Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0633963
Nº Convencional: JTRP00039450
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: LEGITIMIDADE
COMPROPRIEDADE
DESPACHO SANEADOR
CASO JULGADO
ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
Nº do Documento: RP200609140633963
Data do Acordão: 09/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: I - A regra de aferição da legitimidade em função da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor, foi introduzida no n.º 3 do artigo 26º do CPC pela Reforma de 1995/96 “sob reserva” de inaplicabilidade à legitimidade plural (legitimação extraordinária, traduzida na exigência do litisconsórcio ou na atribuição de legitimidade indirecta).
II - Assim, apesar de o autor/comproprietário se ter arrogado em exclusivo a titularidade do direito de preferência—apresentado-se, assim, como sujeito da relação material controvertida configurada na petição--, tal, por si só, não assegura a sua legitimidade activa.
III - Pode o tribunal de recurso conhecer de questões novas desde que sejam de conhecimento oficioso e ainda não estejam decididas com trânsito em julgado, quer sejam referentes à relação processual (v.g. a quase totalidade das excepções dilatórias, nos termos do artº 495º CPC), quer à relação material controvertida.
IV - Resulta do nº 3 do artº 510º do actual CPC que o despacho saneador tabelar ou genérico quanto à verificação dos pressupostos processuais não constitui, nessa parte, caso julgado formal, pelo que continua a ser possível a apreciação duma questão concreta de que resulte que o pressuposto genericamente referido afinal não ocorre ou que há nulidade.
V - O comproprietário que pretenda instaurar acção de preferência em consequência de alienação de quota de um seu consorte a estranho, deve propor a acção conjuntamente com os seus consortes, em litisconsórcio necessário activo, sob pena de ilegitimidade, a não ser que prove a renúncia dos outros consortes, ou—não o provando-- provoque a sua intervenção na acção.
VI - Com efeito, a sentença que dê razão ao autor quando desacompanhado dos demais comproprietários, não regulará definitivamente a situação concreta sujeita a apreciação judicial—não produzirá o seu «efeito útil normal» (ut artº 28º, nº2 CPC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO:

No 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Lamego, B………., solteiro, maior, residente na Rua ………., n.° …, Porto, instaurou acção declarativa de condenação (acção de preferência), com forma de processo sumário contra a sociedade C………, Lda., com sede na ………., n.° …, sala .., Barcelos e a Massa Falida de D………., representada pelo Liquidatário E………., com domicílio na ………., n.° …, Porto e Rua ………., n.° …, Viana do Castelo.

Alega, em síntese:
Que o A. é comproprietário de 1/4 dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Tarouca, sob o n.°s 1109, 1150 e 1151, prédios esses que, na proporção de 1/4, foram adjudicados à primeira Ré, pelo preço de 1.200.000$00, por instrumento de venda lavrado nos autos de apreensão de bens e liquidação do activo, no qual foi declarada falida a segunda Ré, D………., sem que ao A. tivesse sido comunicado o respectivo projecto de adjudicação (venda).
Alega, assim, o A. que em virtude de não ter tido conhecimento da venda judicial levada a efeito naqueles autos, ficou impossibilitado de exercer o seu direito de preferência.

Pede:
Que, julgada a acção procedente, sejam as Rés condenadas a reconhecerem o direito de preferência do A. na venda judicial dos prédios supra identificados, sendo, por isso, reconhecido ao A. o direito de haver para si as referidas verbas, substituindo-se em tal venda à adquirente aqui primeira Ré.

Regularmente citadas as RR. vieram contestar impugnando os factos articulados pelo A. e alegando que foi comunicado aos comproprietários o preço e as condições de pagamento, em suma, a venda dos aludidos prédios e se não exerceram o direito de preferência foi porque não quiseram, acrescentado que era do conhecimento do Autor o estado de falência de sua irmã D……… .
Mais deduziram reconvenção, pedindo que o Autor fosse condenado no pagamento de todas as despesas relacionadas com a celebração do negócio aqui em questão, no montante a ser determinado em sede de execução de sentença.
Terminam pedindo que a acção seja julgada improcedente, por não provada e procedente a reconvençção.

A fls. 68 e segs. o A. respondeu.

Foi proferido despacho saneador e seleccionou-se a matéria de facto (fls. 91-93).
Realizou-se julgamento, tendo o Tribunal respondido aos quesitos pela forma exarada no despacho de fls. 168 e segs..

Foi, por fim, sentenciada a causa nos seguintes termos:
“…decide-se julgar procedente a acção, e consequentemente:
111.1) Reconhecer ao Autor B………. o direito de preferir na venda judicial operada no âmbito do processo de apreensão de bens apenso ao processo de falência n.° ../98, do 1° juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, operada através do Instrumento de Venda de 11 de Novembro de 2000 e, por via disso, reconhecer ao Autor o direito de haver para si, uma quarta parte do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Tarouca, sob o n.° 01109/300994, inscrito na matriz sob o artigo 141, e uma quarta parte dos prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial de Tarouca, sob os n.°s 01150/101194 e 01151/101194, inscritos nas matriz sob os artigos 5361 e 5929 respectivamente, que foram objecto de venda, passando o Autor a ocupar na dita venda o lugar de comprador.
111.2) Ordenar o cancelamento da inscrição G-1 relativa aos imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Tarouca, sob o n.° 03/060201”.

Inconformados com a sentença, dela vieram recorrer os réus, apresentando alegações que rematam com as seguintes

CONCLUSÕES:
Em face de quanto foi dito, extraem-se as seguintes conclusões:
1) Apesar de não ter sido suscitada a ilegitimidade do A., resulta da lei e da jurisprudência dominante que, havendo direito de preferência simultâneo ou concorrente de direitos de preferência, como no caso dos autos, o preferente terá, excepto se provar a renúncia dos outros consortes, de propor a acção conjuntamente com estes ou provocar a sua intervenção, sob pena de ilegitimidade;
2) Resulta daqui a necessidade de litisconsórcio activo, que não foi observada na acção instaurada pelo A., não tendo o Tribunal a quo verificado sequer oficiosamente tal pressuposto;
3) O A., sendo comproprietário conjuntamente com, pelo menos, sua mãe (titular de metade dos bens), F………., teria de instaurar a acção em conjunto com ela, ou, não o tendo feito na petição inicial, teria de provocar tempestivamente a sua intervenção;
4) O A., não fez uma coisa nem outra, pois, instaurou a acção desacompanhado dos demais com proprietários;
5) A noção de compropriedade resulta do disposto no artigo 1.403° do CC, segundo o qual, existe propriedade em comum, compropriedade, quando suas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa;
6) Os direitos dos consortes ou com proprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes, presumindo-se que as quotas são quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo, e exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular;
7) Se a lei ou o negócio exigir a intervenção de vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade, sendo igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal;
8) São exemplos do litisconsórcio necessário activo as hipóteses previstas nos artigos 419°-1 (direito de preferência com pluralidade de titulares) e 2091°-1 (exercício de direitos de herança) do CC;
9) A jurisprudência dominante no sentido da ilegitimidade do apelado e do litisconsórcio necessário activo é a que consta dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-12-1999, in BMJ 492, pp. 391, proferido por unanimidade no âmbito do processo n° 99B914; de 22/01/1987, in BMJ 363, pp. 523; de 14/04/1986, in BMJ 376, pp 569; Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, nomeadamente, os acórdãos de 02/04/1986, in CJ, Ano XI, Tomo lI, pp.1 912; de 27/05/1993, in BMJ 427, pp. 582; de 10/02/1981, in BMJ 309, pp. 398, entre outros acórdãos da Relação de Lisboa e de Évora;
10) Também em sede de processo especial de notificação para preferência, previsto no artigo 1.465° do CPC, este não tem lugar quando os interessados na preferência são com proprietários e, nesse caso, a acção tem de ser proposta por todos eles, sob pena de ilegitimidade - Acórdão do STJ, de 03-06-1992, proferido no âmbito do processo n° 082049, in www.dqsi.pt/istj.nsf/;
11) A acção que o A. instaurou, tal como a configurou, reveste a natureza de uma acção constitutiva, uma acção de preferência, materialmente sustentada pelo artigo 1.410° do CC e, como a acção foi instaurada, e não tendo o A. requerido a intervenção provocada dos restantes com proprietários, designadamente, a sua referida mãe, carece aquele de legitimidade para intentar a acção, por não ter sido observado o litisconsórcio necessário activo.
12) O Tribunal a quo cometeu nulidade, para os efeitos do disposto no artigo 201° do CPC, ao não ouvir a testemunha E………., liquidatário judicial da Massa Falida de D………., pela sua qualidade de liquidatário judicial no processo de falência daquela Massa Falida, sendo a omissão de tal formalidade que a lei prescreve susceptível, no caso, de influir na decisão da causa, uma vez que se trata de pessoa sobre a qual não vigora qualquer impedimento ou inabilidade legal.
13) Tal testemunha não se enquadra no normativo constante do artigo 617°, nem nas incapacidades do disposto no artigo 616°, ambos do CPC.
14) Deveria, ainda, o Tribunal a quo considerar procedente a reconvenção deduzida pela apelante, uma vez que os prejuízos que alegou ter sofrido, e que remeteu para sede de execução de sentença, se enquadram no âmbito do disposto no artigo 274° n° 2 alíneas a) e b) do CPC.
15) Tais prejuízos foram efectivamente suportados pela apelante, e relacionam-se directamente com os factos jurídicos que servem de fundamento à acção.
16) O Tribunal a quo fundamenta que tais despesas caem fora do âmbito do disposto no artigo 1.4100 do CC, porém, tal norma estabelece os pressupostos que hão-de presidir à efectivação da acção de preferência, não se relacionando directamente com as citadas despesas.
17) As despesas relativas a deslocações e tempo perdido pelo representante legal da apelante não têm, necessária e exclusivamente de ser exigidas ao abrigo do instituto da responsabilidade pré-contratual.
18) O entendimento da sentença a quo viola os normativos constante dos artigos 1.405° do CC e 28°, 274° n° 2 alíneas b) e c), 616° e 617° todos do CPC;
19) Por força de todas as anteriores conclusões o tribunal a quo não deveria ter proferido a decisão recorrida, a qual, face ao entendimento dos tribunais superiores não pode colher.

Termos em que, e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.”.

Contra-alegou o autor, sustentando a manutenção do sentenciado.

Foram colhidos os vistos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. AS QUESTÕES:
Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões a resolver são as seguintes:
- Da ilegitimidade activa do autor/comproprietário para a instauração da acção;
- Da não audição, como testemunha, do liquidatário judicial da massa falida e se tal constitui nulidade nos termos do artº 201º do CPC;
- Da procedência do pedido reconvencional.

II. 2. FACTOS PROVADOS:

No Tribunal a quo deram-se como provados os seguintes factos:
1) Encontra-se descrito na Conservatória do registo Predial de Tarouca, sob o n.° 01109/300994, o prédio urbano sito em Tarouca, composto de casa com andar e loja, com a superfície coberta de 90 m2, a confrontar do norte com G………., sul e nascente com F………. e B………. e do poente com rua, inscrito na matriz sob o artigo 141 e com o valor patrimonial de 5.511.450$00 - (alínea A) da matéria de facto assente).
2) Tal prédio foi objecto de apreensão na proporção de '/4 no processo de apreensão de bens por apenso ao processo de falência ../98, do 1° juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, em que foi declarada falida D………., encontrando-se a propriedade, naquela proporção, registada em nome da ré "C………., Lda." através da inscrição G-1, apresentação 03/060201 - (alínea B) da matéria de facto assente).
3) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Tarouca, sob o n.° 01150/101194, o prédio rústico sito em Prado, composto por terreno de cultura com videiras, ramada e pomar, com a área de 700 m2, a confrontar do norte com F………., sul com H………., do poente com I………. e do nascente com J………., inscrito na matriz sob o artigo 5361 e com o valor patrimonial de 12.268$00 - (alínea C) da matéria de facto assente).
4) Tal prédio foi objecto de apreensão na proporção de 1/4 no processo de apreensão de bens por apenso ao processo de falência ../98, do 1° juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, em que foi declara falida D………., encontrando-se a propriedade, naquela proporção, registada em nome da ré "C………., Lda." através da inscrição G-1, apresentação 03/060201 - (alínea D) da matéria de facto assente).
5) Encontra-se descrito, na Conservatória do Registo Predial de Tarouca, sob o n.° 01151/101194, o prédio rústico, composto de terreno de cultura com videiras, vinha e fruteira, com a área de 4290 m2, a confrontar do norte com L………., sul e nascente com herdeiros de M………. e do poente com caminho, inscrito na matriz sob o artigo 5829 e com o valor patrimonial de 21.952$00 - (alínea E) da matéria de facto assente).
6) Tal prédio foi objecto de apreensão na proporção de '/4 no processo de apreensão de bens por apenso ao processo de falência ../98, do 1° juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, em que foi declarada falida D………., encontrando-se a propriedade, naquela proporção, registada em nome da ré "C………., Lda." através da inscrição G-1, apresentação 03/060201 - (alínea F) da matéria de facto assente).
7) Os prédios identificados em A), C) e E) foram adjudicados à ré pelo preço global de 1.200.000$00 em auto de transmissão de imóvel no âmbito do referido processo de apreensão de bens por apenso aos autos de falência ../98 do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, 1° juízo, em 11 de Novembro de 2000 - (alínea G) da matéria de facto assente).
8) O autor é comproprietário dos prédios em questão - (alínea H) da matéria de facto assente).
9) Em 29 de Março de 2001 o autor depositou na Caixa Geral de Depósitos, e à ordem destes autos, a quantia de 1.200.000$00 - (alínea 1) da matéria de facto assente).
10) Com os registos da aquisição referida em G) a primeira ré teve despesas - (alínea J) da matéria de facto assente).
11) O liquidatário judicial da massa falida ré não comunicou aos comproprietários o preço e as condições de pagamento no âmbito da adjudicação referida em G) - (resposta ao(s) quesito(s) 1).
12) Não tendo sido comunicada aos comproprietários os precisos termos em que a adjudicação foi feita - (resposta ao(s) quesito(s) 2).

III. O DIREITO:

Os apelantes não impugnam a matéria de facto, pois não questiona a bondade da relação dos factos dada como assente na primeira instância.
Como tal, têm-se tais factos como pacíficos, já que também se não vê razão para a modificabilidade da decisão da matéria de facto ao abrigo do disposto no artº 712º do CPC (cfr. artº 713º, nº6, do CPC).

Apreciemos, então, as questões suscitadas nas conclusões recursórias.

- I. Primeira questão: DA ILEGITIMIDADE ACTIVA DO AUTOR/COMPROPRIETÁRIO PARA A INSTAURAÇÃO DA ACÇÃO:

A) - PODE A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE SER AGORA CONHECIDA?

Sustentam os Réus/apelantes, desde logo, que, apesar de não ter sido suscitada a ilegitimidade do autor para, desacompanhado dos demais comproprietários, instaurar a presente acção de preferência, deve tal excepção dilatória ser agora (ex officio) conhecida.
Assim, impondo-se a intervenção de todos os comproprietários dos prédios objecto da preferência nesta acção que visava exercer essa mesma preferência, e não tendo tal intervenção sido requerida pelo autor, a acção não devia ter prosseguido para apreciação do seu mérito, devendo, antes, ter-se declarado o autor parte ilegítima com as legais consequências.

Em contraposição, nas contra-alegações o autor/apelado defende-seassim: por um lado, trata-se de matéria nova e, como tal, não passível de conhecimento por este tribunal de recurso; por outro, tal questão da legitimidade processual activa foi já decidida no despacho saneador com trânsito em julgado; finalmente defende que qualquer dos comproprietários podia, por si só—isto é, desacompanhado dos demais comproprietários—instaurar a acção de preferência, o que significa que nunca a pretensão dos apelantes podia vingar.
Quid juris?

Sem dúvida que a questão da ilegitimidade activa do autor é questão que não foi suscitada nos autos, sendo-o pela primeira vez neste recurso.

Talqualmente, não há dúvidas que, em princípio, o tribunal da Relação não pode conhecer de questões não invocadas nem decididas no tribunal recorrido (Acs. do STJ, Bol. M.J., 364º-849, CJ, 1990-13º-14º, 31, Col. Jur., 1993, III, 101, Relação de Lisboa, Col. Jur., 1985, II, 109, 1995-5-98 e de Évora, Col. 1986, IV, 313).
Ou seja, as questões que não foram suscitada em 1ª instância não têm que ser ali tratadas, como o não têm que ser na instância de recurso, conforme jurisprudência, tanto anterior, como posterior à Reforma do Cód. Proc. Civil de 1995/96 (cfr. Rodrigues Bastos, Notas, vol. III, pág. 266 e Dr. Armindo Ribeiro Mendes, in Recursos no Cód. Proc. Civil Revisto, pág. 52; Ac. STJ, de 29.4.98, n BMJ 476-400, Acs. STJ de 2.7.91, Bol. M.J. 409º-690 e de 18.01.94, Bol. M.J. 433-536); Manual dos Recursos em Proc. Civil , 3ª ed., Fernando Amâncio Ferreira, a págs. 133 ss.).

No entanto, tal regra tem e ser entendida e aplicada cum grano salis. Isto é, apesar de não levantadas no tribunal recorrido, pode, no entanto, o tribunal de recurso conhecer de questões novas desde que sejam de conhecimento oficioso e ainda não estejam decididas com trânsito em julgado (cfr., por todos, o Ac. STJ de 6.05.93, BMJ, 427º, p. 456). E tais questões podem referir-se quer à relação processual (v.g. a quase totalidade das excepções dilatórias, nos termos do artº 495º CPC), quer à relação material controvertida (v.g., nulidade do negócio jurídico, ante o estatuído no artigo 286º do CC, e o abuso de direito, tal como se encontra caracterizado no artº 334º do mesmo Código, ut Ac. STJ de 7.01.93, BMJ, 423, pág. 539) [Cfr. Manual dos Recursos em Proc.Civil, 3ª ed., de Amâncio Ferreira, págs. 133/134]—isto sem embargo, ainda, do estatuído nos arts. 706º, nº1 e 743º, nº3 e 712º, nº3, do CPC.

Ora, in casu, está em causa uma excepção dilatória: a ilegitimidade (ut artº 494º, al. e) CPC), logo de conhecimento oficioso (artº 495º CPC).
Com tal, há apenas que ver se tal questão já foi decidida nos autos e por decisão transitada em julgado.
É patente que não!

No despacho saneador tabelar, de fls. 91, escreveu-se, quanto a este pressuposto processual, apenas isto: “as partes……, têm legitimidade para a presente acção,…”.
Pergunta-se: qual o valor desse despacho?

O artº 510º, nº1, al. a) do CPC dispõe que o juiz profere despacho saneador destinado a “conhecer excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente”.
Continua a discutir-se sobre a necessidade de haver uma pronúncia afirmativa quanto à existência dos pressupostos processuais cuja falta seja susceptível de determinar a absolvição da instância.
Porém, continuam os tribunais a proceder a uma enunciação da generalidade dos pressupostos processuais verificados, sem apreciar em concreto as questões atinentes àqueles pressupostos processuais quando não tenham sido suscitadas pela(s) parte(s).
E, então, qual o valor desse despacho saneador tabelar ou genérico quanto à verificação dos pressupostos processuais?

A questão veio ser solucionada pelo nº 3 do artº 510º do CPC [Que dispõe: “No caso previsto na alínea a), o despacho constitui, logo que transite, caso julgado quanto às questões concretamente apreciadas;….”—o negrito é da nossa autoria], o qual afastou o perigo de transformar esse saneador numa decisão sujeita ao caso julgado formal, tendo, assim, sido decidida por via legislativa uma das questões que anteriormente dividia a doutrina e a jurisprudência [A questão apenas se encontrava expressamente resolvida, no sentido afirmativo, quanto à matéria da legitimidade, por força do Assento do STJ de 1-2-63, BMJ 124.°/414, e no sentido negativo, no tocante à competência absoluta, a partir do Assento do STJ, de 27-11-92, D. R. de 11-1-92. Quanto às demais excepções ou nulidades processuais existia clara divergência doutrinal e jurisprudencial, entendendo uns que o caso julgado formal apenas abarcava as excepções ou nulidades expressa e concretamente resolvidas no despacho saneador e defendendo outros a formação de caso julgado independentemente de tal concretização, aplicando extensivamente a doutrina do Assento sobre o pressuposto processual da legitimidade.
No primeiro sentido, cfr. ANTUNES VARELA, Manual de Proc. Civil, pág. 393, e RLJ, ano 121º/285 e segs., ALBERTO DOS REIS, CPC anot. vol. III, pág. 198, ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pág. 266, o Ac. da Rel. de Lisboa, de 15-2-94, CJ, tomo V, pág. 133 (verificação, na sentença, da admissibilidade da reconvenção), e o Ac. da Rel. de Lisboa, de 2-10-97, CJ, tomo IV, pág. 97 (patrocínio judiciário).
No sentido afirmativo, cfr. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, vol. II, págs. 632 e segs., RODRIGUES BASTOS, Notas ao CPC, vol. III, pág. 77, e os Acs. do STJ, de 1-6-93, BMJ 328.°/588, e de 19-6-84, BMJ 338.°/391. Cfr. ainda, sobre um caso de falta de personalidade judiciária, o Ac. do STJ, de 17-5-95, BMJ 447.°/422.
A partir da revisão do CPC ficou claro que o despacho saneador apenas constitui caso julgado formal em relação às questões concretamente apreciadas. Não ficou, todavia, esclarecido se a mesma solução deve aplicar-se às excepções peremptórias, embora pareça que não faz sentido atribuir a uma decisão genérica sobre o mérito da causa valor superior ao que a lei atribui a decisões tabelares que apensa visam a relação processual, tal como já antes fora decidido (Acs. in BMJ 375º-403, Col. Jur., 94, T. II, 38 e Rev. Trib., ano 81º-68 e A. Varela, Manual cit., 396, nota 1)].
Assim, portanto, como escreve Lebres de Freitas, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. 2º, págs. 370-371, “Se, porém, o juiz referir genericamente que determinados pressupostos, dos constantes do artº 494º (por exemplo, a competência, a capacidade, a legitimidade ou os da coligação) ou outros (por exemplo, os que tornam admissível a reconvenção, ou o pedido genérico: respectivamente, arts. 274º-2 e 471º-1), se verificam, o despacho saneador não constitui , nessa parte, caso julgado formal (artº 672º), pelo que continua a ser possível a apreciação duma questão concreta de que resulte que o pressuposto genericamente referido afinal não ocorre ou que há nulidade”—sublinhado nosso.

Antes das aludidas alterações ao CPC e depois do referido Assento de 1.2.63, in DR de 21.2.63 e BMJ, 124, p. 414, não era mais possível, depois do despacho saneador que, sem mais, declarasse as partes legítimas, levantar questão que pusesse em causa a legitimidade do autor ou do réu, a menos que, como ocorre no Ac. do STJ de 5.7.84, BMJ, 339, p. 370, factos supervenientes pusessem em causa a legitimidade da parte, entendida como Alberto dos Reis a entendia.
O actual nº 3 do artº 510º, como vimos, pôs termo à contenda, sendo certo que já o Anteprojecto (artº 402º-2) e o Projecto (artº 405º-2) da comissão Varela propunham a consagração da norma do actual 510º-3, em sintonia com o entendimento de Antunes Varela, Anotação ao acórdão de 1.6.83, RLJ, 121.

Assim, portanto, o tribunal de recurso pode—e deve—conhecer das questões novas-- ou seja, não levantadas no tribunal recorrido--, desde que não tenham sido decididas com trânsito em julgado e versem sobre questões de conhecimento oficioso.

Como tal, e voltando ao caso sub judice, conclui-se que, não obstante a questão da ilegitimidade do autor não ter sido suscitada nos autos, nada impede que este tribunal de recurso se pronuncie sobre ela, visto que, sendo de conhecimento oficioso, ainda não se encontra decidida com trânsito em julgado por se encontrar inserida em mero despacho saneador tabelar ou genérico.

- I. B)- O AUTOR/COMPROPRIETÁRIO É PARTE LEGÍTIMA PARA A INSTAURAÇÃO DA ACÇÃO DESACOMPANHADO DOS DEMAIS COMPROPRIETÁRIOS DOS IMÓVEIS A QUE RESPEITA A PREFERÊNCIA?

Sendo afirmativa a resposta, obviamente que decai a primeira questão suscitada nas alegações recursórias; sendo negativa, essa questão vingará, tendo como consequência a absolvição dos réus da instância (ut artº 493º/2 CPC).
Vejamos, pois.

Vem o autor com a presente demanda, ao abrigo do estatuído no artº 1409º do Cód. Civil, lograr obter o reconhecimento do seu direito de preferência na venda judicial de ¼ dos prédios identificados nas alíneas A), C) e E) da matéria de facto assente, alegando, para tal, que é comproprietário de ¼ indiviso de tais prédios.
Efectivamente, assente está que o autor é comproprietário, na proporção e ¼, dos aludidos prédios -- urbano e rústico—, dos quais, nos autos de falência de D……… a correr termos pelo 1º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia sob o nº ../98, foi adjudicado à primeira ré—estranha à relação de compropriedade--, por instrumento de venda e auto de transmissão de imóveis, uma quarta parte indivisa.

Como é sabido, há posições doutrinais diversas no que tange à natureza da compropriedade.
Assim, a doutrina tradicional sustenta que cada comproprietário é titular de um direito (pleno e absoluto) de propriedade sobre uma quota ideal ou intelectual da coisa.
Para outra tese, a compropriedade é uma pluralidade de direitos de propriedade iguais sobre toda a coisa.
Para outros, a titularidade do domínio, dentro da compropriedade, estaria na colectividade dos consortes; cada comproprietário, isoladamente considerado, não seria titular dum direito autónomo, concorreria apenas para a formação do sujeito do direito.
Estas, e outras, teses são passíveis de críticas, como se pode ver, desenvolvidamente, em CCAnotado, de P. Lima e A. Varela, anotação ao artº 1403º.
Como quer que seja, afirmando que a compropriedade é uma comunhão num único direito de propriedade e que os direitos dos consortes (sobre a coisa comum) são qualitativamente iguais, a lei permite distinguir entre a compropriedade, de um lado, e o concurso de direitos e o condomínio, do outro.
Veja-se que os contitulares perdem quase por completo a autonomia que caracteriza o domínio, só podendo exercer os poderes compreendidos no direito de propriedade com a colaboração dos demais contitulares, à excepção do poder de uso (artº 1406º CC).

Avançando, vejamos, então, se o autor (mero comproprietário dos prédios em questão—al. H) da matéria assente) podia instaurar a presente acção (de preferência) desacompanhado dos demais comproprietários, não provando a renúncia destes.
Cremos que não podia.

Com efeito, entendemos que a lei exige a intervenção dos restantes comproprietários para assegurar a legitimidade do autor na acção de preferência. Só assim não sairão frustradas as finalidades da mesma lei e a decisão a obter produzirá o seu efeito útil normal (ut artigo 28 do Código de Processo Civil)—só assim, portanto, regulando definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.
Vejamos melhor.

No art. 1409.° CC dispõe-se que o comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda ou dação em cumprimento a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes.
E o seu n.° 3 acrescenta que sendo dois ou mais os preferentes a quota alienada é adjudicada a todos na proporção das suas quotas.
Por sua vez, dispõe o n.° 1 do art. 1410º que o comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação e deposite o preço devido nos oito dias seguintes ao despacho que ordene a citação dos réus.

Ora, aceitar que o comproprietário possa accionar sozinho—isto é, desacompanhado dos demais comproprietários e sem lograr obter a renúncia destes caso não tenham perdido esse direito de preferência – é aceitar a possibilidade de um prejuízo para esses comproprietários não intervenientes ou que não deram tal consentimento. É que não se trata só da defesa da comunhão, porque o preferente mais lesto, ao ver aumentada a sua quota, pode ser beneficiado numa eventual divisão de coisa comum.
Há que atender aqui ao efeito útil e normal das decisões judiciais a que alude o n.° 2 do art. 28.° do Cód. Proc. Civil.
Com efeito, dispõe o artº 28º do CPC:
“(Litisconsórcio necessário)
1. Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
2. É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.”.

É o que ocorre no caso presente.
Na verdade, a sentença proferida nos autos a dar razão ao autor, mesmo desacompanhado dos demais comproprietários, de forma alguma regulará definitivamente a situação concreta sujeita a apreciação judicial—não produzirá o seu «efeito útil normal», ut artº 28º, nº2 CPC. Com efeito, os demais comproprietários dos prédios em questão e de que o autor não logrou provar que renunciaram à preferência, têm, em princípio, a possibilidade legal de vir demandar o ora autor, com base na mesma relação jurídica. Assim, para não haver risco de ser inoperante a decisão a proferir, parece que não pode deixar de haver lugar no caso sub judice ao litisconsórcio necessário activo, em conformidade com o aludido n.° 2 do art. 28.° do Cód. Proc. Civil (neste sentido ver o Ac. STJ de 6-11-79, in Bol. 291/396).

Poder-se-ia objectar que o comproprietário que deseja exercer a preferência fica, desse modo, dependente da vontade dos outros comproprietários, arriscando-se a ser prejudicado, não aparecendo ninguém a defender a comunhão.
A questão, porém, será resolvida seguindo a solução apontada, v.g., pelo Ac. Rel. Coimbra de 26-1-68, in Jur. Rel., ano 14.°, pág. 164 e Rev. dos Tribunais, ano 86.°, pág. 362. Ou seja, o autor—ou outro comproprietário--, se queria exercer a preferência deveria, muito simplesmente, ter-se acautelado, munindo-se de documentos de renúncia dos que não o desejassem fazer, assim se habilitando a pedir (com segurança) a adjudicação da quota, ou quotas, alienada (s).
É claro que podia não conseguir obter tais documentos de renúncia dos demais comproprietários. Mas, então, socorrer-se-ia da intervenção provocada a que alude o artº 325º do CPC, assim provocado a citação para a acção de preferência dos que com ele não quiserem ou não puderem coligar-se.

Ensina Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. de Proc. Civil, vol. I, pág. 118, que a decisão produz o «efeito útil normal» de que fala o artº 28º, nº2 CPC quando regule definitivamente a situação concreta sujeita à apreciação judicial. Sempre que, por não intervirem certas pessoas, seja abalada essa estabilidade que se procura e se deseja, deixando a porta aberta à possibilidade de outros interessados na mesma relação jurídica suscitar nova demanda, em que poderão obter decisão diferente, o litisconsórcio impõe-se como obrigação.
É, como vimos, o que ocorre no caso sub judice: os demais comproprietários podem vir demandar o aqui autor com base na mesma relação jurídica. O que basta para haver o risco de a decisão a proferir poder vir a abalar a aludida estabilidade que se deseja, dada a eventual instauração de nova(s) demanda(s) que a altere e impeça de se tornar definitiva.
Estamos, portanto, perante caso de litisconsórcio necessário activo, nos sobreditos termos.

A esta solução igualmente se chegaria com aplicação do disposto no artº 1409º, nº3 do PCP, ao dispor que sendo dois ou mais os preferentes, a quota alienada é adjudicada a todos na proporção das suas quotas, quer estas sejam iguais, quer desiguais.
Portanto, havendo mais que um interessado na adjudicação, dado haver vários comproprietários, há tantos interessados com igual direito de preferência e possibilidade de qualquer deles intentar as respectiva acção, razão porque a quota nos bens aqui em questão não podia ser adjudicada apenas ao autor, antes se impunha acautelar os interesses dos demais comproprietários—fazendo-os intervir na acção, pelo lado activo--, adjudicando-a a todos eles na proporção supra apontada, caso pretendam, também, exercer a preferência e tal direito seja reconhecido por verificação de todos os pressupostos legais.

No mesmo sentido se poderia apontar o artº 419ºdo CC, que dispõe:
“(Pluralidade de titulares)
1. Pertencendo simultaneamente a vários titulares, o direito de preferência só pode ser exercido por todos em conjunto; mas, se o direito se extinguir em relação a algum deles, ou algum declarar que não o quer exercer, acresce o seu direito aos restantes.
2. Se o direito pertencer a mais de um titular, mas houver de ser exercido apenas por um deles, na falta de designação abrir-se-á licitação entre todos, revertendo o excesso para o alienante.

Mas tal nem é necessário, dado o regime já previsto especificamente para a compropriedade. Além de se poder objectar que tal normativo é inaplicável à compropriedade, já que o artº 1409º, nº2 apenas refere ser aplicável à preferência do comproprietário o disposto nos arts. “416º a 418º”. E, assim sendo, o direito de preferência não tem que ser exercido, na compropriedade, por todos os titulares, antes pode sê-lo por qualquer um deles individualmente.
Não é assim, porém,
A não inclusão (expressa) do artº 419º na remissão do artº 1409º, nº2, não visou afastar da compropriedade o exercício conjunto do direito de preferência que o nº 1 daquele preceito prevê, mas ocorreu apenas porque já no nº 3 do artº 1409º se previa um regime específico para a compropriedade, fazendo seguir a regra do litisconsórcio necessário activo que o nº 1 do artº 419º prevê.

Poder-se-á, também, objectar que a solução aqui propugnada não se compagina com o estatuído no artº 1405º do CC, que dispõe:
“(Posição dos comproprietários)
1. Os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção da suas quotas e nos termos dos artigos seguintes.
2. Cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro.”

Uma coisa, porém, é a reivindicação, outra, bem diferente, é o exercício da preferência por banda do comproprietário na venda de quota indivisa do bem.
Na reivindicação a lei não faculta ao consorte a reivindicação da coisa comum para integração na sua esfera jurídica individual, mas apenas no interesse de todos, pois a coisa não lhe pertence por inteiro.
O que não ocorre no exercício da preferência.

Portanto, o direito de preferência tinha que ser exercido, em conjunto, por todos os comproprietários dos prédios em questão, em litisconsórcio necessário (activo)-- em conformidade com o princípio segundo o qual, nas situações de compropriedade ou comunhão, os direitos nelas integrados devem ser exercidos conjuntamente por todos os contitulares (cfr. arts. 1404 e 1405, n.º 1 do Cód. Civil).[Na doutrina pode ver-se: Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., p. 165; António Pires Henriques da Graça, A Legitimidade na Acção de Preferência, CJ Ano IX, Tomo I, p. 30. Na jurisprudência: Ac. do STJ de 5 de Maio de 1988, BMJ 377-476; Ac. do STJ de 7 de Novembro de 1989, BMJ 391-574; Acs. do STJ de 9 de Dezembro de 1999, BMJ 492-391, de 19 de Fevereiro de 2004, e de 1 de Julho de 2004, (Conselheiro Dr. Moitinho de Almeida, estes dois últimos, disponíveis em www.dgsi.pt.].

Esta posição tem sido, de forma especial, abundantemente sufrada pelo nosso mais alto Tribunal, podendo citar-se, ainda, os seguintes arestos:
- Ac. de 9 de Dezembro de 1999 (Bol. M.J., nº 429, págs. 391 e segs), sumariado nos seguintes termos:
«I - O comproprietário que pretenda instaurar a acção de preferência contra a alienação da quota de um consorte e não possa provar a renúncia dos outros consortes terá de propor a acção conjuntamente com estes ou provocar a intervenção deles na acção, sob pena de ilegitimidade;
II - Trata-se de um caso de litisconsórcio necessário, tendo em conta que, se o comproprietário não interveniente na acção propusesse acção para obter a sua proporção na quota alienada, como tinha o direito de o fazer, verificar-se-ia, ou podia verificar-se, conflito de decisões e a decisão a favor dos autores não regulava definitivamente a questão (artigo 28, n.° 2, do Código de Processo Civil).»
- Acórdão de 14 de Abril de 1988 (Bol. M.J., nº 376, págs. 569 e ss.) que, seguindo o Prof. Antunes Varela (pág. 572), escreve:
«O comproprietário que se apresente isoladamente a preferir, sem provar a intervenção dos restantes ou sem provar a renúncia deles, não pode deixar de ser considerado parte ilegítima, por não ser o único titular da relação controvertida, no momento em que a acção é proposta.»
- Acórdão de 22 de Janeiro de 1987 (Bol. M.J., nº 363, págs. 523 ss. e doutrina e jurisprudência referidas a págs. 527/528), onde se escreveu (págs. 525/526):
«Não pode o comproprietário preterido intentar, isoladamente, a acção de preferência sem a intervenção dos demais ou a sua prévia notificação, salvo se eles houverem renunciado ao seu direito (…)».
«Portanto, dada a situação da pluralidade de preferentes, respeitante ao mesmo direito de preferência ou contitularidade de uma única relação de preferência, e não a direitos de preferência distintos, porventura, da mesma natureza, o comproprietário que pretenda instaurar a acção de preferência, em consequência de alienação de quota de um seu consorte a um estranho, e não possa provar a renúncia dos outros consortes, terá que propor a acção conjuntamente com estes ou provocar a intervenção deles na acção - artigo 356.° do Código de Processo Civil - sob pena de ilegitimidade activa.».

Estes últimos arestos vêm também citados no recente Ac. do STJ de 22.09.2005 (relator Consº Lucas Coelho), disponível no site da dgsi.pt, com o seguinte sumário:
“I- O comproprietário que pretenda instaurar acção de preferência em consequência de alienação de quota de um seu consorte a estranho e não possa provar a renúncia dos outros consortes, deve propor acção conjuntamente com estes - ou provocar a sua intervenção na acção -, em litisconsórcio necessário activo, sob pena de ilegitimidade;
II - Trata-se de solução consentânea substantivamente com a natureza jurídica da compropriedade, na concepção, mais adequada às soluções legais e ao próprio conceito formulado no artigo 1403.º do Código Civil, de um único direito de propriedade com pluralidade de titulares, pertencendo a cada um deles uma quota ideal do mesmo direito, que exprime o quantum de poderes sobre a coisa comum enquanto dura a comunhão, e a medida do direito no momento da divisão;
[…………………………………]”.

Neste último acórdão aborda-se, ainda, outra questão atinente à legitimidade:
Tendo-se o autor/comproprietário arrogado em exclusivo a titularidade do direito de preferência - como ocorre na presente acção, em que o demandante pede o reconhecimento do direito de haver para si as quotas alienadas, e de se substituir à 1ª ré na posição de adquirente -, então poder-se-ia dizer que estava assegurada a sua legitimidade, posto que tinha interesse directo em demandar, nos termos do artigo 26.º do CPC, por se ter apresentado como sujeito da relação material controvertida, tal como configurada na petição?
Sobre esta questão, escreve-se no citado acórdão do STJ: “Só que, pertencendo a preferência a todos os comproprietários, o autor não tem realmente o direito que se arroga, improcedendo a acção, por conseguinte, quanto ao fundo.
A solução não pode, contudo, ser esta actualmente.
A regra de aferição da legitimidade em função da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor, extraída pelo Supremo do artigo 26.º na época em que proferiu o aresto, foi introduzida no n.º 3 do mesmo artigo pela Reforma de 1995/96, sob reserva, passe a expressão, de inaplicabilidade à legitimidade plural.
É neste sentido elucidativo o seguinte excerto do relatório preambular do Decreto--Lei n. 329-A/95, de 12 de Dezembro:
«Circunscreve-se, porém, de forma clara, tal problemática ao campo da definição da legitimidade singular e directa - isto é, à fixação do “critério normal’ de determinação da legitimidade das partes, assente na pertinência ou titularidade da relação material controvertida - e resultando da formulação proposta que, pelo contrário, a legitimação extraordinária, traduzida na exigência do litisconsórcio ou na atribuição de legitimidade indirecta, não depende das meras afirmações do autor, expressas na petição, mas da efectiva configuração da situação em que assenta, afinal, a própria legitimação dos intervenientes no processo.».

Assim, portanto, entendeu, também, o aresto que vimos de citar que o autor/comproprietário não tinha legitimidade para, por si só, vir exercer o direito de preferência nos sobreditos termos.
Ali se escreveu:
“Pensa-se, aliás, ser essa a solução substantivamente consentânea com a natureza jurídica da compropriedade, na concepção, mais adequada às soluções legais e ao próprio conceito formulado no artigo 1403 do Código Civil, de um único direito de propriedade com pluralidade de titulares, pertencendo a cada um deles uma quota ideal do mesmo direito” (neste sentido, Manuel Henrique Mesquita, Direitos reais, Sumários das lições ao curso de 1966-1967 (policopiados), Coimbra, 1967, págs. 245 ss).
E continua:
“Consoante observa a doutrina italiana, não pode existir ao mesmo tempo mais de um direito de propriedade sobre o mesmo bem - duorum vel plurium in solidum dominium esse non potest -, mas de um mesmo direito podem ser titulares vários sujeitos conjuntamente, e nada impede, por consequência, que a propriedade, na sua natureza de domínio pleno e exclusivo, pertença simultaneamente a várias pessoas em conjunto. Então, nas relações internas da comunhão cada consorte detém uma quota ideal do direito, que exprime o quantum de poderes sobre a coisa comum enquanto dura a comunhão, e a medida do direito no momento da divisão” (Alberto Trabucchi, Instituzioni di Diritto Civile, 41ª edizione, a cura di Giuseppe Trabucchi CEDAM, Padova, 2004, págs. 534/535).
E remata:
“Pois bem. Uma semelhante construção não permitiria, assim o cremos, explicar que o mais lesto quiçá dos consortes preferentes pudesse isoladamente agir e haver para si a quota alienada em detrimento dos demais. Pelo menos a sentença que a favor desse comproprietário se proferisse não produziria o seu efeito útil normal, como se mostrou, deixando de regular definitivamente a situação concreta dos interessados na fattispecie sub iudicio”.
[………………].
Daí que a preferência devesse ter sido exercida por todos os comproprietários, em litisconsórcio necessário activo”—os sublinhados e negritos são da nossa autoria.

Em suma, não tendo a acção sido instaurada por todos os contitulares do direito de preferência—apenas o foi por um dos comproprietários-- e nem tendo sido alegado (e comprovado) que os demais contitulares do mesmo direito concreto de preferência não pretendem preferir nem tendo o autor provocado a intervenção na acção dos demais comproprietários, nos termos do art. 325, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, é claro para nós, salvo melhor opinião, que se impõe concluir pela ilegitimidade activa do autor nesta demanda.

Sobre a matéria da legitimidade activa, na acção de preferência, ver, ainda, RLJ Ano 115, p. 282 e Ano 116, p. 282.
Em particular, sobre a contitularidade de direitos subjectivos, ver Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2005, 3.ª ed., p. 676.
Sobre a necessidade de intervenção de todos os sujeitos da relação jurídica, para que a decisão possa produzir efeito definitivo entre as partes (artº 28º, nº2 CPC) pode ver-se, ainda, os acórdãos do STJ de 11 de Julho de 1985, Bol. M.J., nº 349º, pág. 405, e de 9 de Fevereiro de 1993, Col. Jur., STJ, Tomo I, pág. 143.
Finalmente, sobre a temática em discussão, e na doutrina, pode consultar-se, também, os seguintes autores: A.Varela, «Exercício do direito de preferência», na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 100º, págs. 209 a 243, e ano 115º, págs. 286 e segs.; Galvão Telles, «O Direito de Preferência», Colectânea de Jur., 1984, tomo I, págs. 51 ss; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, págs. 76 e segs, e Sá Carneiro, Revista dos Tribunais , ano 93º, pág. 140.

Procede, assim, a primeira questão suscitada pelos apelantes— e, como tal, prejudicado fica a apreciação das demais.

CONCLUINDO:
- A regra de aferição da legitimidade em função da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor, foi introduzida no n.º 3 do artigo 26º do CPC pela Reforma de 1995/96 “sob reserva” de inaplicabilidade à legitimidade plural (legitimação extraordinária, traduzida na exigência do litisconsórcio ou na atribuição de legitimidade indirecta).
- Assim, apesar de o autor/comproprietário se ter arrogado em exclusivo a titularidade do direito de preferência—apresentado-se, assim, como sujeito da relação material controvertida configurada na petição--, tal, por si só, não assegura a sua legitimidade activa.
- Pode o tribunal de recurso conhecer de questões novas desde que sejam de conhecimento oficioso e ainda não estejam decididas com trânsito em julgado, quer sejam referentes à relação processual (v.g. a quase totalidade das excepções dilatórias, nos termos do artº 495º CPC), quer à relação material controvertida.
- Resulta do nº 3 do artº 510º do actual CPC que o despacho saneador tabelar ou genérico quanto à verificação dos pressupostos processuais não constitui, nessa parte, caso julgado formal, pelo que continua a ser possível a apreciação duma questão concreta de que resulte que o pressuposto genericamnete referido afinal não ocorre ou que há nulidade.
- O comproprietário que pretenda instaurar acção de preferência em consequência de alienação de quota de um seu consorte a estranho, deve propor a acção conjuntamente com os seus consortes, em litisconsórcio necessário activo, sob pena de ilegitimidade, a não ser que prove a renúncia dos outros consortes, ou—não o provando-- provoque a sua intervenção na acção.
- Com efeito, a sentença que dê razão ao autor quando desacompanhado dos demais comproprietários, não regulará definitivamente a situação concreta sujeita a apreciação judicial—não produzirá o seu «efeito útil normal» (ut artº 28º, nº2 CPC).

IV. DECISÃO:

Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação e, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se o autor parte ilegítima para a presente acção, nos sobreditos termos, absolvem os réus/apelantes da instância.
Custas, em ambas as instâncias, a cargo do Autor/apelado.

Porto, 14 de Setembro de 2006
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves