legal posto à disposição do contraente para obrigar o outro contraente a cumprir pontualmente a sua obrigação e, portanto, um mecanismo de coerção destinado a exercer sobre o contraente inadimplente alguma coação destinada a levá-lo a cumprir a sua obrigação nos precisos termos em que se vinculou a fazê-lo. Este mecanismo de coerção ou coação tem como objectivo assegurar que o sinalagma contratual é respeitado. Acresce que nos termos do artigo 763.º, n.º 1, do Código Civil, a prestação deve ser realizada integralmente e não por partes, pelo que se o devedor se propuser realizar apenas uma parte da prestação, o credor pode pura e simplesmente recusar a prestação que lhe é oferecida. Esta regra, prevista directamente para o cumprimento parcial, deve entender-se aplicável igualmente ao cumprimento defeituoso. Aliás, o mesmo princípio parece resultar já da regra da pontualidade do cumprimento prevista no artigo 406.º para a generalidade das obrigações contratuais, uma vez que cumprir o contrato ponto por ponto é cumpri-lo nos seus precisos termos, ou seja, realizando uma prestação não defeituosa. Estas duas ideias conduzem, a nosso ver, a que a regra da proporcionalidade a observar no exercício da exceptio deva ser interpretada com um sentido muito específico. Em rigor, não tem de haver uma correspondência estrita, rigorosamente determinada e calculada, entre a parte da prestação que o excipiente recusa e a parte que o contraente faltoso incumpriu. Se assim fosse, estaria a dar-se ao contraente faltoso a possibilidade de decidir a medida do seu cumprimento e de impor ao credor o resultado dessa opção, o que, como vimos, é proibido pelos artigos 763.º e 406.º. Na verdade, se a prestação recusada pelo excipiente tivesse de corresponder rigorosamente à medida do incumprimento do contraente faltoso, este podia livremente escolher a parte da prestação que não queria cumprir já que em qualquer caso o credor só poderia recusar cumprir o equivalente a essa falta, acabando assim obrigado a aceitar tudo o que o devedor entendeu prestar, sem poder recusar a prestação no seu todo. Na prática, portanto, o devedor acabaria pode ter o poder de decidir livremente que parte da prestação executar e que parte não executar, impondo ao credor as consequências dessa opção já que este apenas poderia excepcionar o equivalente à parte não executada. Entendemos, por isso, que o limite à actuação do excipiente é sim constituído, como não podia deixar de ser, pela boa fé e pelos bons costumes. A actuação do excipiente não pode constituir um abuso de direito. As ideias de proporcionalidade (entre as prestações incumprida e recusada) e de adequação (entre o cumprimento defeituoso e o remédio que se lhe quer opor) são apenas algumas das ideias presentes no momento de sindicar o preenchimento do requisito do respeito pelas regras da boa fé, mas já não um requisito autónomo, inultrapassável, que justifique per se a ilegitimidade da invocação da excepção. Da mesma forma que a gravidade do cumprimento defeituoso a que se pretende opor a excepção não deve ser insignificante ou residual, sob pena de o exercício da excepção ser afinal abusivo, também a recusa do excipiente não pode compreender a totalidade da sua prestação se a gravidade ou extensão do cumprimento defeituoso não o consentir. Seria contrário à boa fé que um dos contraentes recusasse a sua prestação por inteiro apenas porque a do outro enferma de uma falta mínima ou sem suficiente significado ou expressão. Mas seria igualmente contrário à boa fé que essa recusa compreendesse a totalidade da prestação quando a recusa de apenas parte dela pode bastar perfeitamente apenas para coagir a outra parte a cumprir ou, caso esse incumprimento subsista no final, para repor o sinalagma entre as prestações. Feito este enquadramento teórico da exceptio non rite adimpleti contractus, vejamos agora os factos provados em ordem a apurar se estão preenchidos os respectivos pressupostos. A resposta é, a nosso ver, positiva. No caso estão claramente preenchidos todos os pressupostos específicos da excepção: as prestações derivam de um contrato bilateral e sinalagmático; a ré não estava obrigada a cumprir antes da autora; a autora cumpriu defeituosamente a sua contraprestação. Convém acrescentar que tratando-se de uma relação contratual a culpa da autora nesse cumprimento defeituoso se presume e essa presunção não se mostra afastada, e que a ré não apenas denunciou os defeitos como exigiu a sua reparação, sendo pois credora das prestações previstas no regime jurídico dos defeitos da obra realizada pelo empreiteiro. Pode questionar-se se ao invocar a excepção e ao pretender recusar com esse fundamento a totalidade da sua prestação a ré actua em conformidade com as regras da boa fé. A questão coloca-se face à parcela do preço que a ré recusou pagar e à sua relação com a extensão dos defeitos na obra. Com efeito, apesar de nas unidades 7 e 9 da obra não terem surgido quaisquer defeitos a ré recusou pagar todas as restantes facturas que lhe foram apresentadas, suscitando a questão de saber se não estará a actuar de modo desadequado ou desproporcional. É necessário, no entanto, ter em conta que as facturas e os autos de medição não especificam a localização dos trabalhos medidos e facturados, tornando impossível estabelecer a correspondência entre qualquer das facturas e os locais onde as obras apresentaram e não apresentaram defeitos. É assim impossível dizer em que locais foram executados os trabalhos da 1.ª factura e se os trabalhos das unidades que não apresentaram defeitos (unidades 7 e 9) representam a totalidade da última factura ou apenas parte dela e nesse caso que parte. Depois é necessário levar em consideração que a primeira factura apresentada foi paga na totalidade (com retenção de 10% a título de garantia nos termos contratuais) mas os problemas só não existiram mesmo nos locais onde foram executadas por último as obras, já que em todas as anteriores não apenas surgiram defeitos, como as tentativas encetadas para os reparar não tiveram sucesso. O que significa que a ré pagou já o preço de partes da obra que também apresentaram defeitos, sem que isso signifique que aceitou sem reservas essa parte da obra. Finalmente, é ainda de considerar o facto de no momento em que a ré foi chamada a contestar a acção não lhe ser ainda possível determinar com rigor o que se iria passar de seguida em relação aos defeitos (tanto assim que só dias antes de apresentar a contestação, enviou à autora uma notificação formal a pedir a reparação dos defeitos), designadamente qual o custo da execução de uma nova obra no caso de os defeitos não serem reparados uma vez que sendo ela, por sua vez, empreiteira do efectivo dono da obra, se obrigou perante este a executar os pavimentos sem defeito. Por essa razão, não tendo as partes actualizado os factos no decurso do processo, a decisão foi proferida com base em factos que impedem que se saiba já qual será efectivamente o desfecho do litígio surgido a propósito dos defeitos da obra. Perante estas dados não parece que a actuação da ré possa ser considerada desadequada ou desproporcionada. Se é certo que recusou o pagamento de uma parte do preço que deverá corresponder a obra executada sem defeitos (porque a própria ré e a dona da obra acederam a uma alteração do material a aplicar, impedindo que os defeitos antes verificados persistissem nos novos pavimentos), não é menos certo que já pagou uma parte do preço que corresponde necessariamente a obra executada com defeitos (as primeiras unidades executadas que apesar de terem originado a 1.ª factura, paga, apresentaram defeitos), sendo que os direitos inerentes a esses defeitos (eliminação, obra nova, redução do preço ou resolução do contrato) permanecem exigíveis. Por outro lado, ignorando-se de momento se os defeitos irão ser eliminados ou não, que direito a ré virá a exercer na sequência da opção da autora quanto à eliminação dos mesmos, e bem assim qual o custo da sua eliminação (custo que a ré, na qualidade de empreiteira, poderá ter de suportar perante o dono da obra, em virtude do comportamento culposo da autora), é objectivamente impossível afirmar que a ré está a reter quantia superior àquela que virá a ser necessária para repor o nexo sinalagmático entre a sua prestação e a prestação a cargo da autora. Acresce que embora seja de conhecimento oficioso, o abuso de direito só pode ser reconhecido se estiverem demonstrados factos que preencham os respectivos requisitos. Uma vez que o abuso de direito é uma excepção impeditiva do exercício do direito em desconformidade com as regras da boa fé e dos bons costumes, cabe à parte interessada em obstar ao exercício do direito o ónus de alegar os factos necessários para o preenchimento daqueles requisitos. Não é o titular do direito que necessita, para poder exercer o direito, de demonstrar que a sua actuação é conforme com as regras da boa fé e por isso legítima, é a parte a quem o direito é oposto, interessada em impedir que o mesmo seja exercido, que tem o ónus de demonstrar que o exercício do direito é abusivo, sob pena de se ter de permitir ao titular do direito, exactamente porque o é e porque o direito lhe é reconhecido pela ordem jurídica, que o exerça. Ora no caso, pelas razões que se expuseram, não existem nos autos elementos que permitam concluir que a invocação pela ré da exceptio é abusiva, pelo que não há como impedir o seu exercício. Sendo assim, importa determinar quais são os efeitos da exceptio non rite adimpleti contractus. Na decisão recorrida, sem grandes explicações, entendeu-se que o seu efeito é a improcedência da acção, mas a recorrente questiona esse entendimento sufragando que a ré deve ser condenada a pagar quando os defeitos forem eliminados. A doutrina e a jurisprudência dividem-se na defesa de ambas as soluções. A solução seguida na decisão recorrida encontra apoio em Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, 4ª edição – reimpressão, Coimbra 1985, Volume III, pág. 80, e Miguel Mesquita, in Reconvenção e Excepção no Processo Civil, Almedina 2009, pág. 95, e na jurisprudência nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28.03.2006 e de 31.01.2007, e da Relação do Porto de 05.05.2014, in www.dgsi.pt. Sustentam a segunda posição, na doutrina, Vaz Serra in A excepção de não cumprimento do contrato, Boletim do Ministério da Justiça nº 67, páginas 33 e seg., Cunha Gonçalves, in Tratado de Direito Civil, Coimbra Editora, 1931, Volume IV, pág. 525, José João Abrantes, in A excepção de não cumprimento, Almedina, 1986, pág. 154, Nuno Manuel Pinto Oliveira, in Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, 2011, pág. 804 e Calvão da Silva, in Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, Coimbra 1987, pág. 335, e na jurisprudência os Acórdãos da Relação de Coimbra de 27.09.2005, da Relação de Lisboa de 26.06.2008, da Relação do Porto de 29.06.2010, e do Supremo Tribunal de Justiça de 28.04.2009 e de 26.10.2010, in www.dgsi.pt. São meritórios os argumentos de uma e de outra das posições e admitimos que a finalidade da exceptio de suspender apenas a exigibilidade da prestação até que a contraprestação seja cumprida ou oferecida em simultâneo, aponta no sentido de consentir a condenação do devedor a cumprir quando essa condição se verificar. Para justificar essa solução invoca-se normalmente o disposto no artigo 662º do antigo Código de Processo Civil, a que corresponde o artigo 610º do novo Código de Processo Civil, “aplicável directamente, por identidade de razão, ou por analogia”. A esse respeito acompanhamos inteiramente o citado Acórdão da Relação do Porto de 05.05.2014, proferido no processo n.º 17113/12.9YIPRT.P1 e relatado por Carlos Gil, onde se pode ler o seguinte: Embora o normativo se refira à inexigibilidade da obrigação, uma leitura atenta do mesmo permite-nos verificar que a situação contemplada respeita à inexigibilidade decorrente da falta de vencimento da obrigação. Assim, está em causa o decurso do tempo que é algo de verificável objectivamente, ao contrário da inexigibilidade decorrente da invocação da excepção de não cumprimento por força de um cumprimento defeituoso. A fase de eliminação dos defeitos invocados é ela própria uma fase potencialmente litigiosa, pelo que não se apresenta com a certeza inerente ao decurso do tempo ou à interpelação e que justificam o regime excepcional do artigo 662º do Código de Processo Civil, actualmente, artigo 610º do Código de Processo Civil. Pela nossa parte, …, afigura-se-nos que o artigo 610º do Código de Processo Civil não é aplicável, nem sequer por analogia, pelas razões acima enunciadas, pelo que a procedência da excepção de não cumprimento do contrato conduz a uma absolvição do pedido, embora essa absolvição tenha uma projecção restrita, na medida em que superado o obstáculo que determinou a procedência da excepção, poderá o titular do crédito cujo exercício foi paralisado obter a satisfação do mesmo, se necessário, por via coerciva, usando para tanto os meios declarativos.” Na verdade, o artigo 662º do antigo Código de Processo Civil tinha de ser lido em conjugação com o artigo 673.º do mesmo diploma, tal como o artigo 610º do novo Código de Processo Civil tem de ser lido em conjugação com o artigo 621.º do mesmo diploma. Nos termos do artigo 673.º/621.º a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga e se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique. Esta previsão compreende perfeitamente a situação que nos ocupa, com a única especialidade de o motivo do decaimento do autor não ter funcionado automaticamente mas ter decorrido do exercício pelo réu da exceptio. Ao ler o artigo 662.º/610.º como lê, o Acórdão citado faz uma concatenação de ambos os preceitos que se nos afigura inteiramente correcta e feliz. Por esse motivo, afigura-se-nos que a solução não deve ser dada em abstracto mas apenas em função das características do caso concreto. Com efeito, condenar o devedor a cumprir apenas quando os defeitos estiverem reparados é proferir uma sentença condicional, cuja eficácia dependerá da verificação de uma condição incerta. E isso não apenas não resolve definitivamente o problema, já que a discussão da verificação da condição pode dar origem a uma nova acção, como, sobretudo, afasta a característica da segurança, definitividade e exigibilidade que deve caracterizar uma decisão judicial. Por outro lado, no caso concreto que nos ocupa, não se pode dar de barato que a reparação dos defeitos vai ser mesmo feita e a obrigação de pagamento do preço acabará por se estabilizar no valor reclamado pela autora e que, a admitir-se a condenação nesses termos, a ré seria condenada a pagar. Com efeito, como já se chamou a atenção, no caso a interpelação formal com a denúncia dos defeitos e a reclamação da sua reparação, sob pena de incumprimento definitivo, foi feita praticamente em cima da contestação, pelo que não resulta da matéria de facto se a autora ainda se encontra em mora quanto à obrigação de cumprir pontualmente a sua prestação ou já incorreu em incumprimento definitivo. Neste momento pode dar-se a circunstância de a autora não ter feito as reparações no prazo que lhe foi assinalado pela ré ou ter mesmo optado por não as fazer, atento o custo que isso implicaria e já se encontrar, portanto, em incumprimento definitivo, consentindo que a ré resolva o contrato e extinga em definitivo o direito da autora à prestação contratual. Nessa hipótese, como condenar a ré a realizar uma prestação tendo de se admitir que a autora possa já não ter direito a ela? Em rigor, não é sequer possível afirmar se o preço deve ser pago a troco da reparação dos defeitos pois pese embora este seja mesmo o primeiro direito do dono da obra perante a existência dos defeitos, nada impede que os defeitos sejam tais que tornem necessário realizar uma obra nova, que é o segundo dos direitos do dono da obra. A admitir-se a condenação condicional, teríamos então de acrescentar à condição da reparação dos defeitos a condição da execução de uma obra nova (condenado a pagar a troco da reparação dos defeitos ou da execução de uma obra nova, consoante o que vier a resultar), o que acentuaria o carácter condicional da decisão. Acresce que também se pode dar a circunstância de a autora não ter reparado os defeitos (ou não os ter reparado a todos) e não ter realizado uma obra nova e a ré ter optado não pela resolução do contrato mas pela redução do preço. Nessa eventualidade, com que fundamento se pode condenar a ré a pagar um preço quando pode ser outro o preço devido a final? Concluímos assim que no caso concreto e atentas as suas especificidades, a solução final deve ser mesmo a da absolvição da ré do pedido já que isso não obsta a que a autora, caso tenha realizado ou venha (se ainda a tempo) a executar as reparações dos defeitos e a oferecer à ré o cumprimento pontual da sua prestação, demande novamente a ré para obter o pagamento do preço demonstrando então a satisfação dessa condição. Improcede, deste modo, o recurso na sua totalidade. V. Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida. Custas pela recorrente (tabela I-B). * Porto, 2 de Outubro de 2014.Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; Rto165) José Amaral Teles de Menezes |