Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0712222
Nº Convencional: JTRP00040419
Relator: GUERRA BANHA
Descritores: INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
MULTA
GUIAS
Nº do Documento: RP200706130712222
Data do Acordão: 06/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 489 - FLS 01.
Área Temática: .
Sumário: O pagamento da multa a que se refere o nº 5 do artº 145º do Código de Processo Civil está dependente da emissão de guia pela secretaria judicial.
Essa guia deverá ser enviada por fax ao recorrente a fim de este poder pagar a multa sem se deslocar ao tribunal, mas só se esse envio for requerido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.
I

1. Nos autos de processo comum que corre termos no .º Juízo Criminal da comarca de Vila Nova de Gaia com o nº …/05.6PAVNG, em que é arguido B………., em 11-01-2007, o Sr. Juiz proferiu o despacho certificado a fls. 33-34, com o seguinte teor:
«Em 10 de Novembro de 2006 o arguido B………. veio recorrer da sentença depositada a 25 de Outubro de 2006, requerendo que fosse liquidada a multa pelo atraso na entrega do mesmo, nos termos do nº 5 do art. 145º do C.P.C.
Em 14 de Dezembro a secção constata que apenas se encontra auto-liquidada a taxa de justiça devida pela interposição do recurso e notifica o arguido para proceder ao pagamento da multa da sua responsabilidade, nos termos do nº 6 do art. 145º do C.P.C., no prazo e montante constantes da guia que anexam, sob pena de não o fazendo se considerar perdido o direito de praticar o acto.
Por requerimento de 19 de Dezembro, veio o arguido alegar que o atraso na entrega do recurso foi de um dia, pelo que a multa a pagar é no valor de € 44,50, tendo a secretaria incorrido em lapso quando aplicou o regime previsto no nº 6 do art. 145º do C.P.C., ao invés de aplicar o nº 5 do mesmo normativo legal, requerendo que se dê sem efeito a guia para pagamento da multa no valor de € 356,00, ordenando-se que seja emitida nova guia de multa no montante de € 44,50.
Cumpre decidir:
Preceitua o art. 145º, no seu nº 5, que: "Independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento, até ao termo do 1º dia útil posterior ao da prática do acto, de uma multa de montante igual a um quarto da taxa de justiça inicial por cada dia de atraso, não podendo a multa exceder 3 UC". E no seu nº 6, que: "Decorrido o prazo referido no número anterior sem ter sido paga a multa devida, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa de montante igual ao dobro da taxa de justiça inicial, não podendo a multa exceder 20 UC”.
Ora, nos termos da lei a validade do acto praticado dentro dos três dias úteis posteriores ao termo do prazo fica dependente do pagamento até ao termo do 1º dia útil posterior ao da prática do acto e não, conforme pretende o arguido, da solicitação de guias para efectuar o pagamento.
Concretizando, tendo o arguido apresentado o recurso em 10 de Novembro de 2006 (sexta-feira), o pagamento da multa do nº 5 do art. 145º do C.P.C. deveria ter sido realizado até ao fim do dia 13 de Novembro de 2006 (segunda-feira) ― o ilustre mandatário deveria ter pedido a guia na secção ou o número da mesma pelo telefone por forma a efectuar o seu pagamento, uma vez que a mesma não pode ser enviada pelo correio atento o prazo de pagamento , não o tendo sido a secção, e bem, deu cumprimento ao preceituado no nº 6 do art. 145º do C.P.C.
Pelo exposto, indefiro o requerido pelo arguido.
Notifique e emita novas guias pelo valor de € 356,00.»

2. O arguido, não se conformando com o teor deste despacho, recorreu par esta Relação, cuja motivação concluiu do seguinte modo:
1) Não se conformando com a sentença condenatória proferida pelo Tribunal a quo (porquanto entende que, para além de errada apreciação da matéria de facto, contém mesmo erros judiciários), em 10/11/2006 o Arguido/Recorrente interpôs recurso da referida decisão.
2) O Advogado signatário interpôs o recurso em questão no primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo, tendo o Advogado signatário enviado-o por fax e ainda por e-mail com assinatura certificada (da Ordem dos Advogados) em horário posterior ao encerramento da Secretaria Judicial.
3) Juntamente com o requerimento de interposição de recurso, o Advogado signatário requereu o seguinte: "Mais requer seja liquidada a respectiva multa pelo atraso na entrega da presente peça processual nos termos do nº 5 do art. 145º do C.P.Civil.", i.e., multa no montante de € 44,50.
4) Após feito tal requerimento, que a Meritíssima Juiz a quo assertivamente admite no despacho em crise, o Recorrente aguardou que a Secção lhe enviasse a respectiva guia via Fax.
5) A secretaria não enviou a respectiva guia como sempre o faz.
6) Apenas em 15 de Dezembro, i.e., 35 dias depois de ter requerido o pagamento voluntário da multa acima referida, o Recorrente foi notificado com uma guia para pagamento de multa.
7) A guia emitida foi para o pagamento de multa na quantia de € 356 ao abrigo do nº 6 do artigo 145º do C.P.C, "sob pena de não o fazendo se considerar perdido o direito de praticar o acto" .
8) O Recorrente apresentou Reclamação em que alegou que o atraso na entrega do recurso foi de um dia, pelo que a multa a pagar é de € 44,50, considerando ter havido um lapso da Secretaria quando aplicou o regime previsto no nº 6 do artigo 145º CPP, ao invés de aplicar o nº 5 do mesmo preceito.
9) Mais requereu à Meritíssima Juiz a quo que fosse emitida guia referente ao pagamento de um dia de multa, dando aplicabilidade ao artigo 145º nº 5 C.P.C.
10) A Meritíssima Juiz a quo indeferiu a Reclamação, considerando correcta a prática da Secretaria, justificando que "o ilustre mandatário deveria ter pedido a guia na secção ou o número da mesma pelo telefone por forma a efectuar o seu pagamento, uma vez que a mesma não pode ser enviada pelo correio atento o prazo de pagamento −, não o tendo sido a secção, e bem, deu cumprimento ao preceituado no nº 6 do artigo 145º do C.P.C. ".
11) Tal exigência não tem respaldo na lei adjectiva, pois o C.P.C. expressamente consigna que, para além da deslocação pessoal à secretaria, são meios idóneos os envio por correio sob registo, telecópia, fax e correio electrónico com assinatura certificada.
12) Por outro lado, em normativo algum de lei processual é previsto que o mandatário pode, e muito menos deve, praticar actos por telefone.
13) O procedimento correcto e consentâneo com a lei é, requerido POR ESCRITO o pagamento voluntário da multa, a Secretaria proceda à emissão da guia de multa para que a mesma seja paga no 1º dia útil posterior ao da prática do acto.
14) Se a secretaria não a emite, tal atraso não é imputável ao requerente mas somente aos serviços.
15) Erradamente se afirma no despacho em crise"uma vez que a mesma (guia) não pode ser enviada pelo correio atento o prazo de pagamento" porquanto a telecópia, vulgo Fax, está previsto na lei processual como forma de comunicação às partes, e cuja recepção é imediata pelo destinatário.
16) A Secretaria deveria, no dia útil seguinte, i.e., 13/11/2006, ter emitido a guia conforme requerido (duas vezes), e remetido-a ao Advogado signatário POR FAX no mesmo dia para pagamento, procedimento adoptado nos Tribunais e o único conforme à lei (vide Docs. nºs 1 e 2).
17) Todavia, e conforme assertivamente escreve o Presidente do venerando Tribunal da Relação do Porto na decisão (inédita) proferida no processo nº 7232/06-1, 1ª Secção, data 19/12/2006, "Mais se dirá que não é forma de fundamentar com os ‘hábitos’ do Tribunal, como também com as 'informações' dos oficiais de justiça: cabe ao mandatário das partes regular-se apenas pelo que a lei dispõe" (vide fls. 4 de Doc. nº 3).
18) Não há razão para, in casu, o Recorrente ser obrigado a pagar a multa prevista no nº 6 do artigo 145º do CPC, e por isso não existe motivo (legal) para a Meritíssima Juiz a quo não ter reparado o lapso da Secretaria conforme requerido na Reclamação.
19) Não deverá o recorrente ser obrigado ao pagamento de multa nos termos do nº 6 do artigo 145º do C.P.C, no montante de € 356,
20) mas sim a multa correspondente a um dia de atraso, no montante de € 44,50, ao abrigo do nº 5 do mesmo preceito.
21) Foram violados os artigos 145º, nº 5 e nº 6, 150º e 161º, nº 6, todos do C.P.C.
Termos em que:
Face a verificação dos pressupostos legais existentes, deverão V.as Ex.as revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que decida que o pagamento que era devido seria a multa correspondente ao disposto no nº 5 do artigo 145º do CPC.

3. O Ministério Público junto daquela comarca respondeu à motivação do recurso, pronunciando-se pela improcedência do recurso e concluindo:
1º. O recorrente tinha o ónus de, praticando o acto no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo, proceder ao pagamento da multa devida, nos termos do artigo 145º - nº 5 do C.P.C.
2º. Esta obrigação resulta da letra da norma, e da regra geral consagrada no Código das Custas Judiciais, de autoliquidação da taxa de justiça.
3º. Não tendo agido assim, incorreu na sanção prevista no artigo 145º - nº 6 do C.P.C., para que o acto seja válido.
4º. Bem andou pois a M.ma Juiz ao decidir nos termos referidos no douto despacho ora impugnado.

4. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer que consta a fls. 44-45, em que, sufragando a resposta do Ministério Público na 1ª instância, concluiu que “o despacho recorrido limita-se a confirmar o que a lei prescreve no caso concreto de falta da autoliquidação exigida no nº 5 do art. 145º do CPC”, e, assim, “o recurso não deve proceder”.
Este parecer foi notificado ao recorrente, nos termos do disposto no nº 2 do art. 417º do Código de Processo Penal, o qual apresentou a resposta que consta a fls. 47-49, em que, rebatendo a interpretação de “autoliquidação da multa” a que aludem aquele parecer e a resposta do Ministério Público da 1ª instância e reafirmando os fundamentos do recurso, insistiu na revogação do despacho recorrido e na sua substituição por outro “que decida que o pagamento que era devido seria a multa correspondente ao disposto no nº 5 do artigo 145º do CPC, no valor de € 44,50”.
Os autos foram a visto dos Ex.mos Juízes adjuntos e, após, foram presentes à conferência para decisão.
II

5. Estão certificados nos autos os seguintes factos e ocorrências processuais que interessam à decisão deste recurso:
1) No dia 10-11-2006 (sexta-feira), às 23,36 horas, foi recebido, por via fax, na Secretaria do Tribunal Judicial da comarca de Vila Nova de Gaia, o requerimento certificado a fls. 26, remetido pelo Ex.mo mandatário do arguido, em que interpunha recurso para o Tribunal da Relação do Porto da sentença proferida nos autos e requeria, para além do mais, o seguinte:
«Mais requer seja liquidada a respectiva multa pelo atraso na entrega da presente peça processual, nos termos do nº 5 do art. 145º do C.P.CiviL.»
2) Em 14-12-2006, a Secretaria do referido Tribunal emitiu, em nome do arguido, a guia certificada a fls. 28, com o nº 29000.03143647, com a seguinte descrição:
Multa do art. 145º C.P.C. (Penal) − 356,00 (euros). Pagável até 10-01-2007.
3) A referida guia foi remetida ao Ex.mo mandatário do arguido, em 14-12-2006, com a seguinte carta de notificação (fls. 29):
«Fica notificado, na qualidade de Mandatário, relativamente ao processo supra identificado, para proceder ao pagamento da multa de sua responsabilidade, nos termos do disposto no nº 6 do art. 145º do CPC, no prazo e montante indicados na guia anexa, sob pena de não o fazendo se considerar perdido o direito de praticar o acto.»
4) Em 19-12-2006, o arguido apresentou o requerimento certificado a fls. 30, com o seguinte teor:
«B………., (...), notificado da guia para pagamento de Multa, vem expor e requerer a V.ª Exa. o seguinte:
Nos presentes autos foi proferida sentença condenatória do arguido, tendo a mesma sido depositada na secretaria apenas no dia 25/10/2006 − cfr. fls. 260.
Consequentemente, o prazo de 15 dias para recurso terminaria dia 09/10/2006 (art. 411º nº 1 CPP).
Em 10/11/2006, o arguido interpôs recurso da referida sentença (conforme relatórios comprovativos que tem na sua posse), mais requerendo que fosse liquidada a respectiva multa pelo atraso na entrega da presente peça processual, nos termos do nº 5 do art. 145º do C.P.Civil.
O atraso na entrega da peça processual em questão foi, portanto, de um dia, pelo que a Multa a pagar é no valor de € 44,50, correspondente a ¼ da taxa de justiça inicial devida pela interposição de recurso (€ 178) − art. 145º nº 5 CPC.
Sem prescindir, sempre o nº 5 in fine do art. 145º CPC estatui que a multa cuja liquidação foi requerida não pode ultrapassar 3 UCs.
O que sucedeu foi um lapso da secretaria, pois aplicou o regime do nº 6 do art. 145º CPC, ao invés de correctamente aplicar o nº 5 do mesmo normativo legal.
Termos me que, requer a v.ª Exa. se digne dar sem efeito a guia para pagamento de Multa no valor de € 356, ordenando que seja emitida nova guia de multa no montante de € 44,50 (art.145º nº 5 CPC).»
5) Foi sobre este requerimento que recaiu o despacho recorrido, supra transcrito em 1.
III

6. A única questão que constitui objecto do presente recurso reporta-se à interpretação da norma do nº 5 do art. 145º do Código de Processo Civil, no segmento que refere que a validade do acto (praticado fora do prazo) fica dependente do pagamento de uma multa, “até ao termo do 1º dia útil posterior ao da prática do acto”. Norma que é aplicável ao processo penal por remissão expressa do nº 5 do art. 107º deste código.
Trata-se de apreciar, em concreto, se, remetido, por fax, à secretaria judicial o requerimento de interposição de recuso, no primeiro dia útil posterior ao termo do prazo, em que foi requerido que “seja liquidada a respectiva multa pelo atraso na entrega da presente peça processual, nos termos do nº 5 do art. 145° do C.P.CiviL”, se, para pagamento da respectiva multa, competia ao requerente o ónus de levantar as respectivas guias na secretaria do tribunal e proceder ao seu pagamento até ao termo do dia útil seguinte, ou se a secretaria estava obrigada a enviar, por fax, ao requerente, as respectivas guias, de modo que este pudesse proceder ao pagamento da multa até ao termo do 1º dia útil seguinte.
Neste âmbito, as posições expressas nos autos são as seguintes:
O recorrente considera que a Secretaria Judicial lhe deveria remeter por fax a respectiva guia para o pagamento da multa do nº 5 do art. 245º do CPC, posição que fundamenta na interpretação conjugada das normas do nº 5 do art. 145º e do art. 150º do Código de Processo Civil.
O Ministério Público considera que a lei consagra o regime de autoliquidação da multa, nos termos que vigora para a taxa de justiça, e, por isso, cabia ao requerente efectuar o pagamento da multa devida, no 1º dia útil posterior à prática do acto, sem qualquer intervenção da Secretaria Judicial.
O Sr. Juiz considerou no despacho recorrido que a norma do nº 5 do art. 145º do CPC apenas faz depender a validade do acto do pagamento da multa no 1º dia útil posterior, competindo ao requerente solicitar guia para esse efeito, sem que a Secretaria Judicial tenha que notificar requerente ou remeter-lhe a guia para esse fim.
Destas três posições, há que rejeitar liminarmente a do regime de autoliquidação da multa, defendida pelo Ministério Público, porquanto, nem a multa se integra no conceito de custas (v. arts. 1º, nº 2, e 74º, nº 1, do Código das Custas Judiciais), não lhe sendo, por isso, aplicável o regime de autoliquidação da taxa de justiça previsto no Código das Custas Judiciais, designadamente o art. 80º, nº 1, relativo ao pagamento da taxa de justiça nos processos criminais, nem existe qualquer norma legal que preveja o regime de autoliquidação da multa.
Pelo contrário, o art. 124º do Código das Custas Judiciais, relativo às operações de tesouraria, estabelece no nº 5 que “todos os outros pagamentos não abrangidos pelos números anteriores são efectuados através de guia a emitir pelo tribunal”. Ora, em nenhum dos números anteriores está abrangida a forma de pagamento das multas previstas nos nºs 5 e 6 do art. 145º do CPC, pelo que o seu pagamento fica dependente da emissão de guia pela secretaria judicial, nos termos previstos no nº 5 do artigo citado.
A posição defendida no despacho recorrido tem pleno apoio na letra do preceito do nº 5 do art. 145º do Código de Processo Civil, segundo a redacção vigente, e tem a seu favor o histórico do preceito, como se irá ver. Tem, porém, a seu desfavor a falta de compatibilização com o actual regime sobre a apresentação a juízo dos actos processuais, previsto no art. 150º do Código de Processo Civil.
Por sua vez, a posição defendida pelo recorrente visa compatibilizar estes dois regimes, através de uma interpretação actualista e correctiva do preceito do nº 5 do art. 145º do Código de Processo Civil, no sentido de que, permitindo a lei (art. 150º, nº 1, do CPC), que as partes pratiquem os actos à distância, remetendo as peças processuais através de telecópia ou por correio electrónico, é suposto que, nesses casos, também lhes seja permitido realizar, à distância, o pagamento da multa prevista no nº 5 do art. 145º do CPC, evitando-lhes a deslocação ao tribunal para levantar a respectiva guia, a qual, então, lhes deverá ser remetida pelos mesmos meios de comunicação à distância, por fax ou correio electrónico.

7. Desde já podemos adiantar que não temos a menor dúvida em aceitar esta última metodologia como a que melhor realiza as finalidades prosseguidas pelos dois preceitos legais em confronto, desse modo se inserindo nos objectivos programáticas da modernização da actividade judiciária, que já contempla a própria desmaterialização dos processos, mas sobretudo porque, contendo-se no âmbito da letra e dos fins da norma (art. 9º, nº 1, do Código Civil), facilita, de forma relevante, a tarefa das partes e dos seus mandatários na prática, à distância, desses actos processuais, sem que afecte minimamente o procedimento de cobrança da multa em causa.
Com efeito, o preceito do nº 5 do art. 145º do Código de Processo Civil foi introduzido pelo Decreto-Lei nº 323/70, de 11 de Julho, que apenas permitia a prática de actos para além do prazo legal, “no 1º dia útil seguinte ao termo do prazo”, fazendo depender a sua validade “do pagamento imediato de uma multa, (...)”. A expressão “pagamento imediato” não deixava dúvidas de que a multa teria que ser paga no momento da prática do acto.
Tratando-se de uma “sanção de natureza civil”, funcionava como contrapartida pela prática do acto fora do prazo, de modo que o seu pagamento dependia apenas da iniciativa e liberdade de decisão da parte que pretendia praticar o acto fora do prazo. O não pagamento não dava lugar a qualquer procedimento de cobrança coerciva; apenas tinha como consequência a não admissibilidade do acto praticado fora do prazo. Como agora ainda sucede.
O Decreto-Lei nº 242/85, de 9 de Julho, alterou a redacção do nº 5 do art. 145º, alargando a possibilidade de também praticar o acto no segundo e terceiro dias úteis seguintes ao termo do prazo, e aditou o nº 6. No que respeita ao momento do pagamento da multa, manteve o regime do “pagamento imediato”.
O Decreto-Lei nº 92/88, de 17 de Março, introduziu pequenas alterações na redacção dos dois preceitos, sem, contudo, alterar o regime do “pagamento imediato” da multa. O mesmo sucedeu com os Decretos-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro, que mantiveram o regime do “pagamento imediato” da multa.
Foi o Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro, que alterou a redacção do nº 5 do art. 145º para os termos que actualmente estão em vigor, substituindo a expressão “pagamento imediato”, pela expressão “pagamento, até ao termo do 1º dia útil posterior ao da prática do acto”. Alteração que visou a sua compatibilização com as alterações introduzidas ao regime do art. 150º do Código de Processo Civil, sobre a apresentação a juízo dos actos processuais pelos meios de comunicação à distância já referidos.
Parece, em todo o caso, evidente que o pagamento da multa, no âmbito do regime do nº 5, continua a ser um ónus da exclusiva iniciativa da parte que pretende praticar o acto fora do prazo, apenas com a diferença de que deixou de ser exigível o pagamento imediato, no momento da prática do acto, para ser alargado até ao termo do dia útil seguinte.
De qualquer modo, à Secretaria Judicial nada mais a lei exige do que a emissão da guia, desde que requerida. Se a guia não for requerida de imediato, a actividade da Secretaria Judicial já se desenvolve nos termos do que dispõe o nº 6 do art. 145º, notificando a parte para pagar a multa “agravada” prevista neste preceito legal, e não a prevista no nº 5. Porque no conceito da lei, o pagamento da multa “menor” prevista no nº 5 é ónus da espontânea e exclusiva iniciativa da parte. O eventual esquecimento da parte, em requerer a emissão da guia para o pagamento espontâneo da multa, é penalizado com o agravamento previsto no nº 6.
Cremos, porém, que no âmbito da prática dos actos por meios electrónicos, à distância, nos termos do disposto no art. 150º, nº 1, do Código de Processo Civil, terá que também admitir-se que, sendo requerido, cabe à Secretaria Judicial não só emitir a guia da multa a pagar nos termos do nº 5, mas também remetê-la, por fax ou outro meio electrónico possível e disponível, para o destino que lhe for indicado. Justifica-o, em primeiro lugar, o princípio da cooperação recíproca entre as partes e o tribunal, a que alude o art. 266º do Código de Processo Civil; em segundo lugar, o princípio da adequação às finalidades visadas pelo preceito do art. 150º do Código de Processo Civil e pelas reformas sobre a informatização dos actos processuais no campo da administração da justiça; em terceiro lugar, porque no princípio constitucional do acesso aos tribunais, segundo a configuração prevista no art. 20º da Constituição da República Portuguesamormente nos segmentos que se referem ao direito a “processo equitativo” (nº 4) e a “procedimentos judiciais caracterizados por celeridade e prioridade” (nº 5) está subjacente a noção de que às partes não devem ser impostos ónus desnecessários, susceptíveis de agravar a sua posição processual e dificultar a defesa dos seus direitos.
O que, concluindo, tudo se conjuga no sentido de que, no caso de apresentação de peças processuais por telecópia ou correio electrónico, nos termos do nº 1 do art. 150º do Código de Processo Civil, requerendo a parte a emissão de guia para pagamento da multa prevista no nº 5 do art. 145º do mesmo Código e a sua remessa por fax para o destino indicado, a Secretaria Judicial deve dar satisfação a essa solicitação, por forma que a parte possa pagar essa multa dentro do prazo aí previsto. Se a Secretaria não cumprir a solicitação em tempo útil que permita à parte pagar a multa naquele prazo, o atraso não pode ser a esta imputável, pelo que lhe deve ser concedido um dia útil para pagar, sem o agravamento do nº 6.

8. Dito isto, impõe-se verificar que o recorrente requereu a emissão da guia para pagamento da multa prevista no nº 5 do art. 145º do Código de Processo Civil, correspondente à prática do acto no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo legal, mas não requereu a remessa da guia por fax.
Parece depreender-se da alegação do recorrente que a remessa da guia por fax seria um dever da Secretaria Judicial, decorrente do pressuposto de que a parte tinha enviado ao tribunal a peça processual em causa também por fax.
Mas, salvo o devido respeito, não é assim. Como já se disse, para efeitos do pagamento da multa prevista no nº 5 do art. 145º do Código de Processo Civil, à Secretaria judicial não é exigido que tome oficiosamente qualquer iniciativa ou pratique qualquer acto. Apenas tem que o fazer se for requerido. Toda a iniciativa relativa ao pagamento dessa multa é ónus exclusivo da parte, cabendo-lhe, por exigência da lei, requerer a emissão da guia e, querendo, requerer também a remessa da guia por fax para qualquer endereço que indique. A intervenção oficiosa da Secretaria só ocorre no âmbito da multa referida no nº 6 do art. 145º do CPC, para suprir a omissão da iniciativa que a lei faz recair sobre a parte que quer praticar o acto fora do prazo legal.
No caso em apreço, não tendo o recorrente requerido que a guia lhe fosse enviada por fax para o escritório do seu mandatário, a Secretaria Judicial não tinha que “supor” que era isso que o recorrente pretendia e, consequentemente, não tinha que tomar oficiosamente a iniciativa de remeter a guia por fax. Até porque, ao requerer apenas a emissão da guia, situando-se o Tribunal na cidade de Vila Nova de Gaia e o escritório do mandatário da parte na cidade do Porto, localidades que confinam entre si, o que era suposto era que o requerente, ou alguém por si, fosse levantar a guia, no prazo previsto no nº 5 do art. 145º do Código de Processo Civil, e procedesse ao pagamento da multa dentro desse prazo. Se outra fosse a vontade do requerente haveria que dizê-lo e requerê-lo expressamente, o que não foi feito.
Donde se conclui que a exigência da multa agravada prevista no nº 6 do art. 145º do Código de Processo Civil não é consequência de qualquer incumprimento ou atraso da Secretaria Judicial, mas de omissão do próprio recorrente, seja porque não levantou a guia para pagamento da multa do nº 5 dentro do prazo aqui previsto, seja porque não requereu o envio da guia por fax.
É apenas este o motivo que retira razão ao recorrente e leva à improcedência do recurso.
IV

Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e mantém-se a decisão recorrida.
Pelo seu decaimento no recurso, condena-se o recorrente a pagar as respectivas custas, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça (arts. 513º, nº 1, e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal, e 87º, nº 1, al. b), e nº 3, do Código das Custas Judiciais).
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Relação do Porto, 13-06-2007
António Guerra Banha
Jaime Paulo Tavares Valério
Luís Augusto Teixeira