Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
544/13.4TTGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: PROCESSO DISCIPLINAR
DEPOIMENTO
VALORAÇÃO
TRABALHADOR BANCÁRIO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
INDEMNIZAÇÃO
RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
Nº do Documento: RP20151019544/13.4TTGDM.P1
Data do Acordão: 10/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – A afirmação do carácter “disciplinar” de uma conduta constitui uma conclusão jurídica que não deve constar dos fundamentos de facto da sentença, apenas devendo figurar, se para tanto bastarem os factos, em sede de apreciação jurídica dos factos.
II – Não podem ser valorados na acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento os depoimentos testemunhais prestados no processo disciplinar.
III – A Relação não deve alterar a decisão relativa à matéria de facto se a pretendida alteração da resposta nenhuma influência vai ter para a decisão do mérito do recurso.
IV – Não pode qualificar-se como infracção disciplinar, e constituir justa causa de despedimento, um comportamento desconforme com a boa prática bancária que a entidade empregadora, através da gerência do balcão em que o trabalhador exercia funções e através da sua própria direcção, conhece, aceita e com ele colabora.
V – Não exerce as suas funções com a diligência, idoneidade e cuidado exigíveis, o trabalhador bancário que assume condutas de favor a um determinado cliente que colidem com princípios de transparência subjacentes à actividade bancária e extrapolam as suas funções, vg. guardando um documento de confissão de dívida estranho à sua actividade para entregar ao referido cliente ou levantando quantias a ele destinadas, para o que também tinha em seu poder vários cheques assinados em branco pela titular de uma conta onde eram depositadas quantias destinadas aquele cliente.
VI – Inexiste justa causa de despedimento se o trabalhador não obteve ou, sequer, visou obter, um qualquer benefício pessoal com estas condutas e a própria gerência do balcão e direcção do banco conferiam um tratamento de favor ao cliente em causa (a gerência ao dar parecer favorável à atribuição de condições especiais de preçário a uma conta em que o beneficiário dos depósitos nela efectuados era o referido cliente, apesar de titulada por outrem, como a gerência sabia, e a direcção ao autorizar e renovar a atribuição dessas condições especiais).
VII – Um comportamento infraccional de baixa gravidade, que não comprometeu definitivamente a subsistência da relação de trabalho, justifica a restrição do direito à livre iniciativa económica privada, com a inerente prevalência do direito à segurança no emprego.
VIII – O direito à indemnização por despedimento ilícito tem os contornos assinalados pelo ACT do sector bancário na redacção em vigor à data em que se tornou eficaz o acto extintivo e não tem qualquer relevo para a quantificação da indemnização o facto de o empregador não se ter oposto à ampliação do pedido deduzida já no decurso da audiência de julgamento no sentido de ser aplicada a norma daquele instrumento adequada à idade entretanto atingida pelo trabalhador.
IX – O agravamento das taxas de juros aplicáveis aos contratos de empréstimo causado pelo facto de o A. ter deixado de ter a qualidade de trabalhador da R. não decorre da instauração e pendência do procedimento disciplinar mas, tão só, da cessação do contrato, pelo que a conduta do A. justificativa da aplicação eventual de uma sanção de natureza conservatória não permite a aplicação o disposto no artigo 570.º do Código Civil na quantificação da correspondente indemnização.
X – A responsabilidade pelo pagamento das retribuições devidas ao trabalhador desde o despedimento ou desde a data da apresentação do formulário referido no artigo 98.º-C (consoante este seja, ou não, entregue nos 30 dias subsequentes ao despedimento), cabe em primeiro lugar ao empregador, passa a recair sobre o Estado após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário até à notificação da decisão de 1.ª instância e ressurge na esfera jurídica do empregador após a notificação da decisão de 1.ª instância.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 544/13.4TTGDM.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
1.1. B…, veio em 16 de Outubro de 2013 impugnar judicialmente no Tribunal do Trabalho do Porto a regularidade e licitude do seu despedimento efectuado em 09 de Outubro de 2013 por C…, S.A.
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da empregadora para apresentar o articulado a motivar o despedimento e o processo disciplinar, o que fez.
No seu articulado a R. alegou, em síntese: que o A. foi despedido com justa causa e processo disciplinar, cumprindo todas as formalidades legais e que as suas condutas infraccionais consistiram, essencialmente, em: (i) aceitar ser intermediário, ou auxiliar de cumprimento, no esquema de empréstimos particulares entre D… e clientes do Banco, totalmente alheio à actividade do Banco e às funções que deveria exercer, colocando-se voluntariamente numa situação de conflito de interesses com o Banco, que é o seu empregador; (ii) aceitar um mandato de D… para movimentar a conta de E… (de que ele não era sequer titular) e para nela proceder periodicamente a depósitos e levantamentos com base no saque de cheques em branco subscritos por E… que o A. guardava em seu poder; (iii) aceitar e executar mandato de E… para proceder ao preenchimento e ao levantamento de cheques sacados sobre a conta de E… e que lhe foram entregues assinados em branco anteriormente; (iv) socorrer-se, sem ter autorização para tal, das instalações do Banco e dos seus meios materiais, para desenvolver essa conduta em benefício de D…, tendo em depósito no Banco e à sua guarda diversa documentação que respeitava à actividade de concessão de empréstimos particulares de D…; (v) ter perfeito conhecimento que a conta de E… era efectivamente utilizada em benefício do reembolso de empréstimos de D…, incumprindo com o dever de conhecimento do cliente, e implicando o Banco numa actividade que poderia ter enorme risco reputacional. Termina pedindo a improcedência da acção e a declaração de regularidade e licitude do despedimento do A. ou, subsidiariamente, a dedução às quantias que seja condenada a pagar dos montantes por este auferidos a título de subsídio de desemprego ou remuneração por outra actividade profissional prestada.
Na contestação apresentada ao articulado de motivação do despedimento (fls. 542 e ss.), o A. alegou a falta de junção do processo disciplinar com o articulado e arguiu a “prescrição” do procedimento disciplinar nos termos do artigo 329.º, n.ºs 1 e 2 do CT, cujos prazos apenas se suspenderam com a notificação de nota de culpa. Impugnou ainda parte dos factos alegados pela R. e alegou que sempre actuou no âmbito das funções que lhe estavam atribuídas, sendo os factos que lhe são imputados e que fundamentaram a decisão de despedimento do conhecimento e consentimento da gerência do balcão e da Direcção. Deduz reconvenção, pedindo a declaração de ilicitude do despedimento, com a condenação da R. a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença e uma indemnização prevista no ACT do Sector Bancário, em substituição da reintegração, bem como a pagar-lhe a quantia de € 106.183,92 relativa ao agravamento que alega ter sofrido no seu crédito à habitação em virtude de ter deixado de beneficiar das condições especiais garantidas aos funcionários bancários.
A R. apresentou o articulado de resposta de fls. 691 e ss., dizendo ter junto o procedimento disciplinar em tempo oportuno e concluindo pela improcedência das questões suscitadas e do pedido reconvencional.
Foi proferido despacho saneador em 2014.02.10, no qual foi determinado o desentranhamento de um segundo articulado motivador, entretanto junto pela R., e julgada tempestiva a junção do procedimento disciplinar, admitindo que o mesmo possa ser junto em separado do articulado motivador, desde que dentro do prazo do artigo 98.º-I, n.º 4, alínea a) do CPT. Elencaram-se os factos assentes, bem como os controvertidos e carecidos de prova.
O despacho de condensação processual não foi objecto de reclamação.
No decurso da audiência de julgamento, o A. apresentou requerimento de ampliação do pedido “a título de mero desenvolvimento do pedido primitivo, em função da cláusula 126º, nº2, al. IV) do ACT, que reza que «se em caso da ilicitude do despedimento, o funcionário tiver mais de 35 anos de idade e pelo menos 11 anos de serviço, a indemnização será acrescida de 2, 3, 4 ou 5 meses de retribuição, conforme o tempo de serviço for até 15, 20, 25 ou mais de 25 anos de serviço.» Assim, o pedido reconvencional deduzido, remetendo para o art.º 49.º da contestação, onde constava 2 meses de retribuição por cada ano de serviço, deve passar a ser 4 meses, por força da referida idade do autor e de completar já mais de 15 anos de antiguidade”.
A R. não respondeu à ampliação, vindo esta a ser admitida por despacho judicial (fls. 779).
O Mmo. Julgador a quo proferiu em 16 de Março de 2015 sentença, na mesma decidindo a matéria de facto e de direito. Terminou o acto decisório com o seguinte dispositivo:
«Nestes termos e pelo exposto:
a) declaro ilícito o despedimento de B…, levado a cabo pela entidade empregadora C…, S.A. por decisão proferida em 09/10/2013;
b) julgo a reconvenção parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condeno a reconvinda C…, S.A.:
i. a pagar a B… uma indemnização em substituição da reintegração no valor de 118.327,90 € (cento e dezoito mil, trezentos e vinte e sete euros e noventa cêntimos), a que acrescerá a quantia diária de 21,88 € (vinte e um euros e oitenta e oito cêntimos) por cada dia que decorra entre esta data – 16/03/2015 – e o trânsito em julgado desta sentença;
ii. a pagar a B… a quantia correspondente ao valor das retribuições que deixou e venha a deixar de auferir entre a data do despedimento e o trânsito em julgado da presente sentença, à razão de 2.649,58 € (dois mil, seiscentos e quarenta e nove euros e cinquenta e oito cêntimos) mensais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data de vencimento de cada retribuição até integral pagamento, sendo neste momento as retribuições já vencidas no valor total de 50.342,02 € (cinquenta mil, trezentos e quarenta e dois euros e dois cêntimos) – 2.649,58€ X 19;
iii. a pagar a B… a quantia a liquidar posteriormente, correspondente à diferença entre o que o autor deveria ter pago no período decorrido entre a data do despedimento e o trânsito em julgado da presente sentença a título de prestações devidas pelos dois contratos de mútuo celebrados com a ré em 31/01/2007 e o que efetivamente tenha pago ou venha a pagar em resultado da decisão da ré de deixar de aplicar ao autor a taxa de juro aplicável aos funcionários bancários.
Nos termos do disposto no art.º 98.º-N, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, determino que o pagamento das retribuições devidas ao trabalhador após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário de fls. 2 (deduzidos os períodos referidos no art.º 98.º-O do Código de Processo do Trabalho) seja efetuado pela entidade competente da área da Segurança Social, caso não ocorra o trânsito em julgado da decisão final antes dessa data.
Custas pela ré - art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Valor da ação: 168.669,92€ - art.º 98.º-P, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho.
Registe e notifique.
[…].»
1.2. A R., inconformada, interpôs recurso desta decisão (a fls. 875 e ss.), arguindo desde logo a nulidade da sentença nos termos do artigo 615º, n.º 1, al.s c) e d), do Código do Processo Civil (CPC), ex vi artigo 1º, n.º 2, al. a) do CPT, por obscuridade insanável quanto ao julgamento sobre a matéria de facto, relativamente ao facto provado na al. X) da matéria provada, e por omissão de pronúncia relativamente aos factos alegados nos artigos 49, 53 e 83 do articulado de fundamentação do despedimento.
Formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“I - A SENTENÇA RECORRIDA
1. O presente recurso reporta-se à decisão proferida pelo Tribunal a quo, em 16.03.2015, e notificada ao Recorrente em 23.03.2015 a qual deferiu a ação de irregularidade ou ilicitude do despedimento requerida pelo Recorrido, julgando pela improcedência de justa causa para o seu despedimento, e com a qual o Recorrente não se pode conformar, na medida em que a decisão em crise padece de causas de nulidade, julgou erradamente a matéria de facto, como os meios de prova constantes do processo demonstram de forma clara, e errou na aplicação do Direito, não podendo, de forma alguma e à luz das mais elementares regras e princípios, ser mantida.
II – DA NULIDADE DA SENTENÇA
2. Na resposta dada quanto ao facto constante da al. X) dos factos provados, o Tribunal veio a considerar que “os factos disciplinares supra referidos imputados ao autor foram do imediato conhecimento dos superiores hierárquicos” do autor, mas não consegue saber minimamente a que “factos disciplinares” se estará a referir o Tribunal, pelo que a impugnação da resposta dada à matéria de facto fica prejudicada nesta parte, já que o R. não pode saber, em bom rigor, o que deve impugnar nesta resposta, pois a decisão e ininteligível. A Sentença é nula nesta parte por ocorrer obscuridade que torna a decisão ininteligível, nos termos do artigo 615º, n.º 1, als. c), do CPC, ex vi artigo 1º, n.º 2, al. a), do CPT.
3. No seu articulado de fundamentação do despedimento o R. alegou 3 factos, nos artigos 49, 53 e 83 que não mereceram qualquer resposta por parte do Tribunal a quo, no julgamento da matéria de facto, e que seriam relevantes para a decisão da causa, sendo nula a Sentença quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, Nos termos do artigo 615º, n.º 1, al. d), do CPC, ex vi artigo 1º, n.º 2, al. a), do CPT, como foi o caso.
III – DA IMPUGNAÇÃO DA RESPOSTA DADA QUANTO À MATÉRIA DE FACTO (com reapreciação da prova gravada)
4. Impugna-se a resposta de “não provado”, dada aos factos elencados nas als. 1), 2), 3), 4) e 7), do elenco de factos não provados, e a resposta de provado dada aos factos elencados na al. V) e X) dos factos provados, considerando o Recorrente que a resposta deveria ter sido a inversa da que foi dada pelo Tribunal a quo nesses diversos pontos.
5. O Tribunal errou na resposta dada no ponto1) dos factos não provados, e a resposta deve ser alterada no sentido de se dar como provado que o cliente do banco da empregadora, D..., desenvolveu desde 16.08.2011 em colaboração com F..., ao abrigo de um acordo entre ambos celebrado, uma atividade de concessão de empréstimos particulares a clientes da empregadora e a clientes de outros bancos.
6. A prova desse facto decorre da confissão do A. constante da assentada está na Ata da Audiência de Julgamento de 23.09.2014. e do depoimento de D... registado no registo fonográfico e referido na ata da Audiência de Julgamento de 07.10.2014, resulta do teor do documento de fls. 258 do processo disciplinar, assinado pela referida testemunha, e não impugnado, e do depoimento de G..., como se pode constatar pela audição do registo fonográfico do seu depoimento, mencionado na ata de julgamento de 07.10.2014, do depoimento de depoimento de H..., registado no sistema fonográfico e referido na Ata da Audiência de julgamento de 07.10.2014; é confirmada ainda, sem qualquer margem para dúvida, pelos factos provados nas al. H) e I) dos factos provados, e decorre muito claramente do funcionamento da conta de E..., funcionamento esse dado como provado nas als. N), O), P), S) e T) da matéria provada.
7. Requer-se também a alteração da resposta dada na al. 2) dos factos não provados, de maneira a dar como provado esse facto.
8. A alteração da resposta dada ao quesito 2) dos factos não provados, decorre automaticamente da alteração da resposta dada ao quesito 1) dos factos não provados, quando conjugada com a resposta dada ao quesito U), dos factos provados, devendo a resposta ser alterada no sentido de ter ficado provado que o A. efetuava nas instalações do banco e durante o seu horário de trabalho a gestão e escrituração dos créditos registados na conta respeitantes ao pagamento/reembolso de empréstimos concedidos por D... aos referidos terceiros.
9. Requer-se a alteração da resposta dada na al. 3) dos factos não provados, de maneira a dar como provado esse facto.
10. A resposta de provado a esse facto decorre do depoimento de parte do A. ao quesito 2º, em que a matéria foi confessada, do depoimento de D... (depoimento registado em registo fonográfico identificado na Ata de Audiência de Julgamento de 07.10.2014), e da ponderação da matéria provada nas als. N), O), Q), H), I) e U), e documentos constantes de fls. 126 e 127 do processo disciplinar de acordo com elementares regras de experiência comum.
11. Julgou o Tribunal, no ponto 4) dos factos não provados, que não ficou provado que o cativo na conta de E... tivesse sido solicitado por D..., mas basta ouvir o seu depoimento quanto ao episódio que suscitou a introdução do referido cativo, e reler o depoimento escrito assinado por D... (proferido na Audiência de Julgamento de 07.102014, e gravado em registo fonográfico referido na respetiva ata, para compreender que se impunha a resposta afirmativa ao que era quesitado, sobretudo se conjugado com o depoimento escrito, da testemunha, constante de fls. 258 do processo disciplinar junto aos autos. Essa matéria foi confirmada ainda pelo depoimento de I.... Requer-se, pois, a alteração da resposta dada neste ponto.
12. No ponto 7) julgou o Tribunal a quo, não provado que os 10 clientes dos quais o autor era o gestor, afetos à agência de ..., tenham contraído empréstimos junto de D..., cujo reembolso/pagamento era efetuado por centralização na conta de depósitos à ordem de E..., o que o autor bem sabia, resposta que se impugna requerendo-se a alteração da resposta para que esse facto seja dado como provado.
13. Essa resposta de “provado” decorre do testemunhado pela I... (depoimento registado e referido na Ata de Julgamento de 23.09.2014, H... (que confirmou ter verificado em sede de auditoria a movimentação da conta e detalhes das operações que identificaram os clientes/titulares dos cheques), J... (que confirmou ter ido verificar a movimentação da conta e detalhes das operações que identificaram os clientes/titulares dos cheques), G... (que confirmou ser titular de uma das contas da lista e que o seu gestor era o A.), e das declarações escritas e assinadas em sede de processo disciplinar, concretamente as de D..., a fls. 258 e ss do PD, que identificou tais clientes (ou pelo menos, a sua maioria) como sendo clientes do seu intermediário Arouca em sede de financiamento feito por si, D..., e a quem foi providenciada a abertura de conta sobre a alçada e gestão do trabalhador e A.
14. Diversamente, o Tribunal a quo considerou provado, na al. V), dos factos provados, que os órgãos competentes do C..., nomeadamente a gerência do seu balcão de ..., não ignoravam a abertura, fins e condições de movimentação da dita conta bancária da E..., uma vez que se responsabilizou, dando o necessário parecer favorável, na atribuição de condições especiais de preçário”, mas essa resposta não tem suporte na prova produzida devendo a resposta ser alterada no sentido de não dar como provado esse facto;
15. Este conhecimento sobre a finalidade e condições de movimentação da conta foi negado de forma perentória, pelos dois Gerentes ouvidos como testemunhas e acareados, como resulta dos seus depoimentos, gravados no registo fonográfico do sistema citius e, por outro lado, o documento junto a fls. 282 e ss. do processo disciplinar não permitiria minimamente dar como provado o contrário do constante destes depoimentos, como foi explicado nos depoimentos de I... e K....
16. Na sequência da errada resposta dada quanto na al. V) o Tribunal a quo veio a considerar, na al. X), que os factos disciplinares supra referidos imputados ao autor foram do imediato conhecimento dos superiores hierárquicos do autor, mas essa resposta deve ser alterada para “Não provado”.
17. O A. não apresentou qualquer meio de prova, como devia – pois era seu o ónus da prova quanto a este facto – no sentido de que o conhecimento da Gerência da Agência de ... fosse, quanto aos factos que lhe foram imputados na decisão de despedimento, anterior a 26 de abril, termos em que deverá ser alterada a resposta dada no julgamento da matéria de facto quanto à al. X), não se dando como provado que os factos disciplinares imputados ao autor foram do imediato conhecimento dos superiores hierárquicos do autor,
III – QUANTO À ERRADA APLICAÇÃO DO DIREITO
18. Ao decidir que não havia justa causa para o despedimento do A. perante os factos que foram provados no processo, o Tribunal a quo errou na aplicação da norma constante do artigo 351º, n.º 1 do CT.
19. Da prova produzida (i independentemente da impugnação da matéria de facto) resulta que o A.: (i) Permitiu que fosse aberta uma conta e, enquanto gestor comercial, geria uma conta em nome de E... (conta D.O. n.º ........) para que aí fossem depositadas quantias destinadas ao cliente da empregadora D... (facto N)); (ii) iInseriu um cativo na conta de cliente E..., para que a cliente não pudesse movimentar a conta de que era titular sem o consentimento de D... (O)); (iii) Aceitou e tinha em seu poder, guardando no seu local de trabalho cheques assinados em branco por E... que usava para proceder periodicamente ao levantamento de quantias que entregava a D... (Q) e J)); (iv) Aceitou e tinha em seu poder, guardando no seu local de trabalho títulos de dívida em que era credor D... (ainda que por intermédio de F..., no âmbito do acordo entre eles celebrado, como explicado anteriormente) a pedido de D..., como favor que lhe era efetuado (factos H), I) e K)); (v) Elaborou, assinou e induziu proposta à hierarquia, datada de 05.11.2012, relativa à renovação de condições especiais de preçário na conta 39646271, que era titulada por E..., como se tratando de uma conta de D... (fls. 126 e 127 do processo disciplinar e facto W)); (vi) Detinha e efetuou num “canhoto” de cheques, e de forma manuscrita, a contabilidade da conta titulada por E... (facto provado U)); (vii) Não só aceitou que depósitos e levantamentos na caixa fossem feitos sem a presença e assinatura dos clientes – como impõem as regras elementares de qualquer banco - , como foi ele próprio quem executou esses levantamentos e depósitos junto da Caixa em nome da “titular” formal da conta E..., para entrega de quantias em dinheiro a D... (facto Q)).
20. Ao proceder desta forma o A. incumpriu com diversos normativos do Banco em matéria de conduta, deontologia e ética profissional, designadamente os provados nas als. F) e G) dos factos provados; teve um comportamento pouco idóneo e transparente; socorreu-se sem ter autorização para tal, das instalações do Banco e dos seus meios materiais, tendo em depósito no Banco e à sua guarda diversa documentação que respeitava à atividade D... que era em todo estranha à sua relação com o Banco, designadamente títulos de dívida que mantinha à sua guarda a pedido de D..., o que viola o dever de dar boa utilização aos bens relacionados com o trabalho, nos termos da al. h) do n.º 1 do artigo 128º; e conscientemente implicou o Banco numa atividade que tem para o Banco enorme risco reputacional.
21. O A. não obedeceu às normas internas de operações bancárias de depósito e levantamento de cheques, às instruções e comandos do empregador com vista ao desempenho das suas funções que deveriam ter passado por uma informação fidedigna sobre os clientes e a sua realidade, movimentação de contas e operações bancárias.
22. O A. incumpriu o dever de lealdade, ao agenciar, intermediar ou manter, sem autorização, qualquer relação contratual de natureza creditícia, ou de outra natureza, estranha à atividade do Banco, com os Clientes do próprio Banco.
23. Não restam também dúvidas de que as condutas provadas e tidas pelo A. são gravemente violadoras dos deveres previstos nas alíneas a), c), e), f), h) do nº 1 e nº 2 do artigo 128º, do CT, bem como as alíneas b), d) e g) do nº 1 da Cláusula 34ª do ACT do Sector Bancário.
24. O fundamento para o despedimento, constante da Decisão de despedimento, foi a violação do dever de obediência, (previsto na al. e) e n.º 2 do artigo 128º, do CT), a violação do dever de lealdade (previsto na al. f) do n.º 1 do artigo 128º, do CT), e não apenas o desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto; e a lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa, previstos nas als. d) e e) do n.º 2 do artigo 351º, n.º 2, do Código do Trabalho.
25. A violação destes deveres por parte do A. foi bastante grave: não se pode esquecer que o A. exerce as funções de Gestor Comercial, posto onde a relação de confiança é bastante acentuada, por serem bastante exigentes e qualificadas as funções aí exercidas, como decorre da al. E) dos factos provados, consistindo a confiança o fundamento nuclear da subsistência do vínculo laboral.
26. A conduta do A. revela, objetivamente, uma completa desadequação no respeito exigível pelos interesses do Banco, criando no Banco justificadas dúvidas sobre a idoneidade da sua futura conduta, sobretudo em momento de grande escrutínio a nível interno e internacional, que reclama dessa atividade bancária que os seus colaboradores sejam de grande confiança, e rejeitem a adoção de esquemas ou procedimentos duvidosos ou obscuros e de grave risco para as instituições que os contratam.
27. O juízo sobre a justa causa de despedimento é um juízo de inexigibilidade: perante um comportamento do A. como o que se deu como provado no processo, pergunta-se se é exigível ao Banco empregador a manutenção do vínculo contratual, ou se, pelo contrário, a permanência do contrato constitui, objetivamente, uma insuportável e injusta imposição ao empregado, ferindo desmesurada e violentamente a sensibilidade de uma pessoa normal, colocada na posição real do empregador.
28. Impor ao serviço do Recorrente, ou de qualquer instituição bancária, um trabalhador que incumpre os normativos de forma flagrante, e que adota condutas pouco transparentes com clientes do Banco, estranhas à atividade, associando o Banco a essa mesma atividade, não é minimamente aceitável, como objetivamente se pode verificar.
29. Havia, pois, justa causa para o despedimento.
30. O direito à livre iniciativa económica privada, e de liberdade de empresa, consagrados no artigo 61º, n.º 1, da CRP são direitos fundamentais de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias.
31. Qualquer interpretação das normas constantes do 351º, n.º 1 do CT, que imponha ao empregador a manutenção do contrato de trabalho, e a proibição do seu despedimento, sendo apurada a matéria levada a cabo pelo A., e dada como provada no processo, traduzir-se-ia uma situação de desequilíbrio na ponderação e articulação dos diferentes direitos fundamentais implicados que não seria admissível do ponto de vista constitucional, por violação do artigo 61º, n.º 1, da CRP, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais.
32. O Tribunal a quo condenou o R. no pagamento de uma indemnização de antiguidade ao A. no valor de € 118.327,90, por 16 anos, 10 meses e 25 dias de antiguidade, por errada aplicação da cláusula 126º, n.º 2, al. a) do Contrato Coletivo de trabalho para o Setor Bancário.
33. O Tribunal a quo errou manifestamente na aplicação da referida cláusula, já que se se atentar no teor integral da cláusula 126ª consagrada no referido ACT, publicado no BTE n.º 3, de 22 de Janeiro de 2011, tendo o A. mais do que 11 anos de antiguidade e mais do que 35 anos de idade, no cálculo de aplicação de antiguidade serão aplicáveis as regras previstas nas als. iii) e iv) da al. a) do n.º 2 da cláusula 126ª, sendo aplicável o limite (salvaguarda) estabelecido no n.º 4 da mesma cláusula..
34. Sendo 45 dias de retribuição base a quantia de € 2.395,54, o montante global da retribuição, tendo em conta os anos completos de antiguidade do A. e a fração do mesmo, nunca poderia exceder a quantia de € 40.524,63, por efeito da aplicação da regra do n.º 4 da cláusula 126ª do ACT, devendo a sentença ser revogada nesta parte.
35. O Tribunal a quo condenou ainda o R., ora Recorrente, a pagar a B..., por aplicação do artigo 389, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho, em quantia a liquidar posteriormente, correspondente à diferença entre o que o autor deveria ter pago no período decorrido entre a data do despedimento e o trânsito em julgado da presente sentença a título de prestações devidas pelos dois contratos de mútuo celebrados com o R. em 31.01.2007 e o que efetivamente tenha pago ou venha a pagar em resultado da decisão da ré de deixar de aplicar ao autor a taxa de juro aplicável aos funcionários bancários.
36. Deve levar-se em linha de conta, na análise da questão, que ficaram demonstrados factos, imputados ao A., que sempre implicariam responsabilidade disciplinar, como de resto reconhece a Sentença em crise, razão pela qual sempre o A. teria concorrido para a produção dos danos que eventualmente sofreu com o despedimento, e a indemnização correspondente à diferença entre o que o autor deveria ter pago no período decorrido entre a data do despedimento e o trânsito em julgado da presente sentença a título de prestações devidas pelos dois contratos de mútuo celebrados com a ré seria excluída, ou pelo menos, reduzida, em face do disposto no artigo 570º, n.º 1 do Código Civil, preceito que o Tribunal a quo deveria ter aplicado e não aplicou.
Termos em que, e nos demais de Direito que os Venerandos Desembargadores doutamente suprirão se requer seja admitido o presente recurso de apelação, com efeito suspensivo, seja anulada e revogada a Sentença recorrida – por nulidade da mesma, erro na apreciação da matéria de facto e na aplicação do Direito - e substituída por outra que, nos termos melhor alegados, declare a nulidade da Sentença recorrida, altere a resposta dada aos pontos 1), 2), 3) 4) e 7) dos factos não provados, e al.s V) e X) dos factos provados, e considere julgada improcedente por não provada a presente ação, por ter sido lícito do despedimento do A. e o Recorrente absolvido de todos os pedidos contra si formulados, de com o que se fará a costumada Justiça!”
1.3. Respondeu o A. recorrido (a fls. 904 e ss.), pugnando pela improcedência do recurso e concluindo que:
“1ª – A douta sentença recorrida decidiu a matéria de facto em litígio e aplicou-lhe o Direito de forma lúcida, ponderada e rigorosa, que não suscita ou justifica, para qualquer observador minimamente conhecedor e descomprometido, o mais ligeiro reparo;
2ª – A nulidade da douta sentença recorrida arguida pelo Banco apelante não dispõe do mais ligeiro fundamento.
Com efeito,
3ª – Relativamente à alegada obscuridade insanável por falta de concretização, dos “atos disciplinares supra referidos imputados ao autor“, omite o apelante que o teor da alínea X) dos “ Fatos Provados “ transcreve a parte do artigo 14º da base instrutória que foi considerada provada;
Ora,
4ª – A falta de oportuna reclamação do apelante contra a selecção da matéria de fato impede-o agora, na fase do recurso, de vir impugnar a mesma matéria, arguindo a respetiva obscuridade ou qualquer outro vício;
Acresce,
5ª – Que o teor do referido artigo 14º da base instrutória incorpora matéria alegada pelo apelado, cuja plena prova apenas a si próprio beneficiaria;
No entanto,
6ª – A falta de prova da sua parte final, da alegada competência disciplinar dos superiores hierárquicos do apelado que tomaram imediato conhecimento das infracções disciplinares que lhe foram imputadas, determinou a absoluta irrelevância da matéria vertida na alínea X) dos “ Fatos Provados “;
Por outro lado,
7ª – A matéria dos artigos 49º, 53º e 83º do articulado de fundamentação do despedimento não foi vertida na base instrutória, da qual o apelante não reclamou, como já se viu;
De qualquer modo,
8ª – A matéria dos mencionados artigos do articulado do empregador não acrescenta um único facto à dos artigos 1º, 2º, 3º e 4º da douta base instrutória;
9ª – A deduzida impugnação da decisão da matéria de facto não cumpre os ónus impostos pelo artigo 640º do Código de Processo Civil, motivo pelo qual deve ser liminarmente recusada;
Com efeito,
10ª – Em lado algum o apelante identifica os pontos da matéria de facto objeto de impugnação com referência aos quesitos da base instrutória, não indica nas conclusões e com precisão as passagens da gravação de cada depoimento em que funda a deduzida impugnação e muito menos efetua, nessa sede, a respetiva transcrição;
De qualquer modo, e sem prescindir,
11ª – Não dispõe do mais ligeiro fundamento a impugnação da decisão na parte em que julgou não provada a matéria de facto vertida no quesito 1º da base instrutória;
Desde logo,
12ª – Porque, contrariamente ao invocado pelo apelante, a mesma não foi objeto de confissão por parte do apelado, como se demonstra da ata da audiência de 23.09.2014;
Acresce,
13ª – Que as declarações prestadas em audiência pela testemunha D… de forma alguma confirmam a matéria de facto do quesito 1º, sendo certo que as declarações por este alegadamente prestadas no procedimento disciplinar jamais poderiam fazer prova em sentido divergente com a produzida em audiência;
14ª – Como bem se expõe na douta motivação da decisão de facto, as testemunhas I…, H…, K…, L…, M… e J… ou contrariaram a atividade de empréstimos a particulares por parte de D… ou revelaram total desconhecimento do assunto;
Em boa verdade,
15ª – Apenas a testemunha G…, no depoimento prestado na audiência de 07.10.2014, a partir de 05m:11s., mencionou conhecer um empréstimo do referido D…, um único e a título gratuito, e, portanto, não confirmando a versão do apelante que pressupõe empréstimos efectuados com regularidade e remunerados;
Por último,
16ª – O apelante alega ainda, imbuído dum optimismo delirante e sem qualquer adesão à realidade, que a matéria descrita no ponto 1) dos “ Factos Não Provados “ é confirmada pelos factos provados das alíneas H) e I), decorrendo ainda da matéria provada nas alíneas N), O), P), S) e T);
17ª – Relativamente à matéria do quesito 2º, na parte vertida no ponto 2) dos “Factos Não Provados”, o apelante sustenta a alteração do julgamento de facto com base num silogismo ou presunção que só existe na sua fértil imaginação;
18ª – O apelante requer ainda a “alteração da resposta dada na al. 3) dos factos não provados, de maneira a dar como provado esse facto” (conclusão 9ª), omitindo que nem um documento foi apresentado ou um depoimento foi prestado em audiência indiciando o conhecimento por parte do apelado da alegada atividade de concessão de empréstimos de D…;
Efetivamente,
19ª – O próprio D…, cujo depoimento o apelante invoca em defesa da sua versão, questionado sobre o alegado conhecimento do apelado da atividade de concessão de empréstimos que o Banco lhe imputara, responde, sem dúvidas ou hesitações, aos 23m:09s. das declarações prestadas em audiência de 07.10.2014 “É falso”;
20ª – O apelante insurge-se ainda, novamente sem qualquer fundamento, contra a decisão de facto contida no ponto 4) dos “Factos Não Provados”, invocando em favor dessa pretensão as declarações de D… que se limitou a declarar, aliás insistentemente, não se recordar da matéria em apreço;
Acresce,
21ª – Que o apelante invoca ainda, para o mesmo efeito, as declarações da testemunha I…, apesar desta haver admitido, a partir de 64m:33s das declarações prestadas em audiência de 23.09.2014, que o bloqueio de qualquer conta carece duma autorização numérica do gerente de balcão;
22ª – O Tribunal “a quo” considerou não provada a matéria do quesito 7º, se mais não fosse em resultado da falta de prova da factualidade descrita nos quesitos 1º e 3º, decisão que, não obstante, o apelante impugna invocando generalidades abstractas, sem a mínima convicção nem o cumprimento dos ónus processuais legalmente estatuídos;
Por outro lado,
23ª – Carece do mais ligeiro fundamento a requerida alteração da douta decisão de facto das alíneas V) e X) dos “Factos Provados”, ora por omitir as assinaturas e pareceres que os gerentes e directores do apelante reconheceram em audiência ser da sua autoria, ora por procurar esconder as hesitações e tentativas de desresponsabilização da parte destes que o Tribunal bem registou na motivação da decisão de facto impugnada;
24ª – É indiscutível que o apelante não logrou provar nos autos a acusação mais grave deduzida contra o apelado na nota de culpa, na decisão de despedimento e no articulado motivador do mesmo, qual seja a de colaborar numa atividade de concessão de empréstimos, em concorrência com o Banco e gravemente danosa para este;
25ª – Embora o apelante procure valorizar, nas alegações de recurso, a relevância dos factos cuja prova logrou obter, o certo é que estes sempre foram apresentados, na nota de culpa, na decisão de despedimento e no articulado de motivação deste, como instrumentais relativamente à principal acusação deduzida ao apelado, qual seja a de conhecer e colaborar na atividade de concessão de empréstimos liderada por D…;
Deste modo,
26ª – Não se tendo provado o exercício da referida atividade, muito menos que o apelante colaborasse ou sequer tivesse conhecimento da mesma, caem por terra, obviamente, os principais fundamentos invocados como motivo de despedimento do apelado;
Com efeito,
27ª – A matéria imputada ao apelado e que foi demonstrada nos autos resume-se à movimentação da conta de E… mediante o levantamento de cheques cujos valores se destinavam a D…, movimentações e destino do conhecimento dos órgãos competentes do C…, designadamente da gerência do seu balcão de …; Ora,
28ª – Como bem se considerou na sentença em recurso, a sanção de despedimento é absolutamente desproporcionada, por excessiva, à infracção apurada, desproporção esta que é agrava pelo facto do apelado ser funcionário do apelante desde 2006 e não contar, no seu registo disciplinar, com a mais ligeira sanção;
Consequentemente,
29ª – A sanção disciplinar de despedimento aplicada ao apelado viola, aliás de forma flagrante, o estatuído no artigo 330º, nº 1, do Novo Código do Trabalho;
30ª – A imaginativa alegação da inconstitucionalidade decorrente da aplicação do dispositivo do artigo 351º, nº 1, do Novo Código do Trabalho, por violação do normativo do artigo 61º, nº 1, da Constituição da República, é bem ilustrativa da gritante escassez de válidos argumentos jurídicos por parte do apelante;
31ª – O apelado declarou na contestação a sua opção pela não reintegração nos quadros de pessoal do Banco apelante e substituição desta pela indemnização legalmente prevista, indemnização que foi, e bem, calculada e fixada na douta sentença em recurso, ficando o apelante obrigado ao respetivo pagamento;
Não obstante,
32ª – O Banco apelante insurge-se no recurso, novamente sem o mais ligeiro fundamento, contra o cálculo da indemnização substitutiva da reintegração, invocando erro na aplicação da cláusula 126ª do Acordo Coletivo de Trabalho do Sector Bancário; Em boa verdade,
33ª – Os cálculos vertidos na douta padecem, isso sim, dum pequeno lapso e em desfavor do apelante, contabilizando apenas 6 anos, 9 meses e 25 dias após os primeiros 10 anos de antiguidade, quando deveria contabilizar 6 anos, 10 meses e 25 dias;
Deste modo,
34ª – Deve a sentença ser retificada nos termos do artigo 614º do Código de Processo Civil, por se tratar dum mero erro de cálculo, fixando-se a indemnização no montante de € 118.993,32, em lugar do valor de € 118.327,90 na mesma indicado;
35ª – A limitação prevista no nº 4 da cláusula 126ª do Acordo Coletivo de Trabalho aplicável às partes em litígio foi introduzida apenas em 2005, constando do Acordo publicado no BTE, 1ª série, nº 4, de 29/1/2005, cujo Capítulo XIII, intitulado “Disposições gerais e transitórias”, incorpora uma cláusula, a 163ª, com o objectivo previsto na respetiva epígrafe, que é o da “Manutenção dos direitos adquiridos”;
Ora,
36ª – Nos termos do indicado dispositivo, os trabalhadores bancários, como o apelado, com antiguidade anterior a 2005, não podem ser penalizados por normas mais desfavoráveis convencionadas no citado Acordo desse ano;
Aliás,
37ª – Só por esse motivo se justifica e compreende a manutenção em vigor, mesmo após 2005, do teor do nº 2, als. a), a)i), a)ii), a)iii) e a)iv) do ACT em referência, tal a discrepância dos respetivos valores com os da limitação prevista no nº 4 da mesma cláusula;
Por outro lado,
38ª – O apelante sempre aceitou este entendimento, jamais contrariando, quer no correspondente articulado quer em audiência, a fundamentação jurídica do pedido deduzido, ampliado e rectificado, tendo-se sempre limitado a impugnar a matéria de facto alegada como causa de pedir;
39ª – Daí que o pedido deduzido, ampliado e rectificado haja sempre sido admitido pelo Tribunal, face à completa falta de qualquer oposição por parte do apelante, sublinhando-se que, à face do actual normativo processual, o réu deve sempre apresentar, logo em sede de contestação, as razões de Direito porque eventualmente se opõe à pretensão do autor;
Acresce,
40ª – Que o apelante nada declara em oposição ao pagamento em que também foi condenado, da importância diária de € 21,88 por cada dia que decorra até ao trânsito em julgado da sentença em recurso, sendo certo que este valor foi calculado com base na alínea iv) do nº 2 da cláusula 126ª do ACT, o que também é bem sintomático do seu reconhecimento da validade jurídica e aplicação ao caso sub judice desta norma do ACT; Por último,
41ª - Deve registar-se que a alegação, algo confusa e insegura, do apelante no sentido da aplicação ao caso em litígio do normativo do artigo 570º, nº 1 do Código Civil, não dispõe do mais ligeiro fundamento legal, uma vez que as regras da concorrência de culpas se colocam no domínio da responsabilidade extracontratual, podendo ainda ser aplicadas, embora com requisitos mais severos, em casos de responsabilidade civil contratual, mas jamais no domínio das relações laborais;
Termos em que, E nos mais de Direito,
Negando provimento ao recurso e, consequentemente, mantendo na íntegra a douta sentença recorrida, Apenas com a retificação do valor fixado a título de indemnização em substituição da reintegração, fixando-se em € 118.993,32 em lugar do de € 118.327,90, uma vez que este resultou de mero erro de cálculo, Vossas Excelências farão a habitual JUSTIÇA!”
1.4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 934, fixando-se-lhe o efeito suspensivo, após prestada caução.
O Mmo. Julgador a quo pronunciou-se ainda quanto às nulidades arguidas, expressando que entende não existir qualquer nulidade que deva ser suprida nos termos do disposto no art.º 77.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de que o acórdão a proferir deve contemplar a continuidade do entendimento da comarca, improcedendo o recurso.
Apenas respondeu a R. ao Parecer do Ministério Público, em sentido discordante do mesmo.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem em saber:
1.ª – se deve ser declarada a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do CPC;
2.ª – se deve ser rejeitada a impugnação da decisão de facto;
3.ª – se deve ser alterada a decisão de facto quanto à resposta constante das alíneas 1), 2), 3), 4) e 7), do elenco de factos não provados e à resposta dada aos factos elencados nas alíneas V) e X) dos factos provados;
4.ª – se o despedimento a que a recorrente procedeu se fundou, ou não em justa causa.;
5.ª – dos critérios para a fixação do valor da indemnização de antiguidade, em conformidade com o ACTV para o sector bancário;
6.ª – da rectificação do valor da indemnização de antiguidade;
7.ª – dos danos emergentes da alteração do contrato de mútuo;
8.ª – da responsabilidade da Segurança Social pelo pagamento das retribuições intercalares.
Antes de prosseguir, cabe ainda ter presente que se mostram definitivamente decididas – por não impugnadas no recurso de apelação, o que acarretou o seu trânsito em julgado (cfr. o artigo 635.º, n.º 4 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, a que corresponde o artigo 684.º, n.º 4 do Código de Processo Civil revogado) –, as questões relacionadas com a observância dos prazos previstos no artigo 329.º, n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho, quer o prazo de prescrição do direito de exercer o poder disciplinar (um ano após a prática da infracção), quer o prazo de caducidade para o início do procedimento disciplinar (60 dias após o conhecimento da infracção pelo empregador ou superior hierárquico com competência disciplinar).
Precisadas assim as questões sobre que incide controvérsia, prossigamos na análise do recurso.
*
3. Das nulidades
A recorrente invoca que a sentença violou as normas do artigo 615.º, n.º 1 alíneas c) e d) do Código de Processo Civil, deduzindo-se das conclusões do recurso que considera:
- ter-se verificado omissão de pronúncia nos termos da alínea d) do artigo 615.º, n.º 1, por o tribunal não ter atendido a factos alegados no articulado motivador – nos artigos 49, 53 e 83 que não mereceram qualquer resposta – e que seriam relevantes para a decisão da causa, sendo nula a sentença quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar;
- ser a sentença nula por ocorrer obscuridade que torna a decisão ininteligível, nos termos do artigo 615º, n.º 1, al. c), do CPC, na parte em que o tribunal responde ao facto constante da al. X) dos factos provados, segundo o qual “os factos disciplinares supra referidos imputados ao autor foram do imediato conhecimento dos superiores hierárquicos” do autor, não conseguindo saber a que “factos disciplinares” se estará a referir o Tribunal, pelo que a impugnação da resposta dada à matéria de facto fica prejudicada nesta parte, já que a R. não pode saber, em bom rigor, o que deve impugnar nesta resposta.
Debruçando-se sobre a arguição de nulidades no despacho em que admitiu o recurso, o Mmo. Juiz do tribunal da 1.ª instância entendeu nada haver a suprir, no que foi secundado pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho, é nula a sentença quando:
“(…)
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
(…).”
A nulidade prevenida na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil relaciona-se com o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo diploma, nos termos do qual “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” e “[n]ão pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
O juiz mostra-se assim obrigado, por um lado, a resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro lado, está proibido de apreciar questões que não lhe tenham sido colocadas pelas partes, salvo se se tratar de questões que sejam de conhecimento oficioso.
Sobre o que se deve entender por questões, para efeitos do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, tem-se considerado que, “questões”, para aquele efeito, são aquelas que se reportam aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições assumidas pelas partes, ou seja, as que se prendem com a causa de pedir, com o pedido e com as excepções por elas assumidas[1].
Como observa o Prof. Alberto dos Reis, não enferma de nulidade por omissão de pronúncia a sentença “que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por o tribunal as reputar desnecessárias para a decisão do pleito. (…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”[2].
Ora, apesar de ser verdade que a matéria alegada nos artigos 49., 53. e 83. do articulado motivador não se encontra qua tale versada na decisão recorrida, nem no despacho de condensação processual que a antecedeu, tal não se traduz em omissão de pronúncia, para efeitos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, uma vez que os factos em causa não configuram, no contexto da acção, uma “questão” a decidir tal como resulta do que foi dito quanto ao modo como as questões são perspectivadas no artigo 608.º do Código de Processo Civil.
A decisão de não incluir no despacho de condensação processual, ou na sentença, factos que a parte repute de relevantes para o desfecho da causa, decisão que resulta de uma opção do juiz (que poderá ser, ou não, errada) quanto à pertinência de tais factos, segundo as soluções plausíveis da questão de direito em presença, poderá eventualmente consubstanciar um erro de julgamento, mas não uma omissão de pronúncia[3].
A questão a decidir, no aspecto ali em causa, era a da verificação da justa causa de despedimento sustentada pela R., e sobre ela o Mmo. Juiz a quo pronunciou-se, fazendo uma desenvolvida abordagem de tal figura jurídica e concluindo pela improcedência da justa causa de despedimento invocada pela R. na presente acção.
Se há factos alegados e controvertidos com relevância para a decisão que não foram submetidos a instrução ou que, tendo-o sido, não foram objecto de decisão judicial e não ficaram a constar do elenco dos factos “provados” ou “não provados”, não se verifica a nulidade da sentença nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, mas uma eventual insuficiência da decisão de facto, a determinar a anulação da sentença com vista à sua ampliação, caso esta seja imprescindível, nos termos do preceituado no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do mesmo diploma, o que constitui realidade distinta.
Poderá a mesma ser apreciada, sendo caso disso, caso venha este tribunal a reputar como deficiente a decisão de facto, e venha a considerar ser indispensável apurar factos alegados no articulado motivador, designadamente a alegação constante dos artigos 49, 53 e 83, avaliação a que se procederá após o conhecimento da impugnação deduzida quanto ao veredicto de facto do tribunal a quo.
Improcede a arguição de nulidade nesta vertente.
Quanto à alegação de ser a sentença nula por ocorrer obscuridade que a torna ininteligível na parte em que o tribunal responde ao facto constante da al. X) dos factos provados, segundo o qual “os factos disciplinares supra referidos imputados ao autor foram do imediato conhecimento dos superiores hierárquicos”, invoca a recorrente que não se consegue saber minimamente a que “factos disciplinares” se estará a referir o Tribunal e alega, também, que a impugnação da resposta dada à matéria de facto fica prejudicada nesta parte por não poder saber, em bom rigor, o que deve impugnar nesta resposta.
O artigo 615.º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho corresponde ao artigo 668º do Código de Processo Civil agora revogado, tendo inovado justamente na alínea c) do nº 1, ao prever a ambiguidade ou a obscuridade que torne a decisão ininteligível [para além da supressão da alínea f) do mesmo nº 1, cuja previsão que agora está em parte contemplada no nº 1 do artigo que antecede]. Os vícios aqui previstos, que anteriormente constituíam fundamento para pedido de aclaração da sentença ou acórdão, só têm cabimento quando algum trecho essencial da sentença seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos)[4].
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2005.10.19[5], ainda atinente ao pedido de aclaração de sentença ou acórdão, este só tem razão de ser quando não seja possível apreender o sentido da decisão, ou de alguma das suas passagens, ou quando delas se alcance mais do que um sentido: só nestas situações é que as partes poderão (deverão) lançar mão daquele instrumento processual, devendo, nesse caso, indicar as passagens da sentença (ou do acórdão) que reputam de obscuras ou ambíguas e as razões porque tal acontece.
Ora resulta das alegações do recorrente que este compreendeu perfeitamente a sentença que decidiu a acção e o sentido da decisão que da mesma consta, sendo que a “obscuridade” que assinala se prende com a circunstância de, na decisão de facto, o julgador ter indevidamente incluído um conceito de direito ao caracterizar como “disciplinares” os factos a que pretende aludir na alínea X) como tendo sido do conhecimento dos superiores hierárquicos do A. ora recorrido.
Como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 2014.07.09[6], “a inclusão de matéria de direito na fundamentação de facto da sentença determina uma deficiência na decisão da matéria de facto por excesso, vício passível de ser oficiosamente conhecido em segunda instância, nos termos previstos na alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil”.
A afirmação do carácter “disciplinar” de uma conduta constitui uma conclusão jurídica que não deve constar dos fundamentos de facto da sentença, apenas devendo figurar, se para tanto bastarem os factos, em sede de apreciação jurídica dos factos.
Com efeito, embora na lei processual civil actualmente em vigor inexista preceito igual ou similar ao artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil revogado – de acordo com o qual se têm "por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes" – a separação entre facto e direito continua a estar, como sempre esteve, presente nas várias fases do processo declarativo, quer na elaboração dos articulados, quer no julgamento, quer na delimitação do objecto dos recursos. O direito aplica-se a um conjunto de factos que têm que ser realidades demonstráveis e não podem ser juízos valorativos ou conclusivos.
Apenas os factos são objecto de prova – cfr. os artigos 341.º do Código Civil e 410.º do Código de Processo Civil.
Por isso o artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013 prescreve que na sentença deve o juiz "discriminar os factos que considera provados” e o n.º 4 do mesmo preceito dispõe que "[n]a fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras de experiência".
Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 2013.10.07 (Processo n.º 488/08.1TBVPA.P1, in www.dgsi.pt) esta questão “resolve-se nos mesmos termos no domínio da lei processual que vigorou até 31.08.2013 ou aplicando o novo diploma adjetivo: antes como agora, a fundamentação (de facto) da decisão (sentença ou acórdão) só pode ser integrada por factos”.
Assim, não podem os tribunais deixar de continuar a enfrentar a sobejamente conhecida dificuldade da destrinça entre os factos (reconstituição histórica do mundo do ser) e as questões de direito (actividade perceptiva do dever ser)[7], entre o saber o que constitui um puro facto ou o que se traduz já numa conclusão que apenas se pode afirmar perante a análise e valoração de factos concretos[8].
Segundo o artigo 663º, n.º 2 do Código de Processo Civil de 2013, na elaboração do acórdão, observar-se-á, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º, pelo que o comando normativo do artigo 607.º relativo à discriminação dos factos se aplica, também, ao Tribunal da Relação, impedindo-o de fundar o seu juízo sobre afirmações constantes do elenco de facto que se traduzam em juízos valorativos ou de direito. Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar o elenco de facto.
Apenas podem equiparar-se aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objecto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objecto de disputa das partes[9].
A caracterização de determinadas condutas como “disciplinares” constitui uma valoração das mesmas que se reveste de natureza jurídico-conclusiva, cuja utilização não é neutra do ponto da verificação da justa causa de despedimento a apreciar no contexto de uma acção em que se analisa a regularidade e licitude do despedimento com invocação de justa causa, a qual tem como pressuposto essencial a prática de uma infracção disciplinar.
Assim, nunca poderia esta expressão constar do elenco de factos.
Tendo em consideração que foi impugnada a decisão de facto quanto ao que ficou a constar da alínea X) dos factos provados, reapreciar-se-á a prova produzida a tal propósito e, sendo caso disso, reportar-se-á o conhecimento ali afirmado às concretas condutas provadas que se apurar terem sido conhecidas.
Improcede a arguida nulidade da sentença, também nesta vertente da obscuridade da decisão, sem prejuízo da reapreciação da prova quanto ao enunciado segmento da decisão de facto e da sua eliminação ou, em caso de se verificar uma convicção positiva desta Relação quanto à verificação do conhecimento ali referenciado, da conferência oficiosa da correcção do seu conteúdo, restringindo-o à afirmação de factos concretos.
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4. Fundamentação de facto
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4.1. A recorrente veio impugnar a decisão proferida na 1.ª instância no que diz respeito à resposta de não provado, dada aos factos elencados nas als. 1), 2), 3), 4) e 7), dos factos não provados, e à resposta de provado dada aos factos elencados na al. V) e X) dos factos provados. Considera a recorrente que a resposta deveria ter sido a inversa da que foi dada pelo Tribunal a quo nesses diversos pontos.
O A., ora recorrido, suscitou a questão prévia de não cumprir a deduzida impugnação os ónus impostos pelo artigo 640º do Código de Processo Civil, pelo que defende a sua recusa liminar. Invoca, para tanto, que a apelante não identifica os pontos da matéria de facto objecto de impugnação com referência aos quesitos da base instrutória e não indica nas conclusões com precisão as passagens da gravação de cada depoimento em que funda a deduzida impugnação e muito menos efectua, nessa sede, a respectiva transcrição.
Não lhe assiste razão ao suscitar este obstáculo à impugnação deduzida.
Com efeito, a R. recorrente especifica de modo estruturado e coerente nas suas conclusões os concretos pontos de facto elencados na sentença que considera incorrectamente julgados, em conformidade com o corpo das alegações. Enumera os factos um a um na conclusão 4.ª e nas subsequentes conclusões enuncia de modo sintético, quanto a cada um deles, as razões da impugnação e o sentido da decisão por que propugna, possibilitando ao tribunal ad quem que identifique, sem margem para dúvida, quais os pontos de facto que deverá apreciar e qual a decisão que o recorrente reputa de correcta quanto a cada um deles – conclusões 4.ª a 17.ª.
Uma vez que as conclusões delimitam o objecto do recurso – artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1.º, n.º 2, alínea a), e 87.º do Código de Processo do Trabalho, na redacção aprovada pelo Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13.10 –, é manifestamente necessária a indicação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto de cuja decisão a recorrente discorda e que pretende ver julgados de modo diferente.
Mas nada impõe que a enunciação dos pontos de facto seja efectuada por reporte aos quesitos da base instrutória – peça processual que actual lei adjectiva civil tão pouco prevê – sendo essencial, isso sim, que as conclusões que a eles aludem exerçam a sua função delimitadora e sinalizadora do campo de acção interventiva do tribunal de recurso. E esta função cumpre-se, manifestamente, quando a indicação do recorrente se reporta aos pontos de facto elencados na sentença sob recurso, uma vez que é nesta que está plasmada a decisão de facto de que a recorrente discorda (e não tanto nos eventuais quesitos da base instrutória que tenham sido formulados e a que aquela decisão dá resposta), o que possibilita uma maior precisão na delimitação judicial do objecto da reponderação.
Quanto à indicação dos meios de prova em que o recorrente sustenta a sua discordância, tem-se admitido que a mesma possa ter lugar nas alegações, pois que consubstancia matéria relativa à correspondente fundamentação[10].
Na palavra do douto Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015, “enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objecto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória”.
No caso em análise, a R. recorrente não deixa também de identificar nas conclusões os documentos e testemunhos que suportam a sua tese. É certo que não indicou nas conclusões as passagens da gravação em que se funda, mas a verdade é que, como resulta do exposto, não precisava de o fazer nas conclusões e que o fez no corpo das alegações, aí indicando com exactidão a localização de tais passagens na gravação efectuada (por referência ao suporte da gravação que consta do CD apenso aos autos) e transcrevendo, ainda, alguns excertos dos depoimentos prestados que entende fundarem a diferente decisão que pretende quanto aos pontos impugnados.
Tanto basta para que, a nosso ver, e como resulta do exposto, se considerem suficientemente cumpridos por parte da R. recorrente os ónus legais para a impugnação em via de recurso da decisão de facto da 1.ª instância.
A impugnação deduzida é precisa quanto aos factos a que se reporta e ao sentido do julgamento por que propugna. E é-o também quanto aos fundamentos da alteração pretendida, sendo que, quando é invocada prova testemunhal, delimita suficientemente no corpo das alegações as concretas passagens dos depoimentos que se pretendem ver reapreciados.
Estão pois preenchidos os requisitos para a impugnação da decisão de facto que estabelece o artigo 640.º do Código de Processo Civil, pelo que não se verifica qualquer obstáculo à apreciação da impugnação da decisão com reapreciação dos meios de prova indicados.
Improcede a suscitada questão prévia.
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4.2. Tendo em consideração que constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão do tribunal a quo sobre os referidos pontos da matéria de facto, conhecer-se-á do recurso interposto, tendo presente que na reapreciação da decisão de facto pelo Tribunal da Relação, no âmbito dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil, o que é proposto ao tribunal de segunda instância não é que proceda a um novo julgamento – desprezando o juízo formulado na primeira instância sobre as provas produzidas e a expressão do processo lógico que conduziu à pronúncia sobre a demonstração (ou não) dos factos ajuizados –, mas que, no uso dos poderes próprios de tribunal de recurso, averigúe – examinando a decisão da primeira instância e respectivos fundamentos, analisando as provas gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos – se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação.
Para o efeito, procedemos à análise de toda a documentação junta aos autos, bem como à audição integral do depoimento de parte do A. (com assentada a fls. 754) e das testemunhas que foram ouvidas em audiência, conferindo particular atenção aos excertos indicados pelas partes nas alegações e contra-alegações de recurso.
Vejamos, pois.
4.2.1. Quanto ao ponto 1) dos factos “não provados”
Este ponto reporta-se integralmente ao quesito 1.º da base instrutória, no qual se indagava se:
«1º
O cliente do Banco da Empregadora, D…, desenvolvia desde 16/08/2011, em colaboração com F…, ao abrigo de um acordo entre ambos celebrado, uma actividade de concessão de empréstimos particulares a clientes da Empregadora e a clientes doutros Bancos?»
No que diz respeito a estes factos, invoca a recorrente, que a sua prova decorre da confissão do A. constante da assentada que está na acta de julgamento, do depoimento de D… na audiência de 07 de Outubro de 2014 e registado no documento de fls. 258 do processo disciplinar e dos depoimentos de G… e H… na audiência de 07 de Outubro de 2014. Diz ainda que este mesmo facto é confirmado pelos factos provados nas al. H) e I) e decorre muito claramente do funcionamento da conta de E… dado como provado nas als. N), O), P), S) e T) da matéria provada.
O Mmo. Julgador a quo, relativamente a este facto, fundamentou a sua convicção do seguinte modo:
«No que diz respeito ao quesito 1.º, da prova produzida não ficou de modo algum demonstrado que o cliente D… tivesse uma atividade de concessão de empréstimos a particulares em conluio com F…. O próprio D… desde logo negou essa factualidade, confirmando apenas que a conta aberta em nome de E… (nora do referido F…, o que foi unanimemente confirmado pelas testemunhas inquiridas e pelo trabalhador no seu depoimento de parte) o tinha sido para que aquele depositasse ali quantias destinadas ao reembolso de uma dívida que tinha para consigo e não para a cobrança de empréstimos concedidos por ambos a terceiros, versão coincidente com a confissão parcial do trabalhador ao quesito 2.º, conforme a assentada lavrada a fls. 722. Das demais testemunhas inquiridas:
- I… (diretora de zona do C…) disse não poder afirmar que o referido D… se dedicasse à “agiotagem” (a sua expressão a instâncias do Ex.mo Mandatário do trabalhador foi mesmo: “Quem sou eu para afirmar isso?”);
- H… (auditor que levou a cabo a investigação interna e elaborou o relatório junto a fls. 290 e ss.) declarou não conhecer o cliente em causa pessoalmente e disse estar convencido que haveria uma atividade de concessão de empréstimos apenas com base na conclusão que tirou da análise da conta de E…, não demonstrando qualquer conhecimento direto dos factos;
- K… (gerente da agência de … entre Setembro de 2006 e Outubro de 2012), afirmou claramente nunca ter tido quaisquer indícios de que D… se dedicasse a uma atividade de empréstimos concorrente com o banco;
- L… (“caixa” do banco na agência de … há seis anos e alegadamente quem teria procedido aos descontos dos cheques) disse que apesar de ver D… e F… sempre juntos, não sabia qual a relação entre eles;
- M… afirmou que conheceu F… por intermédio de D… e que teve negócios de roupa com o primeiro, que por vezes lhe dizia para efetuar os pagamentos de tal negócio na conta de uma E…, desconhecendo os motivos para tal, mas não tendo referido qualquer empréstimo feito por qualquer daquelas pessoas.
A única prova que poderia eventualmente apontar para a confirmação do que constava do quesito 1.º e da parte do quesito 4.º na qual se questiona se F… seria apenas “testa de ferro” de D… foi o depoimento da testemunha G…. Esta afirmou que quando necessitou de dinheiro para investir no seu salão de cabeleireiro foi D… quem lho emprestou, tendo chegado ao contacto com este por intermédio do referido F…. Contudo, como se disse, esta foi a única testemunha que com conhecimento direto afirmou ter conhecimento de empréstimos feitos por aquele D… com alguma intervenção do referido F…, nenhuma outra prova tendo sido feita que permita concluir com um mínimo grau de certeza que essa era uma atividade permanente e muito menos que se desenvolvesse desde a data de 16/08/2011 (data da abertura da conta de E…) indicada no quesito. Por outro lado, e mais relevante ainda, dos depoimentos do referido D…, do antigo gerente do balcão de … (K…) e da gerente de zona do banco (I…) ficou claro que aquele primeiro continua a ser cliente do banco no balcão em causa. A última testemunha afirmou mesmo que D… “tendo em conta o seu património financeiro (…) ainda hoje é um cliente especial” (minuto 43:38 do seu depoimento). Ora, muito mal se compreenderia que tendo o banco réu a certeza por si afirmada na decisão disciplinar de despedimento quanto a desenvolver tal cliente uma atividade concorrencial com o banco - que levou inclusivamente ao despedimento do gestor de cliente que com ele trabalhava diretamente – aceitasse continuar com aquele cliente na sua carteira, continuando assim a sujeitar-se à tal atividade concorrencial.»
Procedemos a esta longa transcrição na medida em que, uma vez ouvido o registo fonográfico dos depoimentos prestados em audiência e analisados os meios de prova indicados, concordamos com o juízo de facto nela expresso.
Na verdade, o que se mostrava perguntado no referido quesito reportava-se à concessão de empréstimos particulares por parte do cliente D…, em conluio com F…, a clientes da R. e de outros bancos, a partir de 16 de Agosto de 2011.
E o que a testemunha D… relatou foi que, em virtude de relações negociais anteriormente havidas entre si e o referido F… (no âmbito da construção civil, e nos termos que relatou), este ficou a dever-lhe cerca de 70.000 euros e que ambos combinaram abrir uma conta em nome de E…, nora do segundo, na qual o F… iria depositar verbas que se destinavam ao reembolso daquela dívida, o que foi sucedendo ao longo deste tempo, estando em dívida à data do depoimento cerca de 15.000 euros. A testemunha D… referiu ainda que o F… teve problemas com um negócio que o tornaram insolvente, ao ponto de “ficar inibido bancariamente” e que foi por isso que a nora abriu uma conta onde todos os meses ele depositaria “um x”.
Este depoimento é confirmado pelo A., na parte em que se refere ao quesito segundo, pois, como ficou exarado em acta, o mesmo disse que lhe foi solicitado “que abrisse uma conta em nome de E… para que aí fossem depositadas quantias destinadas ao pagamento de uma dívida que o sogro da referida E… (F…) tinha para com D…” (vide a acta de fls. 754).
Ora, a existência de uma dívida de F… para com D… e a abertura da conta em causa com a finalidade de aí serem depositadas quantias para a solver – factos que podem extrair-se dos depoimentos de parte do A. e da testemunha D… invocados pela recorrente – integram uma realidade bem diversa da actividade de concessão de empréstimos particulares a clientes da Empregadora e a clientes doutros Bancos” perguntada no quesito 1.º, a apontar para a resposta de “não provado” que lhe foi conferida.
Não se justifica, a nosso ver, uma resposta restritiva pois esta apenas se compreende quando a prova produzida aponta para uma realidade concreta que constitui um minus face ao que é perguntado, mas já não quando a prova evidencia uma realidade concreta com contornos essencialmente distintos dos quesitados, como ocorre no caso vertente. Aliás, no âmbito da presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, é preciso ainda ter em atenção que o tribunal só sobre os factos constantes da nota de culpa e vertidos na decisão de despedimento se pode pronunciar ao apreciar a justeza do despedimento [cfr. os 357.º, n.º 4 e 387.º, n.º 3 do Código do Trabalho e 98.º-J, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho][11], o que tem como repercussão, a irrelevância do excesso na matéria de facto apurada na acção, ou seja, a inconsideração dos factos não constantes da nota de culpa e da subsequente decisão disciplinar.
Para além da prova produzida em audiência, a recorrente invoca ainda o depoimento da referida testemunha D…, tal como ficou registado e assinado no procedimento disciplinar, desenvolvendo a sua argumentação no sentido de o mesmo conduzir à pretendida resposta positiva ao quesito 1.º.
Ora não pode nesta sede lançar-se mão da prova testemunhal produzida no processo disciplinar.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça é unânime a propósito da irrelevância, no processo judicial, da prova produzida no processo disciplinar, não dispensando o empregador de provar, em juízo, os factos necessários à afirmação da justa causa de despedimento, por força do ónus da prova que sobre si faz recair a lei substantiva.
Entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1998.05.03[12] decidiu que os depoimentos ou declarações proferidos em procedimento disciplinar apenas fazem prova do que nesse processo ficou dito, não podendo ser tidos em conta na acção, e o Acórdão do mesmo tribunal de 1998.05.27[13] decidiu que as provas carreadas para o processo disciplinar, não podem ser tidas em conta no processo de impugnação de despedimento, valendo para este só os factos apurados na referida acção.
Por seu turno o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2008.12.03[14] sublinhou que a apensação do procedimento disciplinar à acção de impugnação do despedimento se justifica para se aferir dos vícios procedimentais, em nada interferindo com as possibilidades de produção de prova na acção pois, nesse âmbito, a única prova relevante é a recolhida na acção, assistindo às partes liberdade total para carrear os meios probatórios que entendam pertinentes, posto que reportados à factualidade legalmente atendível.
Bem se compreende que assim seja, na medida em que o processo disciplinar, embora constituindo um meio obrigatório para a efectivação do despedimento com invocação de justa causa por parte do empregador, não perde a sua natureza extrajudicial (decorre sob a alçada do empregador e nele o princípio do contraditório mostra-se esbatido, ou quase excluído, como refere Pedro Furtado Martins[15]), e é na acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que cumpre ao empregador a prova dos factos integradores da justa causa de despedimento, aí se produzindo a prova com todas as garantias de contraditório prescritas na lei processual laboral e civil.
Assim, não têm qualquer relevo na presente acção os depoimentos testemunhais prestados no processo disciplinar, pelo que não poderá apreciar-se na Relação o indicado depoimento de D… ali prestado perante o instrutor nomeado pelo empregador.
No que diz respeito ao depoimento prestado em audiência por G…, esta afirmou que necessitou de dinheiro para investir no seu salão de cabeleireiro e que foi D… quem lho emprestou, tendo chegado ao contacto com este por intermédio do referido F…. Não se vêm razões para duvidar deste depoimento, que se nos afigurou sincero. Contudo, como assinalou o tribunal a quo, esta foi a única testemunha que com conhecimento directo afirmou a existência de um concreto empréstimos feitos por D… com alguma intervenção do referido F…, nenhuma outra prova tendo sido feita que permita concluir com um mínimo grau de certeza que essa era uma actividade permanente e muito menos que se desenvolvesse desde a data de 16 de Agosto de 2011 (data da abertura da conta de E…) indicada no quesito. Segundo relatou, abriu em 2012 conta no C… com o A. e teve lá conta durante cerca de um ano e meio, encerrando a mesma por serem elevados os seus custos. Referiu também nunca ter feito qualquer depósito na conta de E…, e que, quando recebeu o empréstimo de D…, este foi “sem qualquer lucro”, tendo entregue cheques pré-datados da sua conta do C… para pagar a dívida. O dinheiro foi saindo da sua conta enquanto pagou o empréstimo, estando agora tudo pago. Deste depoimento de modo algum pode retirar-se serem verídicos os factos perguntados no quesito 1.º. Aliás, não pode deixar de se notar que jamais foi dito por esta testemunha que o D… recebeu um juro correspondente a 10% do montante total do empréstimo que concedeu, como incompreensivelmente vem dizer a recorrente na apelação (vide fls. 883). Nem a testemunha o disse expressamente, nem relatou qualquer facto do qual se pudesse extrair uma tal conclusão, afirmando, pelo contrário e como já se assinalou, que o empréstimo foi “sem qualquer lucro”.
Quanto ao documento de confissão de dívida que o recorrido tinha em seu poder em 26 de Abril de 2013 [alíneas H) e I) da decisão], celebrado entre O…, Lda. (devedor e cliente do C…) e F… (credor), para entregar a D…, embora possa questionar-se que motivo haveria para este documento de dívida estar à guarda do A., cremos que não pode afirmar-se, na ausência de outros elementos probatórios que esclarecessem as relações estabelecidas entre F… e D… – e já vimos que o único depoimento que alude a um empréstimo não indicia essa realidade –, que se verificava a actividade de concessão de empréstimos a particulares perguntada no quesito 1.º Ainda que possa hipotisar-se a tese da recorrente como um motivo possível para o A. ter na sua posse o referido documento, inexiste qualquer outra prova susceptível de esclarecer as razões por que o referido documento foi entregue ao A. para que o entregasse ao cliente D…. Aliás, tendo em atenção o que foi avançado pela testemunha D… e pelo A. quanto ao elevado débito que tinha o F… perante o D… e à intenção daquele de o pagar ao longo do tempo, não se mostra excluída a hipótese de que o F… pretendesse demonstrar-lhe que era titular daquele crédito (eventualmente para conferir ao D… maiores garantias de que iria continuar a solver a dívida que para com este tinha).
Relativamente ao depoimento de H… [auditor da R. que fez a investigação interna e analisou a conta aberta em nome de E…, bem como o documento de confissão de dívida referido nas alíneas H) e I)], a sua audição denota que o mesmo não tem conhecimento directo dos factos e retira a conclusão pela verificação da actividade perguntada no quesito 1.º da análise da conta da E… e de, para si, não fazer sentido que um documento de dívida seja entregue a um terceiro por um funcionário do banco.
Ora o funcionamento da conta da E… relatado nos factos N), O), P), S) e T) e este documento de confissão de dívida referido nas alíneas H) e I), quando conjugados com os depoimentos prestados, não são a nosso ver de molde a permitir afirmar que os referidos D… e F… desenvolvessem uma actividade de concessão de empréstimos particulares a outros clientes do banco e a clientes de outros bancos.
Se a prova produzida autoriza a afirmação de que a conta da E… foi aberta com a finalidade aí serem depositados valores do seu sogro F… e de que pelo menos parte desses valores se destinava a ser entregue ao cliente D…, já não autoriza a conclusão de que estas duas pessoas desenvolvessem uma actividade concorrencial com a do banco nos termos questionados.
Além disso, o grande número de depósitos de cheques de valor inferior a € 150,00 – que, como referem o tribunal a quo e a recorrente, está certamente relacionado com a obrigatoriedade do seu pagamento pelas instituições de crédito sacadas –, pode indiciar que o titular ou beneficiário dos valores depositados na conta quer assegurar a sua efectiva recepção, mas de modo algum autoriza se afirme que tais depósitos têm subjacente um negócio concreto e determinado, vg. que o dinheiro provém de empréstimos concedidos a clientes do C…, como conclusivamente afirma a recorrente (fls. 883 verso).
Acresce que, como bem nota o Mmo. Julgador da 1.ª instância na fundamentação da sua convicção, as demais testemunhas inquiridas não confirmam a existência desta actividade concorrencial.
Assim sucedeu, quer com I… (a primeira testemunha arrolada pela R. e sua directora de zona, que disse ser o referido D… um cliente “especial” para o banco, atento o seu património financeiro, o que é ainda hoje, continuando o banco a conceder-lhe condições especiais, precisando que não pode afirmar que o mesmo se dedicasse à “agiotagem”), quer com L… (“caixa” da R. na agência de … há seis anos que, apesar de ver o D… e o F… sempre juntos, disse desconhecer qual a relação entre eles), quer com K… (gerente da agência de … entre Setembro de 2006 e Outubro de 2012, que disse nunca ter tido quaisquer indícios de que o cliente D… se dedicasse a uma actividade de empréstimos concorrente com o banco), quer com M… (que, segundo relatou, teve negócios de roupa com F… e efectuou os pagamentos de tal negócio na conta de E… como aquele lhe indicou, desconhecendo os motivos para tal, e conheceu o F… por intermédio de D… que também conhecia, mas nunca referiu ter-lhe sido concedido qualquer empréstimo por qualquer destas duas pessoas).
Assim, perante a insuficiente referência da testemunha G… a um empréstimo não remunerado que lhe foi concedido uma vez por D…, e perante a inconclusividade dos demais meios probatórios, agora reapreciados, afigura-se-nos prudente e judiciosa a conclusão do tribunal a quo no sentido de que não é possível afirmar, com um mínimo grau de certeza, a existência de uma actividade permanente e concertada entre F… e D… de concessão de empréstimos particulares e muito menos que a mesma se desenvolvesse desde 16 de Agosto de 2011 (data da abertura da conta de E…).
E, por isso, não merece qualquer censura a resposta negativa conferida ao quesito 1.º.
4.2.2. Quanto ao ponto 2) dos factos “não provados”
Este ponto reporta-se a parte do quesito 2.º da base instrutória, onde se indagava se:
«2º
O Trabalhador permitiu que fosse aberta e, enquanto Gestor Comercial, geria uma conta em nome de E… (conta D.O. n.º ……..) para que aí fossem depositadas quantias destinadas ao referido D…, efectuando nas instalações do Banco e durante o seu horário de trabalho a gestão e escrituração dos créditos registados nessa conta respeitantes ao pagamento/reembolso de empréstimos concedidos por D… aos referidos terceiros?»
Este quesito veio a dar origem à alínea N) dos factos provados, da qual ficou a constar como provado que:
«N) O autor permitiu que fosse aberta e, enquanto Gestor Comercial, geria uma conta em nome de E… (conta D.O. n.º ……..) para que aí fossem depositadas quantias destinadas ao cliente da empregadora D…;»
Mas daquele quesito 2.º o tribunal a quo consignou como não provado no aludido ponto 2) dos factos “não provados”:
«2) Que o autor efetuasse nas instalações do banco e durante o seu horário de trabalho a gestão e escrituração dos créditos registados na conta respeitantes ao pagamento/reembolso de empréstimos concedidos por D… aos referidos terceiros».
Segundo a recorrente, a alteração da resposta dada a este ponto dos factos não provados, decorre automaticamente da alteração da resposta dada ao quesito 1.º, quando conjugada com a resposta dada na alínea U) dos factos provados, devendo a resposta ser alterada no sentido de ter ficado provado que o A. efectuava nas instalações do banco e durante o seu horário de trabalho a gestão e escrituração dos créditos registados na conta respeitantes ao pagamento/reembolso de empréstimos concedidos por D… aos referidos terceiros.
Ora a recorrente não logrou ver atendida a sua pretensão de que se considerasse provada a matéria perguntada no quesito 1.º, o que desde logo impede a pretendida resposta positiva ao excerto do quesito 2.º que se considerou “não provado” e que estava estreitamente ligado àquela matéria.
De todo o modo, deve dizer-se que, como assinala o Mmo. Julgador a quo, também nós nos deparamos com a absoluta ausência de prova quanto ao que constava da segunda parte do quesito 2.º, ou seja, que o autor efectuasse nas instalações do banco e durante o seu horário de trabalho “a gestão e escrituração dos créditos (…) respeitantes ao pagamento/reembolso de empréstimos concedidos”.
Ficou provado, é certo, que o autor anotou até Outubro de 2011 na “conta-corrente” entregue com os livros de cheques os movimentos da conta de E…, conforme se constata da análise do documento junto a fls. 218 a 220 destes autos e ficou plasmado na alínea U) dos factos provados (correspondente ao quesito 11.º). Mas nenhuma prova documental ou testemunhal foi produzida que permitisse dar como provada qualquer factualidade além dessa, nomeadamente que o autor exercesse um controlo de “gestão e escrituração” dos créditos relativos a reembolsos de empréstimos que houvessem sido concedidos.
É de notar, a este propósito, que a incipiente anotação feita no canhoto de fls. 218-220 constitui uma anotação de depósitos e levantamentos da conta, nunca ali se aludindo a empréstimos ou a qualquer tipo de negócio ou à identidade de quem quer que seja.
E é de notar, também, que o A. procedeu a esta anotação de movimentos apenas entre 16 de Agosto (data do primeiro depósito ali anotado) e Outubro[16] de 2011, ou seja, aconteceu apenas durante cerca de dois meses desde a abertura da conta e terminou bem antes de 04 de Junho de 2013, data em que foi remetida ao A. a nota de culpa, o que de forma alguma sustenta a realidade – necessariamente actual por referência à nota de culpa – perguntada no quesito.
Nada há pois a alterar na sentença no que diz respeito ao ponto 2) dos factos “não provados”, que assim deve permanecer.
4.2.3. Quanto aos pontos 3) e 4) dos factos “não provados”
Estes pontos reportam-se ao quesito 3.º da base instrutória, no qual se indagava se:
«3º
O Trabalhador tinha conhecimento daquela actividade e acordo, e, a pedido do referido D…, inseriu um cativo para que a E… não pudesse movimentar a conta de que era titular?»
Este quesito, na parte em que o tribunal recorrido lhe conferiu uma resposta afirmativa, veio a dar origem à alínea O) dos factos provados, da qual ficou a constar que:
«O) O autor inseriu um cativo para que E… não pudesse movimentar a conta de que era titular;»
E, na medida em que recebeu uma resposta negativa, veio a dar origem aos pontos 3) e 4), nos quais se considerou não provado:
«3) Que o autor tivesse conhecimento da atividade e acordo referidos em 1);

4) Que o cativo inserido na conta o tenha sido a pedido de D…;»
Pretende a recorrente que se considerem provados estes dois factos, invocando como meios de prova, quanto ao ponto 3), o depoimento de parte do A., em que, segundo diz, a matéria do quesito 2º foi confessada, o depoimento de D…, a ponderação da matéria provada nas als. N), O), Q), H), I) e U), e os documentos constantes de fls. 126 e 127 do processo disciplinar.
Já quanto ao ponto 4) dos factos não provados, invocou o depoimento de D… quanto ao episódio que suscitou a introdução do referido cativo, conjugado com o depoimento escrito da testemunha constante de fls. 258 do processo disciplinar junto aos autos, e o depoimento de I….
Ora quanto ao ponto 3) dos factos “não provados” a falta de prova da matéria quesitada no quesito 1.º implica inexoravelmente que o mesmo se mantenha “não provado”. Se não está provada a actividade concertada de F… e D… referida em 1), é apodictíco que não pode estar provado o seu conhecimento por parte do A.
A assentada do depoimento do A. quanto ao quesito 2.º – na qual ficou plasmado que “foi solicitado ao depoente que abrisse uma conta em nome de E… para que aí fossem depositadas quantias destinadas ao pagamento de uma dívida que o sogro da referida E… (F…) tinha para com D…” – de modo algum permite concluir que o A. tinha conhecimento de uma improvada actividade de concessão de empréstimos concertada entre os dois.
E também nada adianta para a prova do conhecimento de uma tal actividade concertada o facto de o A. ter elaborado e assinado a proposta documentada a fls. 126 e 127 do processo disciplinar (que corresponde a fls. 282-283 destes autos), datada de 2012.11.05, relativa à renovação de condições especiais de precário na conta n.º …….. que era titulada por E…, referindo na proposta a identidade de D… e submetendo essa proposta à sua hierarquia.
Deve ainda notar-se que o excerto do depoimento de D… que a recorrente invoca para obter uma resposta diversa da 1.ª instância quanto a este aspecto, apenas se reporta a um acordo que o D… fez com o F… para que este lhe pagasse o que devia[17] e ao conhecimento por parte do A. deste acordo e de que a conta da E… tinha sobretudo essa finalidade, factos que, na medida do quesitado, o tribunal a quo julgou verificados, ficando a constar da alínea N) do elenco de factos provados.
No que respeita ao ponto 4) dos factos não provados, o tribunal a quo sustentou a sua resposta negativa quanto a ter sido a pedido de D… que foi inserido na conta de E… um “cativo”, do seguinte modo:
«Que a conta de E… tinha um cativo (ou “bloqueio”) inserido e que o foi pelo autor resultou do depoimento de parte, mas não foi feita prova quanto a quem o terá solicitado – o autor negou que tenha sido D… a pedir; este no seu depoimento não colocou de lado essa possibilidade, afirmando não se recordar; o banco réu não apresentou outra prova (nomeadamente testemunhal ou documental) que atestasse o alegado.»
Ouvidos os invocados depoimentos de D… e de I…, verifica-se:
- quanto ao primeiro, que, efectivamente, o mesmo sabia ter a conta um bloqueio mas não sabia em que termos foi o mesmo introduzido, referindo mais do que uma vez, a instâncias do Mmo. Julgador, que não se lembra quem pediu ao gestor para pôr o cativo na conta, e
- quanto à segunda, que o seu depoimento resulta apenas do que lhe terá dito o A. no decurso do procedimento disciplinar,
o que se nos afigura manifestamente insuficiente para dar como provado que o cativo inserido na conta da I… o tenha sido a pedido de D….
Deve recordar-se, mais uma vez, que a prova testemunhal produzida no âmbito do procedimento disciplinar instaurado com vista ao despedimento do trabalhador não pode ser ponderada no âmbito da acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, pelo que falece a argumentação desenvolvida pela recorrente a propósito do confronto entre o depoimento da testemunha D… prestado em audiência e o que ficou escrito no procedimento disciplinar do depoimento que ali também prestou.
Acresce que o A., no seu depoimento de parte, veio dizer que o bloqueio foi solicitado pela própria E…, para não confundir essa conta com as demais das quais era titular, afirmação que também não conforta a tese de que o cativo foi inserido a pedido de D….
Inexistem pois razões para alterar o veredicto de facto, quer quanto ao ponto 3), quer quanto ao ponto 4), dos factos “não provados”.
4.2.4. Quanto ao ponto 7) dos factos “não provados”
Este ponto reporta-se integralmente ao quesito 7.º da base instrutória, no qual se indagava se:
«7º
O Trabalhador era o gestor dos 10 Clientes, afectos à Agência de …, que contraíram empréstimos junto de D… e cujo reembolso/pagamento era efectuado por centralização na conta de depósitos à ordem de E… supra mencionada, o que o Trabalhador bem sabia?»
Segundo a recorrente, a alteração para provado da resposta dada ao quesito 7.º decorre do testemunhado pela I…, H... (que confirmou ter verificado em sede de auditoria a movimentação da conta e detalhes das operações que identificaram os clientes/titulares dos cheques), N… (que confirmou ter ido verificar a movimentação da conta e detalhes das operações que identificaram os clientes/titulares dos cheques), G… (que confirmou ser titular de uma das contas da lista e que o seu gestor era o A.) e, mais uma vez, das declarações escritas e assinadas em sede de processo disciplinar, concretamente as de D…, a fls. 258 e ss do PD.
Reiterando o já dito neste texto quanto à impossibilidade de reapreciação das declarações escritas e assinadas em sede de processo disciplinar por parte das testemunhas ali ouvidas pelo seu Instrutor, devemos dizer que a reapreciação dos depoimentos das indicadas testemunhas, concretamente os de I…, H…, J…, G… e D… não foi de molde a determinar uma decisão diversa da conferida pela primeira instância no que diz respeito à afirmação de que havia 10 clientes da R. que efectuavam o reembolso de empréstimos contraídos junto de D… na aludida conta da E….
Com efeito, e desde logo, uma vez não demonstrado o exercício da actividade de concessão de empréstimos por parte de D… [ponto 1) dos factos “não provados”], nunca poderia afirmar-se que os 10 clientes da R. cujas contas eram geridas pelo A. teriam contraído empréstimos junto de D… e que efectuavam o reembolso destes empréstimos através da conta de E….
Aliás, a testemunha G…, a única que relatou ter contraído um empréstimo junto de D…, afirmou nunca ter depositado qualquer quantia que fosse numa conta titulada por alguém de nome E…, antes tendo entregue cheques pré-datados para pagar a sua dívida.
Mesmo perspectivando uma resposta restritiva que fizesse a ligação entre a identidade dos clientes da R. que depositaram cheques na conta da E… e a gestão do A., sem olhar às finalidades de tais depósitos, a testemunha I… foi muito vaga na concretização dos clientes da R. que procederam tais depósitos (chegou a falar numa “rapariga” de que não se lembrava o nome e tinha bastante cheques e identificou pessoas com contas em …), a testemunha H… também não foi precisa a tal propósito, apesar de ter analisado em sede de auditoria os fluxos e movimentação da conta, e a testemunha J… (gerente, desde Novembro de 2012, da agência onde o A. exercia as suas funções ao serviço da R.) foi a única testemunha que aludiu a ter encontrado talões de depósito à guarda do A. datados de meados de Fevereiro a Abril de 2013 que verificou serem de pessoas com contas no balcão de … que eram geridas pelo A., mas sem que identificasse tais pessoas (ou, mesmo, as quantificasse em abstracto). Não foi invocada qualquer outra prova a este propósito, designadamente no sentido de, ao menos, se quantificar o número de clientes afectos àquela agência que tenham procedido a depósitos na conta de depósitos à ordem titulada por E….
Com a incipiente prova agora reponderada, que apenas permite alcançar uma afirmação muito pouco concretizada, e tendo ainda em consideração a neutralidade – e consequente irrelevância para efeitos de apreciação da justa causa de despedimento – do facto restritivo que resultaria da afirmação vaga de haver pessoas com contas no balcão de … geridas pelo A. que procederam a depósitos na conta à ordem de E…, sem o mínimo indício da finalidade com que tais depósitos foram efectuados, não se justifica alterar a resposta conferida na sentença ao quesito 7.º da base instrutória.
Cabe ter presente, a este propósito, que a Relação não deve alterar a decisão relativa à matéria de facto se a pretendida alteração da resposta nenhuma influência vai ter para a decisão do mérito do recurso. Atitude diversa contrariaria o princípio da economia processual, segundo o qual cada processo deve comportar, tão só, os actos e formalidades indispensáveis ou úteis[18] - cfr. o artigo 130.º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
Mantém-se, assim, a decisão plasmada no ponto 7) dos factos “não provados”.
4.2.5. Quanto às alíneas V) e X) dos factos “provados”
Estas alíneas reportam-se aos quesitos 12.º e 14.º da base instrutória, nos quais se indagava se:
«12º
Os órgãos competentes do C…, nomeadamente a gerência do seu balcão de …, não ignoravam a abertura, fins e condições de movimentação da dita conta bancária da E…, uma vez que se responsabilizou, dando o necessário parecer favorável, na atribuição de condições especiais de preçário?
(…)
14º
Os factos disciplinares supra referidos imputados ao A./Trabalhador foram do imediato conhecimento dos seus superiores hierárquicos com competência disciplinar?»
A resposta ao quesito 12.º foi totalmente positiva, dando origem à alínea V) dos factos provados, com a mesma redacção.
A resposta ao quesito 14.º foi parcialmente positiva, dando origem à alínea X) dos factos provados, de acordo com a qual “[o]s factos disciplinares supra referidos imputados ao A./Trabalhador foram do imediato conhecimento dos seus superiores” e ao ponto 8. dos factos não provados, segundo o qual não se provou que “os superiores hierárquicos do autor que tiveram imediato conhecimento dos factos por aquele praticados tenham competência disciplinar de acordo com a estrutura e organização internas da ré”.
O tribunal a quo fundou a sua convicção quanto à prova destes factos em conjunto com o facto que ficou a constar da alínea W) – segundo a qual essas condições “foram autorizadas e renovadas pela direção da empregadora, na sequência de sucessivos pareceres favoráveis da gerência do balcão” – do seguinte modo:
«Passando à análise dos quesitos 12.º a 14.º, não restaram quaisquer dúvidas ao tribunal quanto a terem os superiores hierárquicos do autor imediato e pleno conhecimento das condições de movimentação da conta de E… e, acima de tudo, da finalidade com que ali eram depositadas quantias. Por um lado não podemos esquecer o que acima se deixou já dito quanto a ser o cliente D… “um cliente especial”, nas palavras da própria diretora de área do banco réu, I…. De tal forma o era que às suas contas eram atribuídas condições especiais de preçário, condições essas que eram propostas pelo aqui autor mas sujeitas a aprovação superior, do gerente e da diretora de área (veja-se o documento junto a fls. 282 e ss.). Ora, não obstante a clara tentativa de desresponsabilização que foi notória da parte de I… e de K… – dizendo que assinavam as autorizações sem confirmar e apenas com base na relação de confiança que tinham com o autor – transpareceu da prova produzida que estes e a atual gerente tinham efetivo conhecimento da conta e da sua finalidade. Tal foi evidente do depoimento de D…, quando afirmou de modo perentório que a atual gerente J… lhe ligou por causa de vários cheques que teriam sido devolvidos, tendo-se deslocado ao banco com F… na sequência desse telefonema, episódio que evidencia que toda a dinâmica da conta era perfeitamente conhecida da gerência. Também o foi quando afirmou que o anterior gerente K… estava por dentro de toda aquela questão. Estas afirmações deram origem às duas acareações feitas entre D…, J… e K…, das quais foi notória a hesitação dos dois últimos quando confrontados com a versão do primeiro sobre terem conhecimento integral dos factos relativos à conta e à finalidade a que se destinava, tendo o tribunal ficado convencido do que afirmava D… quanto a serem todos os factos do conhecimento dos superiores hierárquicos do autor, tendo em conta até a forma circunstanciada e localizada no espaço e no tempo como relatou as conversas que terá tido com ambos sobre tais matérias, o que não conseguiu ser contrariado por aquelas testemunhas.»
Alega a recorrente que a resposta constante da alínea V) não tem suporte na prova produzida devendo a resposta ser alterada no sentido de não dar como provado esse facto. Na sua perspectiva, o conhecimento sobre a finalidade e condições de movimentação da conta foi negado de forma peremptória pelos dois gerentes ouvidos como testemunhas e acareados e, por outro lado, o documento junto a fls. 282 e ss. do processo disciplinar não permitiria minimamente dar como provado o contrário do constante destes depoimentos, como foi explicado nos depoimentos de I… e K….
Quanto à alínea X), invoca que a resposta dela constante deve ser alterada para “não provado”, invocando que o A. não apresentou qualquer meio de prova, como devia – pois era seu o ónus da prova quanto a este facto – no sentido de que o conhecimento da Gerência da Agência de … fosse, quanto aos factos que lhe foram imputados na decisão de despedimento, anterior a 26 de Abril de 2013.
Ouvidos os depoimentos dos dois gerentes sucessivos – K… e J… – e das testemunhas I… e D…, bem como as acareações deste último com os dois primeiros, e analisados os documentos de fls. 282 e ss., demonstrativos de que o A. propunha superiormente para a conta de E… condições especiais de preçário indicando o nome do cliente D…, condições essas que foram sujeitas a aprovação superior, do gerente e da directora de área, que deram o seu assentimento, concordamos, no essencial, com as considerações emitidas pelo tribunal a quo ao fundamentar a sua convicção probatória.
Da reapreciação a que procedemos decorre, sem margem para dúvida razoável, que os superiores hierárquicos do autor tinham pleno conhecimento das condições de movimentação da conta de E… e de que as quantias ali depositadas se destinavam ao cliente D….
Sem necessidade de reproduzir o juízo probatório efectuado pela instância a quo, quer quanto aos depoimentos prestados, quer quanto à apreciação das acareações ocorridas em audiência de julgamento, pois que corresponde ao sucedido em audiência e traduz uma apreciação crítica que sufragamos, devemos apenas salientar que, ao invés do que parece entender a recorrente, não vemos quaisquer razões para que se considere menos credível o depoimento da testemunha D… pelo facto de estar directamente implicado na actividade que levou ao despedimento do A..
Em face do modo como o banco tratou e continua a tratar o cliente D… – como um cliente especial, a quem são concedidas condições especiais, como referiu a directora de área I… – não cremos que o mesmo algo tivesse a temer perante o banco, nem que se devesse conferir ao mesmo menor credibilidade do que a que se conferiu aos seus trabalhadores gerentes, também depoentes e que com ele foram acareados. É aliás de realçar o nervosismo e desconforto que se percepcionou da audição dos depoimentos de ambas as testemunhas gerentes K… e J…, particularmente na parte em que se verificaram as acareações com a testemunha D…, por confronto com a forma segura, sem hesitações, circunstanciada e localizada no espaço e no tempo com que esta testemunha D… relatou as conversas que terá tido com ambos sobre as matérias relacionadas com a conta aberta em nome de E….
Cientes da posição de cada uma destas testemunhas perante os factos, e independentemente das divergências expressas na acareação, deve realçar-se que o gerente inicial – a testemunha K… que foi gerente da agência de … desde 2006 até Outubro de 2012 –, depois de dizer, e reiterar, que não sabia que a referida conta da E… servia para o pagamento de uma dívida de F… ao D…, quando foi confrontado com a afirmação da cliente D… de que tinha conversado consigo várias vezes sobre isso, limitou-se a afirmar “não me recordo”, o que não deixa de ser estranho quando está em causa um facto com esta importância que antes negara peremptoriamente (a partir do minuto 32.30 do seu depoimento, na fase da acareação).
Igualmente a testemunha que foi gerente a partir de Novembro de 2012 – a testemunha N… –, apesar de referir inicialmente que não teve conhecimento das movimentações da conta da E… até 26 de Abril de 2013 (data em que analisou os seus movimentos), não deixou de dizer mais tarde, na acareação, que aquilo que lhe “era transmitido” antes dessa data é que era uma conta “para depósitos associados a ele [D…] de rendas” e precisou que na parte inicial do seu depoimento o que dissera é que “não tinha conhecimento de que eram feitos empréstimos através da conta da D. E…”, afirmando ser do seu conhecimento que “a conta da E… era para fazer depósitos” (a partir do minuto 08.30 do seu depoimento, na fase da acareação). Afirmou assim desconhecer os empréstimos, mas denotou ser do seu perfeito conhecimento que as quantias depositadas naquela conta eram destinadas ao D…. Ou seja, embora esta testemunha gerente reitere o seu desconhecimento quanto à realização de empréstimos através da conta – realidade que o tribunal a quo também não considerou provada, como se verifica da resposta ao quesito 1.º – resulta do seu depoimento ser do seu conhecimento que aquela conta era para fazer depósitos cujo destinatário era o cliente D….
Particularmente expressivo do conhecimento afirmado na alínea V) é o documento de fls. 282 e ss. do qual, ao invés do afirmado pela recorrente, não resulta “apenas” que os Gerentes e a Directora de Área deram parecer favorável a uma proposta de isenção/redução das condições de precário de várias contas, na base de uma informação do A. que inclui (sem identificar) a conta de E… entre outros números de contas de D…, fazendo sempre referência ao cliente D….
Analisado tal documento, verifica-se que o mesmo constitui uma proposta com vista à renovação de condições especiais de preçário relativamente a cinco contas que ali são identificadas pelo número, indicando-se no cabeçalho o nome do cliente D…. Mas logo na segunda página do documento se identifica o nome da titular da conta aqui em causa, justamente a referida E…, com o seu nome completo (E…), pelo que não se pode dizer que o A. não identificou nesse documento que se tratava da conta de E…, nem se justificam minimamente as afirmações das testemunhas I… e K… de que os termos em que a proposta/informação estava elaborada não permitiam compreender que a conta em causa não pertencia a D….
Este documento, a nosso ver, não só demonstra o conhecimento da gerência e da direcção de área quanto às condições de movimentação da dita conta bancária da E… (que foram ali detalhadamente propostas e autorizadas superiormente), como demonstra o seu conhecimento quanto à estreita ligação da mesma com o cliente D…, pois que era ele quem ali se caracterizava, apesar de a conta estar em nome de E…, ali identificada como “1.ª titular”. Da análise deste documento só pode inferir-se que o banco, a despeito de o referido cliente não ser o titular formal da conta, veio a atribuir àquela conta aberta em nome de E… condições que apenas se justificam em atenção à caracterização do cliente D… que é traçada na proposta.
É pois perfeitamente razoável e conforme com as regras da experiência, não nos merecendo censura, a decisão de facto do tribunal a quo que ficou plasmada na alínea V) dos factos provados, no sentido de que “[o]s órgãos competentes do C…, nomeadamente a gerência do seu balcão de …, não ignoravam a abertura, fins e condições de movimentação da dita conta bancária da E…, uma vez que se responsabilizou, dando o necessário parecer favorável, na atribuição de condições especiais de preçário”, a qual se mostra igualmente em consonância com o facto, não impugnado, de essas condições terem sido “autorizadas e renovadas pela direção da empregadora, na sequência de sucessivos pareceres favoráveis da gerência do balcão” [alínea W) dos factos provados].
Já quanto à alínea X), embora não possa acompanhar-se a recorrente quando a mesma afirma não haver prova de que a Gerência da Agência de … tivesse conhecimento dos factos ao A. imputados na decisão de despedimento antes de 26 de Abril de 2013, há que alterar a decisão da 1.ª instância.
Na verdade, e desde logo, a caracterização dos factos como “disciplinares” nunca poderia constar do elenco de factos provados, como já se deixou antever ao abordar a questão da nulidade da sentença por obscuridade.
Por outro lado, a prova produzida também não conforta a afirmação de que todos os factos “supra referidos imputados ao autor” foram do imediato conhecimento dos superiores hierárquicos.
Analisando, dos factos que foram imputados ao A. na decisão de despedimento, os que se apuraram – e a outros nos não reportamos, por espúreo – verifica-se estar provado que o A.:
- tinha em seu poder o documento de confissão de dívida referido nas alíneas H) e I);
- tinha em seu poder os cheques referidos na alínea J);
- permitiu a abertura da conta referida na alínea N) com a finalidade ali assinalada;
- inseriu nessa conta o cativo referido na alínea O);
- procedeu ao levantamento da mesma conta, por caixa, dos cheques referidos na alínea Q);
- anotou o documento de “conta corrente” referido na alínea U);
Ora, reexaminada a prova produzida, apenas podemos ter como certo que os superiores hierárquicos do autor tinham anteriormente conhecimento do facto referido na alínea N) e do facto referido na alínea O), inexistindo quaisquer elementos probatórios, de natureza documental ou testemunhal, susceptíveis de permitir a afirmação de que os demais actos dos A. enumerados na decisão de facto – os que ficaram provados, independentemente do seu relevo disciplinar, que nesta sede nos não ocupa – foram conhecidos antes de 26 de Abril de 2013.
Quanto ao facto da alínea N) relativo à abertura, o seu conhecimento por parte dos superiores hierárquicos do A. resulta do juízo probatório já efectuado neste texto a propósito da decisão contida na alínea V), nada se nos oferecendo acrescentar.
Quanto ao facto da alínea O), relativo à inserção do cativo na conta de E…, o depoimento da directora de área I… foi claro quanto à necessidade de intervenção da gerência para a “autorização numérica” do bloqueio (a partir do minuto 01.04.30 do seu depoimento), o que, naturalmente, leva à conclusão de que a gerência teve conhecimento contemporâneo da inserção do cativo em conta, acto que apenas se poderia efectuar com a sua autorização.
Quanto aos demais comportamentos relatados na decisão de facto, não resulta da prova produzida, aqui reanalisada, que os superiores hierárquicos do A. deles tenham tomado conhecimento antes de 26 de Abril de 2013, data em que as testemunhas I… e J… (directora de área e gerente da R.), depois de se ter constatado a existência de múltiplos cheques de valor inferior a € 150,00 depositados na conta da referida E…, encontraram os documentos referidos nas alíneas H), I), J) e U) na posse do A., apenas após se procedendo à análise exaustiva da movimentação daquela conta, como relataram essas mesmas testemunhas.
Assim, altera-se a decisão de facto quanto à alínea X) dos factos provados, que passará a ter a seguinte redacção:
«X) Os superiores hierárquicos do autor tomaram conhecimento imediato dos factos referidos nas alíneas N) e O).»
E, em consequência, adita-se aos factos não provados que os superiores hierárquicos do autor houvessem tido imediato conhecimento dos factos por aquele praticados, para além dos relatados na alínea N) e na alínea O).
Procede, parcialmente, a deduzida impugnação da decisão de facto do tribunal da 1.ª instância.
*
4.4. Cabe a este passo enfrentar um aspecto que deve resolver-se em sede de fundamentação de facto.
Analisando o elenco de factos provados, uma vez conhecida a impugnação deduzida, verifica-se que a parte final da alínea T) dos factos provados se mostra em manifesta contradição com outros segmentos da decisão de facto proferida na 1.ª instância que agora se reapreciou.
Com efeito, examinando criticamente toda a prova pessoal produzida, bem como a prova documental nos termos que antes se enunciaram, não formou este Tribunal da Relação uma convicção positiva quanto à existência de uma actividade de concessão de empréstimos particulares da testemunha D… em concertação com F…, o que reverteu necessariamente em desfavor da R. por estar em causa matéria cujo ónus da prova lhe incumbia por integradora do conceito indeterminado de justa causa de despedimento, razão por que não procedeu, nessa matéria, a impugnação da decisão da matéria de facto.
Ora na alínea T) dos factos provados – que corresponde à resposta integralmente positiva conferida ao quesito 10.º da base instrutória – ficou afirmado que “95% dos cheques sacados sobre outras instituições de crédito e 80% dos cheques sacados sobre contas de depósitos à ordem domiciliadas no C… (753 e 188 cheques, respectivamente) foram emitidos em montantes inferiores a 150€, o que está relacionado com a obrigatoriedade do seu pagamento pelas instituições de crédito sacadas ou seja, para que D… garantisse que receberia o dinheiro que havia emprestado aos clientes do C…”, o que entra em contradição com a resposta que foi conferida aos quesitos 1.º, 2.º, 3.º e 5.º, na parte em que a mesma é negativa.
A afirmação constante da parte final da alínea T), pressupondo a prova da concessão de empréstimos a clientes do C… por parte de D…, é desconforme com a decisão que considerou não provada a verificação de tais empréstimos. Ou seja, os pressupostos daquelas respostas negativas colidem com esta resposta positiva no excerto final apontado, havendo que remover oficiosamente esta contradição nos termos previstos na alínea c) do n.º 2, do artigo 662º do Código de Processo Civil, uma vez que o processo contém todos os elementos para o efeito.
Assim, quanto à primeira parte do quesito 10.º, tendo em consideração os documentos juntos a fls. 176 a 190 (extracto dos movimentos da conta), conjugados com o depoimento de H… (auditor da R. que procedeu à sua análise), conclui-se ser notória a grande quantidade de cheques de valor igual ou inferior a € 150,00 depositados na conta titulada por E… o que, como salienta o Mmo. Julgador a quo, invocando as regras da experiência, necessariamente “tem a ver com o limite abaixo do qual a instituição bancária é obrigada a proceder ao pagamento do cheque, ainda que não tenha provisão), sendo que o próprio autor confirmou que aquela conta fora aberta para depósito de verbas destinadas a D…” (cfr. o artigo 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 48/2005, de 29/08). É assim de manter a primeira parte da resposta positiva dada ao quesito 10.º [que ficou a constar da primeira parte da alínea T) dos factos provados], não se descortinando na mesma qualquer dos vícios enunciados na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil.
Já no que diz respeito à segunda parte, tendo em consideração:
- os meios de prova já reponderados neste aresto relativamente à factualidade alegada pela recorrente quanto à concessão de empréstimos em actividade concorrencial com o banco e a decisão tomada a propósito dos mesmos (no sentido da falta de prova de tal factualidade) e
- o que também neste aresto já foi dito quanto à finalidade geralmente associada ao depósito de cheques de valor igual ou inferior a € 150,00 e ao beneficiário dos depósitos a efectuar na conta em causa,
impõe-se suprimir a referência aos empréstimos concedidos da finalidade que ficou a constar da alínea T) do elenco de factos provados.
Assim, com vista a sanar oficiosamente a apontada contradição, altera-se a alínea T) dos factos provados, passando a mesma a ter o seguinte teor:
“T) 95% dos cheques sacados sobre outras instituições de crédito e 80% dos cheques sacados sobre contas de depósitos à ordem domiciliadas no C… (753 e 188 cheques, respectivamente) foram emitidos em montantes inferiores a 150€, o que está relacionado com a obrigatoriedade do seu pagamento pelas instituições de crédito sacadas ou seja, para que D… garantisse que receberia o dinheiro titulado em tais cheques”.
E, em consequência, adita-se aos factos não provados que a emissão dos cheques referidos na alínea T) em montantes inferiores a 150 €, o fosse para que D… garantisse que receberia o dinheiro que havia emprestado a clientes do C….
*
4.4. Finalmente, há que aferir se é de ampliar a decisão de facto em face da alegação da recorrente a propósito da arguição de nulidade da sentença.
Como foi dito quando se abordou a questão da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, se há factos alegados e controvertidos que não foram submetidos a instrução ou que, tendo-o sido, não foram objecto de decisão judicial e não ficaram a constar do elenco dos factos “provados” ou “não provados”, pode verificar-se uma eventual insuficiência da decisão de facto, a determinar a anulação da sentença com vista à sua ampliação, caso esta seja imprescindível, nos termos do preceituado no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho.
Resulta da alegação da recorrente que a mesma considera indispensável apurar factos alegados no articulado motivador, designadamente a alegação constante dos seus artigos 49., 53. e 83.
Analisando o referido articulado, verifica-se que nele a R. alegou o seguinte:
«49.
Fundamentou também a decisão de despedimento a demonstração de que a intervenção de F…, e da sua nora, titular da referida conta bancária sob gestão do A., se fez, assim, apenas para omitir a intervenção e identidade de D… como destinatário último dos depósitos efectuados na conta de E….»
(…)
«53.
De todos estes elementos, que constam dos meios de prova juntos ao processo disciplinar, alguma dela solicitada pelo próprio A., outra resposta não seria possível senão dar-se por provada a colaboração activa e interessada do A. com a actividade desenvolvida pelo seu Cliente, estranha à actividade do Banco, ilegal e concorrencial com a actividade do empregador do A.»
(…)
«83.
Dos factos anteriormente relatados decorre que o A. enquanto gestor de conta destes clientes bem sabia que elas apresentavam quase em exclusivo movimentos relacionados com o saque de cheques em benefício de E… e que o destinatário real desses cheques seria D… no âmbito de empréstimos que havia concedido.»

Ora, a nosso ver, uma parte desta alegação que a recorrente pretende que seja incluída na decisão de facto sobrepõe-se parcialmente a factos que foram submetidos a instrução e mostra-se prejudicada pela decisão de facto já proferida nos autos quanto aos mesmos e, noutra parte, reveste-se de natureza marcadamente conclusiva ou é, em si, irrelevante como matéria de facto a atender para a decisão de direito.
Com efeito, e começando pelo artigo 49. do articulado motivador, a afirmação nele efectuada não tem sujeito (fez-se), não se descrevendo na mesma qualquer acto praticado pelo A..
Constitui um facto objectivo que a circunstância de a conta já sobejamente referida neste texto ser titulada por E… não revela (omite) que o destinatário último dos depósitos efectuados na mesma seja uma pessoa dela distinta.
A decisão de facto já contempla os factos concretos e precisos que estão na base daquela alegação do artigo 49. do articulado motivador - vide as alíneas N), parte final da alínea Q), parte final da alínea S) e parte final da alínea T) dos factos provados. A tarefa de extrair conclusões a partir destes factos objectivos, vg. no que se reporta à qualificação do comportamento do trabalhador que deles pode retirar-se, deverá ser efectuada na fundamentação de direito da decisão e não nesta sede da sua fundamentação de facto.
No que diz respeito ao artigo 53. do articulado, invoca a recorrente que foi ali alegada a colaboração activa e interessada do A. com a actividade desenvolvida pelo seu cliente (D…), estranha à actividade do banco.
Ora, não estando demonstrada qualquer actividade daquele cliente que possa qualificar-se como vem dito no artigo 53. (ilegal e concorrencial), como resulta à saciedade da reapreciação da prova a que se procedeu, queda irrelevante saber, por carência de objecto do comportamento, se o A. nela colaborou activa e interessadamente.
Seja como for, aquele artigo 53. tem natureza evidentemente conclusiva, quer na qualificação da colaboração (que teria que ser demonstrada através de actos concretos e provados), quer na afirmação de que a referida actividade é “estranha à actividade do Banco, ilegal e concorrencial com a actividade do empregador do A.” (o que pressupõe a prova dos contornos da actividade desenvolvida pelo cliente e a valoração da actividade do empregador por confronto com aquela), pelo que nunca poderia aquela alegação ser submetida a instrução nos termos do artigo 410.º do Código de Processo Civil.
Finalmente quanto ao artigo 83. do articulado motivador, a forma como se mostra redigido, desde logo o seu início (“Dos factos anteriormente relatados decorre que o A. enquanto gestor de conta destes clientes bem sabia…”), denota que o conhecimento do A. nele afirmado constitui uma conclusão a retirar de outros factos objectivos também alegados.
Deve dizer-se que é absolutamente lícito ao tribunal quando procede à análise dos factos provados lançar mão de presunções judiciais ou hominis nos termos previsto no artigo 351.º do Código Civil e, servindo-se das regras de experiência, retirar conclusões, por ilação, chegando a outros factos que, não obstante não se encontrarem directamente firmados nos autos são, em termos de normalidade, o desenvolvimento lógico dos apurados.
Razão por que este conhecimento, alegado no artigo 83. em termos que demandam a aplicação de uma presunção hominis deste tipo, poderia ser afirmado por este tribunal em face dos demais factos provados.
Simplesmente, em face da decisão já proferida e constante das alíneas 1) e 7) dos factos “não provados” nunca poderia funcionar a presunção de conhecimento em que a recorrente sustenta a alegação do artigo 83. do seu articulado motivador, por indemonstrados os factos base da presunção, razão por que, também neste aspecto, se não justifica a ampliação da decisão de facto.
*
4.5. Os factos a atender para a decisão jurídica do pleito, após a intervenção deste Tribunal da Relação, são os seguintes (destacam-se os que foram objecto de alteração):

a) Factos Provados

A) Por contrato de trabalho por tempo indeterminado, o trabalhador foi admitido ao serviço da empregadora em 28/08/2006 (mas com antiguidade na ré reportada a 20 de Abril de 1998 por força de anteriores contratos de trabalho do autor no sector bancário), tendo a categoria profissional de “Gestor de Cliente”, exercendo funções no balcão de … do banco da empregadora;

B) Ultimamente, o autor auferia da ré a retribuição base ilíquida de 1.474,63€ (mil quatrocentos e setenta e quatro euros e sessenta e três cêntimos), acrescida de:
a. diuturnidades no montante de 122,40€ (cento e vinte e dois euros e quarenta cêntimos);
b. subsídio de refeição de 9,03€ (nove euros e três cêntimos) por cada dia de trabalho prestado;
c. isenção de horário de trabalho no montante mensal de 752,89€ (setecentos e cinquenta e dois euros e oitenta e nove cêntimos);
d. complemento de remuneração mensal ilíquido de 101,00€ (cento e um euros);

C) Por carta registada com aviso de receção de 04/06/2013, datada de 03/06/2013, a empregadora comunicou ao trabalhador a nota de culpa junta aos presentes autos a fls. 155 a 164, com a intenção de despedimento;

D) Em 09/10/2013, a empregadora comunicou ao trabalhador a decisão final de despedimento constante dos autos a fls. 3 a 17;

E) O trabalhador executava as seguintes funções:
a. participava no processo de planeamento e orçamento da agência, contribuindo para a definição dos objectivos de natureza comercial;
b. desenvolvia as acções comerciais que visam dar cumprimento aos objectivos e ao plano de acção comercial estabelecidos;
c. participava nos órgãos de concessão de crédito;
d. preparava as propostas de crédito de acordo com as regras instituídas;
e. analisava com o gerente os resultados da acção comercial;
f. efectuava a recepção e o atendimento telefónico dos clientes ou potenciais clientes, prestando-lhes as informações solicitadas;
g. assegurava a permanente actualização na base de dados de clientes do banco, dos elementos relativos aos clientes afectos;
h. promovia a utilização dos meios automáticos da agência pelos clientes, esclarecendo dúvidas e colaborando na realização das operações disponíveis;
i. estabelecia as relações necessárias e suficientes com todos os órgãos do banco, para a adequada e rápida execução das operações dos clientes;
j. assegurava o cumprimento das tarefas que, no âmbito das suas competências e funções, lhe fossem delegadas pelos órgãos hierarquicamente superiores;

F) A empregadora tem em vigor, desde 24/01/2012, a NOR_RH_03, que estabelece que “É interdito o desenvolvimento de actividades externas, mesmo que gratuitas ou esporádicas, que configurem um conflito de interesses com o Banco, bem como a intervenção em processos que se destinem a solicitar crédito ao Banco ou a adquirir bens e serviços ao C…” e que os colaboradores do banco devem “exercer as suas funções, abstendo-se de qualquer tratamento preferencial ou acção que deliberadamente seja prejudicial, quaisquer que sejam os motivos”, estabelecendo ainda no ponto 2.3.2.1 não ser permitido a colaborador aceitar mandatos, conferidos por procuração, para movimentação de contratos/contas de clientes, excepto nas situações previamente autorizadas pelo respectivo administrador do pelouro, mediante apresentação de proposta devidamente fundamentada pela pessoa sujeita e com o parecer favorável da sua direcção;

G) E o Código de Conduta vigente desde Janeiro de 2009, cujo ponto 5.4 impõe aos seus colaboradores o dever de conhecimento do cliente, de forma a permitir “ao Banco entender com quem está a desenvolver relações de negócio, se os Clientes actuam por sua própria conta ou por conta de terceiros”;

H) No posto de trabalho do autor estava, em 26/04/2013, um documento de “confissão de dívida/promessa de pagamento”, celebrado entre O…, Lda. (devedor e cliente do C…f) e F… (credor), que tinha sido entregue ao autor por F…, para que o entregasse a D…;

I) No qual a referida empresa se confessava devedora de F… em 5.400,00€, e declarava que tinha entregue 24 cheques, 4 de 600,00€ e 20 de 150,00€, sacados sobre as contas de depósitos à ordem n.º …….. de O…, Lda. e n.º …….. de P.-.. (sócio gerente), clientes da agência de … do C…, para o reembolso do referido empréstimo;

J) E foram encontrados no posto de trabalho do autor 32 (trinta e dois) cheques emitidos sobre a conta de depósitos à ordem de E…, assinados em branco e já endossados;

K) Tais documentos encontravam-se na posse de B… a pedido de D…e como um favor que lhe era efectuado;

L) O autor não tem, ao serviço da ré/empregadora, quaisquer antecedentes disciplinares;

M) O autor nasceu em 07 de Fevereiro de 1979 (certidão junta a fls. 750);

N) O autor permitiu que fosse aberta e, enquanto Gestor Comercial, geria uma conta em nome de E… (conta D.O. n.º ……..) para que aí fossem depositadas quantias destinadas ao cliente da empregadora D…;

O) O autor inseriu um cativo para que E… não pudesse movimentar a conta de que era titular;

P) A referida E… é nora de F…;

Q) O autor procedeu ao levantamento da conta de E…, por caixa, de alguns cheques que tinham sido previamente assinados em branco pela cliente E… e se encontravam na sua posse, para a entrega posterior dessas quantias a D…;

R) Das contas de depósitos à ordem que registavam saldos devedores originados pela apresentação a pagamento de cheques de valor igual ou inferior a 150,00€, em três delas, geridas pela agência de …, constava como beneficiária de alguns destes cheques a conta n.º …….., de E…;

S) A movimentação da conta da referida E… caracteriza-se pelo depósito continuado de numerário e de cheques sacados sobre o C… e sobre outras instituições de crédito, os quais, após a boa cobrança, tinham posteriormente como destinatário D…;

T) 95% dos cheques sacados sobre outras instituições de crédito e 80% dos cheques sacados sobre contas de depósitos à ordem domiciliadas no C… (753 e 188 cheques, respectivamente) foram emitidos em montantes inferiores a 150€, o que está relacionado com a obrigatoriedade do seu pagamento pelas instituições de crédito sacadas ou seja, para que D… garantisse que receberia o dinheiro titulado em tais cheques.

U) O autor anotou, até Outubro de 2011, as entradas e saídas de valores registadas na conta de depósitos à ordem de E… num documento de conta corrente que é entregue com os livros de cheques;

V) Os órgãos competentes do C…, nomeadamente a gerência do seu balcão de …, não ignoravam a abertura, fins e condições de movimentação da dita conta bancária da E…, uma vez que se responsabilizou, dando o necessário parecer favorável, na atribuição de condições especiais de preçário;

W) Condições que foram autorizadas e renovadas pela direcção da empregadora, na sequência de sucessivos pareceres favoráveis da gerência do balcão;

X) Os superiores hierárquicos do autor tomaram conhecimento imediato dos factos referidos nas alíneas N) e O).

Y) O autor outorgou, no dia 31 de Janeiro de 2007, com o banco réu, dois contratos de mútuo, um deles titulando um empréstimo de 166.165,00€ e o outro de 33.835,00€;

Z) Nesses mútuos foi convencionada taxa de juro igual à resultante da média aritmética simples das taxas Euribor e a taxa prevista no contrato colectivo, a qual ficou dependente da manutenção da sua qualidade de empregado do banco réu;

AA) Logo após o despedimento, a empregadora comunicou ao autor o agravamento das taxas aplicáveis aos dois contratos de empréstimo, passando a vencer juros à taxa equivalente a Euribor a 3 meses, acrescida de 3,5%.
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b) Factos Não Provados

Resultaram não provados os seguintes factos:

1) Que o cliente do banco da empregadora, D…, desenvolvesse desde 16/08/2011 em colaboração com F…, ao abrigo de um acordo entre ambos celebrado, uma actividade de concessão de empréstimos particulares a clientes da empregadora e a clientes de outros bancos;

2) Que o autor efectuasse nas instalações do banco e durante o seu horário de trabalho a gestão e escrituração dos créditos registados na conta respeitantes ao pagamento/reembolso de empréstimos concedidos por D… aos referidos terceiros;

3) Que o autor tivesse conhecimento da actividade e acordo referidos em 1);

4) Que o cativo inserido na conta o tenha sido a pedido de D…;

5) Que F… fosse “testa de ferro”, isto é, actuasse em nome próprio mas por conta de D…;

6) Que todos os seguintes cheques levantados por caixa da conta de E… o tenham sido pelo autor:
a. em 06.02.2013, cheque n.º …….., no montante de € 2380;
b. em 11.01.2013, cheque n.º …….., no montante de € 4310;
c. em 08.01.2013, cheque n.º …….., no montante de € 2450;
d. em 23.01.2013, cheque n.º …….., no montante de € 2800;
e. em 01.03.2013, cheque n.º …….., no montante de € 2850;
f. em 21.03.2013, cheque n.º …….., no montante de € 1870;
g. em 08.04.2013, cheque n.º …….., no montante de € 1350;
h. em 28.01.2013, cheque n.º …….., no montante de € 1200;
i. em 21.02.2013, cheque n.º …….., no montante de € 2350;
j. em 13.02.2013, cheque n.º …….., no montante de € 4170;
k. em 04.01.2013, cheque n.º …….., no montante de € 9040;
l. em 16.04.2013, cheque n.º …….., no montante de 2550;
m. em 16.01.2013, cheque n.º …….., no montante de 2750;
n. em 19.03.2013, cheque n.º …….., no montante de € 3170;
o. em 30.01.2013, cheque n.º …….., no montante de €1665;
p. em 24.04.2013, cheque n.º …….., no montante de € 2400;
q. em 18.02.2013, cheque n.º …….., no montante de € 3540;
r. em 02.01.2013, cheque n.º …….., no montante de € 2290;
s. em 26.03.2013, cheque n.º …….., no montante de € 1730;
t. em 12.03.2013, cheque n.º …….., no montante de € 4170;
u. em 06.03.2013, cheque n.º …….., no montante de € 3050; e
v. em 25.01.2013, cheque n.º …….., no montante de € 2000;

7) Que os 10 clientes dos quais o autor era o gestor, afectos à agência de …, tenham contraído empréstimos junto de D…, cujo reembolso/pagamento era efectuado por centralização na conta de depósitos à ordem de E…, o que o autor bem sabia;

8) Que os superiores hierárquicos do autor que tiveram imediato conhecimento dos factos por aquele praticados tenham competência disciplinar de acordo com a estrutura e organização internas da ré.

9) Que os superiores hierárquicos do autor tivessem imediato conhecimento dos factos por aquele praticados, para além dos relatados na alínea N) e na alínea O).

10) Que a emissão dos cheques referidos na alínea T) em montantes inferiores a 150 €, o fosse para que D… garantisse que receberia o dinheiro que havia emprestado a clientes do C….
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5. Fundamentação de direito
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5.1. Ao caso sub judice aplica-se a disciplina legal que consta do Código do Trabalho aprovado Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (entrado em vigor no dia 17 de Fevereiro de 2009 — artigo 2.º da Lei n.º 74/1998, de 11 de Novembro) que procedeu à revisão do Código do Trabalho, revogando a Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto [cfr. os artigos 12º, nº 1, a) e 7.º, n.º 1 daquela Lei].
Deve ainda ter-se presente o clausulado do ACT para o Sector Bancário celebrado entre várias instituições de crédito, incluindo a ora recorrente, e os Sindicatos dos Quadros e Técnicos Bancários e Independente da Banca, cujo texto consolidado foi publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 20, de 29 de Maio de 2011, com as alterações constantes do acordo celebrado entre as mesmas instituições e a Federação dos Sindicatos Independentes da Banca, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 24, de 29 de Junho de 2011 e no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 8, de 29 de Fevereiro de 2012. Embora as partes não tenham cuidado de invocar os pressupostos da aplicabilidade deste instrumento de regulamentação colectiva, constata-se da leitura da sua publicação no BTE que este ACT foi outorgado pela ora recorrente e resulta dos autos que o A. é sindicalizado no SNQTB (vide o recibo de fls. 62).
5.2. A questão essencial de direito a enfrentar no presente recurso consiste em aferir se o despedimento do A. se fundou em justa causa, como defende a R. recorrente.
5.2.1. Em conformidade com o imperativo constitucional contido no artigo 53º da Lei Fundamental, o artigo 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 define o conceito de justa causa de despedimento como “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, estabelecendo-se depois um quadro exemplificativo de comportamentos justificativos desse despedimento.
Esta noção decompõe-se em dois elementos: a) um comportamento culposo do trabalhador - violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral - grave em si mesmo e nas suas consequências; b) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Com algumas diferenças de forma (que não de conteúdo) a jurisprudência tem definido nestes termos o conceito de justa causa, considerando ainda:
– que a ilicitude consiste na violação dos deveres a que o trabalhador está contratualmente vinculado, seja por acção, seja por omissão, relativamente a deveres contratuais principais ou secundários, ou ainda a deveres acessórios de conduta, derivados da boa fé no cumprimento do contrato, o que afasta os factos sobre os quais não se pode fazer juízo de censura e aqueles que não constituam violação de deveres do trabalhador enquanto tal;
– que na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências deve recorrer-se ao entendimento de um "bonus pater familias", de um "empregador razoável", segundo critérios de objectividade e razoabilidade (artigo 487.º n.º 2 do Código Civil) em face do condicionalismo de cada caso concreto; e
– que a impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho é o elemento que constitui o critério básico de "justa causa", sendo necessário um prognóstico sobre a viabilidade das relações contratuais para se concluir pela idoneidade ou inidoneidade da relação para prosseguir a sua função típica[19].
5.2.2. No caso sub judice, a decisão proferida no processo disciplinar instaurado pela recorrente (documentada a fls. 496 e ss.), fez assentar o despedimento do A., fundamentalmente, nas circunstâncias de:
A. aceitar ser intermediário, ou auxiliar de cumprimento, no esquema de empréstimos particulares entre o cliente D… e outros clientes do Banco, actividade totalmente alheia à actividade do Banco e às funções que deveria exercer, colocando-se voluntariamente numa situação de conflito de interesses com o Banco, que é o seu empregador;
B. aceitar um mandato de D… para movimentar a conta de E… (de que ele não era sequer titular) e para nela proceder periodicamente a depósitos e levantamentos com base no saque de cheques em branco subscritos por E… que o A. guardava em seu poder;
C. socorrer-se, sem ter autorização para tal, das instalações do Banco e dos seus meios materiais, para desenvolver essa conduta em benefício de D…, tendo em depósito no Banco e à sua guarda diversa documentação que respeitava à actividade de concessão de empréstimos particulares de D…;
D. ter perfeito conhecimento que a conta de E… era efectivamente utilizada em benefício do reembolso de empréstimos de D…, incumprindo com o dever de conhecimento do cliente, e implicando o Banco numa actividade que poderia ter enorme risco reputacional.
De acordo com tal decisão, os referidos comportamentos demonstram ter o A. incumprido de forma grave as normas bancárias constantes da NOR_RH_03 e do Código de Conduta que vieram a referir-se nas alíneas F) e G) dos factos provados, bem como o dever de lealdade, os deveres previstos nas alíneas a), c), e) f) e h) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 128.º do Código do Trabalho e as alíneas b), d) e g), do n.º 1 da cláusula 34.ª do ACT para o sector bancário.
E ali se concluiu pela verificação da justa causa de despedimento nos termos da cláusula 117.ª, alínea f) do ACT para o sector bancário e do artigo 351.º, n.ºs 1 e 2, alíneas d) e e) do Código do Trabalho (vide a decisão do procedimento disciplinar a fls. 518).
A sentença da 1.ª instância decidiu não existir justa causa para despedir o A., porquanto, considerou, por um lado, que do confronto entre os factos que fundamentaram a decisão de despedimento e aqueles que a ré logrou fazer prova neste processo fica desde logo evidente a não demonstração da imputação mais grave dirigida ao autor – a colaboração numa actividade de concessão de empréstimos a terceiros concorrencial ao banco e que acarretaria para este prejuízos patrimoniais – e, por outro, que apenas pode ser imputada ao autor a violação da norma da ré que consta na alínea F) dos factos assentes na parte em que se proíbe aos seus funcionários que aceitem mandatos para movimentação de contas de clientes, por se ter provado que o autor movimentava a conta de E…, procedendo ao levantamento de cheques para posterior entrega de quantias a D…, mas que este conjunto de factos tem de ser lido em conjugação com outra realidade – o autor estava a actuar com conhecimento dos seus superiores hierárquicos – e não se pode dizer que a violação do dever acima referido tornasse impossível a subsistência da relação laboral, sendo desproporcional para a infracção que se provou a sanção de despedimento.
Na apelação, a R. recorrente vem essencialmente alegar que o A. foi despedido com justa causa na medida em que, independentemente da alteração dos factos, incumpriu com diversos normativos do Banco em matéria de conduta, deontologia e ética profissional, designadamente os provados nas als. F) e G) dos factos provados; teve um comportamento pouco idóneo e transparente; socorreu-se sem ter autorização para tal, das instalações do Banco e dos seus meios materiais, tendo em depósito no Banco e à sua guarda diversa documentação respeitante à actividade de D… que era estranha à sua relação com o Banco, designadamente títulos de dívida, o que viola o dever de dar boa utilização aos bens relacionados com o trabalho, nos termos da al. h) do n.º 1 do artigo 128º, e conscientemente implicou o Banco numa actividade que tem enorme risco reputacional, não obedeceu às normas internas de operações bancárias de depósito e levantamento de cheques, às instruções e comandos do empregador com vista ao desempenho das suas funções que deveriam ter passado por uma informação fidedigna sobre os clientes e a sua realidade, movimentação de contas e operações bancárias e incumpriu o dever de lealdade, ao agenciar, intermediar ou manter, sem autorização, qualquer relação contratual de natureza creditícia, ou de outra natureza, estranha à actividade do Banco, com os clientes do próprio Banco.
Concluiu não restarem dúvidas de que as condutas tidas pelo A. são gravemente violadoras dos deveres laborais já assinalados, devendo atender-se a que exerce as funções de Gestor Comercial, posto onde a relação de confiança é bastante acentuada.
5.2.3. Deve começar por se recordar que incumbia à recorrente o ónus da prova dos factos em que fundou o despedimento.
Como resulta do disposto no artigo 342.º do Código Civil e das regras substantivas que disciplinam a justa causa de despedimento e impõem ao empregador a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador (artigos 352.º e 367.º do Código do Trabalho), os factos integradores da justa causa são constitutivos do direito do empregador ao despedimento do trabalhador e, como tal, a provar pelo empregador[20].
Esta prova não foi cabalmente efectuada, como se verifica do confronto da decisão de despedimento com a matéria de facto assente na presente acção, sendo ainda certo que a recorrente não logrou ver neste recurso atendida a sua pretensão de que se considerassem provados vários factos que constavam da decisão de despedimento e que a 1.ª instância considerou “não provados” ou provados em moldes diversos (mais restritivos) dos alegados.
Assim, despida a factualidade em análise de parte do condicionalismo que foi invocado na decisão de despedimento e que a recorrente não logrou demonstrar cabalmente na presente acção, fica o desvalor do comportamento do trabalhador, tal como ali descrito, fortemente mitigado.
5.2.4. A questão que se coloca, e que agora passaremos a enfrentar, consiste em saber se, traçados estes parâmetros, o comportamento do recorrido que veio a provar-se é disciplinarmente censurável no contexto da relação laboral e, em face da sua gravidade e consequências, justifica o despedimento a que recorrente procedeu.
5.2.4.1. Ficou provado nestes autos, em primeiro lugar, que o A. permitiu que fosse aberta uma conta e, enquanto gestor comercial, geria uma conta em nome de E… (conta D.O. n.º ……..) para que aí fossem depositadas quantias destinadas ao cliente da empregadora D… (facto N).
Alega a recorrente que tal sucedeu, de forma totalmente alheia à actividade do banco e ao arrepio das funções que o recorrido deveria exercer, colocando-se o mesmo numa situação de conflito de interesses, real ou potencial, com o seu empregador.
Ora, desde logo, não vemos em que medida este concreto facto apurado – ter o A. permitido a existência de uma conta em que as quantias depositadas são de uma pessoa distinta do seu titular – pode reflectir a existência de um conflito de interesses. Não se descortina no comportamento aqui relatado um qualquer interesse autónomo do A., directo ou indirecto, a ponderar a par dos interesses dos demais intervenientes na abertura e gestão desta conta e, designadamente, um interesse pessoal do A. que entre em conflito com o interesse do banco, não tendo o A. incorrido numa qualquer situação de “conflito de interesses” com o banco ou com os clientes, tal como este vem definido no ponto 4.1.3. do Código de Conduta (a fls. 237-238), pelo que não pode dizer-se afrontada a norma NOR_RH_03 na parte em que interdita aos colaboradores da R. actividades que configurem um “conflito de interesses com o Banco” – facto F).
Assim, não pode ter-se neste aspecto como infringido o dever de obediência previsto na alínea e), do n.º 1 do artigo 128.º do CT, cuja violação a recorrente faz ancorar no incumprimento daqueles normativos internos.
É certo que não é lícita, por desconforme com a verdade e com a boa prática bancária, a separação entre a titularidade formal de uma conta e o destinatário substancial dos fundos nela depositados, não devendo as entidades bancárias pactuar com situações desse cariz, potenciadoras de erro, vg. ao nível das entidades fiscalizadoras competentes, e contrárias aos princípios da verdade e transparência que devem reger este sector de actividade.
Contudo, não pode perder-se de vista que, no caso em análise, ficou provado que os órgãos competentes do C…, nomeadamente a gerência do seu balcão de …, não ignoravam a abertura, fins e condições de movimentação da dita conta bancária da E… e que a gerência se responsabilizou, dando o necessário parecer favorável, pela atribuição àquela conta de condições especiais de preçário (facto V).
Tratava-se pois de uma realidade que era conhecida e a que a gerência do balcão aderia, emitindo parecer favorável à atribuição de condições especiais a esta conta, estando ainda provado que estas condições foram autorizadas e renovadas pela direcção da empregadora, na sequência de sucessivos pareceres favoráveis da gerência do balcão (facto W).
Não pode pois a recorrente pretender qualificar como infracção disciplinar, e erigir em justa causa de despedimento do trabalhador ora recorrido, um comportamento com que ela própria, através da gerência do balcão em que o trabalhador exercia funções e através da sua própria direcção, pactuava.
Sob pena de total subversão do instituto disciplinar – que constitui um mecanismo sui generis de autotutela patronal[21] e que está pressuposto na própria noção de contrato de trabalho com a referência à “autoridade” do contraente em benefício de quem é exercida a actividade laboral (vide o artigo 11.º do Código do Trabalho) –, não pode reconhecer-se ao empregador o poder de “punir” o outro contraente se o comportamento que invoca para aplicar a sanção é por si conhecido e aceite e, além disso, com ele colaborou, no âmbito do vínculo obrigacional estabelecido.
5.2.4.2. O mesmo deve dizer-se quanto à inserção de um cativo na referida conta titulada por E… (facto O), o qual foi, pelo menos, do conhecimento imediato dos superiores hierárquicos do autor (facto X), pelo que não pode afirmar-se que a conduta do A. neste aspecto afrontou o poder de autoridade e direcção que é reconhecido ao empregador no desenvolvimento da relação de trabalho.
5.2.4.3. Quanto aos factos de o A. ter em seu poder o documento de confissão de dívida referido na matéria de facto para entregar ao cliente D…, como um favor que lhe era efectuado [factos H), I) e K)], e os 32 cheques emitidos sobre a conta de depósitos à ordem de E…, assinados em branco e já endossados [facto J)], bem como de ter procedido ao levantamento da mesma conta, por caixa, de alguns cheques também assinados em branco por E…, para entrega posterior das quantias nos mesmos tituladas ao já referido D… [facto Q)], alega a recorrente que o A. incumpriu expressamente o normativo referido supra sobre deontologia profissional, quer aceitando um mandato de D… para movimentar a conta de E…, quer aceitando e executando mandato de E… para proceder ao preenchimento e ao levantamento de cheques sacados sobre a sua conta que lhe foram entregues assinados em branco anteriormente.
Também aqui a recorrente perspectiva a violação do dever de obediência, desta feita por inobservância da proibição prescrita no ponto 2.3.2.1. da Norma NOR_RH_03 referida na alínea F).
Ora, tendo em consideração os termos em que se mostra enunciada a norma em causa – ao estabelecer não ser permitido a colaborador “aceitar mandatos, conferidos por procuração, para movimentação de contratos/contas de clientes, excepto nas situações previamente autorizadas pelo respectivo administrador do pelouro, mediante apresentação de proposta devidamente fundamentada pela pessoa sujeita e com o parecer favorável da sua direcção” [facto F)] – cremos que, como resulta expressis verbis do seu texto, a mesma proíbe a aceitação de mandatos que sejam conferidos “por procuração”, não abrangendo no âmbito da proibição a realização de favores verbalmente solicitados pelos clientes que não implicam a actuação em seu nome. É este o sentido que resulta da interpretação da norma em causa e que se nos afigura ser o que um declaratário normal dela extrairia (cfr. o artigo 236.º do Código Civil).
Sabido que a procuração, nos termos do preceituado no artigo 262.º do Código Civil, é o “acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos” (n.º 1) e analisados os factos apurados, constata-se que de nenhum deles se retira ter o A. actuado em representação, quer de D…, quer de E….
Mesmo nos levantamentos a que procedeu [facto Q)], não consta dos factos provados que os tenha feito “em nome” de E… (cfr. o artigo 258.º do Código Civil), sendo certo que os cheques que esta deixou em branco ao A. estavam previamente assinados por si e se destinavam ao levantamento de “quantias” para o A. entregar a D… [facto Q)], nada indiciando que o A. não tenha feito tais levantamentos em seu próprio nome[22].
Ora, sendo pressuposto da violação da proibição contida na norma invocada pela recorrente que o A. actuasse em representação do cliente, constituía ónus da recorrente o de alegar e provar que o A. actuou em tais moldes, ónus que não cumpriu.
Assim, é de considerar que o A. não infringiu a proibição de “aceitar mandato, conferido por procuração”, de clientes, tal como a mesma se mostra prevista naquela norma referida na alínea F).
E, embora tenha assumido comportamentos de favor a esses clientes que o levaram a praticar actos que excedem as suas funções e nelas não estão naturalmente envolvidos (como ocorre com a guarda de documentos estranhos à actividade do banco, o levantamento de cheques e a subsequente entrega de quantias), conferindo ao cliente D… um tratamento preferencial com actos que extrapolam a sua actividade, não está também demonstrado que esse tratamento preferencial fosse “deliberadamente prejudicial”, tal como se exige na norma referida na alínea F).
Alega ainda a R. no articulado motivador (fls. 52) que o A. incumpriu “com o dever de conhecimento de cliente” referido na alínea G), que o Código de Conduta vigente desde Janeiro de 2009 impõe no seu ponto 5.4. aos colaboradores de forma a permitir “ao Banco entender com quem está a desenvolver relações de negócio, se os Clientes actuam por sua própria conta ou por conta de terceiros”, quando demonstrou ter perfeito conhecimento que a conta de E… era efectivamente utilizada em benefício do reembolso de empréstimos de D…, e implicou o Banco numa actividade que poderia ter para o Banco enorme risco reputacional. Já na apelação (fls. 893), a R. ora recorrente limita-se a afirmar que, ao demonstrar ter perfeito conhecimento que a conta de E… era efectivamente utilizada em benefício de pagamentos a D…, o A. incumpriu “com as mais elementares regras de constituição e gestão do Cliente pelo Banco” e implicou o Banco numa actividade que tem enorme risco reputacional. Independentemente desta mudança de perspectiva quanto às regras que entende incumpridas e de não ter a recorrente identificado as “regras de constituição e gestão do cliente” a que se reporta na apelação – e note-se que estamos a falar da violação do dever de obediência, o que implica a identificação das ordens e instruções do empregador infringidas pelo trabalhador –, cremos que o facto de se ter provado que era do conhecimento dos órgãos da recorrente, designadamente da gerência do balcão de …, a abertura, finalidade e condições de movimentação desta conta, denota o envolvimento daqueles órgãos no conhecimento de que a conta titulada por E… era efectivamente utilizada em benefício de D… e implica a própria instituição bancária no eventual risco reputacional que pode advir da verificação da desconformidade entre o titular formal de uma determinada conta e o destinatário real dos fundos nela depositados, impedindo que se afirme ter o A. violado o “dever de conhecimento do cliente”.
A prova do conhecimento, por parte dos seus superiores hierárquicos, da abertura e finalidades daquela conta [facto X)] obsta a que se conclua, como a recorrente (conclusão 21.ª), quer que o recorrido tenha desobedecido às instruções e comandos do empregador no sentido de uma informação fidedigna sobre os clientes e a sua realidade, movimentação de contas e operações bancárias, quer que tenha ocultado do banco a real actuação do cliente D… como titular dos interesses materiais associados à conta titulada por E….
Por outro lado, a singeleza da factualidade apurada quanto ao levantamento de cheques [facto Q)] não permite também afirmar que o A. ora recorrido não obedeceu às “normas internas de operações bancárias de depósito e levantamento de cheques”, normas que a recorrente, mais uma vez, diz na apelação terem sido violadas sem que as identificasse.
Também nesta perspectiva não procede a alegação da recorrente no que concerne à violação do dever de obediência previsto no artigo 128.º, n.º 1, alínea e) do Código do Trabalho, radicada no incumprimento de normas internas.
Mas já quanto à integração da factualidade relatada nas alíneas H), I), K), J) e Q) na violação do dever de diligência previsto na alínea c) do mesmo preceito a conclusão é diversa.
Com efeito, os trabalhadores bancários devem abster-se de efectuar este tipo de “favores” pessoais, quer guardando documentos pertença dos clientes e desnecessários para o exercício normal da sua actividade ao serviço da instituição bancária, quer mantendo em seu poder cheques previamente assinados com vista a proceder ao levantamento, por caixa, de quantias que depois se comprometem a entregar a um outro cliente, pois que se trata de actos que extrapolam as suas funções e podem comprometer a imagem de transparência e lisura da actividade bancária, num sector particularmente sensível em que o núcleo duro da actividade consiste no recebimento de valores de clientes para depósito e na concessão de crédito e em que, por isso, é essencial a confiança na instituição e nas pessoas que nela trabalham.
E, por esta razão, entendemos que com a conduta em causa, embora não possa considerar-se violado o dever de obediência prescrito no artigo 128.º, n.º 1, alínea e) do CT, - por improvada a inobservância dos normativos internos assinalados pela recorrente – se mostra violado o dever de zelo e diligência previsto na alínea c) do mesmo artigo 128.º, de acordo com o qual o trabalhador deverá realizar a prestação com a atenção, esforço, empenhamento de vontade e cuidado “exigíveis a um trabalhador normal colocado na sua situação”[23]. O facto de o A., no seu exercício profissional, ter assumido condutas que se traduzem no favor a um determinado cliente (mas extrapolando as suas funções e guardando documentos para lhe entregar ou levantando quantias a ele destinadas, para o que guardou cheques assinados em branco pela titular da conta) e que colidem com princípios de transparência subjacentes à actividade bancária que não pode desconhecer, denota que o A. não exerceu as suas funções com a diligência e cuidado exigíveis a um trabalhador bancário com a sua categoria profissional.
O que igualmente afronta o dever de idoneidade, diligência e consciência no exercício das funções prescrito na alínea b), do n.º 1, da cláusula 34.ª do ACT para o Sector Bancário supra referido.
Além disso, como diz a recorrente, tendo guardado no banco a referida documentação que era estranha à sua relação com o empregador, designadamente o título de dívida, violou o dever de dar boa utilização aos bens relacionados com o trabalho constante da alínea g) [a recorrente refere h) por evidente lapso] do n.º 1 do artigo 128º, embora deva notar-se que a infracção a este dever tem um relevo substancialmente inferior à infracção ao dever de realizar o trabalho com diligência enunciada na alínea c) do mesmo preceito.
Mas mesmo quanto ao dever de diligência, uma precisão importa fazer quanto ao grau de violação desse dever.
É que, se é certo, como se disse, que os trabalhadores bancários devem abster-se de efectuar este tipo de “favores” pessoais, é igualmente certo que no caso em análise em momento algum se alvitra, sequer, que o A. tenha obtido algum benefício para si com estes factos, tudo levando a crer que a sua actuação visava conferir um tratamento de favor a um cliente a quem os próprios órgãos competentes do C… conferiam um tratamento especial, pois sabiam que era o beneficiário dos depósitos efectuados numa conta em nome de outrem e atribuíram a esta conta condições especiais de preçário [factos V) e W)].
Mostra-se, assim, francamente mitigado o desvalor laboral deste aspecto da conduta do recorrido que se consubstanciou na detenção do documento de confissão de dívida e dos cheques assinados, bem como do levantamento de “alguns” cheques a que procedeu para entregar as quantias a D….
5.2.4.4. No que diz respeito ao “canhoto” do livro de cheques que o A. preencheu de forma manuscrita, aí anotando os depósitos e levantamentos efectuados na conta titulada por E… [facto provado U)], verifica-se que tal sucedeu apenas até Outubro de 2011, quase dois anos antes da entrega da nota de culpa ao trabalhador [facto provado C)], nada resultando dos autos no sentido de esclarecer a finalidade desta actuação, nem se descortinando que, ulteriormente, o A. a tivesse prosseguido essa anotação noutros escritos. Entendemos, por isso, não dever o mesmo ser ponderado para demonstrar a verificação de justa causa de despedimento.
De todo o modo, sempre se dirá que, na falta de prova de qualquer outro comportamento do A. relacionado com o facto alegado – mas não provado – de que efectuasse nas instalações do banco e durante o seu horário de trabalho a gestão e escrituração dos créditos registados na conta respeitantes ao pagamento/reembolso de empréstimos concedidos por D… a terceiros [alínea 2) dos factos não provados], o mero facto de ter procedido aquelas anotações não alcançaria relevo disciplinar no contexto da relação de trabalho.
5.2.4.5. A recorrente vem alegar também na apelação, para sustentar a justa causa do despedimento que pretende ver declarada nesta instância, que o A. “elaborou, assinou e induziu proposta à hierarquia, datada de 05.11.2012, relativa à renovação de condições especiais de preçário na conta …….., que era titulada por E…, como se tratando de uma conta de D…” (conclusão 19.ª).
Não foi alegado na nota de culpa, nem na decisão de despedimento, nem se encontra nos factos provados, que o A. tenha adoptado este comportamento.
Apenas foi aflorado no artigo 52.º do articulado motivador e, agora, alegado na apelação.
Ora, como estabelece o n.º 1 do artigo 98.º-J, do Código de Processo do Trabalho, no articulado em que motiva o despedimento o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador. É ao empregador que cabe a imputação dos factos integrantes da justa causa do despedimento, a descrever na nota de culpa e a dar como assentes na decisão final do processo disciplinar (que não pode exceder aquela nos termos do preceituado no artigo 357.º, n.º 4 do Código do Trabalho), sendo esses os únicos que podem ser invocados na acção judicial.
Por isso o tribunal só sobre os factos constantes da nota de culpa e vertidos na decisão de despedimento se pode pronunciar ao apreciar a justeza do despedimento[24].
Assim, ainda que se pudesse entender que a proposta documentada a fls. 126-127 era susceptível de demonstrar aquela conduta (o que não é evidente, como resulta das considerações que emitimos no âmbito da impugnação da decisão de facto e da reapreciação da prova a que se procedeu neste texto[25]), nunca a sua prossecução por parte do A. poderia ser invocada na presente acção judicial para fundamentar a justa causa do despedimento de que o mesmo foi alvo por parte da recorrente.
5.2.4.6. Quanto aos deveres laborais que a recorrente reputa de violados nas suas conclusões, e ainda não versados na análise a que procedemos de cada uma das condutas apuradas, a recorrente realça o dever de lealdade previsto no art. 128.º, n.º 1, al f) do Código do Trabalho.
Este preceito estabelece que constitui dever do trabalhador o de “[g]uardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios”.
O dever de lealdade corresponde a uma obrigação acessória de conduta, que advém da boa fé ínsita no princípio geral constante do artigo 126.º do Código do Trabalho e do artigo 762.º, n.º 2 do Código Civil. A exigência geral da boa fé na execução dos contratos genericamente prevista na lei civil assume especial acentuação no desenvolvimento de um vínculo que se caracteriza pelo carácter duradouro, por um estreito contacto entre as esferas pessoais das partes e pela existência de subordinação de uma parte à outra, constituindo neste âmbito fonte de deveres acessórios de conduta[26].
Como ensina o Professor Leal Amado, o dever de lealdade, de conteúdo “bastante ambíguo”, é expressão da boa fé contratual e significa que o trabalhador “não deverá aproveitar-se da posição funcional que ocupa na empresa em detrimento do empregador (desviando a sua clientela, revelando segredos à concorrência, etc.)”[27].
Na apelação, a recorrente afirma ter o A. incumprido o dever de lealdade, “ao agenciar, intermediar ou manter, sem autorização, qualquer relação contratual de natureza creditícia, ou de outra natureza, estranha à atividade do Banco, com os Clientes do próprio Banco” (conclusão 22.ª).
Embora esta alegação não proceda a uma identificação precisa da(s) concreta(s) conduta(s), entre as que se provaram, que a recorrente reputa de violadora(s) do dever de lealdade, devemos reiterar que dos factos provados não resulta ter o A. desenvolvido uma prática de exercício das funções de Gestor Comercial em “conflito de interesses” com o banco, não se vislumbrando um qualquer interesse pessoal seu, directo ou indirecto, envolvido nos diversos actos relatados na matéria de facto.
E, das condutas imputadas ao A. na decisão de despedimento, que se apurou ter o mesmo prosseguido, excluindo naturalmente aquelas que foram do imediato conhecimento e anuência dos seus superiores hierárquicos – ou seja, excluindo o ter permitido a abertura da conta referida na alínea N) com a finalidade ali assinalada e o ter inserido nessa conta o cativo referido na alínea O) – não se infere também que, por qualquer outro motivo, o A. tenha actuado em desconformidade com a boa fé que deve nortear a actuação do trabalhador no cumprimento do contrato de trabalho, designadamente que tenha mantido, ele próprio, relações de natureza comercial e financeira de expressão significativa estranhas à actividade do banco, como alega a recorrente.
Na verdade, o que se provou foi que o A. tinha em seu poder o documento de confissão de dívida referido nas alíneas H) e I) para o entregar ao cliente D… e os cheques referidos na alínea J) igualmente para efectuar um favor ao cliente D… e provou-se, também, que procedeu ao levantamento da conta referida na alínea N), por caixa, de “alguns” cheques previamente assinados pela titular da mesma conta para entregar as quantias respectivas ao mesmo cliente [alínea Q)], bem como que anotou o documento de “conta corrente” referido na alínea U).
Ora, se estes actos extrapolam em alguma medida as funções inerentes à categoria profissional de gestor de cliente [vide os factos A) e E)] e não se podem considerar conformes com o princípio da transparência que deve nortear a actividade bancária, sendo por isso importante que os próprios bancos estabeleçam regras precisas e inequívocas que obstem à sua prática por parte dos trabalhadores, não pode dizer-se que com os mesmos o A. se aproveitou da posição funcional que ocupava na empresa em detrimento da recorrente ou que tenha sido desleal para com esta, sendo o único móbil apurado o de efectuar favores, o que vale por dizer “facilitar a vida”, ao cliente da recorrente.
Reitera-se que em momento algum se põe, sequer, a hipótese de o A. ter obtido, ou pretender obter, algum benefício para si com estes factos e que os próprios órgãos competentes do C… conferiam um tratamento especial ao cliente em causa, pois sabiam que era o beneficiário dos depósitos efectuados numa conta titulada por outrem e atribuíram a esta conta condições especiais de preçário [factos V) e W)].
Não pode, assim, ter-se por violado o dever de lealdade.
5.2.4.7. A recorrente identifica ainda como violados pelo ora recorrido os deveres previstos nas alíneas a) [dever de respeito, urbanidade e probidade] e h) [dever de promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa] do artigo 128.º do Código do Trabalho (conclusões 20.ª e 23.ª).
Ora relativamente ao primeiro dever, previsto na alínea a), não se vê em que medida possa o A. ter assumido uma conduta que atentasse contra o dever de respeito, urbanidade e probidade, para com o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com o C…, nem a recorrente fundamenta esta sua afirmação conclusiva.
E quanto ao dever constante da alínea h), segundo o qual o trabalhador deverá empenhar-se na realização da sua actividade “de molde a cumpri-la de forma produtiva”[28], entendemos que a factualidade apurada e já ponderada não revela que os actos do ora recorrido fossem nocivos para a produtividade do banco. O facto de no seu exercício profissional ter assumido condutas que extrapolam as suas funções e colidem com princípios subjacentes à actividade bancária, afinal com vista a “facilitar a vida” a um cliente, não denota, por si só, que o A. interferisse em termos negativos na produtividade do banco.
5.2.5. No condicionalismo apurado, mesmo tendo em consideração que o recorrido exerce as suas funções no sector bancário e com a categoria profissional de gestor de cliente, com funções exigentes e qualificadas em que a relação de confiança é bastante acentuada e constitui fundamento nuclear da subsistência do vínculo laboral, entendemos que nenhum dos factos, seja individualmente considerado, seja em conjunto, assume gravidade suficiente para se integrar no padrão pressuposto no conceito geral de justa causa de despedimento, tal como este vem previsto no artigo 351.º do Código do Trabalho, maxime num cenário em que não está demonstrada a prévia censura disciplinar de qualquer outra conduta que o recorrido haja adoptado no decurso do contrato de trabalho estabelecido entre as partes que vigorava já desde Agosto de 2006, há mais de sete anos por referência à data em que a R. despediu o A.
Efectuando um juízo sobre a gravidade e consequências do comportamento do A., na perspectiva do reflexo do seu apurado comportamento sobre a inexigibilidade da subsistência da relação laboral, à luz do modelo objectivo do empregador razoável, com a sagacidade, experiência e senso atribuíveis ao bom pai de família – não à luz do “sentir” concreto do empregador, que se reflectiu na sanção disciplinar adoptada –, e tendo presentes a orientação que a jurisprudência vem seguindo na concretização do conceito indeterminado de justa causa de despedimento[29] não podemos sufragar o entendimento da recorrente de que a sanção de despedimento aplicada é adequada e proporcional à gravidade da infracção cometida.
Conforme constitui jurisprudência pacífica, a sanção expulsiva deve ser reservada a situações extremas, em que não seja razoavelmente equacionável a aplicação de uma qualquer outra sanção conservatória[30].
Ora, não obstante a conduta descrita ser, em alguma medida, disciplinarmente relevante, não é portadora de uma carga de desvalor tal que conduza a um juízo de inviabilidade da relação laboral, não se justificando a aplicação da sanção mais grave das previstas no elenco do art. 328.º, n.º 1 do Código do Trabalho. Em face do já ponderado desvalor de cada um dos comportamentos adoptados, e tendo particularmente em consideração que em nenhum deles se vislumbra que o A. obtivesse ou, sequer, visasse, um qualquer benefício pessoal com a sua prática, e que a própria gerência do balcão e direcção da recorrente conferiram um tratamento de favor ao cliente em causa (a gerência ao dar parecer favorável à atribuição de condições especiais de preçário a uma conta em que o beneficiário dos depósitos nela efectuados era o referido cliente, apesar de titulada por outrem, como a gerência sabia, e a direcção ao autorizar e renovar a atribuição dessas condições especiais), cremos que um sancionamento disciplinar adequado, mas de cariz correctivo ou conservatório (p. ex. uma suspensão de trabalho com perda de retribuição e de antiguidade), constituiria um suficiente alerta e seria apto a obstar a que o recorrido prosseguisse na sua conduta de favor a este cliente, com os contornos que ficaram apurados.
5.2.6. Em suma, porque da factualidade apurada não resulta que o A. tenha prosseguido um comportamento que tornasse imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, não se têm por preenchidas, quer a cláusula geral do artigo 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho, quer alguma das hipóteses exemplificativamente descritas no seu nº 2.
O que nos conduz à afirmação de que a R. procedeu a um despedimento ilícito, nos termos do artigo 381.º, alínea b) do Código do Trabalho, por ser improcedente a justa causa invocada, impondo-se a confirmação da veredicto da 1.ª instância que assim o decidiu.
5.2.7. Invoca ainda a recorrente que qualquer interpretação das normas constantes do 351º, n.º 1 do CT, que imponha ao empregador a manutenção do contrato de trabalho, e a proibição do seu despedimento, sendo apurada a matéria levada a cabo pelo A., e dada como provada no processo, traduzir-se-ia uma situação de desequilíbrio na ponderação e articulação dos diferentes direitos fundamentais implicados que não seria admissível do ponto de vista constitucional, por violação do artigo 61º, n.º 1, da CRP.
Não vislumbramos que a interpretação a que se procedeu neste texto do artigo 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho possa reputar-se de inconstitucional por violação do artigo 61.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Senão vejamos.
Este preceito constitucional reconhece a liberdade de “iniciativa económica privada” como um direito fundamental, embora sem a incluir directamente entre os direitos, liberdades e garantias, mas nos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, o que lhe permite beneficiar da analogia substantiva com eles, enquanto direito determinável e de exequibilidade imediata[31] (artigo 17.º da CRP).
A livre iniciativa económica privada contempla tanto o direito de “iniciar uma actividade económica” (a criação ou organização de empresas), como o direito do empresário de “praticar os actos correspondentes aos meios e fins predispostos e de reger livremente a organização em que tem que assentar” (a actividade da empresa depois de constituída)[32]. Mas ambas estas vertentes do direito de iniciativa económica privada podem ser objecto de limites ou restrições mais ou menos extensos na medida em que este direito só pode exercer-se “nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral” (n.º 1 do artigo 61.º).
Como salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira, “[n]o que respeita à liberdade de actividade da empresa, a Constituição prevê directamente algumas das restrições possíveis, sendo de salientar entre as de âmbito geral as decorrentes dos direitos dos trabalhadores (cfr. arts. 53.º e ss.)”[33].
Ainda segundo estes Professores, “[é] bastante significativo que o primeiro dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores seja o direito à segurança no emprego, com destaque para a garantia contra os despedimentos sem justa causa. Trata-se de uma expressão directa do direito ao trabalho (artigo 58.º), o qual, em certo sentido, consubstancia um aspecto do próprio direito à vida dos trabalhadores. Na sua vertente positiva, o direito ao trabalho consiste no direito a procurar e obter emprego; na sua vertente negativa, o direito ao trabalho garante a manutenção do emprego, o direito de não ser privado dele.” E, continuam, “[o] direito à segurança no emprego significa (…) pelo menos uma alteração qualitativa do estatuto do titular da empresa enquanto proprietário, empresário e patrão”[34].
Efectivamente, perante o artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, que declara “proibidos os despedimentos sem justa causa”, os direitos dos trabalhadores adquirem uma dimensão que implica uma importante restrição na liberdade de empresa e na liberdade negocial. Os empregadores não têm, de facto, a liberdade de despedir.
Ao consagrar o princípio constitucional da segurança no emprego e a proibição dos despedimentos sem justa causa, a Constituição veda soluções que, injustificadamente, ponham em causa a estabilidade do emprego, admitindo o despedimento somente quando exista “justa causa”, pelo que esta constitui uma condição substancial de validade do despedimento.
É precisamente com a exigência da “justa causa” que a lei procura garantir a justa medida do equilíbrio entre a segurança no emprego e a livre iniciativa económica privada.
O conceito constitucional de justa causa não é definido pela Constituição e, não obstante a elasticidade que lhe é própria, a doutrina configura-o em termos de “abranger toda e qualquer situação (de natureza disciplinar ou outra) capaz de, em concreto, suscitar a impossibilidade prática da subsistência das relações que o contrato de trabalho pressupõe”[35].
Tratando-se de justa causa disciplinar, a definição legal de justa causa constante do artigo 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho como “[o] comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, observa os parâmetros constitucionais[36] pois enuncia os pressupostos do conceito indeterminado, permite a apreciação judicial das circunstâncias concretas de cada situação (como tem que ser na medida em que estão em causa direitos, liberdades e garantias), permite a actuação do princípio da proporcionalidade e a realização de um juízo de prognose (necessário pois o motivo tem que aferir-se pela projecção, no futuro, das razões invocadas para o despedimento como ultima ratio), garante um procedimento justo e garante uma adequada indemnização em caso de ilicitude (cfr. os arts. 328.º e ss., 351.º e ss. e 381.º e ss. do Código do Trabalho).
Ora no caso em análise, resulta das considerações expressas no âmbito da subsunção jurídica dos factos apurados a propósito da justa causa de despedimento – considerações que nos dispensamos aqui de repetir –, que as circunstâncias concretas do caso sub judice não integram o conceito de justa causa de despedimento. Tendo presentes os factos apurados, demonstrativos, nos termos apontados, de um comportamento infraccional de baixa gravidade, que não comprometeu definitivamente a subsistência da relação de trabalho, a restrição do direito à livre iniciativa económica privada que implica o não reconhecimento da licitude do acto extintivo da relação laboral, com a inerente prevalência do direito à segurança no emprego, configura-se como adequada (para salvaguardar o direito fundamental à segurança no emprego), necessária (porque o fim visado pela lei não podia ser obtido de outro modo) e proporcional (não representando para o empregador um sacrifício mais oneroso do que o resultante para o trabalhador e não sendo excessiva).
O despedimento operado pela recorrente nas circunstâncias apuradas não dispõe de justa causa e atenta contra a segurança no emprego e a proibição dos despedimentos sem justa causa, tal como se mostram enunciadas estas garantia e proibição na Constituição da República Portuguesa, o que, perante os termos do diploma básico, justifica o sacrifício da livre iniciativa económica privada.
Conclui-se, assim, que se mostram devidamente acauteladas as exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade e que o artigo 351.º do Código do Trabalho, na interpretação que lhe foi conferida pelo tribunal a quo, não ofende os artigos 61.º ou 18.º da Constituição.
*
5.3. Sendo de confirmar a sentença da 1.ª instância no que diz respeito à ilicitude do despedimento, cabe enfrentar a 5.ª questão enunciada, relativa ao valor da indemnização de antiguidade devida ao A. ora recorrido em consequência daquela ilicitude.
A sentença sob censura condenou a R. no pagamento de uma indemnização de antiguidade no valor de € 118.327,90, invocando a cláusula 126º, n.º 2, al. a) do Contrato Colectivo de Trabalho para o Sector Bancário.
Alega a recorrente que o tribunal a quo errou manifestamente na aplicação da referida cláusula, já que, de acordo com o teor integral da cláusula 126.ª consagrada no referido ACT, tendo o A. mais do que 11 anos de antiguidade e mais do que 35 anos de idade, no cálculo de aplicação de antiguidade serão aplicáveis as regras previstas nas als. iii) e iv) da al. a) do n.º 2 da cláusula 126ª e, também, o limite (salvaguarda) estabelecido no n.º 4 da mesma cláusula.
Conclui que, sendo 45 dias de retribuição base a quantia de € 2.395,54, o montante global da retribuição, tendo em conta os anos completos de antiguidade do A. e a fracção do mesmo, nunca poderia exceder a quantia de € 40.524,63, por efeito da aplicação da regra do n.º 4 da cláusula 126ª do ACT, devendo a sentença ser revogada nesta parte.
Vejamos.
É o seguinte o teor da Cláusula 126.ª do ACT aplicável[37]:
«Cláusula 126.ª
Consequência da nulidade das sanções
1 — A nulidade da sanção disciplinar implica a manutenção de todos os direitos do trabalhador, nomeadamente quanto a férias e retribuição.
2 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, a nulidade da sanção disciplinar constitui a instituição na obrigação de indemnizar o trabalhador nos termos seguintes:
a) Se a sanção consistiu em despedimento e o trabalhador não optar pela reintegração na empresa, além das prestações pecuniárias que deveria ter normalmente auferido desde a data do despedimento até à data da sentença, o trabalhador tem direito:
i) Se tiver menos de seis anos de serviço, ao correspondente a um mês de retribuição por cada ano completo, não podendo ser inferior a três meses;
ii) Se tiver 6 anos de serviço e menos de 11, ao que lhe competir por efeito da subalínea i), mais o correspondente a um mês de retribuição por cada ano completo de serviço além de 5;
iii) Se tiver 11 ou mais anos de serviço, ao que lhe competir por efeito da subalínea i), mais o correspondente a dois meses de retribuição por cada ano completo de serviço além de 10;
iv) Se tiver mais de 35 anos de idade e, pelo menos, 11 anos de serviço, a indemnização, calculada nos termos da subalínea iii), será acrescida de dois, três, quatro ou cinco meses de retribuição, conforme o tempo de serviço for até 15, 20, 25 ou mais de 25 anos de serviço;
b) Tratando -se de sanção abusiva, e se esta tiver consistido no despedimento, a indemnização não será inferior ao dobro da prevista na alínea a);
c) Tratando -se de sanção pecuniária ou suspensão abusivas, a indemnização será igual a 10 vezes a importância daquela ou da retribuição perdida.
3 — As indemnizações determinadas nos termos da alínea a) do número anterior terão um acréscimo de 50 % relativamente aos estabelecimentos bancários junto dos quais não funcione qualquer instituição de segurança social.
4 — As indemnizações previstas na alínea a) do n.º 2 e no n.º 3 não poderão, em cada caso, exceder o montante correspondente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade do trabalhador.
5 — Decorrendo a ilicitude do despedimento de mera irregularidade fundada em deficiência de procedimento por omissão das diligências probatórias referidas nos n.os 8 e 9 da cláusula 120.ª, ou da inobservância do prazo referido no n.º 13 da mesma cláusula, se forem considerados procedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento, o trabalhador tem apenas direito a indemnização correspondente a metade do valor que resultaria da aplicação do n.º 2 da presente cláusula.
6 — Em caso de trabalhador que ocupe cargo de direcção, a instituição pode requerer ao tribunal que exclua a reintegração com fundamento em factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da instituição.
7 — Na hipótese de ser julgada procedente a oposição da instituição à reintegração do trabalhador, nos termos previstos na lei e no n.º 6 da presente cláusula, as indemnizações indicadas no n.º 4 não poderão exceder o montante correspondente a 60 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade do trabalhador, nem ser inferiores a seis meses de retribuição base e diuturnidades do trabalhador.
8 — O disposto nos números anteriores não prejudica o direito do trabalhador a ser indemnizado, nos termos legais, pelos danos não patrimoniais causados pela aplicação de sanção disciplinar ilícita.»
Não está em causa no presente momento que a base de cálculo desta indemnização é constituída pela retribuição de € 1.597,03.
O A. tem mais de 35 anos de idade [facto M)] e a sua antiguidade em 19 de Outubro de 2015 é de 17 anos, 5 meses e 29 dias [por referência ao termo inicial da antiguidade consignado na alínea A)].
Cobra pois aplicação a cláusula 126.ª, n.º 2, alínea a), subalínea iv) do ACT.
Resulta claramente da subalínea iv) que os 3 meses de retribuição nela previstos para o caso de a antiguidade ser superior a 15 e inferior a 20 anos não integram a base de cálculo da indemnização, mas são um complemento que deve ser adicionado à referida indemnização, como alega a recorrente (embora referindo erradamente 2 meses, complemento este que seria devido se a antiguidade fosse, que não é, até 15 anos).
Assim, teria o recorrido direito à indemnização de € 54.299,02, assim calculada:
€ € 1.597,03 x 17 meses de retribuição correspondentes aos anos completos de serviço = € 27.14951 [subalínea i)]
+
€ € 1.597,03 x 2 meses de retribuição x 7 meses correspondentes a cada um dos anos completos de serviço além de 10 = € 22.358,42 [subalínea iii)]
+
€ € 1.597,03 x 3 meses de retribuição, uma vez que a antiguidade é superior a 15 e inferior a 20 anos = € 4.791,09 [subalínea iv)]
=
€ 54.299,02
Há contudo que atentar no limite estabelecido no n.º 4 da cláusula, segundo o qual a indemnização prevista na alínea a) do n.º 2 não poderá, em cada caso, exceder o montante correspondente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade do trabalhador.
Para obstar ao funcionamento deste limite, invoca o recorrido que no Acordo publicado no BTE, 1ª série, nº 4, de 29 de Janeiro de 2005, que introduziu esta norma limitativa no n.º 4 da cláusula 126.ª, o seu capítulo XIII (intitulado “[d]isposições gerais e transitórias “, incorpora uma cláusula com o objectivo de manutenção de direitos adquiridos.
É o seguinte o teor de tal cláusula:
«Cláusula 163.º
Manutenção dos direitos adquiridos
Da aplicação deste acordo não poderá resultar prejuízo de condições de trabalho e de segurança social mais favoráveis que, à data da sua entrada em vigor, cada trabalhador tenha adquirido.»
Ora, em primeiro lugar, resulta do texto desta cláusula que a salvaguarda nela estabelecida se reporta ao eventual prejuízo que resulte da aplicação do acordo no que diz respeito a “condições de trabalho e de segurança social”, não tendo a mesma a virtualidade de salvaguardar critérios anteriormente estabelecidos em qualquer outro âmbito, designadamente no que diz respeito ao cálculo de indemnização que venha a ser reconhecida a um trabalhador em consequência de um despedimento ilícito que, após a alteração convencional plasmada no instrumento de regulamentação colectiva, o venha a atingir.
Tendo em consideração a natureza excepcional de um preceito inserto num texto normativo que exceptua a aplicação deste a determinadas situações, entendemos que não é lícito lançar mão da analogia para considerar a solução normativa constante de um preceito com tal cariz a outras situações para além daquelas que expressamente contempla (cfr. o art. 11.º do Código Civil).
Em segundo lugar, há que atentar em que este tecto indemnizatório ficou a constar do ACT no texto consolidado publicado no BTE, 1.ª série, n.º 4, de 29 de Janeiro de 2005, estando já em vigor quando o A. foi admitido ao serviço da recorrente (em 2006) e mantendo-se em vigor quando o mesmo foi despedido ilicitamente (no ano de 2013).
Ora o direito à indemnização por antiguidade adquire-se com a prática do acto ilícito (o despedimento sem justa causa) e é exercido como alternativa ao direito à reintegração pelo que, como alega a recorrente, só uma alteração legislativa ou convencional posterior ao despedimento que reduzisse a indemnização poderia colocar a questão dos direitos adquiridos, o que já não acontece com uma qualquer alteração do instrumento de regulamentação colectiva que se verifique na vigência do contrato de trabalho e antes do momento em que se verifica o facto jurídico de onde emerge o direito indemnizatório em causa.
Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.11.16, o facto relevante para determinação do regime de indemnização de antiguidade a que haja lugar é o da comunicação do despedimento, facto constitutivo do respectivo crédito, consubstanciador de uma indevida ruptura ou rompimento do vínculo contratual laboral por parte da empregadora pelo que, “tratando-se de analisar os efeitos de uma decisão de despedimento tomada e comunicada em data em que já vigorava a redacção de 2005 da mencionada cláusula 126.ª, essa norma jurídica convencional é, assim, aplicável ao caso, em conformidade com o princípio geral de aplicação da lei no tempo constante da 1ª parte do n.º 2 do art. 12.º do Código Civil”.
É assim de entender que, quando o direito indemnizatório em causa nasceu na esfera jurídica do ora recorrido, tinha os contornos assinalados pela cláusula 126.ª na redacção em vigor à data em que se tornou eficaz o acto extintivo perpetrado pela entidade empregadora e que inclui o n.º 4 acima transcrito.
Por fim, não tem qualquer relevo a este propósito o facto de a recorrente não se ter oposto à ampliação do pedido deduzida pelo A. já no decurso da audiência de julgamento[38], como também defende o recorrido. Com efeito, a R. nega desde a primeira hora que ao A. assista o direito indemnizatório por despedimento ilícito, o que configura uma oposição antecipada ao pagamento de qualquer valor a tal título. Além disso, a ampliação deduzida foi motivada pelo facto de o trabalhador ter entretanto perfeito os 35 anos de idade, limitando-se a conferir ao tribunal esse dado de facto que deve ser ponderado em face da norma convencional aplicável. Finalmente, o A. não quantificou o devido, quedando-se por invocar a cláusula que deve ser observada na quantificação, sendo certo que a questão dos critérios normativos a observar na quantificação da indemnização configura uma questão meramente de direito que ao tribunal cabe enfrentar sem estar condicionado pela alegação das partes em face do que estabelece o n.º 3 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, segundo o qual, “[o] juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.
Assim, tendo presentes os critérios já ponderados e enunciados no n.º 2 da cláusula 126.ª do instrumento de regulamentação colectiva aplicável e tendo em atenção a norma limitativa constante do n.º 4 da mesma cláusula, o valor indemnizatório, tendo em consideração a antiguidade do A. na presente data, não pode ser superior a € 43.119,90, assim calculado:
€ 1.597,03 x 1,5 mês de retribuição correspondente a 45 dias = € 2.395,55
€ 2.395,55 x 18 meses correspondentes aos 17 anos completos de serviço e à unidade correspondente à fracção de ano que lhe acresce = € 43.119,90
A indemnização final deverá ser calculada em conformidade com os parâmetros agora assinalados, mas tendo em consideração todo o tempo decorrido até à data do trânsito em julgado do presente acórdão.
Procede, neste aspecto e na estrita medida do agora exposto, a apelação.
*
5.4. Quanto à pretendida rectificação do valor da indemnização de antiguidade suscitada pelo recorrido, mostra-se tal questão prejudicada face à decisão da questão antecedente, mostrando-se já fixado por este tribunal o valor devido a tal título, em conformidade com o instrumento de regulamentação colectiva aplicável.
*
5.5. Cabe a este passo apreciar a questão relativa ao pedido do A. de condenação da ré no pagamento da quantia de € 106.183,92 relativa ao agravamento que alega ter sofrido nos créditos por si contraídos, em virtude de ter deixado de beneficiar das condições especiais garantidas aos funcionários bancários.
A sentença da 1.ª instância, debruçando-se sobre este pedido, discorreu nos seguintes termos:
“Provou-se que após o despedimento de que foi alvo, o autor viu ser-lhe comunicado pela ré um agravamento nas condições do empréstimo que tinha contraído, o que decorreu do facto de ter perdido a qualidade de funcionário bancário (como a ré admite no art.º 21.º do seu articulado de resposta).
O art.º 389, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho impõe ao empregador que em caso de despedimento ilícito indemnize o trabalhador por todos os danos patrimoniais por este sofridos. No caso que nos ocupa, não podem restar dúvidas quanto a ser o dano invocado pelo autor um dano diretamente decorrente do despedimento – caso não tivesse ocorrido o despedimento, teria mantido a qualidade de funcionário bancário, pelo que teria continuado a usufruir das condições especiais a estes garantidas na contração de crédito.
Contudo, os cálculos levados a cabo pelo autor na reconvenção não podem ser acolhidos na íntegra. Com efeito, se é verdade que deve a ré indemnizá-lo pela alteração contratual verificada na sequência do despedimento ilícito, não pode o autor pretender que essa indemnização perdure até ao final dos contratos de empréstimo, pois é o próprio autor quem nesta ação opta pela sua não reintegração. Ou seja, caso não tivesse a ré ilicitamente despedido o autor, este teria continuado a pagar a taxa de juro que estava estipulada e que resultava da aplicação das cláusulas do ACT do setor bancário. Fá-lo-ia até ao momento em que deixasse de ser funcionário bancário. Caso o autor tivesse optado pela reintegração, poderia o tribunal condenar a ré a restituir ao autor o que tivesse pago a mais entre o despedimento e o trânsito em julgado da sentença e ainda a aplicar ao autor a taxa de juro constante do ACT enquanto o autor fosse funcionário bancário. Não tendo o autor optado pela reintegração, poderá o tribunal apenas condenar a ré a restituir as quantias pagas a mais até ao trânsito em julgado desta sentença, mas já não para o futuro, pois por opção do próprio autor ele deixará após o trânsito em julgado da sentença de ser funcionário bancário.
Assim, deve o pedido reconvencional nessa parte ser julgado apenas parcialmente procedente, condenando-se a ré a pagar ao autor a quantia a liquidar posteriormente, correspondente à diferença entre o que o autor deveria ter pago a título de prestações devidas pelos contratos de mútuo celebrados com a ré em 31/01/2007 e o que efetivamente pagou e venha a pagar em resultado da decisão da ré de deixar de aplicar ao autor a taxa de juro aplicável aos funcionários bancários, no período que decorreu entre a data do despedimento e o trânsito em julgado da presente sentença.”
Alega a recorrente que deve levar-se em linha de conta, na análise da questão, que ficaram demonstrados factos, imputados ao A., que sempre implicariam responsabilidade disciplinar, razão pela qual sempre o A. teria concorrido para a produção dos danos que eventualmente sofreu com o despedimento, e a indemnização correspondente à diferença entre o que o autor deveria ter pago no período decorrido entre a data do despedimento e o trânsito em julgado da presente sentença a título de prestações devidas pelos dois contratos de mútuo celebrados com a ré seria excluída, ou pelo menos, reduzida, em face do disposto no artigo 570.º, n.º 1 do Código Civil, preceito que o Tribunal a quo deveria ter aplicado e não aplicou.
Vejamos.
Não está em causa na apelação a verificação de um nexo de causalidade entre a cessação do contrato de trabalho, determinada pela recorrente, e o agravamento das taxas de juros aplicáveis aos contratos de empréstimo referidos nas alíneas Y) a AA) dos factos provados, mas a questão de saber se o juízo de censura deve ser exclusivamente estabelecido em relação à conduta da recorrente.
Nos termos do preceituado no artigo 570.º, n.º 1, do Código Civil “[q]uando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.
Ou seja, apesar de verificados os pressupostos da responsabilidade civil da recorrente advindos da ilicitude da sua actuação ao promover o despedimento do recorrido sem que a conduta deste fosse suficientemente grave, no contexto da relação laboral, para determinar a impossibilidade imediata e prática da subsistência da relação de trabalho, coloca-se a questão de saber se não será justificado efectuar uma ponderação da culpa do lesado, na medida em que este possa ter este concorrido para a produção ou agravamento do dano agora em apreciação.
Como constitui jurisprudência pacífica, com conforto doutrinário, o regime legal do art. 570.º, n.º 1, do Código Civil, embora não fazendo parte da disciplina privativa da responsabilidade civil extracontratual, mas antes do regime geral da obrigação de indemnizar, é aplicável a todo o instituto da responsabilidade, repouse ela na responsabilidade contratual ou na responsabilidade por factos ilícitos[39].
Além disso, deverá ser apreciado oficiosamente pelo Tribunal desde que disponha de elementos para tanto[40].
No caso sub judice, em face dos contornos dos factos que se provaram e da apreciação jurídica a que se procedeu dos mesmos, entendemos que a 1.ª instância decidiu acertadamente ao colocar a responsabilidade pelo agravamento das condições do empréstimo exclusivamente a cargo da recorrente.
Com efeito, o dano que se pretende ressarcir decorre exclusivamente do acto ilícito extintivo e este foi praticado pela recorrente, sendo sobre o mesmo que incide o juízo jurisdicional de censura.
O facto de, como se reconheceu, o trabalhador ter prosseguido uma conduta disciplinarmente censurável e, eventualmente, justificativa da instauração de um procedimento disciplinar, não pode ser relevado na medida em que os actos praticados não são aptos a justificar a sanção expulsiva. Ou seja, na perspectiva que deixamos expressa, a conduta do A. nunca poderia conduzir ao seu despedimento, por não se verificar justa causa para o efeito.
Ora, para haver culpa co-responsabilizante do lesado e ser afastada a teoria da diferença com o ressarcimento dos danos em valor inferior aos que o mesmo efectivamente sofreu, importará a evidência de uma conduta culposa do lesado e que essa conduta – omissiva ou negligente – seja causa adequada do dano ou do seu agravamento.
Tal não se verifica se a conduta do lesado é apenas apta a justificar a instauração de um procedimento disciplinar e não o subsequente acto do despedimento, na medida em que o agravamento das taxas de juros aplicáveis aos contratos de empréstimo referidos nas alíneas Y) a AA) não decorre da instauração e pendência de um procedimento disciplinar mas, apenas, do facto de o recorrido ter deixado de ter a qualidade de trabalhador da recorrente.
Assim, de acordo com o decidido neste aresto, a conduta do recorrido (lesado) apenas justificaria a aplicação eventual de uma sanção de natureza conservatória, não perdendo o mesmo a qualidade de trabalhador da recorrente, quer na pendência do procedimento disciplinar, quer após o seu término, pelo que não pode deixar de se responsabilizar totalmente a recorrente (lesante) pela prática do acto extintivo ilícito e pelo ressarcimento cabal dos prejuízos do mesmo decorrentes para o trabalhador nos termos prescritos no artigo 389.º, n.º1, alínea a) do Código do Trabalho,
E não logra aplicação o disposto no art, 570.º do Código Civil, o qual depende do concurso efectivo de culpa do lesado na produção dos danos que o atingiram.
Improcede, neste aspecto, o recurso.
*
5.6. Debrucemo-nos, finalmente, sobre a questão da responsabilidade da Segurança Social.
No que respeita à entidade responsável pelo pagamento das retribuições intercalares, a sentença da 1.ª instância determinou o seguinte:

Nos termos do disposto no art.º 98.º-N, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, determino que o pagamento das retribuições devidas ao trabalhador após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário de fls. 2 (deduzidos os períodos referidos no art.º 98.º-O do Código de Processo do Trabalho) seja efetuado pela entidade competente da área da Segurança Social, caso não ocorra o trânsito em julgado da decisão final antes dessa data.”
Ao fazer uma referência ao trânsito em julgado da decisão, susceptível de permitir a interpretação de que o termo final da obrigação da Segurança Social só se verificará com o referido trânsito, a sentença não é clara e pode ser interpretada de modo a que se considere que coloca a cargo do Estado uma obrigação que não lhe compete (assim o entendeu o A., como resulta dos termos da sua resposta de fls. 979-980).
É certo que poderá em tal referência estar a reportar-se ao termo inicial da referida obrigação da Segurança Social, mas como este termo inicial não depende também daquele trânsito (a não ser que a obrigação da Segurança Social não chegue sequer a nascer por o processo se decidir antes do decurso de 12 meses após a apresentação do formulário) e à data da prolação da sentença já se havia verificado aquele termo inicial (atento o tempo decorrido desde a apresentação do formulário, mesmo deduzidos os períodos previstos no artigo 98.º-O), não pode subscrever-se a decisão na parte em que fez depender os contornos da obrigação da Segurança Social do trânsito em julgado da decisão, perante o que estabelece o artigo 98.º-N do Código de Processo do Trabalho.
Como já foi dito no despacho da relatora que antecedeu este aresto, impõe-se a este Tribunal da Relação fixar a obrigação da Segurança Social nos termos legais e abordar oficiosamente a questão, ainda que não suscitada no recurso.
Nos termos do preceituado no artigo 3.º do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho, foram notificadas as partes para se pronunciarem, querendo, sobre esta questão.
Apenas o A. se pronunciou nos termos de fls. 979-980.

Vejamos.
O presente processo seguiu a forma de processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento previsto nos arts. 98.º-B a 98.º-P do Código de Processo do Trabalho.
O artigo 98.º -N deste diploma, sob a epígrafe “Pagamento de retribuições intercalares pelo Estado”, estabelece o seguinte:
“1 — Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho, o tribunal determina, na decisão em 1.ª instância que declare a ilicitude do despedimento, que o pagamento das retribuições devidas ao trabalhador após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário referido no artigo 98.º -C até à notificação da decisão de 1.ª instância seja efectuado pela entidade competente da área da segurança social.
2 — A entidade competente da área da segurança social é sempre notificada da decisão referida no número anterior, da interposição de recurso da decisão que declare a ilicitude do despedimento, bem como da decisão proferida em sede de recurso.
3 — A entidade competente da área da segurança social efectua o pagamento ao trabalhador das retribuições referidas no n.º 1 até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento.
4 — A dotação orçamental para suportar os encargos financeiros da entidade competente da área da segurança social decorrentes do n.º 1 é inscrita anualmente no Orçamento do Estado, em rubrica própria.”
Esta disposição inovadora da reforma adjectiva laboral de 2009 vem colocar a cargo do Estado – através da Segurança Social –, nos limites nela consignados, a responsabilidade pelo pagamento das retribuições intercalares devidas em consequência da ilicitude do despedimento.
Como resulta dos seus precisos termos, o preceito pretende responder apenas à demora do processo na 1.ª instância, não colocando a cargo do Estado o encargo do pagamento das retribuições que se vençam entre a data da notificação da decisão de 1.ª instância e o trânsito em julgado da decisão final em caso de interposição de recurso.
Em anotação a esta disposição refere Abílio Neto que, “[a] responsabilidade da Segurança Social pelo pagamento ao trabalhador das retribuições intercalares na hipótese prevenida no n.º 1 deste artigo, cessa com a notificação da decisão proferida na 1.ª instância que declare ilícito o despedimento, não abrangendo assim a ulterior fase do(s) recurso(s)”[41].
Deve deste modo considerar-se que a responsabilidade pelo pagamento das retribuições devidas ao trabalhador desde o despedimento ou desde a data da apresentação do requerimento formulário (consoante este seja, ou não, entregue nos 30 dias subsequentes ao despedimento), cabe em primeiro lugar ao empregador, passa a recair sobre o Estado “após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário referido no artigo 98.º -C até à notificação da decisão de 1.ª instância” e ressurge na esfera jurídica do empregador após a notificação da decisão de 1.ª instância.
É ao tribunal que compete determinar o pagamento que for devido pela Segurança Social, sendo certo que, em ordem à contagem daquele período de 12 meses, se lhe imporá o apuramento dos períodos que se excluem da contagem nos termos prescritos no artigo 98.º-O do Código de Processo do Trabalho, de acordo com o qual:
“1 - No período de 12 meses referido no artigo anterior não se incluem:
a) Os períodos de suspensão da instância, nos termos do artigo 276.º do Código de Processo Civil;
b) O período correspondente à mediação, tentativa de conciliação e ao aperfeiçoamento dos articulados;
c) Os períodos de férias judiciais.
2 - Às retribuições referidas no artigo anterior deduzem-se as importâncias referidas no n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho.”.
No caso sub judice, o formulário previsto no artigo 98.º-C do CPT foi apresentado no dia 16 de Outubro de 2013.
A sentença veio a ser proferida no dia 16 de Março de 2015, aí se condenando a ré a pagar ao autor B… a quantia correspondente ao valor das retribuições que deixou e venha a deixar de auferir entre a data do despedimento e o trânsito em julgado da sentença, à razão de 2.649,58 € (dois mil, seiscentos e quarenta e nove euros e cinquenta e oito cêntimos) mensais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data de vencimento de cada retribuição até integral pagamento, sendo naquele momento as retribuições já vencidas no valor total de 50.342,02 € (cinquenta mil, trezentos e quarenta e dois euros e dois cêntimos) – 2.649,58 € x 19. Foi a mesma notificada às partes através de notificação certificada pelo sistema citius, elaborada em 19 de Março de 2015 (vide fls. 939 e 940), pelo que se considera efectuada no 3.º dia posterior ao da elaboração ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja (artigo 248.º do Código de Processo Civil), ou seja, em 23 de Março de 2015.
No decurso do período de 12 meses a atender deverão descontar-se, em observância do que estabelece o artigo 98.º-O do CPT:
● 13 + 9 + 47 + 13 = 82 dias de férias judiciais – de 22 de Dezembro de 2013 a 3 de Janeiro de 2014, de 13 a 21 de Abril de 2014, de 16 de Julho a 31 de Agosto de 2014 e de 22 de Dezembro de 2014 a 3 de Janeiro de 2015 –, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 98.º-O [vide o artigo 28.º da LOSJ], e
● 18 dias entre o despacho que designou a audiência de partes, datado de 17 de Outubro de 2013 (fls. 19) e a verificação desta em 4 de Novembro de 2013 (fls. 29) – nos termos da primeira parte da alínea b) do n.º 1 da mesma norma.
Em 16 de Outubro de 2014 completou-se um ano após a apresentação do formulário, sendo que desde tal data até 23 de Março de 2015, data da notificação da sentença da 1.ª instância, decorreram 158 dias.
Como o período de tempo a descontar nos aludidos 12 meses é de 100 dias (82 dias de férias e 18 dias de período correspondente à efectivação da tentativa de conciliação), conclui-se que fica a cargo da Segurança Social o pagamento de 58 dias de salário (158 dias – 100 dias que se deverão descontar nos 12 meses).
Deverá pois a notificação da Segurança Social efectuar-se em conformidade com a obrigação que agora se reconheceu.
*
5.7. As custas deverão ser suportadas por A. e Ré na proporção do decaimento que resulta da condenação proferida nesta instância (artigo 527.º do Código de Processo Civil).
*
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6. Decisão
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Em face do exposto:
6.1. julgam-se improcedentes as arguidas nulidades da sentença;
6.2. julga-se parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto deduzida e, em consequência,
6.2.1. altera-se a alínea X) da matéria de facto nos termos sobreditos;
6.2.2. acrescenta-se aos factos “não provados” a alínea 9) acima descrita;
6.3. altera-se oficiosamente altera-se a alínea T) da matéria de facto nos termos sobreditos e acrescenta-se aos factos “não provados” a alínea 10) acima descrita;
6.4. concede-se parcial provimento à apelação e revoga-se a sentença da 1.ª instância, na parte em que a mesma condenou a R. no pagamento de uma indemnização de antiguidade [alínea b), subalínea i) do dispositivo], condenando-se, em substituição, a R. C…, S.A. a pagar ao A. B… uma indemnização em substituição da reintegração que, calculada até ao dia de hoje, ascende ao valor de € 43.119,91, mas deverá ser calculada em conformidade com os parâmetros supra assinalados até à data do trânsito em julgado do presente acórdão;
6.5. no mais [alíneas a) e b), subalíneas ii) e iii) do dispositivo], confirma-se a sentença sob censura.
Determina-se a notificação da Segurança Social nos termos do disposto no art.º 98.º-N, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho para, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão que declara a ilicitude do despedimento, proceder ao pagamento das retribuições devidas ao trabalhador após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário de fls. 2 (deduzidos os períodos referidos no art.º 98.º-O do Código de Processo do Trabalho), o que equivale ao pagamento de 58 dias de salário, tendo em consideração o vencimento mensal de € 2.649,58.
Custas na 1.ª instância e no recurso por recorrente e recorrido, na proporção do vencimento que resulta do presente acórdão.
*
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 19 de Outubro de 2015
Maria José Costa Pinto
António José Ramos
Jorge Loureiro
___________
[1] Vide o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2009.07.01, proferido no processo n.º 3445/08, da 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt, à luz do idêntico artigo 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil revogado.
[2] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 143.
[3] Como se referiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 2010.05.18, “não constitui nulidade por omissão ou excesso de pronúncia, a falta de consideração de factos provados ou a consideração de factos de que o tribunal não possa conhecer, podendo, quando muito, traduzir-se em erro de facto ou de direito a apreciar em sede de mérito” (processo n.º 319/09.5TBFUN.L1-7, in www.dgsi.pt). Segundo o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.06.06 (proferido no processo n.º 07S670, in www.dgsi.pt), a decisão proferida sobre a matéria de facto não é sequer susceptível de enfermar das nulidades previstas no art.º 668.º do Código de Processo Civil.
[4] Vide o Prof. Alberto dos Reis, In Código de Processo Civil Anotado, vol . V, p., 151.
[5] Revista n.º 1047/05, da 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt..
[6] Processo n.º 833/11.2TVPRT.P1, in www.dgsi.pt.
[7] Vide Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra, 1985, p. 410, nota 1, e as obras aí citadas.
[8] Lançando mão da palavra do referido douto Acórdão da Relação do Porto de 2013.10.07, “pode afirmar-se, em sentido muito simplificador, que uma conclusão implica um juízo sobre factos e estes, quando em si mesmos considerados, revelam uma realidade, compreensível e detetável sem necessidade de qualquer acréscimo dedutivo”.
[9] Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2014.03.12, Recurso n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1 - 4.ª Secção.
[10] Vide, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.02.23, Processo n.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1 e, mais recentemente, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1 e de 04 de Março de 2015, Processo n.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, in www.dgsi.pt.
[11] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2001.05.31, Revista n.º 1814/00, de 2002.12.11, Revista n.º 2239/02, de 2005.01.12, Recurso n.º 2602/04, de 2005.12.14, Processo n.º 2333/05, de 2006.09.20, Recurso n.º 899/06, de 2008.06.18, Recurso n.º 933/08, de 2010.02.24, Proc n.º 1936/03.2TTLSB.S1, de 2010.07.07, Proc. n.º 123/07.5TTBGC.L1.S1, todos da 4.ª Secção e sumariados in www.stj.pt.
[12] Recurso n.º 32/98, da 4.ª Secção, sumariado no mesmo sítio
[13] Revista n.º 130/98 - 4ª Secção, sumariado no mesmo sítio.
[14] Recurso n.º 1898/08, da 4.ª Secção, sumariado no mesmo sítio.
[15] In Cessação do Contrato de Trabalho, p.105
[16] Não é possível a leitura da precisa data de Outubro de 2011 em que foi anotado o último depósito, atenta a má qualidade da cópia que a R. juntou ao processo.
[17] Diz a testemunha D…: “(…) Para ele me pagar o que devia. E foi pagando. Tanto que devia à volta de 70.000 e agora deve à volta de 15 (…)”.
[18] Vide o Acórdão da Relação de Lisboa de 2011.09.20, Processo n.º 7711/08.0TMSNT.L1-1, in www.dgsi.pt, citando Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, p. 388, e o Acórdão da Relação de Coimbra de 2013.05.30, Processo n.º 379/11.9TTCBR.C1 in www. colectaneadejurisprudencia.pt.
[19] Vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.04.18, Processo n.º 2842/06 e de 2006.03.08, Processo n.º 3222/05, ambos da 4.ª Secção e sumariados em www.stj.pt
[20] Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2009.04.22, Recurso n.º 153/09 - 4.ª Secção, e no mesmo sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.09.15, Recurso n.º 2754/06.1TTLSB.L1.S1, ambos sumariados in www.stj.pt.
[21] Vide J. Leite no seu artigo “Código do Trabalho - questões de (in)constitucionalidade”, publicado na revista Questões Laborais, n.º 22.º pp. 277-278, M. Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho, Parte II, pp. 649 e ss. e João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, p. 208. No sentido de que o poder disciplinar não pode considerar-se um regime sem precedentes no domínio contratual, mas reconhecendo que corresponde a uma auto-tutela com um desenvolvimento que não encontra paralelo em outros contratos, vide Pedro Romano Martinez in Direito do Trabalho, 4.ª edição, Coimbra, 2007, pp. 633 e ss.
[22] Não consta do processo cópia dos cheques levantados referidos na alínea Q), apenas se conhecendo os que foram encontrados no posto de trabalho do A. referidos na alínea J), que não chegaram a ser movimentados.
[23] João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, p. 373. Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra, 2007, p. 544, apela ao “padrão do bom pai de família, embora colocado na situação concreta do trabalhador em jogo”.
[24] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2001.05.31, Revista n.º 1814/00, de 2002.12.11, Revista n.º 2239/02, de 2005.01.12, Recurso n.º 2602/04, de 2005.12.14, Processo n.º 2333/05, de 2006.09.20, Recurso n.º 899/06, de 2008.06.18, Recurso n.º 933/08, de 2010.02.24, Proc n.º 1936/03.2TTLSB.S1, de 2010.07.07, Proc. n.º 123/07.5TTBGC.L1.S1, todos da 4.ª Secção e sumariados in www.stj.pt.
[25] Vide 4.2.5. supra.
[26] Vide o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 96.03.20 (in Ac. Dout. 416º-417º, p.1069).
[27] Vide João Leal Amado, in Contrato de trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, p. 374.
[28] Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 4.ª edição, Coimbra, 2007, p. 504.
[29] Elucidativamente expressa nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2007 (Revista n.º 1443/07), de 6 de Fevereiro de 2008 (Revista n.º 3906/07), e de 18 de Junho de 2008 (Revista n.º 933/08), todos da 4.ª Secção e sumariados em www.stj.pt.
[30] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2008.11.12, Recurso n.º 1297/08, de 2005.09.21, Recurso n.º 920/05, de 2013.01.22, Recurso n.º 155/11.9T2SNS.E1.S1 e de 2014.12.17, Recurso n.º 723/12.1TTMTS.P1.S1, todos da 4.ª Secção e sumariados no mesmo sítio.
[31] Vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª edição, Coimbra, 2007, p. 789.
[32] Vide Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, 2005, pp. 620-621.
[33] In ob. citada, p. 791.
[34] In ob. citada, p. 707.
[35] Vide Monteiro Fernandes in Direito do Trabalho, 13.ª edição, Coimbra, 2006, p. 556.
[36] Sobre os requisitos necessários para a observância destes parâmetros constitucionais, vide Gomes Canotilho e Vital Moreira na ob. citada, pp. 709-710.
[37] Redacção constante do texto consolidado publicado no BTE, 1.ª série, n.º 20, de 29 de Maio de 2011 que, no que diz respeito a esta cláusula, não foi subsequentemente alterado.
[38] Como consta da acta de fls. 753: «Requer a junção de um documento de assento de nascimento do autor do qual resulta que ele completou 35 anos no dia 07-02-2014 e requer a alteração do pedido, a título de mero desenvolvimento do pedido primitivo, em função da cláusula 126º, nº2, al. IV) do ACT, que reza que “se em caso da ilicitude do despedimento, o funcionário tiver mais de 35 anos de idade e pelo menos 11 anos de serviço, a indemnização será acrescida de 2, 3, 4 ou 5 meses de retribuição, conforme o tempo de serviço for até 15, 20, 25 ou mais de 25 anos de serviço.” Assim, o pedido reconvencional deduzido, remetendo para o art.º 49.º da contestação, onde constava 2 meses de retribuição por cada ano de serviço, deve passar a ser 4 meses, por força da referida idade do autor e de completar já mais de 15 anos de antiguidade.»
[39] Vide Antunes Varela na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 101, 217 e, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2012.09.11, Processo n.º 3026/05.4TBSTS.P1.S1, de 2012.06.12, Processo: 5331/07.6TVLSB.L2.S1 e de 2009.07.05, Processo: 09S0376, todos in www.dgsi.pt.
[40] Vide o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2012.06.12.
[41] In Código de Processo do Trabalho Anotado, 5.ª edição, Janeiro de 2011, p. 289.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I – A afirmação do carácter “disciplinar” de uma conduta constitui uma conclusão jurídica que não deve constar dos fundamentos de facto da sentença, apenas devendo figurar, se para tanto bastarem os factos, em sede de apreciação jurídica dos factos.
II – Não podem ser valorados na acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento os depoimentos testemunhais prestados no processo disciplinar.
III – A Relação não deve alterar a decisão relativa à matéria de facto se a pretendida alteração da resposta nenhuma influência vai ter para a decisão do mérito do recurso.
IV – Não pode qualificar-se como infracção disciplinar, e constituir justa causa de despedimento, um comportamento desconforme com a boa prática bancária que a entidade empregadora, através da gerência do balcão em que o trabalhador exercia funções e através da sua própria direcção, conhece, aceita e com ele colabora.
V – Não exerce as suas funções com a diligência, idoneidade e cuidado exigíveis, o trabalhador bancário que assume condutas de favor a um determinado cliente que colidem com princípios de transparência subjacentes à actividade bancária e extrapolam as suas funções, vg. guardando um documento de confissão de dívida estranho à sua actividade para entregar ao referido cliente ou levantando quantias a ele destinadas, para o que também tinha em seu poder vários cheques assinados em branco pela titular de uma conta onde eram depositadas quantias destinadas aquele cliente.
VI – Inexiste justa causa de despedimento se o trabalhador não obteve ou, sequer, visou obter, um qualquer benefício pessoal com estas condutas e a própria gerência do balcão e direcção do banco conferiam um tratamento de favor ao cliente em causa (a gerência ao dar parecer favorável à atribuição de condições especiais de preçário a uma conta em que o beneficiário dos depósitos nela efectuados era o referido cliente, apesar de titulada por outrem, como a gerência sabia, e a direcção ao autorizar e renovar a atribuição dessas condições especiais).
VII – Um comportamento infraccional de baixa gravidade, que não comprometeu definitivamente a subsistência da relação de trabalho, justifica a restrição do direito à livre iniciativa económica privada, com a inerente prevalência do direito à segurança no emprego.
VIII – O direito à indemnização por despedimento ilícito tem os contornos assinalados pelo ACT do sector bancário na redacção em vigor à data em que se tornou eficaz o acto extintivo e não tem qualquer relevo para a quantificação da indemnização o facto de o empregador não se ter oposto à ampliação do pedido deduzida já no decurso da audiência de julgamento no sentido de ser aplicada a norma daquele instrumento adequada à idade entretanto atingida pelo trabalhador.
IX – O agravamento das taxas de juros aplicáveis aos contratos de empréstimo causado pelo facto de o A. ter deixado de ter a qualidade de trabalhador da R. não decorre da instauração e pendência do procedimento disciplinar mas, tão só, da cessação do contrato, pelo que a conduta do A. justificativa da aplicação eventual de uma sanção de natureza conservatória não permite a aplicação o disposto no artigo 570.º do Código Civil na quantificação da correspondente indemnização.
X – A responsabilidade pelo pagamento das retribuições devidas ao trabalhador desde o despedimento ou desde a data da apresentação do formulário referido no artigo 98.º-C (consoante este seja, ou não, entregue nos 30 dias subsequentes ao despedimento), cabe em primeiro lugar ao empregador, passa a recair sobre o Estado após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário até à notificação da decisão de 1.ª instância e ressurge na esfera jurídica do empregador após a notificação da decisão de 1.ª instância.

Maria José Costa Pinto