Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOSÉ IGREJA MATOS | ||
| Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO DOCUMENTO PARTICULAR PRESSUPOSTOS | ||
| Nº do Documento: | RP2013091033/13.7TBSJM.P1 | ||
| Data do Acordão: | 09/10/2013 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – A lei processual anterior ao novo Código do Processo Civil conferia força executiva a todos os “documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805.º” (artigo 46.º, nº1, alínea c) do Código de Processo Civil então vigente). II – Pese embora este preceito legal acomodar um conjunto alargado de situações, o mesmo continua a exigir que do documento resulte o reconhecimento de obrigações pecuniárias pelo devedor em particular quando estejam em causa indemnizações resultantes de incumprimento com a decorrente resolução do contrato. II – Devendo, assim, resultar do título executivo o reconhecimento de obrigações pecuniárias o mesmo não sucede quando estão em causa quantitativos que emergem de situações de incumprimento contratual que dependem da alegação e prova de factos que não estão documentados no título, ou este os desmentem. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo 33/13.7TBSJM.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – Relatório Recorrente(s): B…. Recorrido(s): C…. Tribunal Judicial de S. João da Madeira – 2º Juízo. ***** B… intentou a presente acção executiva para pagamento de quantia certa contra C… no valor de 9.332,59 Euros, acrescidos de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento.Veio a ser proferida decisão liminar, nos seguintes termos, que ora se reproduzem: “Atendendo à cominação já efectuada no despacho de fls. 72, considerando que a documentação ora junta apenas o atende parcialmente (quanto à comprovação da cessão do crédito e conhecimento da mesma pelo executado), não vindo junta nem justificada a falta de junção de comprovativo da alegada resolução contratual, elemento essencial à composição de um título executivo nos termos previstos nos arts. 436º do Código Civil e 46º/1,c) do Código de Processo Civil, indefere-se o requerimento executivo por manifesta falta de título executivo – 812º-E/1,a) do Código de Processo Civil.” * Inconformado com a decisão descrita dela interpôs recurso o exequente B… de cujas alegações se extraíram as seguintes conclusões:A) O conceito legal de título executivo que consta do Artigo 46º do CPC não exige que o reconhecimento expresso da obrigação pecuniária seja condição essencial para a exequibilidade do título. B) Basta a constituição dessa obrigação, sendo o simples reconhecimento apenas uma dessas condições. C) O título executivo cumpre, por si só, uma função constitutiva, determinando a certeza do direito nele incorporado para que seja exigível em processo executivo. D) Estando constituída, verificam-se as presunções de reconhecimento, exigibilidade e liquidez da obrigação dos executados. E) Tais presunções podem ser ilididas por prova em contrário, mas essa prova em contrário tem de ser feita em sede de oposição à execução, em obediência ao princípio do contraditório. F) O título executivo dado aos autos obedece plenamente aos requisitos exigidos pelo citado Artigo 46º do CPC. G) A suficiência e idoneidade deste mesmo título executivo é ainda demonstrada pela própria letra do contrato que lhe é subjacente, sendo o mesmo inteligível e suficiente. H) O devedor/executado emitiu uma declaração nas Condições Particulares segundo a qual levanta a quantia de 3.000,00 €. I) Estes factos resultam do texto do contrato dado como título executivo, bem como da prática corrente na vida diária que se refere a este tipo de contratos, devendo atender-se ao sentido normal da declaração conforme disposto no Artigo 236º nº 1 do CC. J) O título executivo oferecido os presentes autos é conforme ao Artigo 46º do CPC, sendo o mesmo probatório do crédito da Exequente e do reconhecimento da dívida dos Executados. Termina o apelante pedindo a revogação da sentença proferida e consequente prosseguimento dos autos. Dos autos não constam contra-alegações. II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar; O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), este na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24/8, aqui aplicável, não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam. No caso em apreço, a questão decidenda consiste em saber se o requerimento inicial executivo podia ter sido indeferido liminarmente por inexistir título executivo. O reconhecimento como título executivo do documento junto no requerimento inicial envolve, no essencial, apenas considerandos de direito que a seguir se enunciam. III - Fundamentação de Direito Quer se entenda que, na acção executiva, a causa de pedir é constituída pelo título ou documento em que se corporiza a obrigação exequenda, ou seja, pelo título executivo – quer, se defenda, com rigor maior, que na acção executiva a causa de pedir é o facto jurídico fonte da obrigação accionada, configurando o título, no essencial, um pressuposto conducente à possibilidade de recurso imediato a tal espécie de acções, certo é que a falta de título executivo consubstancia motivo de indeferimento liminar do requerimento inicial executivo, nos termos do art.º 812º-E, nº 1, a), do CPC, na redacção que a este código foi dada pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro. Ora, no que ao caso interessa, para que um documento particular se assuma como título executivo exige-se que seja assinado pelo devedor, que importe constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, de acordo com as cláusulas dele constantes – tudo isto conforme exigência decorrente do estatuído no art.º 46, n.º 1, alínea c)). Para fundar o referido indeferimento escreveu-se, entre o mais, no despacho recorrido que o mesmo assentou na ausência do “comprovativo da alegada resolução contratual, elemento essencial à composição de um título executivo nos termos previstos nos arts. 436º do Código Civil e 46º/1,c) do Código de Processo Civil”. Analisemos o documento junto aos autos nas suas diversas componentes. Desde logo, temos um contrato denominado de cessão entre “D…, S.A.” e B… (cessionária no âmbito desse contrato e exequente nos autos). Nesse contrato, está em causa a cessão de um conjunto de Activos listados num anexo do contrato feitos pela D… ao exequente pelo preço total de três milhões de euros. Articula-se ainda que anteriormente fora efectuada já um cessão de créditos à D… pela E…, S.A. Neste contrato, não interveio, naturalmente, o executado, estando o mesmo presente no requerimento inicial para se aferir da legitimidade do exequente, a qual se confirma existir. Assim, no que ao caso relevo, temos a fls.65/66 um documento intitulado Proposta/Contrato de Crédito Condições Particulares, único assinado pelo executado C…. Nesse documento é dito que o subscritor “pretende utilizar” o montante de 4.000 Euros, figurando ainda um autorização de débito directo conferida pelo C… sendo a conta a debitar devidamente identificada e pertencente ao F…, S.A. Os signatários, incluindo o executado, declaram expressamente (ainda que esta parte surja numa letra reduzida) que tomaram conhecimento das Condições Gerais (juntas a fls.66) e Particulares constantes desta proposta/contrato as quais foram previamente comunicadas e de cujo conteúdo e alcance afirmam conhecer e compreender, dando total consentimento. Descrito o acervo documental apuremos da resolução contratual e da sua demonstração sabendo nós que, nos termos do art.436º do CCivil, a resolução opera mediante declaração à outra parte conquanto haja prazo convencionado. Por outro lado, sabe-se que a resolução em apreço gera uma indemnização devida ao exequente calculada com base numa sobretaxa de quatro pontos percentuais que acrescerá aos juros legalmente devidos sobre as quantias em dívida bem como todas as despesas e encargos administrativos associados a este contrato (vide ponto 10.1 das condições gerais do contrato dito de crédito em conta corrente). Sublinhe-se que o art.46º, nº 1, al. c) continua a exigir que os "documentos particulares, assinados pelo devedor, (...) importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias.” Assim, se relativamente à obrigação primária decorrente da celebração de um contrato bastará a alegação do seu incumprimento e a verificação das condições de viabilidade da acção executiva, ligadas à certeza, à exigibilidade e à liquidez da obrigação já no que concerne ao incumprimento contratual em que a par da resolução do contrato se constitui o direito de indemnização, exige-se uma indagação mais exaustiva que, em regra, “não se satisfazem com a junção do documento que titulava o contrato nem com a alegação dos factos em que se funda a resolução contratual” (neste sentido, por todos, acompanha-se Ac. da Relação de Lisboa de 27.06.2007, relator Abrantes Geraldes, in dgsi.pt). Nestes casos, pode decorrer que o credor deva optar pela propositura de acção declarativa em que, em processo contraditório e de natureza cognitiva, se poderão apreciar os fundamentos do direito de indemnização e a quantificação do direito de crédito designadamente tendo em conta um enquadramento normativo que se prende com a tutela do consumidor ou o regime dos contratos ditos de adesão. Ora, nada há no documento particular dado aqui à execução que nos permita dar por verificada a resolução, ainda que se admitisse ser esta possível face ao alegado no requerimento executivo e ao constante das “condições gerais”, pelo que se teria de ir buscar em elementos exteriores ao título o fundamento que alicerçasse a resolução do invocado contrato e a exigência da mencionada indemnização. Na verdade, lê-se no ponto 10.2 das condições gerais que o vencimento das obrigações implica um pré-aviso de oito dias úteis no qual, para além desse vencimento, se exige o pagamento dos valores da divida uma vez preenchidos os pressupostos para tal situação enumerados nesse mesmo preceito. Expressamente notificado para juntar comprovativo da resolução contratual, nomeadamente o envio deste pré-aviso que as próprias partes acordaram como essencial à resolução, o exequente limitou-se a juntar o documento de fls.75 do qual apenas resulta que se operou a cessão de crédito à B… muito embora a D… continue a actuar como “servicer da Cessionária”. Ora, conforme se diz no citado Acórdão da Relação de Lisboa de 27/06/2007, “Ainda que os pressupostos abstractos da obrigação de indemnização decorrente da resolução se encontrem inseridos no contrato, a sua concretização exige a alegação e prova de factos, retirando à documentação apresentada o grau de certeza e de segurança próprios do título executivo.” Prevendo as condições gerais a existência de um pré-aviso ao incumpridor para resolução do contrato, esta exigência parece até estar em falta à luz da própria alegação do exequente que indica no ponto 14 do requerimento executivo que o executado nada pagou desde 1 de Agosto de 2010 e que, nessa mesma data, o contrato de crédito foi resolvido. Acontece que tal procedimento não é consentido pelo putativo título, conforme se expôs e salvo melhor opinião. Adende-se ainda que no requerimento inicial se alude a um crédito de três mil euros com prestações mas, como vimos, o valor seria de quatro mil euros e as prestações de cento e trinta euros – também por esta via se alcança a insuficiência do requerimento executivo mesmo em relação à obrigação exequenda descartando a indemnização e demais encargos. Concluímos, portanto, na senda da decisão recorrida, que relativamente à resolução contratual com obrigação do pagamento da indemnização acordada os documentos apresentados pelo exequente no processo de execução não se mostram suficientes para configurar as posições jurídicas de cada uma das partes, exigindo uma actividade complementar a que não se ajustam os quadros limitados, as regras processuais e os objectivos da acção executiva virada para a exercitação coerciva de direitos certos e para a definição de direitos cujos contornos pressuponham uma actividade cognitiva. Decidiu bem, salvo o devido respeito por entendimento diverso, a Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, ao indeferir liminarmente o requerimento executivo, decisão que ora se confirma, tendo em conta o quadro normativo então aplicável. Adende-se que o actual art.703º do novo Código do Processo Civil veio claramente restringir os títulos executivos, retornando-se a um leque próximo do anterior à reforma levada a cabo pelo DL38/2003, reforçando o entendimento aqui já propugnado à luz de um regime mais permissivo. De todo o modo, atento o disposto no art.7º, nº1 da Lei 41/2013, de 26 de Junho, o regime legal processual aplicável nos presentes autos deve continuar a ser o anterior ao novo Código, uma vez que a decisão recorrida foi proferida em data claramente anterior à entrada em vigor da presente lei, no caso, 1 de Setembro de 2013. * Sumariemos a fundamentação aduzida conforme determinação legal (art.713º, nº7 do CPC):I –A lei processual anterior ao novo Código do Processo Civil conferia força executiva a todos os “documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805.º” (artigo 46.º, nº1, alínea c) do Código de Processo Civil então vigente). II – Pese embora este preceito legal acomodar um conjunto alargado de situações, o mesmo continua a exigir que do documento resulte o reconhecimento de obrigações pecuniárias pelo devedor em particular quando estejam em causa indemnizações resultantes de incumprimento com a decorrente resolução do contrato. II – Devendo, assim, resultar do título executivo o reconhecimento de obrigações pecuniárias o mesmo não sucede quando estão em causa quantitativos que emergem de situações de incumprimento contratual que dependem da alegação e prova de factos que não estão documentados no título, ou este os desmentem. IV. Decisão Pelo exposto, acorda-se em: Julgar a presente apelação totalmente improcedente, confirmando-se integralmente a sentença em apreço. Custas pelo recorrente. Porto, 10 de Setembro de 2013 José Igreja Matos Rui Moreira Henrique Araújo |