Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3043/08.2TJVNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: ARTICULADO SUPERVENIENTE
ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO POR DANO PATRIMONIAL FUTURO
SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL
INCAPACIDADE PERMANENTE
CAPACIDADE DE GANHO
Nº do Documento: RP201106213043/08.2TJVNF.P1
Data do Acordão: 06/21/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Sendo a vítima um jovem estudante de 15 anos de idade, na fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros deverá ter-se em conta o valor do salário mínimo nacional à data do acidente.
II - Porém, cingindo-se a incapacidade permanente geral a 5%, a qual não se virá a repercutir directamente na capacidade de ganho da vítima, de pouco ou nenhum relevo se mostra a utilização como referencial indemnizatório, quanto a danos patrimoniais futuros, daquele salário mínimo nacional, devendo o critério fundamental residir na equidade.
III - Os articulados supervenientes destinam-se à alegação de factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito ocorridos depois de terminado o prazo para o último articulado (superveniência objectiva) ou que, embora ocorridos anteriormente, aparte deles só tenha tido conhecimento após o decurso daquele prazo(superveniência subjectiva).
IV - Não é assim de admitir o articulado superveniente em que toda a factualidade aí alegada pela parte já consta da petição inicial e da subsequente base instrutória.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 3043/08.2 TJVNF.P1
1º Juízo Cível de Vila Nova de Famalicão
Apelação
Recorrentes: B… e “C…, SA”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Pinto dos Santos e Ramos Lopes

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
O autor B…, residente na Rua …, …, …, Vila Nova de Famalicão, intentou a presente acção declarativa de processo ordinário contra a ré “C…” com delegação na …, …, Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de €82.854,07, acrescida de juros legais desde a citação, alegando ter sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais naquele montante na sequência de acidente de viação cuja responsabilidade imputa ao condutor de veículo seguro na ré.
A ré apresentou contestação, na qual afirmou desconhecer o modo como o acidente ocorreu, impugnando ainda a extensão dos danos invocados.
O autor replicou, mantendo a versão dos factos apresentada na petição inicial.
Realizada audiência preliminar, foi proferido despacho saneador com fixação da matéria assente e organização da base instrutória.
Efectuou-se perícia.
O autor, a fls. 182 e segs., apresentou articulado superveniente nos termos do art. 506º, nº 3 do Cód. do Proc. Civil, cujo conteúdo é o seguinte:
“1. Pelo demandante foi alegado no artigo 33º, nº 3, al. a) da petição inicial que sofreu fractura do acetábulo direito, já consolidada, com irregularidade da superfície articular (artrose em fase inicial), além de outras sequelas, que lhe determinam uma incapacidade parcial permanente para o trabalho.
2. Sendo a incapacidade permanente geral fixada em 9 pontos, a que acresciam 10 pontos a título de dano futuro, resultante da artrose, tendo em conta, principalmente a pouca idade do demandante (15 anos à data do acidente).
3. A este propósito na base instrutória questionou-se:
Art. 24: sequelas que lhe determinam uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 19%?
Art. 28: Irá registar-se um agravamento progressivo da artrose coxo-femural direita, cuja evolução dependerá em grande parte do esforço e carga a que aquela articulação estará sujeita ao longo dos anos?
Art. 30: Irá condicionar e limitar o exercício de actividades profissionais que obriguem também a esforço e carga sobre aquela articulação de forma continuada?
4. O Gabinete Médico-Legal de Braga, como é seu costume, e dos demais, respondeu em relatório de 14.1.2010, do seguinte modo:
- Incapacidade permanente geral fixável em 5 pontos;
- Admite-se como possível a existência de um dano futuro em relação às consequências da fractura acetabular direita.
5. E, no mesmo relatório, metendo foice em seara alheia e, opinando sobre aquilo que desconhece por completo, disse:
A fractura do acetábulo poderia eventualmente justificar a atribuição de um dano futuro, com evolução para coxartrose unilateral direita, que seria atribuível ao evento, se ficasse patente num período aproximado a 30 anos. No entanto, as incontornáveis dificuldades na fixação objectiva de uma pontuação do dano futuro, justificam que pericialmente não se proceda a qualquer quantificação deste dano, assinalando-se apenas a sua verificação, tendo em vista deixar em aberto a eventualidade de uma reabertura do processo com posterior reavaliação.
6. O demandante pediu esclarecimentos acerca da avaliação e temporalidade do cálculo do dano futuro – que a maioria dos senhores peritos – aquela maioria que respeita os direitos dos sinistrados e que, porventura, não têm aspirações de progressão na carreira – mas não adiantou coisa nenhuma,
7. pois esse esclarecimento não passou de conversa mole e continuou a não esclarecer coisa nenhuma: “magister dixit, dixit”.
8. Sendo assim, não tem o demandante outra solução que não seja lançar mão deste articulado superveniente,
9. dado que o senhor perito médico-legal tornou em superveniente um facto que podia ter sido tratado devidamente
10. mas que ele, no seu esclarecimento processual, aconselhou uma reabertura do processo, ficando bem evidente a prova da superveniência do facto da existência do dano futuro decorrente da artrose da fractura do acetábulo.
11. Essa reaberturta não é possível, pura e simplesmente: - só será possível se se relegar para execução de sentença.
Pelo exposto
Vem requerer que seja relegada para execução de sentença:
- a fixação do “quantum” percentual, ou em pontos, do dano futuro resultante do agravamento progressivo da artrose coxo-femural direita;
- o que se calcular, e liquidar, ou seja, o “quantum” indemnizatório correspondente a esse agravamento.”
A ré, notificada para os efeitos do art. 506º, nº 4 do Cód. do Proc. Civil, pronunciou-se no sentido da rejeição do articulado superveniente.
A Mmª Juíza “a quo” proferiu então o seguinte despacho, com data de 6.10.2010:
“A fls. 182 veio o autor por articulado superveniente requerer que seja relegada para execução de sentença a fixação do «quantum» percentual ou em pontos do dano futuro resultante do agravamento progressivo da artrose coxo-femural direita e o que se calcular e liquidar correspondente a esse agravamento.
Nos termos do nº 4 do art. 506º do CPC foi dado o contraditório sendo pela ré impugnado o respectivo articulado, uma vez que nesse requerimento não são alegados quaisquer factos supervenientes, mas sim deduzido pedido diverso do inicialmente formulado.
Cumpre decidir:
Dispõe o art. 506º, nº 1 do CPC que os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado pela parte a quem aproveitam, até ao encerramento da discussão.
Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos.
Posto isto, somos a concordar com a ré porquanto nenhum facto novo é deduzido, nem existe qualquer matéria para aditamento à base instrutória.
Efectivamente o que o autor pretende é que o dano futuro resultante do agravamento progressivo da artrose coxo femural direita seja relegado para a execução da sentença.
Ora, a exacta compreensão do art. 661º, nº 2 do CPC diz que só é permitido remeter para execução de sentença, quando não houver elementos para fixar a quantidade, mas entendida essa falta, não como consequência do fracasso da alegação ou da prova dos factos, mas sim como consequência de ainda não se terem revelado, com exactidão, ou estarem em evolução ainda, algumas ou todas as consequências.
De outro modo, a carência de elementos não se refere à inexistência de alegação e prova dos factos, porque estes ainda estavam em evolução aquando da propositura da acção (...).
Deste modo e tendo como presente que não é líquida tal obrigação de que se pretende o relegar para execução de sentença, não sendo igualmente previsível e determinável, não se admite o articulado superveniente deduzido, entendendo-se igualmente não poder tal questão ser apreciada em termos de ampliação do pedido.
A verificar-se tal dano futuro terá o demandante de interpor nova acção para a apreciação dos factos, nessa a serem deduzidos.
Notifique.”
Inconformado, o autor interpôs recurso deste despacho, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª Alegou-se na petição inicial que se iria registar um agravamento progressivo da artrose coxo-femural direita do demandante, cuja evolução dependerá em grande parte do esforço e carga a que aquela articulação estará sujeita ao longo dos anos.
2ª Em resposta a esta questão, o senhor perito médico-legal disse que “a fractura do acetábulo poderia eventualmente justificar a atribuição de um dano futuro, com evolução para uma coxartrose unilateral direita que seria atribuível ao evento se ficasse patente num período aproximado de 30 anos.”
3ª E disse mais: - “no entanto, as incontornáveis dificuldades na fixação objectiva de uma pontuação do dano futuro, justificam que não se proceda a qualquer quantificação deste dano, assinalando-se apenas a sua verificação, tendo em vista deixar em aberto a eventualidade de uma reabertura do processo com posterior reavaliação.”
4ª Este previsível, e muitas vezes mais do que certo agravamento, era apreciado, calculado e fixado na perícia médico-legal e acrescia à incapacidade efectiva verificada, o que acontecia em todos os G.M.L. e por todos os peritos, motivo por que o demandante pediu esclarecimentos ao Sr. Perito.
5ª Como isso não aconteceu neste caso e com este perito, o que realizou a perícia médico-legal, metendo-se onde não era chamado, ao aconselhar a reabertura de processos, foi-lhe pedido o adequado esclarecimento, que, espantosa e escandalosamente disse o seguinte:
“Nas recomendações para a realização de relatórios periciais de clínica forense no âmbito do Direito Civil das Normas Procedimentais, definidas pelo INML para a Avaliação do Dano Corporal, está consagrada a possibilidade de verificação de um dano futuro, considerando exclusivamente como tal, o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico.”
6ª E acrescenta; - “No entanto, as mesmas recomendam que não se proceda a qualquer quantificação deste dano, assinalando-se apenas a sua verificação. E justificam essa aplicação normativa, com a já anteriormente referida eventualidade de uma reabertura do processo com posterior reavaliação. Não estão previstas excepções no referido normativo de Avaliação de Dano Futuro, que foi reformulado em 25.11.2009, com o sentido e orientação que o perito agora aplicou.
7ª Posto isto, o lesado tem a maior dificuldade não em compreender esta aberração, desde que o Governo se colou às seguradoras em prejuízo dos sinistrados, mas em verificar que um médico, na qualidade de perito, põe de lado o juramento de Hipócrates, que prestou, e que obedece a directivas, quando é certo que do preâmbulo do Dec. Lei nº 252/2007, de 23.10, que aprovou as tabelas de incapacidade, inteiramente desfavoráveis aos lesados, mas que, mesmo assim, refere que “a avaliação da incapacidade basear-se-à em observações médicas precisas e especializadas, dotadas do necessário bom senso clínico e de uma perspectiva global e integrada, fazendo jus à merecida reputação que Portugal tem tido na avaliação do dano corporal.”
8ª Estando fora de questão que vai haver um agravamento da fractura do acetábulo com evolução para uma coxartrose unilateral direita, provocando incapacidade para o futuro, em articulado superveniente a toda esta realidade que só após exame foi conhecida, para que a indemnização da incapacidade resultante desse agravamento foi deixada para liquidar em execução de sentença.
9ª O Senhor Perito remeteu o demandante para um novo processo; mais tarde, o mesmo, mas mais estranhamente, aconteceu com o Mmº Juiz “a quo” que sabe que isso não é possível.
10ª Só o articulado superveniente, para deixar para liquidar em execução de sentença a indemnização que decorrer do agravamento da incapacidade do demandante é que salvaguarda o legítimo interesse do demandante, como é jurisprudência maioritária.
11ª O douto despacho do Mmº Juiz “a quo” violou o disposto no art. 506º do Cód. Proc. Civil.
Pretende, assim, que o mesmo seja revogado e substituído por outro que admita o articulado superveniente.
A ré apresentou contra-alegações, pronunciando-se pela confirmação do decidido.
Com observância do legal formalismo, realizou-se audiência de discussão e julgamento.
Foi depois proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré “C…, S.A.” a pagar ao autor B… a quantia de €30.288,35 (trinta mil, duzentos e oitenta e oito euros, e trinta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa de 4% (Portaria nº 291/03, de 8 de Abril), vencidos desde a citação até integral pagamento, sobre o montante de €21.288,35 (vinte e um mil, duzentos e oitenta e oito euros e trinta e cinco cêntimos), e desde hoje e até integral pagamento sobre o montante remanescente de €9.000,00 (nove mil euros).
Inconformado, o autor interpôs recurso, cujas alegações findou com as seguintes conclusões:
1ª O dano não patrimonial do demandante foi muito intenso, tendo sofrido dores intensas tanto no momento do acidente como no decurso do tratamento, com traumatismos vários, com internamento hospitalar durante um mês, com uma intervenção cirúrgica e com sequelas para toda a vida.
2ª Para compensar este dano não patrimonial o demandante pediu apenas a quantia de 15.000 € que o Tribunal decidiu reduzir para 9.000 €.
3ª E disse que já era uma quantia actualizada, motivo porque os juros de mora só contariam a partir da sentença de 1ª Instância.
4ª Não disse qual foi o critério que utilizou, por um lado e, por outro, não respeitou o pedido formulado pelo demandante que, podendo optar pela actualização ou pelos juros, optou por estes.
5ª Aliás, como vem sendo reconhecido pela Jurisprudência, afigura-se-nos que segundo a Jurisprudência maioritária do S.T.J. não existe nenhuma razão para distinguir entre danos não patrimoniais e danos patrimoniais pois, “ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus”.
6ª A concessão da quantia pedida – 15.000 € - era uma importância justa, razoável e equitativa.
7ª Quando ao dano patrimonial, pelos elementos constantes dos autos, nada a discordar, até que se defina a questão do agravamento progressivo da artrose coxo-femural direita, em recurso.
8ª A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 483º, 496º, 562º, 564º e 566º do Cód. Civil.
A ré, por seu turno, interpôs recurso subordinado, que finalizou com as seguintes conclusões:
A - Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis (nº 2 do art. 564º do Cód. Civil).
B - Em sede de indemnização dos danos patrimoniais, passados, presentes e futuros, o recurso à equidade é residual e deve conter-se dentro dos limites que o tribunal tiver por provados. É o que resulta do nº. 3 do art. 566º do Cód. Civil.
C - No presente caso provou-se que o lesado tinha 15 anos à data do acidente e era estudante, frequentando em Novembro 2010 o 1º. ano do curso de Informática de Gestão.
D - Mas não se provou a sua alegação de que dentro de 5 anos (a contar da data da propositura da acção) iria ter um rendimento mensal nunca inferior a 1.000 €, 14 vezes por ano.
E - Não existem nos autos elementos de facto que permitam adoptar como valor de referência para calcular a indemnização dos danos patrimoniais futuros o de 700 € indicado pelo Meritíssimo Juiz “a quo”.
F - De acordo com jurisprudência que se crê maioritária, o valor a considerar no caso de lesado que não apresente declaração de rendimentos, como acontece com o autor, é o do salário mínimo nacional.
G - Trata-se de critério que veio a ser consagrado na actual lei do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel (art. 64º, nº. 7 do Dec. Lei 291/2007, de 21 de Agosto), julga-se que procurando ir ao encontro daquela jurisprudência e ao mesmo tempo permitir decisões judiciais uniformes, de mais fácil prolação e equilibradas no confronto dos interesses de lesado e responsável: assegurando indemnização condigna; evitando indemnização especulativa.
H - Seria equitativo conceder ao autor a quantia de 9.000,00 € para indemnizar os danos patrimoniais futuros decorrentes da incapacidade permanente de 5 pontos.
I - Mostram-se violados ou interpretados de forma menos correcta os arts. 564º, nº. 2 e 566º, nº. 3 do Cód. Civil, bem como o art. 64º, nº. 7 do Dec. Lei 291/2007, de 21 Agosto.
J - Deve por isso a sentença ser alterada de forma a que a indemnização a conceder por danos patrimoniais futuros seja no montante de 9.000,00 € (nove mil euros).
A ré respondeu ao recurso interposto pelo autor.
Cumpre, então, apreciar e decidir.
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Aos presentes autos, face à data da sua entrada em juízo, é aplicável o regime de recursos resultante do Dec. Lei nº 303/2007, de 24.8.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 684º, nº 3 e 685º – A, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
I - Recurso interposto pelo autor do despacho que não admitiu o articulado superveniente (alegações a fls. 202 e segs.):
Apurar se tal articulado superveniente é – ou não – de admitir.
II – Recurso interposto pelo autor da sentença recorrida (alegações a fls. 253 e segs.):
a) Apurar se a quantia atribuída ao autor a título de danos não patrimoniais deverá ser aumentada para €15.000,00;
b) Apurar se, neste caso, os juros de mora relativos à indemnização por danos não patrimoniais se deverão contar a partir da decisão da 1ª Instância ou a partir da citação.
III – Recurso subordinado interposto pela ré (alegações a fls. 264 e segs.):
Apurar se é correcto o valor de referência encontrado pela 1ª Instância para calcular a indemnização por danos patrimoniais futuros - €700,00 mensais – e se o montante global desta indemnização se acha adequadamente fixado na sentença recorrida.
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OS FACTOS
A matéria fáctica dada como assente pela 1ª Instância é a seguinte:
1) Cerca das 20h40 do dia 14/10/2005 ocorreu um acidente de viação na Estrada Nacional nº …, em …, Vila Nova de Famalicão, em que intervieram os veículos:
i) 1VNF-..-.., ciclomotor, propriedade de D… e conduzido pelo autor;
ii) ..-AE-.., ligeiro de passageiros, conduzido pelo proprietário, E… (Alínea A da matéria assente).
2) O ciclomotor 1VNF-..-.. circulava pela referida Estrada Nacional no sentido …-… (B).
3) Pela metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido (C).
4) Com velocidade moderada, não excedendo 40 kms/hora (D).
5) Por seu lado, o veículo ..-AE-.. circulava no sentido …-… (E).
6) O veículo de matrícula ..-AE-.. embateu com a parte da frente na parte de trás do ciclomotor 1VNF-..-.. (F).
7) O veículo automóvel AE circulava, pelo menos, a uma velocidade de 70 kms/hora (M e resposta ao quesito 1º da base instrutória).
8) O embate projectou o ciclomotor a uma distância de 35,50 metros (7º).
9) O AE deteve a sua marcha a uma distância de 58 metros contados do local do embate (8º).
10) Nem antes nem após o embate efectuou a mais ténue travagem que fosse (9º).
11) No local onde ocorreu o acidente existem casas de habitação de um lado e do outro da estrada (2º).
12) No local existia a seguinte sinalização: passadeira destinada à travessia de peões pintada no pavimento, com o esclarecimento de que também existia uma linha contínua pintada no pavimento (3º).
13) No local a estrada desenha-se em recta com, pelo menos, 80 metros de extensão (4º).
14) O condutor do AE seguia completamente alheado à condução (5º).
15) Só tardiamente se apercebeu da presença do ciclomotor a circular (6º).
16) Do local do acidente o autor foi imediatamente transportado para o Serviço de Urgências do Hospital …, em Vila Nova de Famalicão (11º).
17) Onde ficou internado (12º).
18) Inicialmente foi submetido a tratamento conservador relativamente às duas fracturas (13º).
19) Em consequência do embate, o autor sofreu:
i) Traumatismo do ombro direito, com fractura média-diafisária da clavícula direita;
ii) Traumatismo da região lombar, com ferida lacer-contusa da região lombar à direita; e
iii) Traumatismo da bacia, com fractura do acetábulo direito (10º).
20) No dia 14/11/2005, foi submetido a uma intervenção cirúrgica à clavícula direita por aparente osteotomia do topo ósseo cavalgado (14º).
21) No dia 16/11/2005 teve alta hospitalar (15º).
22) Recolhendo a sua casa, onde se manteve em repouso (16º e 17º).
23) O autor deslocava-se com o auxílio de uma cadeira de rodas (18º e 20º).
24) Passou depois a ser seguido e assistido no F… em Famalicão, e no G…, em Braga, a cargo da ré (19º).
25) Foi igualmente acompanhado pelo Dr. H…, especialista em Ortopedia, também a cargo da ré (21º).
26) No dia 3/5/2006 teve alta definitiva (22º).
27) B… apresenta as seguintes sequelas:
- Ráquis: cicatriz na região para-lombar/flanco direito, nacarada, pouco notória, fusiforme, vertical, plana, com dimensões de largura máxima de 3 centímetros e altura de 15 centímetros;
- membro superior direito: mancha cicatrial na face externa do braço direito, no seu terço superior, nacarada/rosada, discretamente quelóide e mapeada, com dimensões de 1 centímetro x 4 centímetros. Cicatriz na região clavicular direita, oblíqua, avermelhada, com 5 cm de comprimento, na região do calo ósseo clavicular, também pouco notório, manifestando reacção dolorosa tempestiva à palpação local (23º).
28) As sequelas referidas determinam ao autor uma incapacidade permanente geral de 5%;
- são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares;
- o dano estético é fixável no grau 2/7;
- a data de consolidação médico-legal das lesões é fixável em 3/5/2006;
- o período de incapacidade temporária geral total é fixável num período de 34 dias;
- o período de incapacidade temporária profissional total é fixável num período total de 79 dias;
- o período de incapacidade temporária profissional parcial é fixável num período total de 123 dias;
- o “quantum doloris” é fixável no grau 4;
- admite-se como possível a existência de um dano futuro, em relação às consequências da fractura acetabular direita (24º a 34º e 53º).
29) O Dr. H… avaliou o autor em 3/5/2006, emitindo relatório (62º).
30) Foram feitas várias tentativas para que o autor voltasse a ser observado por este clínico, mas o autor não mais compareceu às chamadas da ré (63º).
31) Era saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre e jovial (35º).
32) O autor está limitado na prática de actividades desportivas (36º).
33) Como fazia habitualmente com os seus amigos (37º).
34) Jogando futebol, quer na escola, quer ao fim-de-semana (38º).
35) Actividade que deixou de praticar, desde o acidente (39º).
36) O que lhe causou, e causa, uma profunda tristeza e amargura (40º).
37) Pois acabou por se afastar dos seus colegas e amigos (41º).
38) A cicatriz de 15 centímetros de extensão e 3 de largura, na região para lombar/flanco direito, desfeia-o, o que causa ao autor desgosto (43º e 44º).
39) Na altura do acidente frequentava o 9º ano de escolaridade (47º).
40) Que acabou por concluir (48º).
41) À data da propositura desta acção frequentava o 12º ano de escolaridade (49º).
42) E em Novembro de 2010 frequentava o ensino superior, no curso de Informática de Gestão (50º).
43) Não tendo, neste momento, qualquer ocupação remunerada (51º).
44) O autor teve outras despesas, tendo gasto:
i) € 470, em honorários médicos;
ii) € 259,82, em meios de diagnóstico;
iii) € 2,52, em medicamentos;
iv) € 42,50, em taxas moderadoras;
v) € 27,83, no aluguer de uma cadeira de rodas;
vi) € 380, na substituição de uns óculos que danificou no acidente;
vii) € 0,16, numa certidão da participação do acidente de viação;
vii) € 105,52, na substituição de umas peças de vestuário que danificou no acidente (54º).
45) Na altura do acidente, o autor tinha 15 anos de idade (G).
46) O autor não tinha nem podia ter licença de condução (I).
47) O ciclomotor não possuía seguro (J).
48) A responsabilidade civil por danos causados a terceiros com a circulação do veículo automóvel de matrícula ..-AE-.. encontrava-se transferida para a ré por via do contrato de seguro titulado pela apólice nº ….. (H).
49) Pela Ap. ../…….., a ré mudou a sua denominação para C…, S.A. (facto por nós aditado, tendo em atenção o regime previsto no nº 3 do art. 659º do Código de Processo Civil e com base no documento de fls. 52, não impugnado).
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O DIREITO
I - Recurso interposto pelo autor do despacho que não admitiu o articulado superveniente (alegações a fls. 202 e segs.):
O art. 506º do Cód. do Proc. Civil, no seu nº 1, dispõe que “os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.”
“Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.” – cfr. nº 2 do mesmo preceito.
Daqui flui que depois de terminado o prazo para o último articulado da parte podem ocorrer novos factos – ou elementos de facto – constitutivos da situação jurídica do autor ou factos modificativos ou extintivos dessa situação (superveniência objectiva), tal como pode ocorrer que só depois de decorrido o prazo para o último articulado pode o autor ter conhecimento de outros factos – ou elementos de facto – constitutivos ou o réu conhecimento de factos modificativos ou extintivos, embora uns e outros tivessem ocorrido anteriormente (superveniência subjectiva).
Em ambas as situações, pode ter lugar o articulado superveniente em que a parte a quem o facto é favorável o alegará, a fim, de uma vez provado, vir a ser tomado em conta na sentença.[1]
Da leitura do articulado superveniente apresentado pelo autor, acima transcrito, o que se verifica é que nele não é alegado qualquer facto novo. A matéria fáctica a que nele se faz referência, que se prende com o agravamento progressivo da artrose coxo-femural direita e com o condicionamento e limitação do exercício de actividades profissionais que obriguem a esforço e carga sobre aquela articulação, já se encontra vertida nos nºs 28 e 30 da base instrutória, que correspondem aos arts. 38 e 40 da petição inicial.
Não há, assim, qualquer matéria fáctica nova a aditar à base instrutória.
Ora, o que o autor visa com o seu articulado superveniente é que o dano futuro resultante do agravamento progressivo da artrose coxo-femural direita seja relegado para execução de sentença.
Sucede que um articulado superveniente se destina tão só à alegação de factos e não à dedução de pedidos diversos dos que foram formulados, sem que tenham sido articulados novos factos.
Como tal, uma vez que a factualidade alegada pelo autor não é superveniente, pois já se achava contida na petição inicial, bem andou o Mmº Juiz “a quo” ao rejeitar o articulado superveniente apresentado ao abrigo do art. 506º do Cód. do Proc. Civil, assim se impondo a improcedência do recurso interposto.
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II - Recurso interposto pelo autor da sentença recorrida (alegações a fls. 253 e segs.):
a) A título de danos não patrimoniais a 1ª Instância fixou o montante indemnizatório em €9.000,00, valor contra o qual se insurge, em sede recursiva, o autor, que, considerando-a inadequada, pugna pela atribuição da importância de €15.000,00.
Dispõe o art. 496º, nº 1 do Cód. Civil que na fixação da indemnização se deverá atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e o nº 3 do mesmo preceito diz-nos que o respectivo montante indemnizatório será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo-se em atenção as circunstâncias referidas no art. 494º.
Daqui resulta que a equidade será o critério determinante para a fixação do montante da indemnização por danos não patrimoniais.
Sobre a equidade lembremos aqui o que escreve Dario Martins de Almeida[2]:
“Quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. (...) A equidade não equivale ao arbítrio; é mesmo a sua negação. A equidade é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio. (...) Em síntese, a proporção, a adaptação às circunstâncias, a objectividade, a razoabilidade e a certeza objectiva são as linhas de força da equidade quando opera, com os ditames da lei, na análise e compreensão e solução do caso concreto.”
Julgar segundo a equidade significa assim que o juiz não está sujeito à estrita observância do direito aplicável, devendo antes orientar-se por critérios de justiça concreta, procurando a solução mais justa face às características da situação em análise.
Regressando ao caso dos autos, com vista à fixação do “quantum” indemnizatório, são de destacar os seguintes aspectos:
- em consequência do embate, o autor sofreu: i) Traumatismo do ombro direito, com fractura média-diafisária da clavícula direita; ii) Traumatismo da região lombar, com ferida lacer-contusa da região lombar à direita; e iii) Traumatismo da bacia, com fractura do acetábulo direito;
- foi submetido a uma intervenção cirúrgica à clavícula direita;
- esteve internado entre 14.10.2005 e 16.11.2005;
- depois de ter alta deslocava-se com o auxílio de uma cadeira de rodas;
- apresenta as seguintes sequelas:
- ráquis: cicatriz na região para-lombar/flanco direito, nacarada, pouco notória, fusiforme, vertical, plana, com dimensões de largura máxima de 3 centímetros e altura de 15 centímetros;
- membro superior direito: mancha cicatricial na face externa do braço direito, no seu terço superior, nacarada/rosada, discretamente quelóide e mapeada, com dimensões de 1 centímetro x 4 centímetros; cicatriz na região clavicular direita, oblíqua, avermelhada, com 5 cm de comprimento, na região do calo ósseo clavicular, também pouco notório, manifestando reacção dolorosa tempestiva à palpação local;
- estas sequelas determinam para o autor uma incapacidade permanente geral de 5%;
- são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares;
- o dano estético é fixável no grau 2/7;
- a data de consolidação médico-legal das lesões é fixável em 3/5/2006;
- o período de incapacidade temporária geral total é fixável num período de 34 dias;
- o período de incapacidade temporária profissional total é fixável num período total de 79 dias;
- o período de incapacidade temporária profissional parcial é fixável num período total de 123 dias;
- o “quantum doloris” é fixável no grau 4;
- admite-se como possível a existência de um dano futuro, em relação às consequências da fractura acetabular direita;
- o autor era saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre e jovial;
- está limitado na prática de actividades desportivas, como fazia habitualmente com os seus amigos, jogando futebol, quer na escola, quer ao fim-de-semana, actividade que deixou de praticar, desde o acidente, o que lhe causou, e causa, uma profunda tristeza e amargura, pois acabou por se afastar dos seus colegas e amigos;
- a cicatriz de 15 centímetros de extensão e 3 de largura, na região para lombar/flanco direito, desfeia-o, o que lhe causa desgosto.
Prosseguindo, referir-se-à que a indemnização que se irá fixar pelos danos não patrimoniais visa de algum modo compensar a vítima da lesão sofrida e, na impossibilidade de reparar directamente estes danos, face à sua natureza não patrimonial, procura-se repará-los de forma indirecta através de uma soma em dinheiro susceptível de proporcionar satisfações que atenuem, até certo ponto, os males sofridos.
Sucede que, neste caso, perante a matéria fáctica que atrás se transcreveu, é irrecusável que os danos sofridos pelo autor merecem a tutela do direito e devem ser compensados.
Assim, salientando-se a incapacidade permanente geral de 5%, o tempo de hospitalização, a sujeição a uma intervenção cirúrgica, o dano estético, o “quantum doloris”, a limitação na prática de actividades desportivas, o que se alia à juventude do autor (apenas 15 anos à data do acidente), somos levados a concluir que a indemnização fixada pela 1ª Instância se caracterizou por alguma parcimónia.
Como tal, o montante da indemnização por danos não patrimoniais a atribuir ao autor deverá ser elevado para €13.000,00, verba esta que entendemos ajustada à gravidade e extensão destes danos e que tem como referência o valor da moeda à data da decisão da 1ª Instância, pelo que, neste segmento, o recurso interposto pelo autor merecerá parcial acolhimento.
*
b) O autor insurge-se também contra a forma como foram aplicados os juros de mora à indemnização por danos não patrimoniais, considerando que os mesmos não deverão ser contados a partir da decisão da 1ª instância, como se fez na sentença recorrida, mas sim a partir da citação.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2002, de 9.5.2002[3], sobre esta questão, uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:
«Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do art. 566º do Cód. Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos arts. 805º nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º nº 1, também do Cód. Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.»
Esta jurisprudência uniformizadora destinou-se a encerrar a questão controvertida da cumulação da actualização da expressão monetária da indemnização, no período compreendido entre a citação e o encerramento da discussão, por um lado, e o pagamento de juros correspondentes ao mesmo lapso de tempo, por outro, no sentido da inadmissibilidade da cumulação de juros de mora, desde a citação, com a actualização da indemnização, em função da taxa de inflação, tendo subjacente a consideração de que, quando o Juiz faz apelo ao princípio da restituição por equivalente, que consagra a teoria da diferença, prevista no art. 566º, nº 2 do Cód. Civil atribui uma indemnização pecuniária, aferida pelo valor que a moeda tem, à data da decisão da 1ª instância, não podendo, sob pena de duplicação, mandar acrescer a tal montante os juros moratórios devidos, desde a citação, por força do preceituado pelo art. 805º, nº 3, 2ª parte, com referência ao art. 806º, nº 1, ambos do Cód. Civil.[4]
Na sentença recorrida sobre esta matéria escreveu-se o seguinte: “No tocante à outra parcela indemnizatória (€9.000), uma vez que esse montante foi objecto de decisão actualizadora e corresponde, assim, ao montante pelo qual se computou, na presente data, o dano em causa, os respectivos juros devem ser contados a partir da data desta decisão (...)”
Significa isto que quanto aos danos de natureza não patrimonial a sua compensação pela 1ª Instância foi efectuada de forma actualizada, de tal modo que resultaria num injustificado cúmulo a contagem de juros de mora, a partir da citação, porquanto a obrigação pecuniária em causa cobre todo o dano verificado.
Deste modo, se o Tribunal, como aqui ocorre, actualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado, efectivamente, sofreu, os juros moratórios, a serem concedidos desde a citação para a acção, representariam uma duplicação de parte do ressarcimento, e este excederia o prejuízo, de facto, ocorrido.
E não se encontra qualquer fundamento para a declaração feita na parte final da petição inicial, em que o autor diz optar pelos juros de mora a partir da citação, a não ser a de tornear a uniformização de jurisprudência levada a cabo pelo Acórdão do STJ nº 4/2002, acima citado e poder obter, desta forma, uma duplicação pecuniária injustificada, até porque, regra geral e como, aliás, acontece no caso “sub judice”, as indemnizações por danos não patrimoniais são calculadas com referência à data em que é proferida a decisão da 1ª Instância.[5]
Consequentemente, nesta parte, não se acolhe a argumentação explanada pelo autor/recorrente, devendo os juros de mora, conforme se entendeu na sentença recorrida, serem contados a partir da decisão da 1ª Instância.
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III – Recurso subordinado interposto pela ré (alegações a fls. 264 e segs.):
Subordinadamente a ré interpôs também recurso no que toca à quantificação dos danos patrimoniais futuros do autor (€20.000,00), pondo em causa o valor a que a 1ª Instância atendeu para o cálculo dessa indemnização e que colocou em €700,00 mensais, considerando-o como um salário médio acessível a um jovem dotado de formação profissional média (nesta se incluindo, no actual estado de coisas, uma licenciatura na área da informática).
Entende a ré que esse valor não poderá exceder o do salário mínimo nacional à data do acidente (€374,70), donde resultará que a indemnização por danos patrimoniais futuros será de circunscrever à quantia de €9.000.00.
Sobre esta matéria, com relevância, mostra-se provado o seguinte:
- na altura do acidente o autor frequentava o 9º ano de escolaridade, que acabou por concluir;
- em Novembro de 2010 frequentava o ensino superior, no curso de Informática de Gestão;
- neste momento, não tem qualquer ocupação remunerada;
- na altura do acidente, o autor tinha 15 anos de idade;
- as sequelas, resultantes do acidente de viação, determinam para o autor uma incapacidade permanente geral de 5%.
Tem-se vindo a considerar na jurisprudência que a indemnização em dinheiro do dano futuro decorrente da incapacidade permanente corresponde a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir e que se extinga no final do período provável de vida. No cálculo desse capital terá que intervir necessariamente a equidade, constituindo a utilização de tabelas financeiras para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica um instrumento de carácter meramente auxiliar, cujos resultados devem ser corrigidos se o julgador os considerar desajustados aos contornos do caso concreto.[6]
Com efeito, estas tabelas, tendo em atenção o que é a realidade da vida, que não nos permite determinar com certeza o tempo de vida útil, a evolução dos rendimentos, a taxa de juro e as flutuações do custo de vida, não se revelam suficientes para fixar o montante indemnizatório, de tal forma que na quantificação dos danos futuros se terá que fazer larga utilização dos juízos de equidade.[7]
A incapacidade permanente geral corresponde a um estado deficitário de natureza anatómico-funcional ou psicosensorial, com carácter definitivo e com impacto nos gestos e movimentos próprios da vida corrente, comuns a todas as pessoas, influenciando, por conseguinte, as actividades familiares, sociais, de lazer e desportivas. Pode ser valorada em diversos graus ou percentagens, tendo como padrão máximo o índice 100, que equivale à integridade psicossomática plena.
Esse prejuízo funcional pode, porém, projectar-se na profissão do sinistrado, como acontece, de resto, na grande maioria dos casos. Aí, o défice funcional tem um reflexo directo na capacidade profissional originando uma concreta perda de capacidade de ganho.[8]
Contudo, na situação “sub judice” não poderemos deixar de salientar a diminuta incapacidade permanente geral de que o autor ficou afectado, que se circunscreve a 5% e ainda o facto deste à data do acidente ser estudante do ensino básico (9º ano de escolaridade), não tendo ainda ingressado na vida profissional activa, acontecendo que aquela incapacidade não o impediu de continuar a estudar (em Novembro de 2010 frequentava o ensino superior, no curso de Informática de Gestão), tal como não o impedirá de no futuro vir a ter uma actividade profissional.
Daqui resulta que a incapacidade permanente geral que afecta a vítima não se virá a repercutir no futuro na sua capacidade de desempenho profissional, que será certamente na área da informática.
Estamos, pois, perante um caso em que ocorre dano corporal, que se expressa numa incapacidade permanente, mas que não terá reflexo, directo, na capacidade de ganho do autor.
Poder-se-à então colocar a questão de saber se este dano deverá ser indemnizado, sendo que a nossa resposta não poderá deixar de ser afirmativa, uma vez que o prejuízo estritamente funcional que resulta para o lesado não perde a natureza de dano patrimonial, na medida em que é susceptível de avaliação pecuniária.
A indemnização desse dano, face à impossibilidade de reconstituição natural, será feita em dinheiro e não podendo ser averiguado o seu valor exacto terá o tribunal que julgar equitativamente – cfr. art. 566º, nºs 1 e 3 do Cód. Civil.
A equidade, uma vez que nos encontramos perante um caso em que a incapacidade permanente geral do autor não se irá reflectir directamente na sua capacidade de ganho, terá assim que ser o critério preponderante na elaboração do cálculo indemnizatório, à semelhança do que sucede com a fixação da indemnização por danos não patrimoniais.[9]
Entende a ré que o referencial básico para a fixação deste segmento indemnizatório deverá ser o salário mínimo nacional à data da ocorrência e não o valor de €700,00 mensais a que se alude na sentença recorrida, chamando em seu apoio, inclusive, a actual redacção do art. 64º, nºs 7 e 8 do Dec. Lei nº 291/2007, de 21.8 (Lei do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel), que lhe foi conferida pelo Dec. Lei nº 153/2008, de 6.8.[10]
Não dissentimos deste entendimento, sufragado, por exemplo, pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.6.2009[11], onde relativamente a vítima que era estudante se escreveu que o salário a ter em conta será o salário mínimo nacional à data do acidente, não se vendo, assim, razão para acolher a importância de €700,00 mensais referida pela 1ª Instância.
Só que na esteira do que temos vindo a expor, face à especificidade do presente caso, em que a incapacidade permanente não se repercutirá directamente na capacidade de ganho do autor, de pouco ou nenhum relevo se mostra a utilização como referencial indemnizatório do salário mínimo nacional à data do acidente, como pretende a ré, ou da quantia de €700,00 mensais, conforme se sustenta na sentença recorrida.
A equidade terá, pois, que ser o critério fundamental.
Destacaremos, assim, a idade do autor aquando do acidente (15 anos), as lesões sofridas que lhe determinaram uma incapacidade permanente geral de apenas 5% e que não o impedirão de ter uma normal vida profissional, a consideração dos 70 anos como o limite da sua vida activa e ainda o facto desta indemnização ser recebida antecipadamente.
Ora, da ponderação de todos estes factores e sempre com referência a um juízo de equidade, entendemos ser ajustado que este segmento indemnizatório relativo a danos patrimoniais futuros se circunscreva a €17.500,00, alterando-se, em conformidade, a sentença recorrida.
Por conseguinte, o recurso subordinado da ré, embora por razões não inteiramente coincidentes com as explanadas nas suas alegações, merecerá parcial procedência.
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Em síntese:
- O valor global da indemnização a atribuir ao autor será de €31.788,35, sendo €18.788,35 a título de danos patrimoniais e €13.000,00 a título de danos não patrimoniais;
- Os juros serão contados desde a citação sobre o montante de €18.788,35 e desde a decisão da 1ª Instância sobre o montante de €13.000,00.
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Sumário (art. 713º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
I – De acordo com o disposto no art. 506º, nºs 1 e 2 do Cód. do Proc. Civil, os articulados supervenientes destinam-se à alegação de factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito ocorridos depois de terminado o prazo para o último articulado (superveniência objectiva) ou que, embora ocorridos anteriormente, a parte deles só tenha tido conhecimento após o decurso daquele prazo (superveniência subjectiva).
II – Não é assim de admitir o articulado superveniente em que toda a factualidade aí alegada pela parte já consta da petição inicial e da subsequente base instrutória.
III – As indemnizações por danos não patrimoniais são, regra geral, calculadas com referência à data em que é proferida a decisão da 1ª Instância. Se nesta decisão se escreveu que o montante indemnizatório referente aos danos não patrimoniais foi actualizado a essa data, não podem incidir sobre ele juros moratórios desde a citação, sob pena de se estar a efectuar uma duplicação parcial do ressarcimento.
IV – Sendo a vítima um jovem estudante de 15 anos de idade, na fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros deverá ter-se em conta o valor do salário mínimo nacional à data do acidente.
V – Porém, cingindo-se a incapacidade permanente geral a 5%, a qual não se virá a repercutir directamente na capacidade de ganho da vítima, de pouco ou nenhum relevo se mostra a utilização como referencial indemnizatório, quanto a danos patrimoniais futuros, daquele salário mínimo nacional, devendo o critério fundamental residir na equidade.
*
DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em:
a) julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo autor B… do despacho que não admitiu o articulado superveniente;
b) julgar parcialmente procedentes os recursos de apelação interpostos pelo autor B… e pela ré “C…, SA”, alterando-se a sentença recorrida pela seguinte forma:
- o valor global da indemnização é aumentado para €31.788,35 (trinta e um mil setecentos e oitenta e oito euros e trinta e cinco cêntimos), sendo €18.788,35 (dezoito mil setecentos e oitenta e oito euros e trinta e cinco cêntimos) relativos a danos patrimoniais e €13.000,00 (treze mil euros) relativos a danos não patrimoniais;
- os juros serão contados desde a citação sobre o montante de €18.788,35 e desde a data da decisão da 1ª Instância sobre o montante de €13.000,00.
As custas referentes ao recurso interposto do despacho que não admitiu o articulado superveniente serão suportadas pelo autor/recorrente.
As demais custas serão suportadas, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento.

Porto, 21.6.2011
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
Manuel Pinto dos Santos
João Manuel Araújo Ramos Lopes
_________________
[1] Cfr. Lebre de Freitas e outros, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., pág. 369.
[2] In “Manual de Acidentes de Viação”, 1987, Almedina, págs. 107/110.
[3] Publicado no “Diário da República”, I série, de 27.6.2002
[4] Cfr. Ac. STJ de 23.11.2010, p. 456/06.8 TBVGS.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[5] Anote-se que a decisão jurisprudencial mencionada pelo autor na petição inicial é anterior à uniformização de jurisprudência ocorrida em 2002.
[6] Cfr. Ac. STJ de 25.6.2002, CJ STJ, Ano X, tomo II, págs. 128/135.
[7] Cfr. Ac. Rel. Porto de 25.3.2010, p. 170/06.4 TBMUR.P1, disponível in www.dgsi.pt
[8] Cfr. Ac. Rel. Porto de 4.4.2006, p. 0620599, disponível in www.dgsi.pt.
[9] Cfr. Ac. STJ de 22.6.2005, p. 05B1597, disponível in www.dgsi.pt.
[10] Estatui-se o seguinte nesta norma: «7 — Para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear -se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes de legislação fiscal. 8 — Para os efeitos do número anterior, o tribunal deve basear -se no montante da retribuição mínima mensal garantida (RMMG) à data da ocorrência, relativamente a lesados que não apresentem declaração de rendimentos, não tenham profissão certa ou cujos rendimentos sejam inferiores à RMMG.»
[11] In CJ, STJ, ano XVII, tomo II, págs. 128/130.