Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1408/12.4TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: CONTRATO DE ESTÁGIO PROFISSIONAL
ADVOGADO
Nº do Documento: RP201406021408/12.4TTPRT.P1
Data do Acordão: 06/02/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O contrato de estágio profissional celebrado antes da entrada em vigor do DL 66/2011 de 1.6, fora dos casos até então especialmente regulados pela lei, está sujeito ao princípio da liberdade contratual previsto no artigo 405º do Código Civil, desde que dele se possa retirar como objectivo essencial a aquisição de conhecimentos em contexto real de trabalho que habilitem o estagiário ao ingresso ou reingresso no mercado de trabalho, segundo o princípio da liberdade de trabalho e portanto não apenas como condição para poder trabalhar para quem concede o estágio, desde que se verifique que são insuficientes para a aquisição desses conhecimentos os mecanismos de averiguação da capacidade do trabalhador (período experimental) e o cumprimento das obrigações de formação profissional de que são beneficiários os trabalhadores.
II - Instituindo o empregador um complemento de advocacia consistente no pagamento do valor das quotas devidas à Ordem dos Advogados pelos advogados que com ele mantêm um vínculo de trabalho por tempo indeterminado, cujo fundamento é garantir que tais profissionais possam exercer, em beneficio do empregador e no cumprimento das suas funções, actos próprios da profissão de advogado, tal complemento deve ser pago também aos advogados contratados a termo certo que em benefício do empregador exercem actos próprios da sua profissão, encontrando-se portanto em situação comparável, não constituindo a natureza temporária ou definitiva do vínculo laboral razão objectiva suficiente para justificar diferença de tratamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1408/12.4TTPRT.P1
Apelação

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 351)
Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto
Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B…, advogado, residente no Porto, veio intentar contra C…, S.A.”, com sede em Lisboa, a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, pedindo, na sua procedência que seja:
- declarado nulo e sem qualquer efeito o contrato de estágio celebrado entre A. e R. e assim declarar-se aquele como vinculado a esta desde 14.10.2007 como sendo trabalhador por tempo indeterminado;
OU
- declarado nulo o motivo justificativo indicado no contrato a termo por falta de concretização do mesmo e em consequência ser declarado o contrato que vinculava o A. e R: como sendo sem termo;
OU
- declarado o contrato que vinculava o A. e R. como sendo sem termo pelo facto deste exceder a duração máxima do contrato a termo tendo em conta a duração do estágio conforme alegado em 30 a 34,
PELO QUE DEVERÁ SER DECLARADO ILÍCITO O DESPEDIMENTO PROMOVIDO PELA R. E EM CONSEQUÊNCIA SER ESTA CONDENADA NO PAGAMENTO AO A.:
a) Da quantia de €6210,00 a título de indemnização pela ilicitude do despedimento;
b) Das retribuições desde da data do despedimento até à data do trânsito em julgado da sentença que declara a ilicitude do despedimento;
c) Da quantia de €5904,00 referente ao complemento de advocacia, que era paga a todos os advogados desde Outubro de 2009 à excepção do A.
d) Da quantia de €626,85 referente às horas de formação não ministradas.
c) Da quantia de €1000,00 referente a danos morais.
Alegou o A., em síntese, que foi admitido ao serviço da Ré em 15.10.2007 sob um pretenso contrato de estágio por 6 meses, renovado por outros 6 meses.
No dia seguinte ao termo do contrato de estágio renovado, foi celebrado um pretenso contrato de trabalho a termo certo por 12 meses, também ele renovado por duas vezes, para o exercício das funções de Técnico Superior.
A Ré invocou a caducidade do contrato com efeitos a 14.10.2011.
O A. é advogado.
Durante o pretenso estágio, o A. exercia as suas funções na Direcção de Serviço Integrado de Cobrança – Recuperação de Crédito e Contencioso), ficando a seu cargo um determinado número de processos judiciais em que era parte a C2…, C3…, S.A. e até a C4…, S.A.
Os processos eram distribuídos por um funcionário e o A. praticava os actos próprios da sua profissão, com independência e autonomia técnicas.
No período de estágio nunca o A. teve quaisquer acções de formação. Formalmente, o responsável pela sua orientação e supervisão era um engenheiro. O texto do contrato de estágio indica que este é um complemento da formação ministrada pela Faculdade (…) no curso de Direito, o qual o A. terminou em 2002, efectuando estágio obrigatório na Ordem dos Advogados e exercendo ainda as funções de Procurador Adjunto substituto e tendo também exercido actividade profissional de advogado num escritório de advogados entre 2005 e 2007.
A Ré optou pela admissão do A. porque este já detinha os conhecimentos próprios e necessários para as funções, o A. nunca foi sujeito a aprovação nas peças que elaborava ou nas diligências que efectuava.
Face à inexistência, de facto, de estágio, ter-se-á de concluir que a admissão do A. na Ré se deu na data em que, ao abrigo do pretenso contrato, iniciou as suas funções, as quais foram sensivelmente as mesmas até que a Ré invocou a caducidade, exercidas no quadro de sujeição a poder de direcção (com salvaguarda da autonomia técnica), horário e disponibilização de vários instrumentos de trabalho.

Se porém se considerar que o estágio era válido, sempre se dirá que o respectivo período deve entrar no cômputo da duração máxima do contrato de trabalho a termo, conforme artigo 148º nº 5 do CT 2009, uma vez que as funções eram exactamente as mesmas. E assim sendo, existe ultrapassagem da duração máxima legal do contrato a termo, e o contrato deve considerar-se por tempo indeterminado.
Relativamente ao contrato a termo, a menção da justificação do termo aposto não menciona expressamente os factos que o integram, sendo o texto confuso e vago, não permitindo saber em que consistem as necessidades temporárias.
Por outro lado, mesmo antes da invocação de caducidade, o A. foi incumbido de um projecto que perdurou para além da sua saída, não havendo pois necessidade temporária mas permanente, e no mesmo sentido pouco antes da sua saída foi admitida, por tempo indeterminado e para funções similares, uma jurista, e foi igualmente renovado o contrato a termo de outra jurista que ali exercia funções similares e veio entretanto a celebrar contrato por tempo indeterminado.
Acresce que tendo em atenção as funções desempenhadas pelo A., muito dificilmente as mesmas poderiam ser incluídas no esboço de concretização do motivo justificativo invocado.
Assim, este contrato deve considerar-se sem termo.

A Ré atribuiu um complemento salarial para pagamento de quotas a todos os advogados que nela exercessem funções, considerando que a sua inscrição na Ordem dos Advogados era um imperativo legal para o exercício das funções que lhes atribuía, porém, exercendo o A. as funções de advogado, era ele o único no departamento do Porto que, discriminatoriamente, não recebia tal complemento.

Atenta a consideração do contrato como por tempo indeterminado, a invocação da caducidade pela Ré constitui um despedimento ilícito, com as legais consequências, optando o A. por uma indemnização em substituição da reintegração, que deve ser calculada à razão de 45 dias/ano. Por outro lado, o A. tem direito a formação profissional que não lhe foi ministrada, no total de 105 horas (35 horas x 3). Acresce que o A. sofreu enorme angústia, teve de recorrer a familiares e ficou agitado e nervoso, o que deve ser compensado com uma indemnização de 1.000,00€.

Após uma suspensão inicial para negociações, a Ré veio a contestar, concluindo pela total improcedência da acção, e invocando em sua defesa, sinteticamente, que:
- o A. era advogado há mais de dois anos e meio antes da assinatura do contrato de estágio, pelo que não é crível que se deixasse enganar nem que não tenha compreendido nem querido as cláusulas negociais que aceitou, e ao vir agora pô-las em causa litiga de má-fé, em abuso de direito e em inaceitável venire contra factum proprium.
- o contrato de estágio celebrado possibilitava ao Autor a sua participação e colaboração em práticas reais em contexto de trabalho, reconhecendo ambas as partes que era complemento da formação ministrada na Faculdade de Direito. A Ré faz parte do Grupo C1…, que é um dos maiores e mais importantes, e a sua dimensão e a interligação entre as várias empresas do Grupo, bem como o funcionamento interno da Ré, só são possíveis através do recurso a sofisticados sistemas e aplicações informáticas. Por isso, o A., e todos os demais colaboradores que desenvolvem estágios na empresa, têm, antes de mais, de perceber a respectiva dinâmica orgânica e funcional, conhecer as aplicações, aprender a trabalhar com elas. Depois, há um segundo momento, que consiste em o estagiário passar a utilizar as aplicações informáticas à sua especialidade. Depois, há um terceiro momento em que o estagiário desenvolve a sua actividade tendo, em paralelo, atenção à autonomia da sua função e à especificidade da empresa e da sua forma de trabalhar.
Deste modo, o A. confunde estágio de advocacia com estágio profissional, o que resulta de várias passagens da petição inicial, sendo certo que obviamente não podia ter um estágio de advocacia, mas sim estagiou no contexto real, o que significa que recebeu formação, foi orientado e esteve em contexto real, aprendendo a orgânica e funcionamento da empresa, a sua estrutura, as aplicações informáticas e a praticá-las, assim como o modo como se intercala e relaciona uma grande empresa, tendo ainda tido formação on the job, o que significa que teve acesso a informação específica da área jurídica da empresa, dos processos, dos contactos e da forma de trabalhar, e finalmente teve um conjunto de iniciativas de formação, umas e-learning outras presenciais. Assim, as funções que exerceu no estágio nada têm a ver com a situação contratual a termo.
O contrato de estágio foi celebrado com um fundamento diferente do contrato a termo, a execução não se concretizou no mesmo posto de trabalho e o objecto dos dois contratos é distinto. Não há pois violação da duração máxima do contrato a termo.
O acréscimo excepcional de actividade referido no contrato de trabalho a termo surgiu em concreto devido a alterações legislativas, a saber do artigo 10º da Lei 23/96 de 26.6 que por via da Lei 12/2008 de 26.2 reduziu o prazo de prescrição e alterou o ónus de prova, obrigando a Ré a accionar judicialmente milhares de clientes, quer através de acções declarativas quer de injunções, e por via disto, surgiram outros tantos procedimentos, centenas de contactos com os clientes que procuravam os serviços jurídicos, tratamento de reclamações, reuniões com clientes, instrução de processos. Esse foi o fundamento da contratação a termo do Autor, que se manteve aliás tendo em atenção o prazo médio de pendência desse tipo de processos, entre 2 a 3 anos, fundamentando-se assim as renovações do contrato do Autor.
O contrato caducou porque se verificou um decréscimo de processos entrados em juízo, deixou de haver acumulação de processos urgentes, o agravamento das custas para os grandes litigantes obrigou a Ré a reduzir os procedimentos judiciais, foram adjudicadas acções executivas a advogados externos (mais de sessenta mil processos), e era necessário gerir os espaços e reorganizar os serviços para contenção de custos muito elevados e com grande margem de incobráveis. O trabalho do A. tornou-se assim desnecessário.
Também na questão da contratação a termo o A. litiga vindo contra o facto próprio da sua qualidade de advogado e do conhecimento e vontade, livre e esclarecida, sobre o contrato que assinou e aceitou.
O complemento pago aos advogados era-o apenas aos advogados do quadro, e isso de resto não foi acordado no contrato de trabalho do autor.
A mesma qualidade de advogado faria prever ao autor a possibilidade da caducidade do contrato, não fazendo por isso sentido os alegados danos morais.

Respondeu o A. quanto à alegação de litigância de má-fé e abuso de direito, alegando que não invocou desconhecimento ou falta de compreensão das cláusulas contratuais, mas sim que o exercício efectivo de funções não correspondeu ao contratado e que não houve qualquer diferença entre as funções exercidas ao abrigo do contrato de estágio e do contrato de trabalho a termo. A justificação concreta do termo que a Ré agora apresenta devia constar do texto do contrato e não só é inverídico que o complemento só fosse pago aos advogados contratados por tempo indeterminado, como tal contraria o princípio de que o trabalhador a termo tem os mesmos direitos dos trabalhadores permanentes em situação comparável, constante do artigo 146º nº 1 do CT.

Foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto assente e controvertida, de que reclamou a Ré, com atendimento parcial por despacho de 2.5.2013, no que toca à parte final da alínea L) da matéria assente, que passou a constar da base instrutória sob um aditado quesito nº 31.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova nela prestada, e consignação de que a matéria de facto seria fixada na sentença, em obediência ao novo processualismo resultante da Lei 41/2013 de 26/6.

Foi então proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: “Pelo exposto julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré a pagar ao autor:
a) a quantia de cinco mil, novecentos e quatro euros (€5.904,00) referente ao complemento de advocacia, relativo aos meses de Outubro de 2009 a Outubro de 2011;
b) a quantia de duzentos e sete euros e cinquenta e três cêntimos (207,53€) referente às horas de formação não ministradas,
absolvendo a ré dos demais pedidos.
Custas por autor e ré na proporção do respectivo decaimento”.

Inconformadas, ambas as partes interpuseram recurso.

O A. formulou a final, no seu recurso, as seguintes conclusões:
1. Todas as testemunhas que prestaram depoimento tanto arroladas pelo recorrente como pela recorrida à excepção da D… e E… (que não trabalhavam com o recorrente) foram claras em afirmar que não existia qualquer diferença na prestação do trabalho por parte do recorrente (durante o período de estágio) e os restantes trabalhadores com as mesmas funções (eles próprios).
2. O Tribunal a quo na fundamentação da matéria de facto dada como provada indica “refere que quando o A. entrou já lá trabalhava (há cerca de 4 meses). Nessa altura tinham as mesmas funções trabalhando, como advogados, essencialmente no âmbito de processos de cobranças.(...) O seu trabalho (e o do A., bem como dos outros advogados que ali trabalhavam) foi sempre o mesmo, quer quando estava com contrato de estágio, quer quando estavam com contrato a termo (...)”
3. O Tribunal a quo na fundamentação dos quesitos dados como provados (13º, 15º e 16º) refere quanto à testemunha H…: “Pode dizer que todos os advogados trabalhavam da mesma forma” (…)
4. Da mesma forma, relativamente ao depoimento de F…: “(...) Pode ainda dizer que não havia nenhuma distinção do trabalho realizado pelos vários advogados que ali trabalhavam”
5. Pelo que entende o recorrente que a matéria de facto dada como provada, não reflecte cabalmente a prova produzida nem auxilia tanto como podia o Tribunal a quo a aplicar a solução jurídica que se impunha.
6. Assim, tendo em conta a fundamentação dada pelo Tribunal a quo aos quesitos dados como provados, bem como os depoimentos acima transcritos, deveriam ter sido aditados dois novos pontos:
a) O A. desde a data da sua entrada na R. através do documento referido em 1. da matéria dada como provada, até à data da cessação do seu contrato de trabalho, sempre exerceu as mesmas funções que os vários trabalhadores da R., advogados;
b) não existia entre os advogados trabalhadores da R. e o A. qualquer diferença nas funções que executavam ou no modo como prestavam o seu trabalho;
7. Para apreciação da relação de estágio, o Tribunal a quo perfilhou o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Junho de 2011, relatado pela Exma. Sra. Juíza Desembargadora, Dra. Paula Sá Fernandes, que por sua vez refere também vários Acórdãos;
8. Todos esses Acórdãos enunciados na sentença não têm aplicação ao presente caso uma vez que todos eles partem da situação do início de uma relação de estágio que vai perdurando ao longo do tempo não chegando a existir uma situação titulada por um contrato de trabalho.
9. Aliás a matéria dada como provada em tais processos nada têm a ver com o dos presentes autos.
10. Está assente na fundamentação da matéria dada como provada que as funções pelas quais o recorrente era responsável no decurso da relação “de estágio” eram exactamente as mesmas que as dos vários trabalhadores da recorrida – factos 12 a 22 da matéria dada como provada - “tendo ficado assente, recorde-se, que o autor, durante a vigência do mesmo, exercia a mesma actividade, e nas mesmas condições, dos demais advogados que trabalhavam para a ré, com base em contratos de trabalho de natureza diversa.” - cfr. 1º parágrafo do ponto 2.2 da sentença.
11. Ora, o Tribunal a quo resumidamente conclui que as partes no contrato de estágio, pelo facto deste não estar sujeito a regulamentação legal especifica (quando promovidos por entidades privadas, como a recorrida, quando estas não queiram beneficiar de fundos públicos) podem livremente moldar as regras que vão nortear a sua relação uma vez que não se irão titular relações de trabalho subordinado.
12. Ora, o nosso ordenamento jurídico laboral estabelece o chamado método indiciário para verificação da existência de um contrato de trabalho independentemente do nome que as partes queiram dar ao documento – estabelecido no art.12º do Código do Trabalho (Lei 99/2003).
13. A verdade é que a relação “de estágio” entre recorrente e recorrida preenche a totalidade dos requisitos elencados no referido artigo.
14. Pelo que estamos perante um verdadeiro contrato de trabalho;
15. A prevalecer a tese perfilhada pelo Tribunal a quo, a mesma poderia ser aplicada aos contratos de prestação de serviços, já que tal tipo de contrato é também atípico podendo assim as partes “moldar” o seu conteúdo, resolvendo-se assim a problemática dos “falsos recibos verdes”, pois a fundamentação plasmada na sentença aplicar-se-ia sem mais a esse tipo de situações.
16. Errou o Tribunal a quo, pois diga-se inclusivé, que o nome dado ao contrato estabelecido entre as partes é até irrelevante, sendo que o seu conteúdo é que irá determinar o regime legal aplicável e dúvidas não podem existir quanto ao tipo de normas que o contrato dispõe: típicas de um contrato de trabalho.
17. E sendo assim um verdadeiro contrato de trabalho, tendo este sido celebrado sem qualquer motivo justificativo deve o mesmo ser considerado como contrato sem termo.
18. A celebração de contrato a termo é considerada como uma forma de contratação excepcional, pelo que o empregador está obrigado a fazer a menção concreta e especificada do motivo justificativo que deu origem a tal admissão.
19. Essa menção tem obrigatoriamente que ser efectuada no próprio texto legal – art.131 do Código do Trabalho (Lei 99/2003)
20. A cláusula “O presente contrato a termo é celebrado pelo prazo de 12 meses, visando satisfazer as necessidades temporárias da empresa resultantes do acréscimo excepcional da actividade da empresa na Direcção de Serviços de Cobranças e créditos decorrente do desenvolvimento de actividades e projectos no âmbito da área de Gestão de Recuperação de Crédito e Contencioso, nomeadamente ao nível do processo de cobranças de dívidas que se prevê que esteja concluído em Outubro de 2009 e que determina a sua celebração, em conformidade com o disposto na alínea f) do n.º2 do artigo 129º do Código do Trabalho” não preenche os requisitos legais previstos no art.131 do CT/2003.
21. A recorrida nos seus articulados tentou relacionar o “acréscimo excepcional da actividade” referido no contrato, com a diminuição do prazo de prescrição resultante de uma alteração legislativa.
22. Conseguiu inclusivamente provar que existiu um acréscimo de processos no período em que o recorrente lá trabalhou.
23. Mas apesar de todos esses esforços a alteração legislativa que motivou o acréscimo excepcional da actividade NÃO SE ENCONTRA NO TEXTO CONTRATUAL, pelo que não podia o Tribunal a quo fazer uso desta, como fez, para verificar se a cláusula está devidamente concretizada ou não.
24. O Tribunal a quo poder-se-ia balizar apenas e só pelo texto contratual, e este seguramente não está conforme o estipulado legalmente.
25. A verdade, é que lendo a referida cláusula contratual não podemos concluir absolutamente NADA quanto ao motivo que levou o empregador a admitir o recorrente nem qual o acréscimo de actividade a que a recorrida esteve sujeita.
26. Pelo que a referida cláusula nos termos do disposto legalmente deveria ter sido considerada nula e por consequência o contrato de trabalho como sem termo e assim o despedimento ilícito aquando da invocação da caducidade do mesmo.
TERMOS EM QUE DEVE SER REVOGADA A SENTENÇA PROFERIDA NA PARTE REFERENTE À ILICITUDE DO DESPEDIMENTO E EM CONSEQUÊNCIA SER CONDENADA A RÉ NOS MONTANTES INDEMNIZATÓRIOS PETICIONADOS.

Contra-alegou a Ré, formulando a final as seguintes conclusões:
1. O Autor B…, inconformado com parte da sentença, veio interpor recurso da decisão do Tribunal “A Quo” que considerou improcedente a pretensão de ser declarado nulo e sem qualquer efeito o contrato de estágio, por um lado, e o motivo justificativo da contratação a termo, por outro.
2. Para o efeito, veio pugnar pelo aditamento à Matéria Provada de determinados quesitos, que no seu entender serviriam para demonstrar que desde a sua entrada ao serviço da Ré, sempre exerceu as mesmas funções que os vários outros trabalhadores, e por isso, estarmos perante um verdadeiro contrato de trabalho sem termo, ou por tempo indeterminado, o que teria como conclusão que fosse declarado o despedimento ilícito.
3. Com todo o respeito, entendemos que não tem a mínima razão.
4. Com referência aos artigos 12.º a 22.º da Matéria de Facto Provada, relativos ao exercício das funções do Recorrente, o Recorrente vem defender que sempre exerceu as mesmas funções dos vários advogados trabalhadores da Ré, para em segundo lugar vir requerer o aditamento de 2 (dois) novos pontos ao elenco da factualidade provada na sentença, aqui colocada em crise.
5. São, assim, os seguintes pontos que o Recorrente pretende ver aditados à Matéria de Facto Provada:
a) O Autor desde a data da sua entrada na Ré através do documento referido em 1) da matéria dada como provada, até à cessação do seu contrato de trabalho, sempre exerceu as mesmas funções que os vários trabalhadores da Ré, advogados;
b) Não existia entre os advogados trabalhadores da Ré e o Autor qualquer diferença nas funções que executavam ou no modo como prestavam o seu trabalho.
6. Para tal, o Recorrente baseia-se no facto de supostamente algumas testemunhas terem referido que não existia qualquer diferença entre o trabalho executado por si, e pelos outros colegas, transcrevendo duas breves passagens dos depoimentos das testemunhas G… (00:09:31 do tempo de gravação) e F… (00:25:00 do tempo de gravação), fazendo ainda alusão à sua testemunha H….
7. Designadamente:
- Testemunha G… (00:09:31 do tempo de gravação)
«Advogado: - Existia alguma diferença entre o trabalho realizado por si e pelos outros colegas advogados daquele que era realizado pelo B…?
Testemunha: - Não. Era exactamente a mesma coisa. Éramos todos iguais e fazíamos as mesmas coisas conforme os processos nos eram distribuídos»
- Testemunha F… (00:25:00 do tempo de gravação)
«Advogado: - Quem entrasse na empresa conseguia perceber que o B… era estagiário? Havia trabalho que uns realizavam e outros não? Pelo facto de ser estagiário?
Testemunha: - Eu nem sabia que o B… tinha entrado na empresa como estagiário, sempre calculei que era trabalhador como todos nós. Só mais tarde é que vim a saber em conversa com o B….»
8. Ora, com o devido respeito, não podemos aderir à teoria do Recorrente, no sentido de apurar que as tarefas por si executadas eram exactamente as mesmas dos restantes colegas.
9. Isto porque e de acordo com o artigo 640.º do C.P.C. (na nova redacção que foi conferida pela Lei 41/2013 de 26 de Junho), impunha-se ao Recorrente apresentar os meios de prova concretos que impunham uma decisão diversa, quanto à Matéria de Facto.
10. Contudo, o Recorrente limitou-se a transcrever duas breves passagens do depoimento das testemunhas, que apenas referiram que o trabalho por si executado era igual ao dos restantes colegas advogados.
11. Ora, parecem-nos escassas aquelas passagens dos depoimentos das testemunhas, para demonstrar o aditamento requerido.
12. É que, dizer simplesmente que o trabalho do Recorrente era igual ao dos restantes colegas é a conclusão de um silogismo, cujas premissas são os factos que têm de ser trazidos à acção pelo Autor (mas tal não aconteceu).
13. O Recorrente defende a inserção na Matéria de Facto de considerações conclusivas que não traduzem quaisquer factos.
14. E como bem sabemos, da Matéria de Facto Provada devem constar quesitos que traduzam factos e não conclusões, meras considerações, opiniões ou conceitos jurídicos (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 8935/2007-1, 07-07-2009, in www.dgsi.pt, Ac. T.R.E. de 02/05/2004, Proc. 404/04-3, www.dgsi.pt, Ac. S.T.J. de 13/05/2004, Proc. 04B1051, ibidem).
15. Razão pela qual ficamos sem saber, que tarefas em concreto eram executadas pelos restantes colegas do Autor na empresa, pelo que devem improceder nesta parte o recurso de Apelação.
16. Por outro lado, o Recorrente prossegue as suas alegações pretendendo atacar a subsistência do contrato de estágio, que não mereceu qualquer censura do Tribunal “A Quo”, porquanto,
17. Ali se concluiu que «do teor do contrato de estágio, nomeadamente da sua cláusula 12.ª, o contrato em causa “não gera, nem titula relações de trabalho subordinado”, e prevendo-se nesta mesma cláusula a possibilidade de prorrogação do estágio (o que veio a acontecer, conforme escrito de 15 de Abril de 2008) resta-nos concluir pela celebração de um contrato de estágio, que não está sujeito a nenhuma disciplina em concreto, celebrado de acordo com a vontade das partes, sendo, pois irrelevante a forma como o estágio em causa decorreu.» (“sic”, negrito e sublinhado nosso).
18. E tal tese, é sobejamente perfilhada e defendida, quer pela Doutrina, quer pela nossa Douta Jurisprudência, como nas alegações que antecedem referimos.
19. E de má fé e em abuso de direito, o Recorrente vem agora em sede de recurso, defender que nunca se verificou “ab initio” para o trabalhador uma situação de verdadeiro estágio, pois o que sempre existiu, na realidade, foi um regime de contrato de trabalho, como se presume à luz do aludido artigo 12.º do Código do Trabalho (na versão da Lei 99/2003), e que os Acórdãos mencionados na Douta Decisão do Tribunal “A Quo”, nunca teriam aplicação ao presente caso.
20. Certo é que in casu, o regime de estágio foi livremente escolhido e aceite pelas partes contratantes, sendo lícito e regular, e defender o contrário, só se for sob a égide do “venire contra factum proprium”, por parte do Recorrente.
21. É que o reproduzido no artigo 1.º da Matéria de Facto Provada, decorreu dos ditames da boa-fé negocial e pré-negocial, não existindo agora qualquer motivo para o Recorrente poder invocar a invalidade ou ineficácia de tal contrato.
22. E essa realidade foi plenamente corroborada pela testemunha da aqui Recorrida, Dr.ª I…, também ela Advogada, tendo sido a responsável pela orientação do estágio do Recorrente, como decorre do testemunho que em alegações se reproduz.
33. Por fim, o Recorrente insurge-se ainda contra a caducidade do contrato de trabalho a termo, por entender que configura uma situação de despedimento ilícito, alegação esta que a nosso ver, enquadra-se também numa postura de “venire contra factum proprium”.
34. Ressalta do teor da Cláusula 5.º do Contrato de Trabalho a Termo Certo, a justificação do artigo 129.º, n.º 2, alínea f) do Código do Trabalho (versão anterior a 2009), assentou num acréscimo excepcional da actividade da Recorrida, na sua Direcção de Serviços de Cobranças, decorrentes do desenvolvimento de actividades e projectos no âmbito da área de Gestão de Recuperação de Crédito e Contencioso, que se previa concluído daí a Outubro de 2009.
35. E o Recorrente sabia que tal se deveu à entrada em vigor da Lei 12/2008 de 26 de Fevereiro, que veio determinar a redução do prazo de prescrição pela cobrança da prestação de dívidas dos serviços telefónicos de 5 (cinco) anos para 6 (seis) meses, obrigando a Empresa a tratar milhares de processos para que os créditos não prescrevessem.
36. É pois nitidamente visível que as partes não se limitaram a transcrever para a cláusula justificativa da contratação a termo, a simples enunciação do normativo legal, neste caso, o artigo 129.º, n.º 2, alínea f) do Código do Trabalho, pois se assim fosse o contrato pecaria por ausência de justificação, o que seguramente aqui não acontece (neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 63/09.3TTLSB.L1.4, datado de 06/07/2011, in www.dgsi.pt).
37. Aliás, tal facto resultante do Artigo 27.º da Matéria de Facto Provada, não foi sequer objecto de recurso por parte do Autor.
38. Por isso, não convence minimamente a fundamentação do Autor, no sentido de considerar que o motivo da contratação a termo não estava concretizada.
39. Como o Tribunal “A Quo” bem decidiu, a contratação a termo estava suficientemente justificada e demonstrada pelo acréscimo excepcional de processos de cobrança que incidiam na área da Gestão de Recuperação de Crédito e Contencioso, onde o Autor se encontrava adstrito.
40. E aqui, mais uma vez, foi determinante o testemunho da Dr.ª I…, cujo depoimento se transcreve nas alegações que antecedem.
41. Consequentemente, o Autor não tem razão, e deverão improceder in totum as alegações e conclusões do presente recurso, com todas as consequências até final.
Nestes termos supra expostos, e no mais de Direito aplicável que não se deixe doutamente por suprir, deve a Apelação do Recorrente ser julgada totalmente improcedente, por não provada, mantendo-se, nesta parte, a Douta Decisão do Tribunal “A Quo” e condenando-se o Recorrente em custas, demais despesas e procuradoria, (…)

Inconformada, a Ré apresentou a final do seu recurso, as seguintes conclusões:
1. A Ré ora Recorrente foi condenada a pagar ao Autor a quantia de € 5.904,00 euros referente a complemento de advocacia, relativa aos meses de Outubro de 2009 a Outubro de 2011, assim como a pagar a quantia de € 207,53 euros, referente a horas de formação não ministradas.
2. A Recorrente, não se conformando com a Douta Sentença, da mesma vem recorrer com os fundamentos seguintes:
3. Dá-se por integralmente reproduzida a matéria de facto provada e não provada.
4. Do erro de Julgamento. Com todo o respeito, entendemos que o Tribunal a quo não apreciou e decidiu correctamente a matéria de facto e consequente decisão de direito, quer quanto à atribuição do complemento de advocacia, quer quanto às horas de formação prestadas ao Autor.
5. Em primeiro lugar porque analisando adequadamente a Matéria Facto provada sob os Pontos 10º e 11º, verifica-se que a mesma não se encontra completa, e daí pretendermos a apreciação e alteração por este Venerando Tribunal, nos termos e fundamentos seguintes:
6. É que da leitura daquele documento, verifica-se que é uma proposta formulada por J… ao Administrador K…, através da Nota Interna n.º 001_DSIC / 2009, para apreciação superior, onde na segunda folha (Anexo I), são identificados os trabalhadores cuja proposta devia abranger, designadamente, trabalhadores que estavam vinculados à Recorrente através de contrato individual de trabalho sem termo.
7. Resulta desde logo que para haver uma proposta de atribuição é porque esta não era de imposição directa, mas sim sujeita a condições, estabelecidas pela Empresa ora Recorrente, de acordo com o seu poder gestão.
8. Condições essas que são as seguintes: O trabalhador ter contrato com a Empresa por tempo indeterminado; Ser advogado; Desempenhar na Empresa as funções de advogado.
9. E este aspecto foi explicado pela testemunha arrolada pela Recorrente, Dra. I…, responsável pela área do contencioso e chefia directa do Autor, que se pronunciou na Sessão de 12/09/2013, entre os minutos 41:05 e 42:00, tendo respondido aos quesitos 1º a 9 e 13º a 27º, donde se pode concluir o seguinte:
10. O primeiro, que a atribuição do complemento de advocacia está sujeita a regras e que dependia de decisão da Administração;
11. O segundo, que no local onde o Autor desempenhava as suas funções, não havia nenhum contratado a termo que recebesse aquele complemento.
12. Consequentemente e s.m.o., entendemos que da conjugação da prova, que o Douto Tribunal a quo deveria, ao abrigo do disposto nos artigos 72.º do CPT, conjugado com a regra geral do artigo 5º do CPC (ex – artigo 264.º do CPC), ampliar a resposta ao Ponto 11. da Matéria de Facto, adicionando dois novos Pontos com o teor seguinte:
13. > Considera-se provado que a atribuição do complemento mensal de advogado, dependia da verificação cumulativa das três condições: O trabalhador ter contrato com a Empresa por tempo indeterminado; Ser advogado; Desempenhar na Empresa as funções de advogado, E que,
14. > No departamento do Porto onde o Autor desempenhava as funções, não havia qualquer advogado contratado a termo que auferisse aquele complemento de advocacia, alterações que desde já se requer sejam consideradas e efectuadas ao abrigo do disposto no artigo 662.º do C.P.C..
15. De qualquer modo e sem conceder, entendemos que existe erro de julgamento por errada avaliação dos factos e aplicação do direito, designadamente dos artigos 341.º, 342.º e 349.º do Código Civil.
16. Complemento de advocacia – Aqui, o Douto Tribunal a quo veio fundamentar a decisão de considerar procedente o pedido do Autor de receber o complemento de advocacia, porque a Recorrente ao não fazê-lo estaria a violar o disposto no artigo 146º n.º 1 do Código do Trabalho.
17. Com todo o respeito, entendemos que o Douto Tribunal errou duplamente:
Por um lado, porque não analisou de forma dinâmica o documento em questão (NI) no confronto e com a explicação técnica e de conhecimento directo da Dra. I…; por outro, porque neste particular existe uma razão objectiva que permite o "tratamento diferenciado" e a não aplicação daquele normativo legal.
18. É que aquela atribuição se enquadra no poder discricionário que a entidade empregadora tem no âmbito do seu poder de gestão e porque só é de aplicar o conceito do artigo 146.º do CT, desde que a excepção se não verifique.
19. Ora, sendo o Autor advogado desde 2005 e tendo sido recrutado após envio do curriculum e entrevistas, e tendo sido contratado com a categoria de Técnico Superior para exercer funções de advogado, já conhecia que tinha a seu cargo uma despesa própria de quem exerce as funções de advogado, designadamente, as quotas para a Ordem dos Advogados e para a Caixa Previdência.
20. O Autor continuou a ter a disponibilidade para o exercício da advocacia fora do horário da Empresa, e não tinha qualquer norma de exclusividade.
21. E no que concerne à retribuição, na Cláusula 2.ª do contrato de Trabalho celebrado entre A e R, a Autora comprometeu-se a pagar ao Réu a retribuição mensal líquida e o subsídio de alimentação, mas nada mais, sendo assim cumprido o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 141.º do CT, onde mais nada do ponto de vista remuneratório foi considerado.
22. Entendemos que faz parte das liberalidades da Empresa e do seu livre arbítrio, criar complementos remuneratórios para os seus trabalhadores, assim como as regras de atribuição.
23. E é pacífico o entendimento que existe uma grande diferença entre o vínculo laboral de um trabalhador contratado a tempo indeterminado e um contratado a termo certo.
24. Ou seja e dito de outro modo, não nos parece que possa ser exigido a uma entidade patronal que contrate um trabalhador a termo certo que lhe dê todas as contrapartidas que estabeleceu dar aos seus trabalhadores efectivos, porque aqui, há uma razão objectiva que o impede.
25. E para atribuição daquele abono, era necessário a verificação das condições que o Autor não preenchia, e por isso, entendemos que a Recorrente agiu licitamente ao não atribuir ao Autor o abono reclamado, não tendo violado o disposto no artigo 146.º nº 1 do CT, havendo assim erro de julgamento e errada interpretação da lei.
26. Tendo a Recorrente procedido à prova que lhe competia fazer.
27. Formação Profissional.
28. Quanto a este particular, o Douto Tribunal a quo condenou também a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 207,53 euros, por considerar que estavam em falta 36 horas de formação.
29. Contudo, parece haver aqui um manifesto lapso, ou contradição, entre a matéria considerada provada e a fundamentação e decisão.
30. Porque no Ponto 26º da Matéria de Facto que a Ré disponibilizou ao Autor um conjunto de iniciativas de formação, num total de 93 horas, conforme documento de fls. 75., mas na Douta Fundamentação da Decisão, o Meritíssimo Juiz concluiu que o Autor tinha tido três totais parciais de horas de formação, designadamente, 43 h + 18 h + 16 h., totalizando 77 horas.
31. Ora, se o Douto Tribunal a quo tivesse atendido a totalidade do depoimento das testemunhas na parte que refere à formação, teria considerado a formação on job, como se pode constatar pelo depoimento da superior hierárquica do Autor, Dra. I…, sessão de 12/09/2013, minuto 16:40 a 17:24, assim como o depoimento da testemunha E…, que consta do Ponto 7. da Fundamentação da Decisão.
32. Face ao exposto e salvo melhor opinião, na Douta Decisão, o Meritíssimo Juiz não deveria apenas considerar os somatórios da formação e-learning, mas também a que foi prestada on-job.
33. Razão pela qual o Autor não tem o direito a receber quaisquer importâncias a tipo de formação, a qual excedeu em muito a que a Ré estava obrigada por lei.
34. Assim e ao decidir nos termos descritos, entendemos, com todo o respeito, que o Douto Tribunal a quo errou, violando as normas seguintes:
i) Artigos 141.º n.º 1 alínea b) e 146.º n.º 1 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro
j) Artigo 341.º, 342.º e 349.º do Código Civil
k) Artigo 72º n.º 1 do CPT
l) Artigos 5.º n.º 2 e 3 e 607.º n.º 4 e 5 do CPC
35. Devendo assim o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, alterar e revogar a decisão recorrida, no sentido de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto de modo a adicionar dois novos Pontos, com o teor seguinte:
> Considera-se provado que a atribuição do complemento mensal de advogado, dependia da verificação cumulativa das três condições: O trabalhador ter contrato com a Empresa por tempo indeterminado; Ser advogado; Desempenhar na Empresa as funções de advogado.
E que, > No departamento do Porto onde o Autor desempenhava as funções, não havia qualquer advogado contratado a termo que auferisse aquele complemento de advocacia.
36. E, em consequência, revogar a decisão do Douto Tribunal a quo com a consequente absolvição da Recorrente de todos os pedidos formulados pelo Autor.
Termos em que o Venerando Tribunal da Relação do Porto deverá considerar procedente por provado o presente recurso, e, na sequência, proferir Acórdão onde revogue e substitua a decisão recorrida por outra que absolva a Ré de todos os pedidos contra ela formulados, seguindo-se os demais trâmites até final, (…).

O Autor não contra-alegou no recurso da Ré.

A Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação emitiu parecer no sentido do provimento do recurso do A. e do não provimento do recurso da Ré, parecer ao qual respondeu a Ré, reafirmando todo o conteúdo das suas alegações de recurso e das contra-alegações que apresentou ao recurso do Autor.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:
A) No recurso do Autor:
1) Reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, visando o aditamento de dois novos factos;
2) A qualificação do contrato designado “estágio” como contrato de trabalho subordinado por tempo indeterminado;
3) A invalidade formal da motivação do termo aposto no contrato de trabalho.

B) No recurso da Ré:
1) A reapreciação da decisão sobre a matéria quanto ao ponto 11 dos factos provados, que deve ser completado por mais dois pontos;
2) A desigualdade substancial dos advogados que beneficiavam do complemento salarial e do A., a justificar a diferença de tratamento;
3) Erro na contagem das horas de formação e dever também incluir-se no cômputo das mesmas a formação on job.

III. Matéria de facto
A matéria de facto dada como provada na 1ª instância é a seguinte[1]:
1. O A. celebrou com a R., a 15.10.2007, um denominado contrato de estágio, pelo período de 6 meses, contrato esse com o seguinte teor:
Cláusula 1ª
A primeira outorgante compromete-se a possibilitar ao segundo outorgante a realização de um estágio que permita a este a participação e colaboração em práticas reais em contexto de trabalho, numa Direcção da Empresa, reconhecendo ambos os outorgantes que a finalidade do referido estágio é o complemento da formação ministrada ao estagiário pela Faculdade de Direito …, no Curso de Direito.
Cláusula 2ª
O estágio decorrerá na C…, S.A, sita na Rua …, …, .º Piso, no Porto.
Cláusula 3ª
O estágio decorrerá sob orientação e supervisão do Eng. M…. ao qual o segundo outorgante se deverá reportar.
Cláusula 4ª
O estágio terá a duração total de 6 meses, com início em 15/10/2007 e termo em 14/04/2008.
Cláusula 5ª
O segundo outorgante compromete-se a comparecer diariamente, de 2ª a 6ª feira, no departamento em que vai desenvolver o estágio, dentro do período compreendido entras as 8h30 e as 19h30 de cada dia, bem como a elaborar um relatório final do estágio desenvolvido.
Cláusula 6ª
A primeira outorgante atribuirá ao segundo uma bolsa de estágio mensal no valor líquido de 750,00 Euros (Setecentos e cinquenta euros).
Cláusula 7ª
As ausências ao estágio que não sejam consideradas justificadas pela orientadora designada na clª 3ª determinam a perda, proporcional, da bolsa de estágio referida na cláusula anterior.
Cláusula 8ª
O segundo outorgante encontra-se coberto, nos termos da Lei, por um seguro de acidentes de trabalho, no âmbito do contrato de seguro celebrado entre a primeira outorgante e a Companhia de Seguros N….
Cláusula 9ª
O segundo outorgante compromete-se a guardar lealdade à primeira outorgante, designadamente não transmitindo qualquer informação sigilosa de que tomar conhecimento por ocasião do estágio.
Cláusula 10ª
O segundo outorgante obriga-se a dar prévio conhecimento à primeira outorgante de todo e qualquer trabalho ou relatório a desenvolver no âmbito do estágio, cabendo à primeira outorgante a respectiva propriedade sem prejuízo da sua normal utilização pelo segundo outorgante.
Cláusula 11ª
1. O presente contrato de estágio poderá cessar:
a. por caducidade, nos termos previstos nas cláusulas 4ª e 12ª;
b. por mútuo acordo entre as partes;
c. por rescisão da iniciativa de qualquer das outorgantes, mediante comunicação apresentada com uma antecedência mínima de 15 dias em relação à data em que se pretenda que a cessação produza efeitos.
2. A primeira outorgante poderá rescindir unilateralmente o presente contrato, a todo o tempo, com fundamento em violação ou incumprimento, pelo segundo outorgante, dos respectivos deveres.
3. Não havendo acordo quanto à cessação do presente contrato, o 2º outorgante indemnizará a 1ª outorgante pelo valor das despesas feitas até à data da cessação, nos termos da cláusula 6ª.
Cláusula 12ª
O presente contrato não gera nem titula relações de trabalho subordinado e caduca nos termos do prazo acordado na clª 4ª, salvo acordo expresso e escrito entre as partes quanto à sua eventual prorrogação.

2. Tendo o mesmo sido renovado por mais 6 meses, tendo assim o seu término a 14.10.2008, e renovação essa nos seguintes termos:
Cláusula 1ª
Nos termos, e para os efeitos do disposto na cláusula 12ª do contrato celebrado em 15 de Outubro de 2007 ambos os Outorgantes acordam na prorrogação da respectiva vigência, até ao dia 14 de Outubro de 2008 e na revogação da cláusula 4ª inicial, referente à sua duração.
Cláusula 2ª
A presente renovação é celebrada pelo período de 6 meses, tem início em 15 de Abril de 2008, e termo em 14 de Outubro de 2008, e tem por finalidade permitir o aprofundamento de estudos e a conclusão de trabalhos sobre matérias várias, que têm constituído o objecto do estágio.

3. Na pendência desse designado contrato de estágio, o A. auferia a título de “bolsa de estágio mensal” a quantia ilíquida de €750,00. (facto C)
4. No dia seguinte ao termo do referido contrato de estágio (15.10.2008), o A. celebrou com a R. um designado contrato a termo certo, por 12 meses, para exercer as funções de Técnico Superior, e nos seguintes termos:
Entre:
(…)
É celebrado e mutuamente aceite o presente contrato de trabalho a termo certo, nos termos da legislação em vigor, o qual acordam submeter às seguintes cláusulas:
No âmbito do presente contrato de trabalho a Primeira Contraente contrata o Segundo para o exercício de funções técnicas em vertentes da sua formação e experiência, com a Categoria de Técnico Superior.
Pelo presente contrato a Primeira Contraente pagará ao Segundo a retribuição mensal ilíquida de 1.014,60 Euros (Mil e catorze euros e sessenta cêntimos), acrescida do subsídio de alimentação em vigor na empresa.
O local de trabalho do Segundo Contraente será na Rua …, nº …, no Porto o qual, quando o interesse da empresa o exija, poderá ser alterado para locais onde a empresa tenha objectivamente organizada a sua actividade empresarial, em cada momento, no âmbito das funções aqui contratadas.
1 – O período normal de trabalho do Segundo Contraente será de 8 horas diárias e de 40 horas semanais, repartido por cinco dias, de acordo com a organização adoptada pela Primeira, acordando os Contraentes que o mesmo possa ser determinado em termos médios, com recurso ao regime da adaptabilidade.
2 – No regime da adaptabilidade, a duração semanal será definida em termos médios, com um período de referência fixado pela Primeira Contraente, até quatro meses, se outro não estiver fixado em instrumento de Regulamentação Colectiva que seja aplicável na Primeira Contraente.
3 – O período terá o seu início, na ausência de fixação expressa, no dia 1 do primeiro mês de cada quadrimestre, com referência ao início do ano civil.
4 – O Segundo Contraente aceita que nas semanas com duração inferior a 40 horas, a redução do tempo de trabalho destinada a compensar trabalho com duração superior, em outras semanas, possa ocorrer por redução de dias ou meios dias.
5 – Se o Segundo Contraente, durante um ou mais períodos, vier a ter um tempo de trabalho efectivo inferior ao limite estabelecido no ponto 1, tal facto não envolverá alteração ou diminuição desse limite, independentemente do tempo de duração de tal situação, não desobrigando o Segundo da prestação, no futuro, do tempo de trabalho até ao referido limite.
6 – Se a prestação de trabalho vier a ser exercida em regime de isenção de horário de trabalho, tal não dispensará o Segundo Contraente do respeito pelo dever legal e geral de assiduidade, nem o desobrigará do cumprimento dos tempos mínimos de duração de trabalho efectivo estipulados, nem do cumprimento do horário de trabalho que venha a ser fixado pela Primeira Contraente, significando antes, uma maior disponibilidade para fazer face às necessidades de serviço.
7 – À Primeira Contraente assiste a faculdade de, livremente, de acordo com as suas necessidades objectivas:
a) Alterar os dias de trabalho, incluindo o seu número;
b) Alterar o horário de trabalho, incluindo o seu tipo;
c) Fazer cessar o regime de isenção de horário de trabalho, se este lhe vier a ser atribuído, para o exercício da actividade contratada.
1 – O presente contrato de trabalho é celebrado pelo prazo de 12 meses, visando satisfazer as necessidades temporárias da empresa resultantes do acréscimo excepcional de actividade da empresa, na Direcção de Serviços de Cobranças e Créditos, decorrente do desenvolvimento de actividades e projectos no âmbito da área do Gestão de Recuperação de Crédito e Contencioso, nomeadamente ao nível do processo de cobranças de dívidas, que se prevê que esteja concluído em Outubro de 2009 e que determina a sua celebração, em conformidade com o disposto na alínea f) do nº 2 do artigo 129º do Código do Trabalho.
2 – O presente contrato tem o seu início em 15 de Outubro do ano de dois mil e oito e o seu termo em 14 de Outubro do ano de dois mil e nove renovando-se automaticamente por iguais períodos, na falta de declaração em contrário por qualquer dos Contraentes, nos termos do artigo 388º do Código do Trabalho.
O Segundo Contraente terá direito a férias, subsídio de férias, subsídio de Natal e demais direitos de acordo com as disposições legais ou convencionais aplicáveis.
O presente contrato de trabalho ficará sujeito ao período experimental de 30 dias, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 105º e 108º do Código do Trabalho.
1 – Sem prejuízo dos demais deveres inerentes à sua condição de trabalhador subordinado, o Segundo Contraente obriga-se a, durante a vigência do presente contrato e após a sua cessação, manter confidencialidade de todos os dossiers, arquivos, documentos, dados e informações obtidos em virtude da sua relação com a Primeira Contraente, relativos a esta (incluindo os seus colaboradores, se a estes tiver tido acesso no âmbito do contrato de trabalho), ou aos seus clientes, nomeadamente sobre a sua organização, actividade ou negócio, preços, serviços prestados e qualquer outro dado de natureza comercial e/ou técnica, não podendo, designadamente, extrair cópias, divulgá-los ou comunicá-los a terceiros.
2 – O dever de confidencialidade abrange a reprodução da informação em qualquer suporte informático, ou outro, salvo se essa informação for estritamente necessária para a realização das funções inerentes ao cargo exercido pelo Segundo Contraente.
3 – No caso de cessação por qualquer motivo do presente contrato, o Segundo Contraente deverá devolver imediatamente à Primeira Contraente, todos os originais e/ou cópias dos dossiers, correspondência, arquivos, memorandos e outros documentos e informação que se encontrem em seu poder.
4 – A violação, pelo Segundo Contraente, das obrigações previstas na presente cláusula fá-lo-á incorrer na obrigação de pagar à Primeira Contraente uma indemnização pelos prejuízos sofridos e, caso a violação ocorra durante a vigência do presente contrato, poderá constituir justa causa de resolução do mesmo.
Os demais direitos e obrigações emergentes do presente contrato de trabalho para ambos os Contraentes reger-se-ão pelas disposições constantes do Código de Trabalho e demais legislação aplicável, nos termos gerais de direito.
10ª
O Segundo Contraente autoriza o tratamento dos seus dados pessoais pela Primeira, de forma a possibilitar o cumprimento dos seus deveres, bem como o exercício dos seus direitos, ao abrigo do presente contrato de trabalho.

O segundo Contraente reconhece ter lido o presente contrato e compreendido o seu teor, aceitando ambos os Contraentes, mutuamente, que as condições clausuladas constituem pressuposto essencial à sua contratação.

5. Tal contrato foi renovado por duas vezes, em ambos os casos por igual período – 12 meses - tendo terminado assim a 14.10.2011, e dando-se aqui por integralmente reproduzido o conteúdo da “1.ª renovação”, documento de fls 24 e 25, e da “2.ª renovação”, documento de fls 26 e 27; (facto E)
6. Enquanto este designado contrato de trabalho a termo certo esteve em vigor o A. auferia, por último, a título de retribuição base mensal a quantia de €1035,10 bem como um subsídio de alimentação no valor de €8,00/dia efectivo de trabalho; (facto F)
7. O designado contrato de trabalho a termo cessou por caducidade invocada pela R. com efeitos a 14.10.2011, conforme comunicação efectuada pela ré ao autor, do seguinte teor:
Vimos por este meio comunicar, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 344º, nº 1 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009 de 12 de Fevereiro, que o contrato de trabalho a termo certo celebrado entre a Empresa e V. Exa em 15.10.2008, caducará a partir do próximo dia 14-10-2011, deixando, portanto, de vigorar a partir dessa data.
Na sequência do referido, ser-lhe-ão pagas todas as retribuições devidas pela caducidade do contrato de trabalho.
Agradecendo a colaboração prestada no decorrer do seu contrato e, fazendo votos de que os conhecimentos adquiridos na Empresa lhe proporcionem reconhecimento e valorização, desejamos-lhe os maiores sucessos profissionais. (facto G)
8. O A. é Advogado desde 2005 com cédula profissional n.º…… emitida pela Ordem dos Advogados; (facto H e quesito 10º)
9. O A. foi recrutado pela R. após envio de curriculum e consequentes entrevistas; (facto I)
10. De acordo com nota interna emitida, em 08.10.2009, pela Comissão Executiva da C…, estar inscrito na Ordem dos Advogados é um “imperativo legal sem o qual não é possível exercer as funções atribuídas à C…”, pelo que através de tal nota interna é atribuído um complemento salarial de 246 Euros para pagamento de quotas, “a todos os advogados que exerçam as mesmas funções com vínculo à C…, nota interna essa com o seguinte teor:
N/Refª NI 002_DSIC/2009 Data 23/09/2009
para ADM K…
de J…_DSIC
Assunto: Pagamento de quotizações de advogados internos.
No âmbito das responsabilidades atribuídas à DSIC, encontra-se o processo de contencioso da C1… para os segmentos Residencial, Pessoal, PME/SOHO e Corporate.
No exercício de tais funções estão compreendidos actos da exclusiva competência de advogados, sendo imprescindível para tal a inscrição na Ordem dos Advogados, bem como o pagamento das respectivas quotas mensais, de acordo com os estatutos da Ordem dos Advogados (artºs 61º e seguintes).
Actualmente, os advogados que migraram com o serviço originalmente da C1… têm direito na sua remuneração mensal a um valor de 246 euros para pagamento das quotas supra mencionadas.
Atendendo a que se trata de um imperativo legal sem o qual não é possível exercer as funções atribuídas à C… e de forma a ser dado um tratamento igual para as situações, vimos por este meio propor a extensão deste complemento a todos os advogados que exerçam as mesmas funções com vínculo à C…
Data de efeitos: 1 de Outubro de 2009.
Esta medida originará um acréscimo de custos com trabalho de 5.904 euros em 2009 e 23.616, 16 euros em 2010.
Informação e Despacho:
Solicito Aprovação
23/09/2009
J…
À consideração da comissão executiva com o meu acordo
K…
Aprovado em reunião da Comissão Executiva de 08/10/2009.
Anexo I
Os colaboradores abrangidos por esta nota interna são:
- O…, colaboradora nº …….., com a cédula profissional número ……;
- P…, colaboradora nº …….., com a cédula profissional número ……;
- Q…, colaboradora nº …….., com a cédula profissional número ……;
- S…, colaboradora nº …….., com a cédula profissional número ……;
- T…, colaboradora nº …….., com a cédula profissional número ……;
- U..., colaboradora nº …….., com a cédula profissional número ……;
- V..., colaboradora nº …….., com a cédula profissional número ……;
- H…, colaboradora nº …….., com a cédula profissional número …….
(facto J)
11. O A. nunca recebeu aquele complemento tendo em conta o facto de ter celebrado com a Ré contrato a termo certo; (facto L) e quesito 27º)
12. Após aposição de assinatura no designado contrato de estágio, o A. passou a exercer as suas funções na DSIC – RCC (Direcção de Serviço Integrado de Cobrança – Recuperação de Crédito e Contencioso); (quesito 1º)
13. Ficando encarregue de um determinado número de processos judiciais em que a C2…, C3..., S.A. e até mais recentemente C4..., S.A., eram parte; (quesito 2º)
14. Tais processos eram distribuídos por outro funcionário da R., sendo que o A. na qualidade de mandatário desta, praticava os actos próprios da profissão de Advogado, com total autonomia e independência técnica; (quesito 3º)
15. Diligenciava junto de outros Advogados no sentido de obter acordos para pagamentos, comparecia em diligências judiciais, representando empresas do grupo no âmbito criminal e cível em que estas figuravam como assistentes e Ré, respectivamente, junto dos vários Tribunais e, ocasionalmente, Julgados de Paz; (quesito 4º)
16. Tratava também de vário expediente referente às injunções no âmbito do Decreto-Lei 269/98, processos executivos, contactando os vários solicitadores de execução, sempre representando as empresas do grupo da R. e ainda, ocasionalmente, representava a ré em audiências de parte junto dos Tribunais do Trabalho; (quesito 5º)
17. Elaborava pareceres quando lhe era solicitado sobre processos que tinha a seu cargo; (quesito 5ºA)
18. O A. sempre acompanhou os processos que lhe eram adstritos desde o início até ao seu termo, tendo inclusivamente decisão sobre eventual recurso, que em caso afirmativo era o A. que o redigia e apresentava; (quesito 6º)
19. O Sr. Engenheiro M… apenas esteve na mesma sala que o A. em poucas ocasiões, em número não concretamente apurado; (quesito 9º)
20. Nunca o A. esteve sujeito a qualquer tipo de aprovação nas peças que elaborava ou nas diligências que efectuava; (quesito 13º)
21. O autor, durante o designado período de estágio, estava sujeito a um horário de trabalho; (quesito 14º)
22. Eram-lhe colocados ao dispor vários instrumentos de trabalho pertencentes à R.; (quesito 15º)
23. O Autor, durante o estágio, aprendeu a conhecer a Orgânica e funcionamento da Empresa, a sua estrutura, as aplicações informáticas e a praticá-las; (quesito 20º)
24. Assim como o modo como se intercala e relaciona uma grande Empresa; (quesito 21º)
25. O Autor teve acesso a informação específica da área jurídica da Empresa, dos processos, dos contactos e da forma de trabalhar; (quesito 22º)
26. Enquanto o Autor colaborou com a Ré, foi-lhe disponibilizado um conjunto de iniciativas de formação, umas "E-Learning" e outras Presenciais, num total de 93 horas, conforme documento de fls. 75 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; (quesito 23º)
27. Devido a alterações legislativas, designadamente, do artigo 10º da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, cujo prazo de prescrição de 5 anos foi reduzido para 6 meses por via da aprovação da Lei 12/2008, de 26 de Fevereiro, e da alteração do ónus da prova por parte do prestador do serviço, em que o Legislador aditou o artigo 10.º-A, a Ré viu-se na necessidade de accionar judicialmente milhares de clientes, quer através de acções declarativas, quer através de injunções; (quesito 24º)
28. Foram assim aos milhares de entrada de processos junto do Balcão Nacional de Injunções e nos Tribunais; (quesito 25º)
29. E numa relação directa com a entrada dessas acções, surgiram outros tantos procedimentos:
centenas de contactos com os clientes, que procuravam os Serviços Jurídicos da Ré para tentar resolver as questões;
tratamento das reclamações;
reuniões com os clientes para efeitos de pagamento celebração de acordos a prestações;
remessa dos processos à distribuição, oriundos das injunções;
consequente instrução dos processos, recolha de documentação, realização de julgamentos, acordos, recursos, etc.; (quesito 26º).

O tribunal recorrido decidiu considerar não provados os seguintes factos:
- Que no período de Outubro 2007 a Outubro.2008 o A. nunca tenha tido quaisquer acções de formações referentes às funções que exercia, quer teóricas ou práticas; (quesito 7º)
- Que não tenha tido qualquer avaliação específica, a não ser aquelas a que estavam sujeitos todos os trabalhadores da R.; (quesito 8º)
- Que tenha exercido as funções de Procurador Adjunto substituto no Tribunal Judicial de Murça; (quesito 11º)
- Que tenha exercido também a actividade profissional de Advogado entre 2005 a 2007 num escritório de Advogados; (quesito 12º)
- Que o autor nunca tenha tido qualquer formação profissional; (quesito 16º)
Que toda a situação de cessação do contrato de trabalho, por invocação de caducidade pela ré, tenha causado uma enorme angústia ao A.; (quesito 17º)
- Que o autor tenha tido a necessidade de recorrer a familiares próximos para fazer face a determinadas obrigações que tinha assumido; (quesito 18º)
- Que o autor tenha passado a ter grandes dificuldades a dormir, ficando mais agitado e nervoso; (quesito 19º)

Apreciando:

A) O recurso do Autor:
Quer o recurso do Autor quer o da Ré põem em causa a decisão sobre a matéria de facto. Assim, analisaremos conjuntamente, por uma questão de prioridade lógica, as questões suscitadas por ambos os recorrentes quanto à matéria de facto, após o que passaremos ao conhecimento das restantes questões suscitadas, primeiro, pelo Autor, e seguidamente, pela Ré.

O recorrente Autor – e por comodidade passaremos seguidamente a referir-nos no texto ao Autor e à Ré – pretende o aditamento de dois quesitos, com o seguinte teor:
a) O Autor desde a data da sua entrada na Ré através do documento referido em 1) da matéria dada como provada, até à cessação do seu contrato de trabalho, sempre exerceu as mesmas funções que os vários trabalhadores da Ré, advogados;
b) Não existia entre os advogados trabalhadores da Ré e o Autor qualquer diferença nas funções que executavam ou no modo como prestavam o seu trabalho.
Por sua vez, a Ré pretende ampliar a resposta ao Ponto 11 da Matéria de Facto, adicionando dois novos Pontos com o teor seguinte:
“13. Considera-se provado que a atribuição do complemento mensal de advogado, dependia da verificação cumulativa das três condições: O trabalhador ter contrato com a Empresa por tempo indeterminado; Ser advogado; Desempenhar na Empresa as funções de advogado, E que,
14. No departamento do Porto onde o Autor desempenhava as funções, não havia qualquer advogado contratado a termo que auferisse aquele complemento de advocacia”.

A Ré opõe-se ao aditamento pretendido pelo Autor, por considerar que este não cumpriu os ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto e por entender que o teor dos pontos pretendidos aditar é conclusivo. A Ré fundamenta o seu pedido de ampliação no disposto no artigo 72º do CPT conjugado com a regra geral do artigo 5º do CPC actual.

Dispõe o artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, o seguinte:
1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

Deste normativo decorre que, sob pena de rejeição de recurso, deve a apelante especificar:
- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
- os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada;
- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas,
e
- indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
ABRANTES GERALDES[2] alega que sempre que o recurso envolva impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto.
E mais adiante acrescenta[3], “[a] rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes circunstâncias:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (vg. documentos, relatórios perícias, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos.”

Tal ónus de impugnação deve ser cumprido, não só nas alegações, mas também nas conclusões do recurso[4], pois são elas que delimitam o respectivo objecto, embora tal matéria deva ser fundamentada na alegação.

Por outro lado, quanto à natureza conclusiva dos factos, apesar da eliminação do artigo 646º nº 4 do CPC na versão anterior à actual[5], ao qual se ia buscar apoio para a tese da sua inadmissibilidade, tal eliminação apenas ocorreu por força do novo processamento da fase de julgamento, fazendo incluir na própria sentença o despacho de fixação da matéria de facto e a sua fundamentação, mas persistindo a distinção fundamental, nas normas que regem a elaboração da sentença, entre factos e direito (artigo 607º nº 3 do CPC actual), é ainda possível ancorar nessa distinção a necessidade de apuramento de factos, aos quais aplicar o direito, e não de conclusões.
Mantém-se portanto pertinente a elaboração doutrinária e jurisprudencial que já vinha sendo feita, sendo oportuno a esse respeito transcrever aqui o seguinte trecho do acórdão proferido nesta Relação no processo 132/10.6TTMTS.P1, ao que sabemos inédito:
“Dispõe o art. 646º, nº 4, do CPC, que “Têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”.
Como é sabido, a matéria de facto apenas deve contemplar factos, estes os acontecimentos da vida real, e não já matéria de direito, conclusiva ou contendo juízos de valor.
Deve também conter os factos essenciais à decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, bem como, quanto aos factos acessórios ou instrumentais, aqueles que constituem “a base de uma presunção legal ou o facto contrário a um presumido”, sem prejuízo de poderem também ser contemplados aqueles que “assumam especial relevância concreta para a prova dos factos principais, em que seja duvidosa a ilação que, a partir deles, possa ser tirada para esta prova ou em que constituam garantia de que o direito à prova não é severamente restringido por limitações legais como a do art. 633 para a prova testemunhal” – José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2001, Coimbra Editora, pág. 381.
Acresce que o facto deve ser formulado de acordo com a versão da parte sobre a qual recai o ónus da prova, seja o facto positivo ou negativo – cfr. Antunes Varela, J. Miguel Beleza e Sampaio e Nora, Direito Processual Civil, 1984, Coimbra Editora, nota 3, pág. 398.
Ensina o Professor José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª Edição, págs. 206 a 215, que:
“(…)
a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior;
b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei;
(…)
Entendemos por factos materiais as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens.
(…)
Em conclusão: O juiz, ao organizar o questionário, deve evitar cuidadosamente que nele entrem noções, fórmulas, categorias, figuras ou conceitos jurídicos; deve inserir nos quesitos unicamente factos materiais e concretos.
(…).”
Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, Coimbra Editora, pág.187, refere que: “O questionário deve conter só matéria de facto. Deve estar rigorosamente expurgado de tudo quanto seja questão de direito; de tudo quanto envolva noções jurídicas (…)” e, a pág. 194, que podem ser objeto de prova (logo, dizemos nós, levados à base instrutória), tanto os factos principais, como os acessórios, os factos externos, como os internos, os factos reais, como os hipotéticos e “tanto os factos nus e crus (se verdadeiramente os há) como os juízos de facto (…)”.
Por sua vez Antunes Varela, J. Miguel Beleza e Sampaio e Nora, ob. citada, pág. 391 a 393, admite como constituindo matéria de facto, suscetível de prova, tanto os acontecimentos do mundo exterior, como os do foro interno, da vida psíquica, “as ocorrências virtuais (os factos hipotéticos), que são, em bom rigor, não meros factos, mas verdadeiros juízos de facto.”,
Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, 1982, Almedina, diz que “(…). A aplicação da norma pressupõe, assim primeiro, a averiguação dos factos concretos, dos acontecimentos realmente ocorridos, (…), Esses factos e a averiguação da sua existência ou não existência constituem, respectivamente, o factos e o juízo de facto – juízo histórico dirigido apenas ao ser ou não ser do facto.
(…).
Igualmente indiferente é a via de acesso ao conhecimento do facto, isto é, que ele possa ou não chegar-se directamente, ou, somente através de regras gerais e abstractas, ou seja, por meio de juízos empíricos (as chamadas regas da experiência). (…).”.
Na jurisprudência, entre muitos outros, relevantes são os Acórdão do STJ de 21.10.09, in www.dgsi.pt (Processo nº 272/09.5YFLSB), que, a propósito do art. 646º, nº 4, refere que “(…) É assim, como se observou no Acórdão desde Supremo de 23 de setembro de 2009, publicado em www.dgsi.pt (Processo n.º 238/06.7TTBGR. S1), «[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em retas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum.»
Só os factos concretos — não os juízos de valor que sejam resultado de operações de raciocínio conducentes ao preenchimento de conceitos, que, de algum modo, possam representar, diretamente, o sentido da decisão final do litígio — podem ser objeto de prova.
Assim, ainda que a formulação de tais juízos não envolva a interpretação e aplicação de normas jurídicas, devem as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas da base instrutória e, quando isso não suceda e o tribunal sobre elas emita veredicto, deve este ter-se por não escrito. (…)» (…) (fim de citação).

Nas conclusões do recurso do Autor este remete para o depoimento de todas as testemunhas, excepto duas que não trabalhavam com ele, e refere a fundamentação da matéria de facto feita pelo tribunal recorrido, onde este mesmo faz referência aos depoimentos que indicam o que pretende aditar. Entende assim o recorrente que a prova não foi correctamente avaliada, o que não ajuda o tribunal à solução jurídica correcta. Nas alegações o recorrente indica apenas os depoimentos de T… e F…, indicando o tempo do início da parte que lhe interessa destacar, e transcrevendo-a.
Não pode assim dizer-se que foram correctamente observados os ónus acima referidos. Apesar de ser indicado concretamente o que se pretende alterar, e de se indicar porquê, não há propriamente uma análise crítica da razão duma diferente decisão: - note-se, em particular, que a técnica de fundamentação da motivação do tribunal que repete aquilo que as testemunhas dizem não é também ela uma técnica que explique a verdadeira motivação do tribunal, mas, em rigor, o tribunal recorrido não disse que se convencia daquilo que as testemunhas disseram e que ele consignou. Portanto, não é por esta referência ao facto do tribunal ter plasmado o que as testemunhas disseram, que se obtém a razão crítica que faz imediatamente reconhecer o erro do tribunal na apreciação das provas. Por outro lado, haveria de convencer que os depoimentos transcritos eram a considerar. De resto, não há indicação das passagens concretas da gravação, nem nas alegações, cabalmente, e menos nas conclusões do recurso, e a referência à totalidade das testemunhas quando apenas se indicam e transcrevem depois extractos de dois depoimentos, remete para a generalidade dos meios de prova, o que não é uma indicação precisa para a reapreciação.
Por outro lado, os pontos pretendidos aditar são conclusivos. O segundo ponto repete o primeiro: dizer que não há diferença é o mesmo que dizer que é igual. E dizer que é igual, que eram iguais as funções desempenhadas pelo Autor, enquanto estagiário, e pelos outros advogados que não eram estagiários, supunha antes, em rigor, que estando adquiridas na matéria provada, sem impugnação, as funções que o Autor realizava, se apurasse, isto é, se alegasse e provasse as funções que os outros advogados exerciam, e mais concretamente, que estas funções se desenrolavam por um tempo e por obrigações funcionais, tarefas, que, apuradas, permitissem a comparação.
Por outro lado, o Autor não impugnou os factos provados que procederam da alegação da Ré sobre o conteúdo da sua formação/estágio, e portanto, para afirmar a identidade de funções com os demais advogados, era então preciso afirmar que aqueles mesmos também estavam, fora de estágio, sujeitos aos mesmos procedimentos, à mesma aprendizagem, ou, era preciso provar que apesar da afirmação genérica da aprendizagem, na prática, tal aprendizagem não ocupava qualquer tempo ao Autor, pelo que então, em verdade, o seu desempenho diário era igual ao dos advogados restantes. Ora, apesar de tudo, não é crível, até por uma questão óbvia, do ponto de vista da naturalidade das coisas, que quem vai trabalhar para uma empresa não comece por tomar conhecimento do modo de fazer nessa empresa, e obviamente, quem já lá está, não precisa de perder tempo com esse conhecimento que adquiriu. Por esta razão, o aditamento dos pontos pretendidos sem impugnação dos factos relativos ao conteúdo do estágio aportaria a uma ignorância ou a uma contradição. Quer isto dizer que realmente não podemos sequer considerar que os pontos pretendidos aditar são uma súmula, um apanhado de factos, ainda assim aceitáveis do ponto de vista do seu entendimento, isto é, uma conclusão de facto ao alcance de quem a lê, e que por isso dispense o apuramento concreto dos factos que lhe subjazem.
Assim sendo, também por conclusivos, não podem tais pontos ser aditados, improcedendo pois a pedida reapreciação da decisão sobre a matéria de facto por banda do Autor.

Quanto ao pedido de ampliação da matéria do ponto 11, de modo a que se considere provado que “a atribuição do complemento mensal de advogado, dependia da verificação cumulativa das três condições: O trabalhador ter contrato com a Empresa por tempo indeterminado; Ser advogado; Desempenhar na Empresa as funções de advogado, E que, (…) 14. No departamento do Porto onde o Autor desempenhava as funções, não havia qualquer advogado contratado a termo que auferisse aquele complemento de advocacia”. Na contestação, a Ré afirmou que não havia discriminação porque o A. era o único contratado a termo (é o que resulta do artigo 123º). Isto significa que na perspectiva da Ré, não há discriminação entre tratarem-se diferentemente pessoas contratadas a termo e pessoas contratadas por tempo indeterminado. Por outro lado, na sentença recorrida, e o objectivo dos recursos é atacar as decisões proferidas, o Mmº Juiz não deixou de considerar que o complemento salarial era pago apenas aos trabalhadores vinculados definitivamente à Ré, assim interpretando o que consta do documento que transcreveu na matéria de facto, onde se refere “com vínculo à C…”. E por isso, na sentença recorrida foi afinal apreciada a questão suscitada pela Ré: - não há discriminação, porque o A. era contratado a termo e os outros, a quem era pago o complemento, eram efectivos.
O que a Ré quer agora aditar – que era condição da atribuição do complemento haver vínculo definitivo, e que o A. era o único contratado a termo – é, face à decisão dada, absolutamente indiferente, pois este tribunal de recurso terá de novo de se pronunciar sobre se é possível tratar diferentemente contratados a termo e contratados por tempo indeterminado. A pretensão de aditamento não altera os termos da questão posta ao tribunal: posso ou não – eu, por decisão da administração que portanto se apresenta como condicionante da atribuição dum complemento salarial – tratar diferentemente estes e os outros?
Embora o artigo 640º do CPC não especifique esta condição, não é possível reapreciar a decisão sobre a matéria de facto quando os factos que se pretendem alterar são indiferentes para qualquer uma das soluções de direito a dar à causa. Termos em que se rejeita a pretendida reapreciação.

Continuação da apreciação do recurso do Autor (2ª questão):
Da qualificação do contrato designado “estágio” como contrato de trabalho subordinado por tempo indeterminado.
O tribunal recorrido, começando por recordar que o Autor, durante a vigência do estágio, exercia a mesma actividade, e nas mesmas condições dos demais advogados que trabalhavam para a Ré com base em contratos de natureza diversa, entendeu que estava no domínio da liberdade das partes a contratação de estágio, o qual não titulava relações de trabalho subordinado, contrato esse não sujeito a nenhuma disciplina em concreto, isto é, salvo a das obrigações assumidas contratualmente.
Recordemos os factos:
1. O A. celebrou com a R., a 15.10.2007, um denominado contrato de estágio, pelo período de 6 meses, contrato esse com o seguinte teor:
Cláusula 1ª
A primeira outorgante compromete-se a possibilitar ao segundo outorgante a realização de um estágio que permita a este a participação e colaboração em práticas reais em contexto de trabalho, numa Direcção da Empresa, reconhecendo ambos os outorgantes que a finalidade do referido estágio é o complemento da formação ministrada ao estagiário pela Faculdade de Direito …, no Curso de Direito.
Cláusula 2ª
O estágio decorrerá na C…, S.A, sita na Rua …, …, .º Piso, no Porto.
Cláusula 3ª
O estágio decorrerá sob orientação e supervisão do Eng. M… ao qual o segundo outorgante se deverá reportar.
Cláusula 4ª
O estágio terá a duração total de 6 meses, com início em 15/10/2007 e termo em 14/04/2008.
Cláusula 5ª
O segundo outorgante compromete-se a comparecer diariamente, de 2ª a 6ª feira, no departamento em que vai desenvolver o estágio, dentro do período compreendido entras as 8h30 e as 19h30 de cada dia, bem como a elaborar um relatório final do estágio desenvolvido.
Cláusula 6ª
A primeira outorgante atribuirá ao segundo uma bolsa de estágio mensal no valor líquido de 750,00 Euros (Setecentos e cinquenta euros).
Cláusula 7ª
As ausências ao estágio que não sejam consideradas justificadas pela orientadora designada na clª 3ª determinam a perda, proporcional, da bolsa de estágio referida na cláusula anterior.
Cláusula 8ª
O segundo outorgante encontra-se coberto, nos termos da Lei, por um seguro de acidentes de trabalho, no âmbito do contrato de seguro celebrado entre a primeira outorgante e a Companhia de Seguros N….
Cláusula 9ª
O segundo outorgante compromete-se a guardar lealdade à primeira outorgante, designadamente não transmitindo qualquer informação sigilosa de que tomar conhecimento por ocasião do estágio.
Cláusula 10ª
O segundo outorgante obriga-se a dar prévio conhecimento à primeira outorgante de todo e qualquer trabalho ou relatório a desenvolver no âmbito do estágio, cabendo à primeira outorgante a respectiva propriedade sem prejuízo da sua normal utilização pelo segundo outorgante.
Cláusula 11ª
1. O presente contrato de estágio poderá cessar:
a. por caducidade, nos termos previstos nas cláusulas 4ª e 12ª;
b. por mútuo acordo entre as partes;
c. por rescisão da iniciativa de qualquer das outorgantes, mediante comunicação apresentada com uma antecedência mínima de 15 dias em relação à data em que se pretenda que a cessação produza efeitos.
2. A primeira outorgante poderá rescindir unilateralmente o presente contrato, a todo o tempo, com fundamento em violação ou incumprimento, pelo segundo outorgante, dos respectivos deveres.
3. Não havendo acordo quanto à cessação do presente contrato, o 2º outorgante indemnizará a 1ª outorgante pelo valor das despesas feitas até à data da cessação, nos termos da cláusula 6ª.
Cláusula 12ª
O presente contrato não gera nem titula relações de trabalho subordinado e caduca nos termos do prazo acordado na clª 4ª, salvo acordo expresso e escrito entre as partes quanto à sua eventual prorrogação.

2. Tendo o mesmo sido renovado por mais 6 meses, tendo assim o seu término a 14.10.2008, e renovação essa nos seguintes termos:
Cláusula 1ª
Nos termos, e para os efeitos do disposto na cláusula 12ª do contrato celebrado em 15 de Outubro de 2007 ambos os Outorgantes acordam na prorrogação da respectiva vigência, até ao dia 14 de Outubro de 2008 e na revogação da cláusula 4ª inicial, referente à sua duração.
Cláusula 2ª
A presente renovação é celebrada pelo período de 6 meses, tem início em 15 de Abril de 2008, e termo em 14 de Outubro de 2008, e tem por finalidade permitir o aprofundamento de estudos e a conclusão de trabalhos sobre matérias várias, que têm constituído o objecto do estágio.

3. Na pendência desse designado contrato de estágio, o A. auferia a título de “bolsa de estágio mensal” a quantia ilíquida de €750,00. (facto C)
8. O A. é Advogado desde 2005 com cédula profissional n.º…… emitida pela Ordem dos Advogados; (facto H e quesito 10º)
9. O A. foi recrutado pela R. após envio de curriculum e consequentes entrevistas; (facto I)
12. Após aposição de assinatura no designado contrato de estágio, o A. passou a exercer as suas funções na DSIC – RCC (Direcção de Serviço Integrado de Cobrança – Recuperação de Crédito e Contencioso); (quesito 1º)
13. Ficando encarregue de um determinado número de processos judiciais em que a C2…, C3…, S.A. e até mais recentemente C4…, S.A., eram parte; (quesito 2º)
14. Tais processos eram distribuídos por outro funcionário da R., sendo que o A. na qualidade de mandatário desta, praticava os actos próprios da profissão de Advogado, com total autonomia e independência técnica; (quesito 3º)
15. Diligenciava junto de outros Advogados no sentido de obter acordos para pagamentos, comparecia em diligências judiciais, representando empresas do grupo no âmbito criminal e cível em que estas figuravam como assistentes e Ré, respectivamente, junto dos vários Tribunais e, ocasionalmente, Julgados de Paz; (quesito 4º)
16. Tratava também de vário expediente referente às injunções no âmbito do Decreto-Lei 269/98, processos executivos, contactando os vários solicitadores de execução, sempre representando as empresas do grupo da R. e ainda, ocasionalmente, representava a ré em audiências de parte junto dos Tribunais do Trabalho; (quesito 5º)
17. Elaborava pareceres quando lhe era solicitado sobre processos que tinha a seu cargo; (quesito 5ºA)
18. O A. sempre acompanhou os processos que lhe eram adstritos desde o início até ao seu termo, tendo inclusivamente decisão sobre eventual recurso, que em caso afirmativo era o A. que o redigia e apresentava; (quesito 6º)
19. O Sr. Engenheiro M… apenas esteve na mesma sala que o A. em poucas ocasiões, em número não concretamente apurado; (quesito 9º)
20. Nunca o A. esteve sujeito a qualquer tipo de aprovação nas peças que elaborava ou nas diligências que efectuava; (quesito 13º)
21. O autor, durante o designado período de estágio, estava sujeito a um horário de trabalho; (quesito 14º)
22. Eram-lhe colocados ao dispor vários instrumentos de trabalho pertencentes à R.; (quesito 15º)
Por outro lado, ficou ainda provado que:
23. O Autor, durante o estágio, aprendeu a conhecer a Orgânica e funcionamento da Empresa, a sua estrutura, as aplicações informáticas e a praticá-las; (quesito 20º)
24. Assim como o modo como se intercala e relaciona uma grande Empresa; (quesito 21º)
25. O Autor teve acesso a informação específica da área jurídica da Empresa, dos processos, dos contactos e da forma de trabalhar; (quesito 22º)

Finalmente, consideremos que a Ré invocou, aliás repetidamente, o abuso de direito, em função da especial qualificação do Autor, enquanto advogado, para perceber os exactos termos em que se vinculou a ela, não podendo pois vir agora obter efeitos jurídicos em contrário da sua própria actuação, da sua própria manifestação de vontade no contrato de estágio.

O entendimento do Mmº Juiz quanto a esta questão, que mais propriamente se pode designar como de apuramento da natureza jurídica do contrato de estágio, apoiou-se no acórdão da Relação de Lisboa de 8.6.2011, que por sua vez também referiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.03.1998 e o acórdão da mesma Relação de Lisboa de 2.6.2005. Nestes doutos arestos entendeu-se, em síntese, que, fora dos casos em que a aprendizagem está regulada[6], por imperativos ligados ao seu financiamento por entidades públicas, a celebração destes contratos cai no domínio da liberdade contratual previsto no artigo 405º do Código Civil, sendo aliás inadmissível encontrar no domínio regulado a regra de que os contratos não geram relações de trabalho subordinado, e não entender que, quando as empresas aliás dispensam o financiamento e portanto, por si, custeiam a formação, não pudessem elas celebrar contratos que não as vinculam em termos laborais.
Com o muito e devido respeito, a questão não se coloca assim.
É verdade que o Prof. Menezes Cordeiro (Manual de Direito do Trabalho, 1991, pág. 536, refere: “A legitimidade última para considerar um certo contrato como de trabalho, aplicando-lhe o competente regime, reside na vontade das partes que livremente, o tenham celebrado. Trata-se, pois, sempre de indagar, à luz das regras da interpretação negocial - artigos 236º e sgts. – quais as opções juridicamente relevantes de quem tenha celebrado o contrato questionado.” E é verdade que a jurisprudência do STJ, sobretudo na questão da distinção entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços, tem insistido na afirmação da necessidade de considerar a vontade das partes manifestada nas cláusulas contratadas, vontade negocial essa a ser interpretada de acordo com a regra do artigo 236º do Código Civil.
A questão colocar-se-ia assim se o contrato – e agora não cuidamos da sua qualificação – previsse apenas obrigações de execução instantânea. Se o contrato, seja de estágio, seja de trabalho, prevê obrigações de execução duradoura, não pode deixar de se atender aos termos em que o contrato é, foi, executado, justamente porque estes termos podem coincidir ou não com as obrigações e direitos contratados, representando alterações legítimas (tanto quanto não se põem problemas de forma – artigo 222º nº 2 do Código Civil) ou incumprimentos dos mesmos. Ora, o contrato de trabalho e o contrato de estágio, por natureza, prolongam a sua execução no tempo, e por isso não é suficiente resumir-se a análise aos termos da qualificação contratada, dos entendimentos jurídicos declarados no contrato, tendo mesmo de se atender às obrigações contratadas, e depois da celebração do contrato, ao modo como tais obrigações foram executadas.
Há portanto de apurar se as obrigações contratadas no contrato de estágio são ou não idênticas às dum contrato de trabalho, isto é, se colocam o estagiário na mesma posição subordinada do trabalhador, e, retomando tais arestos, sendo certo que há entre o contrato de estágio ou de formação ou aprendizagem e o contrato de trabalho a diferença essencial de que nos primeiros o estagiário, formando ou aprendiz estagia, forma-se e aprende, há que apurar se este estágio, formação ou aprendizagem é, em si, e por si, suficiente para se afirmar como valor autónomo, elegível como o mais relevante da vinculação das partes, e consequente consigo mesmo (isto é, se cumpre a sua teleologia) ou se pelo contrário ele é apenas co-natural à necessidade de integração num ambiente profissional desconhecido, ou se está em mera paridade com o valor do benefício que quem concede o estágio obtém pela execução de tarefas pelo estagiário.
Justamente fora dos domínios legalmente regulados, cuja razão específica ou legalidade não nos compete abordar, a realidade a trabalhar é a dos limites ao princípio da liberdade contratual. Não é porque as empresas que beneficiam de apoios para a formação profissional não estão vinculadas laboralmente aos formandos, que se pode afirmar, por um princípio de igualdade entre empresas, que as que não beneficiam do apoio de todos nós, também devem beneficiar dessa oportunidade de não ficarem vinculadas aos formandos por vínculos laborais. É que ao apelo implícito ao princípio constitucional da igualdade de iniciativa económica, sempre haveríamos de considerar a influência do princípio da segurança do trabalho.
Aliás, muito curiosamente, sete dias antes do acórdão da Relação de Lisboa, foi publicado o DL 66/2011 de 1 de Junho, que aqui vamos considerar como ajuda interpretativa, visto que o contrato de estágio dos autos chegou ao seu termo em 2008 (cfr. artº 17º nº1 do mesmo diploma).
O que vem dizer este decreto-lei?
Ana Lambelho, nas Questões Laborais, nº 42, no seu artigo “O contrato de aprendizagem e o(s) contrato(s) de estágios” refere: “o contrato de estágio é o que é celebrado entre um estagiário e uma entidade de estágio e que tem como principal objectivo a formação profissional do primeiro”. E mais adiante, retomando aquilo que já dissemos, mas sem menção concreta de arestos nem citações doutrinárias: “Para além destes estágios que têm uma regulamentação legal própria, a doutrina e a jurisprudência sempre admitiram a existência de contratos de estágio, ancorados no princípio da liberdade contratual. A configuração específica dos estágios assim realizados dependia do estipulado pelas partes que, nesta matéria, tinham ampla liberdade de modelação. Fruto de contingências várias, começou a generalizar-se a existência de contratos de estágio em que o estagiário trabalhava várias horas, sem retribuição ou com retribuição bastante inferior ao legalmente previsto para a função e período normal de trabalho. No âmbito do acordo tripartido para um novo sistema de regulação das relações laborais, das políticas de emprego e da protecção social, celebrado entre o Governo e os parceiros sociais, em Junho de 2008, previu-se a proibição dos estágios profissionais extracurriculares não remunerados e a regulação legal dos estágios obrigatórios para acesso a profissões. Porém, só em 2011, com o DL nº 66/2001, de 1/06, foi publicada a primeira legislação sobre o assunto”.
Consta do referido diploma: “O Programa do XVIII Governo Constitucional assume como prioridades fundamentais o relançamento da economia, a modernização do País e a promoção do emprego.
Assim, no âmbito das políticas activas de emprego, têm sido promovidos programas de estágios para licenciados em áreas específicas e para jovens detentores de cursos profissionais e tecnológicos e de outras formações qualificantes de nível secundário e pós-secundário não superior.
Com as mesmas finalidades, têm sido criados programas de estágios profissionais na Administração Pública visando proporcionar uma nova oportunidade a jovens que se encontrem à procura do primeiro emprego, a jovens que se encontrem desempregados e, ainda, a jovens que exerçam uma ocupação profissional não correspondente à sua área de formação e nível de qualificação.
Estas medidas permitem, por um lado, a valorização profissional das pessoas a quem se destinam e, por outro, potenciam o desenvolvimento de actividades profissionais inovadoras, de novas formações e de novas competências profissionais, contribuindo de forma determinante para a modernização e para o desenvolvimento do País.
No âmbito do acordo tripartido para um novo sistema de regulação das relações laborais, das políticas de emprego e da protecção social, celebrado entre o Governo e os parceiros sociais, em Junho de 2008, previu-se a interditação de estágios profissionais extracurriculares não remunerados.
Actualmente, são realizados estágios profissionais em diversas áreas profissionais, que não têm um regime específico que lhes seja aplicável. Assim, com o presente decreto-lei pretende-se, em primeiro lugar, que estes estágios sejam regulados, estabelecendo-se o enquadramento, os termos e as condições da realização de estágios profissionais.
Atendendo à realidade que se pretende regular, o regime agora estabelecido aplica-se a estágios profissionais, ficando excluídos os estágios curriculares, os estágios que tenham uma comparticipação pública, os estágios que sejam pressuposto para o ingresso em funções públicas e, ainda, os estágios que correspondam a trabalho independente.
Este regime não se aplica, também, à formação prática clínica realizada pelos médicos após a licenciatura, com vista à especialização, nem à prática tutelada em enfermagem.
Em segundo lugar, visa-se uniformizar o tratamento jurídico desta matéria, alargando os princípios e as regras que norteiam a realização dos estágios atrás referidos a todo e qualquer tipo de situação que configure a realização de um estágio profissional extracurricular.
Do regime estabelecido pelo presente decreto-lei destaca-se, por um lado, a obrigatoriedade da redução a escrito do contrato de estágio, do qual devem constar, nomeadamente, o valor do subsídio de estágio, o seu período de duração, a identificação da área em que o estágio se desenvolve e as funções ou tarefas que estão atribuídas ao estagiário, o seu local de realização e os tempos de realização das actividades do estágio.
Por outro lado, é de salientar a obrigação de ser atribuído ao estagiário um subsídio de estágio, cujo valor tem como limite mínimo o valor correspondente ao indexante dos apoios sociais.
Consagra-se, ainda, a necessidade de existir um orientador de estágio, que deve acompanhar o estagiário no decurso do estágio.
Finalmente, estabelecem-se as situações que podem conduzir à suspensão e à cessação do contrato de estágio, fixando-se também um regime contra-ordenacional para eventuais violações ao regime que agora se cria.
Um projecto correspondente ao presente decreto-lei foi publicado, para apreciação pública, na separata n.º 1 do Boletim do Trabalho e Emprego, de 28 de Janeiro de 2011.
Foram ouvidos os parceiros sociais com assento na Comissão Permanente de Concertação Social.
Assim:
No uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 146.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objecto e âmbito
1 — O presente decreto-lei estabelece as regras a que deve obedecer a realização de estágios profissionais, incluindo os que tenham como objectivo a aquisição de uma habilitação profissional legalmente exigível para o acesso ao exercício de determinada profissão.
2 — Encontram-se excluídos do âmbito de aplicação do presente decreto-lei:
a) Os estágios curriculares;
b) Os estágios profissionais extracurriculares que sejam objecto de comparticipação pública;
c) Os estágios profissionais regulados pelos Decretos-Leis n.ºs 18/2010, de 19 de Março, e 65/2010, de 11 de Junho;
d) Os estágios cuja realização seja obrigatória para o ingresso ou acesso a determinada carreira ou categoria no âmbito de uma relação jurídica de emprego público; e
e) Os estágios que correspondam a trabalho independente.
Artigo 2.º
Estágio profissional
1 — O estágio profissional, para os efeitos do presente decreto-lei, consiste na formação prática em contexto de trabalho que se destina a complementar e a aperfeiçoar as competências do estagiário, visando a sua inserção ou reconversão para a vida activa de forma mais célere e fácil ou a obtenção de uma formação técnico-profissional e deontológica legalmente obrigatória para aceder ao exercício de determinada profissão.
2 — Para os efeitos da alínea e) do n.º 2 do artigo anterior, considera-se que o estágio profissional corresponde a trabalho independente sempre que, expressamente, o estagiário, nessa qualidade, e considerando o número anterior, exerce, exclusivamente por conta própria, ainda que sob a orientação da entidade promotora, todas as tarefas ou actividades inerentes ao estágio e para cujo exercício entregou no respectivo serviço de finanças, previamente ao início da realização do estágio, a devida declaração de início de actividade[7]. (sublinhados da nossa autoria)
Notemos ainda os seguintes preceitos do mesmo diploma:
“Artigo 7.º
Orientação do estágio
1 — A entidade promotora do estágio deve designar um orientador de estágio, que não pode acompanhar mais de três estagiários.
2 — No caso de estágio profissional obrigatório para o acesso ao exercício de determinada profissão, pode considerar-se entidade promotora, para os efeitos do presente decreto-lei, a pessoa singular que, na qualidade de patrono, ao abrigo das respectivas disposições legais e regulamentares, orienta o respectivo estágio.
3 — A orientação do estágio consiste, designadamente, em:
a) Elaborar, ouvindo o estagiário, o plano individual de estágio;
b) Realizar o acompanhamento técnico e pedagógico do estagiário, supervisionando o seu progresso face aos objectivos fixados no plano individual de estágio;
c) Avaliar, no final do estágio, os resultados obtidos pelo estagiário.
Artigo 12.º
Cessação do contrato de estágio
1 — O contrato de estágio cessa por caducidade, por acordo das partes e por resolução por alguma das partes, nos termos dos números seguintes.
2 — A cessação do contrato de estágio por caducidade ocorre quando se verifique alguma das seguintes situações:
a) Após o decurso do prazo correspondente ao seu período de duração, ainda que se trate de estágio obrigatório para o acesso ao exercício de determinada profissão;
(…)
Artigo 13.º
Contrato de trabalho
Para além do disposto no artigo 12.º do Código do Trabalho, considera-se exercida no âmbito de um contrato de trabalho:
a) A actividade profissional desenvolvida a coberto da realização de um estágio profissional que não obedeça ao disposto no artigo 2.º e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º;
b) A actividade desenvolvida pelo estagiário na entidade promotora após a caducidade do contrato de estágio nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo anterior.

E passemos agora à Constituição da República Portuguesa, para relembrar que nos termos do artigo 47º nº 1 “Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade”. Ora, relembrando também o artigo 26º, quando consagra o direito ao desenvolvimento da personalidade, do que o direito ao trabalho se apresenta também como instrumental, e relembrando os direitos dos trabalhadores consignados no artigo 59º, considerando a liberdade de iniciativa económica privada consagrada no artigo 61º, a incumbência do Estado no funcionamento eficiente dos mercados, garantindo o desenvolvimento da concorrência, incumbência prevista no artigo 81º al. f), teremos de chegar à conclusão que não só todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, mas também de escolher, salvas as restrições legais, o empregador para o qual querem trabalhar. É aliás isso mesmo que consagra o artigo 146º do Código do Trabalho de 2003 ao estabelecer as limitações à liberdade de trabalho.

Vamos agora ao Código do Trabalho, na versão de 2003, aplicável à data de celebração, vigência e execução do contrato de estágio dos autos:
Artigo 104º nº 1: “O período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato e a sua duração obedece ao fixado nos artigos seguintes”.
Artigo 106º nº 1: “O período experimental começa a contar-se a partir do início da execução da prestação do trabalhador, compreendendo as acções de formação ministradas pelo empregador ou frequentadas por determinação deste, desde que não excedam metade do período experimental”.
Artigo 120º, al. d) (O empregador deve) “Contribuir para a elevação do nível de produtividade do trabalhador, nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional”.
Artigo 123º nº 1 “O empregador deve proporcionar ao trabalhador acções de formação profissional adequadas à sua qualificação”.
Artigo 124º
“São objectivos da formação profissional:
a) Garantir uma qualificação inicial a todos os jovens que tenham ingressado ou pretendam ingressar no mercado de trabalho sem ter ainda obtido essa qualificação;
(…)
c) Garantir o direito individual à formação, criando condições objectivas para que o mesmo possa ser exercido, independentemente da situação laboral do trabalhador;
d) Promover a qualificação ou a reconversão profissional de trabalhadores desempregados, com vista ao seu rápido ingresso no mercado de trabalho;
(…)”.

Uma última recordação:
Dizia o artigo 1º do Código do Trabalho de 2003 que o contrato de trabalho estava sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, assim como aos usos laborais que não contrariem o princípio da boa fé. O artigo 8º estabelecia que, sem prejuízo da aplicação de regimes mais favoráveis, os trabalhadores tinham direito às condições de trabalho previstas no Código no tocante, entre outras matérias, à segurança no emprego.

Depois destes percursos, é tempo de concluir.

Se, como Ana Lambelho, no artigo citado, “O ingresso no mercado de trabalho nem sempre se revela fácil, mesmo quando as taxas de desemprego são baixas. A falta de preparação prática e a necessidade de formação específica para o trabalho a realizar são factores desincentivadores à contratação”, e “Em muitos casos é desadequada a celebração de um contrato de trabalho, pois a pessoa em causa, apesar de até poder ter conhecimentos teóricos, não tem, pela sua jovialidade ou inexperiência profissional, os conhecimentos práticos e/ou a maturidade necessária para o desempenho de uma actividade profissional” e “O contrato de trabalho não está pensado para as situações em que o próprio empregador tem de despender recursos avultados na formação do trabalhador”, se o pacto de permanência não serve porque o empregador não consegue prever se lhe interessa ficar com o trabalhador, então, quando o legislador “Tentando dar resposta a estas preocupações (…) tem criado modalidades contratuais cujo regime jurídico se afasta, em parte, das regras laborais”, referindo-se ao contrato de aprendizagem[8] e aos vários tipos de estágios profissionais, vamos concluir no sentido que indicámos no início, agora aliás mais completo: - a celebração de contrato de estágio antes do DL 66/2011, fora das situações que já então eram legalmente reguladas, está sujeita ao princípio da liberdade contratual, na medida em que, em concreto e em cada caso, resulte que o objectivo essencial desse contrato é o estágio enquanto condição de formação do candidato ao livre ingresso no mercado de trabalho, e na medida em que se mostre que os instrumentos já previstos na legislação laboral, a saber o período experimental e a formação profissional, não eram suficientes para acautelar, com equilíbrio de interesses entre empregador e trabalhador, a aquisição do conhecimento realizada através do estágio.
Como é que chegamos aqui: se o trabalhador ou candidato a ingresso no mercado de trabalho tem liberdade de escolher para quem quer trabalhar, o estágio não pode ser condição de acesso ao trabalho exclusivamente no empregador que proporciona o estágio. O estágio tem de habilitar o estagiário com a valência que lhe permite trabalhar para qualquer empregador da respectiva área de desempenho profissional – isto resulta agora com clareza cristalina do artigo 13º do DL 66/2011. É que se o objectivo do estágio não é o previsto no artigo 2º do mesmo diploma – e note-se que aqui está previsto um estágio em contexto ou ambiente real de trabalho – então manda-se aplicar a lei do trabalho e considerar que o estágio é um contrato de trabalho. E relembremos, este DL 66/2011 procede da consideração na comissão tripartida de que era necessário proibir a prestação de trabalho não remunerado sob a capa de estágios. Se a comissão assim o considerou, foi seguramente porque a realidade laboral do país o demonstrou amiúde.
E, no domínio anterior ao DL 66/2011, não estávamos desprovidos de instrumentos jurídicos que nos permitissem chegar à mesma conclusão e obviar a esse resultado indesejado sob o ponto de vista do legislador constitucional: porque a Constituição consagrava o direito ao trabalho e os direitos dos trabalhadores, a sua interpretação e desdobramento pelo legislador ordinário fez-se com garantia da imperatividade da disciplina laboral, a aplicar aos casos concretos em que se revelasse a existência de prestação de trabalho em condições subordinadas. E é isto que exclui, ou que permite retirar, em casos concretos que não se revelem conformes com o objectivo essencial da formação, os formalmente designados e qualificados contratos de estágio, do domínio da liberdade contratual.
Por outro lado, se o estágio implica a realização de trabalho em contexto real, se o aprender é derivado da própria experiência profissional, então, em primeiro lugar, para a verificação do seu objectivo essencial de aquisição de conhecimentos, temos de verificar a existência duma estrutura de estágio, como agora é claro a partir do artigo 7º do DL 66/2011, prevendo a obrigatoriedade de orientação, plano de estágio e relatório final. Depois, em segundo lugar, tem de se saber se não eram suficientes as medidas já previstas na lei laboral, visto que, naturalmente, todos os trabalhadores, antes de começaram a trabalhar, não sabem trabalhar em contexto real, e o empregador não pode deles retirar a potencialidade máxima. Por um lado o período experimental permite-lhe perceber se o trabalhador não tem as condições – inclusive de capacidade profissional – que lhe interessem, por outro lado, a formação profissional, além de ser obrigatória, pode ver os seus custos, a expensas do empregador, ressarcidos, justamente através de previsões como a do pacto de permanência.
Em suma, a possibilidade de livre celebração de contrato de estágio estava dependente da verificação da aquisição de conhecimentos geralmente válidos para o mercado de trabalho, enquanto objectivo essencial do mesmo contrato, e da verificação de que não eram suficientes quer as medidas previstas na legislação laboral para a verificação da capacidade do trabalhador, quer as medidas também previstas nessa legislação sobre a sua formação profissional, para a aquisição de tais conhecimentos.

É tempo de vir ao caso concreto.
O Autor era advogado, com cédula profissional, desde 2005 e celebrou o contrato de estágio em 2007, Outubro. Segundo os termos contratados, o que foi contratado foi a realização de um estágio “que permita a este a participação e colaboração em práticas reais em contexto de trabalho, numa Direcção da Empresa, reconhecendo ambos os outorgantes que a finalidade do referido estágio é o complemento da formação ministrada ao estagiário pela Faculdade de Direito do Porto, no Curso de Direito”.
Sim, mas isto não é autónomo da condição de advogado do Autor, sobretudo não quando o Autor é posto, em contexto real, a trabalhar na Direcção de Recuperação de Crédito e Contencioso, em casos concretos que implicavam o exercício de actos específicos da sua condição de advogado. Portanto, o Autor, apesar de já ser advogado, vai, com este estágio, complementar a formação da Faculdade. Curiosamente, não vai complementar a sua formação como advogado, que é o ramo prático em que profissionaliza os seus conhecimentos teóricos adquiridos no Curso de Direito, através da análise e tratamento de casos reais, vai complementar a sua formação teórica. Ora isto, salvo o devido respeito, não tem um sentido autónomo, e só pode ler-se como “através deste estágio vai trabalhar em casos concretos, como Advogado”, isto é, possibilitamos-lhe assim que trabalhe em casos concretos, se por acaso, como Advogado já há dois anos, ainda não teve, por outra via, oportunidade de o fazer.
Este estágio decorria, nos termos contratuais, sob orientação e supervisão do Engenheiro M…, que porém “19. O Sr. Engenheiro M… apenas esteve na mesma sala que o A. em poucas ocasiões, em número não concretamente apurado; (quesito 9º); 20. Nunca o A. esteve sujeito a qualquer tipo de aprovação nas peças que elaborava ou nas diligências que efectuava; (quesito 13º)”, ou seja, que porém muito pouco orientou, ou melhor, não há um único facto provado a dizer que tenha orientado coisa nenhuma, visto que estar na mesma sala que o estagiário não é sinónimo de estar a orientá-lo. E não está sequer provado que, quanto a aspectos não jurídicos, meramente organizativos, tenha tido alguma conduta de orientação. É portanto um orientador que consta formalmente do contrato, mas nada, na execução deste, se provou que tenha feito.
Este contrato de estágio por 6 meses foi renovado por outros 6 sob a explicação que era necessário “permitir o aprofundamento de estudos e a conclusão de trabalhos sobre matérias várias, que têm constituído o objecto do estágio”, o que porém nem nos permite concluir que isto tenha sido o caso, mas apenas que assim foi declarado, e nada nos diz sobre qualquer actividade própria de estágio, como relatórios de estágio, informações ao orientador, que nos permita dizer que o que estava em curso era outra coisa que a realização simples do exercício das funções de advogado em casos concretos. Note-se, que estando previsto no contrato que seria entregue um relatório de estágio, a Ré nem sequer veio dizer que o A. não o entregou, sendo certo que muito lhe interessava dizer, para a caracterização do contrato como de estágio, que tal relatório tinha sido entregue ou, na falta de entrega, exigido. E sobre a existência deste relatório final, não há nenhum facto provado.
Se o Autor nunca esteve sujeito a qualquer aprovação, e se as funções que desempenhou durante o estágio, segundo ficou provado, foram “13. Ficando encarregue de um determinado número de processos judiciais em que a C2…, C3…, S.A. e até mais recentemente C4…, S.A., eram parte; (quesito 2º); 14. Tais processos eram distribuídos por outro funcionário da R., sendo que o A. na qualidade de mandatário desta, praticava os actos próprios da profissão de Advogado, com total autonomia e independência técnica; (quesito 3º); 15. Diligenciava junto de outros Advogados no sentido de obter acordos para pagamentos, comparecia em diligências judiciais, representando empresas do grupo no âmbito criminal e cível em que estas figuravam como assistentes e Ré, respectivamente, junto dos vários Tribunais e, ocasionalmente, Julgados de Paz; (quesito 4º); 16. Tratava também de vário expediente referente às injunções no âmbito do Decreto-Lei 269/98, processos executivos, contactando os vários solicitadores de execução, sempre representando as empresas do grupo da R. e ainda, ocasionalmente, representava a ré em audiências de parte junto dos Tribunais do Trabalho; (quesito 5º); 17. Elaborava pareceres quando lhe era solicitado sobre processos que tinha a seu cargo; (quesito 5ºA); 18. O A. sempre acompanhou os processos que lhe eram adstritos desde o início até ao seu termo, tendo inclusivamente decisão sobre eventual recurso, que em caso afirmativo era o A. que o redigia e apresentava; (quesito 6º)”, o que temos em rigor é uma prática de trabalho, uma prestação de trabalho como advogado.
Esta prática era subordinada, segundo os termos contratuais, à comparência diária, de 2ª a 6ª feira, entre as 8h30 e as 19h30 de cada dia, no edifício das instalações do patrono, cujas faltas estavam sujeitas à aceitação de justificação pelo orientador, estava submetida ao dever de lealdade, executava-se com fornecimento de instrumentos de trabalho, tinha previsto um regime de cessação similar ao da lei laboral, com exclusão da possibilidade do estagiário revogar o contrato com base em comportamento culposo de patrono, e previa até o dever do estagiário indemnizar pelo valor das despesas com o estágio. Tudo isto, contra o pagamento de uma bolsa mensal de valor certo, e com a cobertura dum seguro de acidentes de trabalho, “nos termos da lei”. Ou seja, era, nos termos contratuais, e foi, mesmo uma prática do exercício da advocacia sob forma subordinada, em contexto real. Com o inerente benefício do “patrono”.
Diz a Ré, acusando o A. de má-fé por via dos seus conhecimentos jurídicos, que se está a baralhar tudo, que este estágio não é um estágio de advocacia, porque nem o podia ser, e que é sim o estágio que é necessário para se poder trabalhar numa das maiores empresas nacionais, um grupo muitíssimo relevante, com uma organização altamente complexa e sofisticada, que obriga a processos de trabalho altamente sofisticados, que obriga ao conhecimento das relações e do modo de relacionamento entre as empresas do grupo, e que é isto que obriga à necessidade dum estágio, que o estágio é para aprender isto mesmo. Que é uma visão muito limitada aquela que diz que um advogado não pode estagiar sob as orientações dum engenheiro.
Estamos inteiramente de acordo. A complexificação a que os humanos conseguiram chegar neste século obriga à multidisciplinaridade. Mas não será tudo isto conclusivo? A Ré não alegou os factos concretos desta complexidade, e abre-nos assim a porta para o conhecimento empírico da normalidade dos nossos dias. Não perdendo de vista as funções que o Autor desempenhou, em que é que se traduziu, em que procedimentos concretos se traduziu a aquisição de conhecimento dessa realidade tão altamente sofisticada? Na operação dum programa informático? Na abertura de dossier informático em cada caso concreto que o Autor dirigiu como advogado? Na abertura e processamentos informáticos diversos conforme os casos pertencessem a uma ou outra empresa do grupo?
O que foi provado, no que toca ao estágio, no que toca, diríamos, aquilo que nos habilitaria a apurar como essência teleológica do estágio, foi:
“23. O Autor, durante o estágio, aprendeu a conhecer a Orgânica e funcionamento da Empresa, a sua estrutura, as aplicações informáticas e a praticá-las; (quesito 20º)
24. Assim como o modo como se intercala e relaciona uma grande Empresa; (quesito 21º)
25. O Autor teve acesso a informação específica da área jurídica da Empresa, dos processos, dos contactos e da forma de trabalhar; (quesito 22º).

Repescando o conceito de admissibilidade de estágio a que chegámos, a matéria destes três números permite-nos dizer que o objectivo essencial do estágio foi habilitar o Autor com os conhecimentos que lhe permitem trabalhar no contencioso duma grande empresa qualquer, que não seja a Ré, e permitem-nos dizer que a aprendizagem (da orgânica e funcionamento da empresa, da sua estrutura, das aplicações informáticas, do modo como se intercala e relaciona uma grande empresa e o acesso à informação específica da área jurídica da empresa, dos processos, dos contactos e da forma de trabalhar) não podia ser feita, como para qualquer trabalhador, por via da natural prática, por via do simples facto de se estar a trabalhar, por via de acções de formação, cujo custo aliás estava previsto poder ser exigido de volta ao Autor?
Com o devido respeito, se não temos provado em que consiste exactamente a orgânica e o funcionamento da empresa, e tudo o mais que consta dos três números referidos, tudo o que deles consta é vago e insuficiente para o efeito que estamos a analisar.
A justificação de ser uma grande empresa, complexa e sofisticada, não pode colher. Por duas ordens de razões. Primeiro, abre um regime excepcional, um regime de diferenciação entre empresas, afectando a liberdade de concorrência, no que toca ao recurso à força de trabalho – justamente porque a seguir a este contrato de estágio, no dia seguinte ao seu termo, veio a ser celebrado um contrato de trabalho. Isto é, este estágio serviu para o ingresso neste “patrono”/empregador específico. Depois, esta mesma razão, assim posta de modo vago, aplica-se a qualquer profissional que vá trabalhar para esta empresa: também o instalador de cabos de telecomunicações tem de conhecer a orgânica e funcionamento da empresa, as relações entre as diversas empresas do grupo, as aplicações informáticas, os contactos, as pessoas a quem reporta, e o modo específico de trabalhar.
Deste modo, poderíamos afirmar que o ingresso da força laboral numa grande empresa, por via da necessidade do conhecimento da sua complexa grandeza, obrigaria sempre a um estágio prévio. Se já tínhamos chegado à banalização da noção de que o acesso ao mercado de trabalho se fazia por via do contrato de prestação de serviços, a que se seguia a contratação a termo, então neste caso teríamos ainda de admitir que a primeiríssima fase de ingresso no mercado de trabalho tem, no que toca às grandes empresas, de se fazer por via do contrato de estágio. Ora, isto não é verdade. Não é verdade do ponto de vista económico, e sobretudo não é verdade do ponto de vista jurídico. E enquanto não houver uma lei expressa a permitir às grandes empresas que o façam, em patente discriminação das médias e pequenas empresas, não pode ser isto aceite. E aliás, o que o legislador do DL 66/2011 veio dizer foi exactamente que se comprometia com os parceiros sociais (ainda que as imperfeições técnicas do conceito de trabalho independente possam levar a concluir que o diploma não cumpriu a promessa, como refere Ana Lambelho) a manter uma paz social baseada na proibição do recurso ao estágio em frustração da segurança do emprego e sobretudo do princípio retributivo, evitando o recurso fraudulento a estágios que não sirvam o objectivo de fornecer conhecimentos necessários para o ingresso livre no mercado de trabalho, nos termos plurais e diversificados em que ainda hoje os operadores da iniciativa económica privada a ele têm acesso.
Claramente podemos dizer, por via do princípio da segurança no emprego e por via da frustração do objectivo mesmo do estágio, antes da entrada em vigor do DL 66/2011, e por via deste diploma, depois dele, que a aquisição do conhecimento da orgânica e do modo de funcionamento do empregador que seja uma grande empresa não é suficiente para constituir o objecto essencial dum estágio, porque este radica na aquisição dum conhecimento que permite ao estagiário dirigir-se livremente ao mercado de trabalho e não, apenas, ficar vinculado posteriormente àquele empregador que lhe proporciona o estágio. Tanto mais quanto, nos autos, nem no conhecimento empírico, está demonstrado que a orgânica e os procedimentos duma grande empresa sejam idênticos aos de outras grandes empresas.
Por outro lado, o mesmo carácter vago dos factos apurados, não nos permite dizer, como deveríamos poder dize-lo, que os conhecimentos adquiridos eram de tal monta que a sua transmissão ao Autor não podia ser feita nos estritos ou estreitos limites dum período experimental nem dos modos de cumprimentos da obrigação de formação profissional previstos na lei laboral.
Concluímos assim que, no caso concreto, o que se apurou quanto à razão de ser e quanto aos conhecimentos adquiridos em estágio, e ainda quanto ao modo como o contrato de estágio foi executado, não permite concluir pela licitude deste contrato, ao abrigo do artigo 405º do Código Civil, exigindo a sua execução material, pelo carácter subordinado com que decorreu – subordinação essa, que em caso de autonomia técnica, se revela na integração do estagiário na organização do empregador, em cumprimento de local de trabalho, horário, necessidade de justificação de faltas e restante similitude regulamentar com a disciplina laboral que já assinalámos – ser qualificada como revelando a existência de um verdadeiro contrato de trabalho, por tempo indeterminado (visto que mesmo que aproveitássemos a existência de forma escrita, sempre nos quedaríamos sem aposição da motivação legalmente possível para a celebração de contrato a termo). De resto, note-se, é a própria noção de prática em contexto real profissional que está na essência do contrato de estágio que nos leva à conclusão da subordinação. Nem tão-pouco a Ré sugeriu que se não se tratasse dum contrato de estágio lícito então estaríamos em presença duma prática real em contexto profissional de empresa com carácter de prestação de serviços.
Com as legais consequências da qualificação como contrato de trabalho. E portanto, em procedência desta questão do recurso, e em procedência do primeiro argumento usado pelo Autor na sua petição inicial, para fundar o seu pedido.

Antes de abordarmos as legais consequências, o argumento de defesa da Ré: o Autor agiu em abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”.

Preceitua o artigo 334º do Código Civil que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Como ensina o Prof. Almeida Costa[9], o princípio do abuso do direito constitui um dos expedientes técnicos ditados pela consciência jurídica para obtemperar, em algumas situações particularmente clamorosas, às consequências da rígida estrutura das normas legais.
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela “a concepção adoptada do abuso de direito é a objectiva. Não é necessária a consciência de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito; basta que se excedam esses limites"[10].
De seguida, continuam os mesmos autores a afirmar que:
«Exige-se que o excesso cometido seja manifesto. Os tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos actos no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimaram, se houver manifesto abuso. É esta a lição de todos os autores e de todas as legislações. Manuel de Andrade refere-se aos direitos "exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça» e o Prof. Vaz Serra à «clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante».
Segundo o legislador, a determinação da legitimidade ou ilegitimidade do exercício do direito, ou seja, da existência ou não de abuso do direito, afere-se a partir de três conceitos: a boa fé, os bons costumes e o fim social ou económico do direito.
A manifestação mais clara do abuso do direito é a chamada conduta contraditória (venire contra factum proprium) em combinação com o princípio da tutela da confiança – exercício de um direito em contradição com uma conduta anterior em que a outra parte tenha confiado, vindo esta, com base na confiança gerada e de boa fé, a programar a sua vida e a tomar decisões (Vaz Serra, RLJ, 111º, 296).
Dos factos provados não consta, nem resulta, que o Autor fosse especialista em Direito do Trabalho. Como se viu acima, a solução jurídica da natureza do contrato de estágio não regulado legalmente não é uma questão jurídica simples. E, num contrato estabelecido com um advogado, a contra-parte pode confiar que o que diz um profissional da lei estará certo, e que se portanto o advogado diz que este contrato que vai assinar não regula nem gera relações de trabalho subordinado (por acaso fazendo sua a disciplina regulada para os contratos financiados, muito possivelmente com o esclarecimento prévio que a jurisprudência citada na sentença recorrida vinha dando desde 1998), não pode vir mais tarde pedir efeitos jurídicos decorrentes da qualificação da relação que iniciou com base em tal contrato como de trabalho subordinado.
A outra parte pode confiar, sobretudo se não for ela uma empresa que se afirma como um dos grupos económicos mais importantes, como uma das maiores empresas nacionais, que por isso mesmo não deixa de estar assistida por um considerável corpo de juristas especializados em relações de trabalho, e naturalmente por um sólido departamento de recursos humanos.
Quando partimos para a afirmação de que uma parte vai contra a boa-fé da outra, por agir em contrário àquilo que lhe disse, frustrando a confiança que esta outra nela podia - por via da protecção legal se não já da honra - ter, partimos dum ponto de equilíbrio, duma noção ideal de que ambas as partes têm a mesma força, isto é, ambas as partes têm o mesmo conhecimento e informação e o poder de agir em conformidade. Pelo que escrevemos no parágrafo anterior, a Ré estava, ao tempo da celebração contratual, e seguramente depois e ainda hoje, numa posição completamente diferente do Autor, com um acesso muito poderoso à informação que lhe permitia agir em conformidade.
É um facto notório o débito anual de licenciados e mestrados em Direito, o caudal afunilando-se através dos exames do estágio de advocacia, mas ainda assim sendo largo o lastro. É um facto notório que há milhares de licenciados em Direito que não conseguem arranjar emprego nessa área, e que muitos advogados, não vamos quantificar, não conseguem prover, pelo exercício da sua profissão, independente ou subordinadamente, à sua subsistência. Quer isto dizer, o A., o advogado de quem parece que se espera que honre a palavra dum grande homem de leis, estava do lado daquele exército que, pela sua juventude na profissão, tem de aceitar o mercado de trabalho tal qual ele se apresenta, para poder vir a subsistir com uma bolsa de 750 euros mensais, sem mais direitos.
Com estes dados, não vemos onde possa afirmar-se que é manifestamente escandaloso, ofensivo da moral e dos bons costumes, da boa-fé e do fim social e económico do direito, que intoleravelmente fere o sentimento de justiça da comunidade, e que os operadores judiciários não podem deixar de lhe por um travão, o comportamento consistente na declaração jurídico-qualificativa feita pelo Autor na celebração do contrato, sobretudo quando, com o maior respeito, a nosso ver, tal qualificação estava errada.
Improcede pois, a nosso ver, a defesa com o abuso de direito, e assim sendo cumpre verificar agora sim, as consequências legais da qualificação do contrato de estágio dos autos, como contrato de trabalho subordinado e por tempo indeterminado.

O Autor formulou o pedido de que o contrato de estágio fosse declarado nulo e sem qualquer efeito e assim se declarasse que estava vinculado à Ré desde 14.10.2007 por contrato de trabalho por tempo indeterminado, no que, como vimos, lhe assiste razão, e formulou em consequência o pedido de condenação da Ré no pagamento de €6.210,00 a título de indemnização pela ilicitude do despedimento, de condenação da Ré nas retribuições devidas desde a data do despedimento até ao trânsito da decisão que declare a ilicitude do mesmo despedimento, e o pedido de condenação da Ré a pagar-lhe 1.000,00 de indemnização por danos morais.
Procedendo a qualificação do contrato de estágio como verdadeiro contrato de trabalho por tempo indeterminado, em abstracto podia colocar-se a questão de saber se a celebração do contrato de trabalho a termo não punha termo ao contrato de trabalho por tempo indeterminado. No caso dos autos essa questão não se põe porque a Ré não a levantou. Assim, isto significa que fica prejudicado o conhecimento da terceira questão do recurso do Autor, e que persistindo a vinculação até ao momento em que a Ré promoveu a denúncia, por caducidade, do contrato de trabalho a termo (14.10.2011), tal denúncia operou a sua manifestação de vontade de pôr termo à relação contratual que era, ab initio, de trabalho por tempo indeterminado, resultando pois num despedimento sem invocação de justa causa nem precedência de procedimento disciplinar ou de procedimento legalmente necessário à efectivação das demais causas de resolução unilateral pelo empregador. Deste modo, tal despedimento é ilícito e gera, para o Autor, os direitos previstos na lei – é o que resulta da conjugação do disposto no artigo 7º da Lei 7/2009 de 12.2, 110º, 141º, 147º nº 1 al. c), (nos termos acima referidos), 339º, 340º, 343º a 348º (não verificados), 351º, 359º, 367º, 373º, 381º e 389º, 390º e 391º, todos do Código do Trabalho de 2009, na versão em vigor ao tempo de 14.10.2011.
Quer isto dizer que o A. tem direito a ser indemnizado, como pede, por antiguidade em substituição da reintegração, tem direito às retribuições que se teriam vencido normalmente desde 8.9.2012 (um mês antes da propositura da acção) até ao trânsito em julgado deste acórdão, com desconto das quantias que tiver auferido, eventualmente, no mesmo período, a título de subsídio de desemprego, quantias estas a entregar pela Ré à Segurança Social, e tem em abstracto o direito a ser indemnizado pelos danos morais sofridos. Dizemos em abstracto porque, percorridos os factos provados, e nesta parte não houve impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não há qualquer facto provado sobre qualquer dano sofrido pelo Autor – pelo contrário, tais alegados danos constam expressamente dos factos não provados, improcedendo pois o pedido de indemnização por danos não patrimoniais, em obediência à disciplina probatória constante do artigo 342º nº 1 do Código Civil.
Quanto às retribuições intercalares, uma vez que são pedidas até à data do trânsito, e esta é ignorada, não se justifica liquidá-las.
Quanto à indemnização por antiguidade, o Autor não a pede até à data do trânsito, antes a liquida por referência ao factor de 45 dias/ano ou fracção.
Como se sabe, a fixação do factor de indemnização é cometida ao tribunal segundo as indicações constantes do artigo 391º nº 1 por referência à graduação do artigo 381º, ambos do Código do Trabalho de 2009. A ilicitude deste despedimento não procede apenas de não se ter cumprido o formalismo que o permitiria, porque se fosse um caso de formalismo, este devia ser acompanhado ainda da prova dos fundamentos que permitem a resolução unilateral. A ilicitude, enquanto desvio ao legalmente estabelecido, traduz-se no caso concreto em não haver fundamento nenhum que permitisse terminar o contrato. Olhando para a enunciação sequencial do artigo 381º, a situação é equiparável à da improcedência dos fundamentos invocados, e portanto afirma-se essa ilicitude como mediana. A contribuição da consideração do valor da retribuição também nada altera a esta mediania. Entendemos assim que se justifica apenas fixar o factor de cálculo da indemnização por antiguidade em 30 dias de retribuição por cada ano ou fracção de antiguidade. O Autor, ao pedir o valor fixo de €6.210,00, obtendo-o por utilização do factor 45 dias x €1035,10, revela que o seu pedido se reporta (e limita, nos limites do princípio dispositivo, livre após a desvinculação contratual) aos efectivos 3 anos e uma fracção decorridos desde 15.10.2007 a 14.10.2011. Assim, considerando o factor de 30 dias e multiplicando-o justamente por 3 anos e uma fracção, obtemos o valor de indemnização de €4.140,40 (quatro mil e cento e quarenta euros e quarenta cêntimos).

Procede pois parcialmente o recurso do Autor.

Das restantes questões do recurso da Ré:
I. Do complemento de advocacia:
A sentença recorrida condenou a Ré a pagar ao Autor €5.904,00 referente ao complemento de advocacia, considerando que o seu não pagamento violava o artigo 146º do Código do Trabalho de 2009 e que a Ré não tinha demonstrado razão objectiva para tratamento diferenciado.
Na verdade, dispunha o artigo 136º do Código do Trabalho de 2003 que “O trabalhador contrato a termo tem os mesmos direitos e está adstrito aos mesmos deveres do trabalhador permanente numa situação comparável, salvo se razões objectivas justificarem um tratamento diferenciado”. A disposição passou incólume ao nº 1 do artigo 146º do Código do Trabalho de 2009.
Tal disposição é afloramento do princípio mais geral da igualdade, resultante do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, que dá origem aos preceitos ordinários constantes dos artigos 23º a 28º do Código do Trabalho de 2009. Sendo proibida a discriminação directa (artigo 23º nº 1 al. a)) em função dum factor (digamos assim genericamente, porque a palavra “nomeadamente”, no nº 1 do artigo 24º, revela o carácter não exaustivo dos factores ali mencionados), mister é que esse factor não seja requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional, em virtude da natureza da actividade em causa ou do contexto da sua execução, como se lê no nº 2, e depois no nº 3, do artigo 25º. Lendo-se pois a última parte do nº 1 do artigo 146º do Código de 2009, ou o artigo 136º do Código de 2003, é exactamente isto que lá está: salvo se razões objectivas justificarem tratamento diferenciado.
Como se sabe, e ainda que alguma jurisprudência seja mais exigente na alegação e até na prova dos factores de discriminação, o ónus de prova do tratamento diferenciado não assentar em factor de discriminação compete ao empregador – artigo 25º nº 5 do Código do Trabalho de 2009.
No caso dos autos, quer na contestação quer no recurso, o que a Ré vem dizer é que não houve discriminação no não pagamento do complemento de advocacia (que permitia aos seus advogados, para cujo exercício de funções na Ré era imperioso que tivessem as suas quotas para a Ordem dos Advogados pagas) ao Autor, porque ele era contratado a termo, e assim havia uma diferença muito substancial entre ele e os advogados a quem tal complemento era pago. Tais advogados estavam vinculados à Ré por contrato por tempo indeterminado (acepção de vínculo que o Mmº Juiz aceitou). A Ré veio ainda dizer que não era obrigada a pagar este complemento, que o instituiu sob determinadas condições, que assim revelavam que ele tinha sido atribuído unilateralmente, e que esta atribuição fazia sentido em relação aos outros advogados, por lhe estarem vinculados definitivamente, e que não fazia sentido ao Autor, pela razão contrária, e que não havia discriminação porque esta só existiria se houvesse outro contratado a termo, portanto, na mesma situação do Autor, em situação comparável como se refere na lei, que recebesse.
Ora bem, a Ré não põe em causa que a referida atribuição é retribuição, segundo a regra geral do artigo 258º nº 2 e 3 do Código do Trabalho de 2009 e aliás também segundo a regra do artigo 260º nº 1 al. c) parte final. Nada impede o empregador de unilateralmente atribuir uma prestação ao trabalhador que tenha carácter retributivo, e a partir dessa atribuição, posto que o trabalhador a aceite, se há-de aplicar a protecção prevista no nº 4 do artigo 258º.
Portanto, como explicamos quando apreciamos o pedido de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, nunca estamos dispensados de apreciar se a circunstância do trabalhador ser contratado a termo (e vamos já passar por cima do facto de termos qualificado, no recurso do trabalhador, o seu contrato, desde o contrato intitulado de estágio, como contrato de trabalho por tempo indeterminado) é razão objectiva para tratamento diferenciado em relação a trabalhadores contratados por tempo indeterminado em situação comparável. Este conceito de situação comparável não se pode referir à natureza temporária ou definitiva do vínculo, reporta-se isso sim às circunstâncias concretas sobre as quais incide o tratamento diferenciado. Se temos provado que a razão de não pagamento é o facto do A. estar contratado a termo, se temos provado, e isto não foi posto em causa, que o A. exercia plenamente actos próprios da profissão de advogado, e se temos provado que o complemento era pago a outros advogados vinculados à Ré, em razão da necessidade deles exercerem actos próprios da profissão de advogado, então temos provado que o Autor e os outros advogados estavam em situação comparável. E por isso resta apenas apreciar se o facto de se ser contratado a termo justifica objectivamente o não pagamento do complemento.
Embora a Ré se esforce por nos dizer que há uma diferença substancial, temos de lhe dizer que a diferença reside apenas no tempo de vinculação. É que a motivação que permite a contratação a termo reside quase exclusivamente, e no caso concreto residiu mesmo, no carácter temporário e excepcional da necessidade de contratação do trabalhador: não residiu na possibilidade de se mandar embora um trabalhador por ele não interessar, ou por ele não merecer confiança (a mesma que supostamente os vinculados definitivamente mereciam). E se, do que se tratava, era de pagar as quotas que os advogados tinham de pagar à Ordem, este pagamento justificava-se durante o tempo em que tais quotas tivessem de ser pagas – e esse tempo era, nos termos da circular, o que era exigido pela prestação do trabalho à Ré, por via de nessa prestação se praticarem actos próprios da profissão de advogado, que não poderiam ser praticados se os advogados em causa não pagassem as suas quotas. Portanto, a diferença entre o Autor e os advogados a quem o complemento era pago, era a de que no caso do Autor havia uma previsão temporal do período pelo qual tais quotas tinham de ser pagas (coincidia com o termo certo previsto para o contrato) e no caso dos outros não.
A Ré apresenta o pagamento, nas alegações, como uma compensação para a maior penosidade dos trabalhadores contratados definitivamente, assumindo assim que o termo do contrato por tempo determinado é uma libertação do trabalhador. Pois bem, talvez seja, mas seguramente lhe podemos opor que essa libertação significa afinal a precariedade laboral e a falta dum meio de subsistência, e que neste sentido, pelo contrário, o vínculo definitivo, por conforme ao objectivo constitucional de dar condições de realização do cidadão através do trabalho, é bastante gratificante. Por outro lado, a Ré diz que o Autor não tinha vínculo de exclusividade, mas não demonstrou – nem isso foi objecto do seu pedido de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto – que os advogados que recebiam o complemento tivessem tal exclusividade.
Não há assim qualquer razão justificativa, objectiva, para a diferença de tratamento e deve aplicar-se integralmente a previsão legal que manda não discriminar os trabalhadores contratados a termo pelo simples facto de o serem.
É certo que quem negociou o contrato, da parte do trabalhador, foi um advogado, mas não se pode dizer, por força da contratação a termo, que as condições remuneratórias são apenas as que constam do contrato. Isto não é verdade, elas podem proceder de muitos outros lados, quer da prática da empresa quer dos instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis. E, ainda quanto ao ser advogado o trabalhador, teremos de voltar a dizer que não procede, pelas razões já acima explicadas, a tese do abuso de direito na modalidade “venire contra factum proprium”
Assiste assim inteira razão ao Mmº Juiz recorrido, e improcede esta questão do recurso da Ré.

II. Da questão do erro na contagem das horas de formação e de dever também incluir-se no cômputo das mesmas a formação on job.
Começando já por esta última parte, os factos não nos esclarecem o que seja a formação on job e lendo-se as conclusões do recurso, delas não resulta um pedido de reapreciação da decisão quanto à matéria nesta parte. As alegações de recurso, nesta parte, transcrevem um depoimento duma testemunha que, confrontada com o documento de fls. 75 que contém a lista das acções de formação “e-learning” e presenciais, responde afirmativamente ao facto da formação on job não estar ali prevista, sendo antes formação dada no próprio local de trabalho em virtude dum contexto de muita camaradagem. Quer isto dizer que a Ré nem sequer indica concretamente qual seja o facto que eventualmente o Mmº Juiz ou nós mesmos, haveríamos de considerar para a inclusão da formação on job, pois, se estamos a falar do pedido do A. para lhe serem pagas horas de formação não concedidas, então esta formação on job tinha de ser alegada em horas, e não assim, de modo completamente vago. Improcede esta (sub) questão.

Quanto ao erro de cálculo da sentença recorrida:
Nos termos do artigo 125º nº 4 e 5 do Código do Trabalho de 2003[11], a partir de 2006 a Ré devia ter fornecido ao Autor 35 horas anuais de formação contínua, e não o tendo feito, as horas não prestadas convertem-se em créditos, só se contando a acumulação ao longo do máximo de três anos, ao longo portanto dos últimos três anos, disciplina que é absolutamente clara no artigo 132º nº 6 do Código do Trabalho de 2009. Trata-se de apurar o direito do Autor a receber o número mínimo anual de horas que não lhe tenha sido proporcionado.
Na decisão recorrida, partindo da afirmação da contratação laboral apenas a partir de 15.10.2008, e contando até 14.10.2011, perfazendo portanto 3 anos, o Mmº Juiz encontrou em falta, por referência aos factos provados, 36 horas. Ora, 35 x 3 são 105. Se está provado a existência de acções de formação por 93 horas, então em falta estariam apenas 12 horas. A questão é saber se, no caso em que o empregador presta mais horas de formação do que o limite mínimo, estas entram em compensação com os anos em que preste menos horas. A resposta é negativa, a partir da consideração de que 35 horas são um limite mínimo. Portanto, temos mesmo de ir ao documento de fls. 75 que descreve as acções de formação integrantes do total apurado de 93 horas – e que o tribunal deu como reproduzido na matéria de facto – para verificar que horas foram prestadas nos períodos anuais considerados pelo Mmº Juiz, e aqui vemos 43 horas no período de 15.10.2008 a 14.10.2009. Está correcto: considerando que as três primeiras acções se situam antes de 15.10.2008, acções que têm duração de duas horas e se iniciam no decurso deste período e terminam já depois, e portanto só se conta a primeira hora (acções elencadas em 7º, 8º, 9º e 10º lugar), somando as horas constantes das acções elencadas em 4º, 5º e 12º lugar, chegamos exactamente a 43 horas. No período de 14.9.2009 a 14.9.2010, temos a acção elencada em 11º lugar, 13º, 14º a 17º e metade da acção de duas horas elencada em 18º lugar, e isto soma 24 horas, e não as 18 consideradas na sentença. No período de 14.10.2010 a 14.10.2011 temos 13 horas, e a última acção de formação, com 4 horas, inicia-se em 18.7.2011 mas termina em 31.12.2011 e portanto não se sabe quantas horas foram prestadas no período a atender, sendo que pelo menos 1 terá sido. Assim, contamos 14 horas – o Mmº Juiz contou 16, seguramente por considerar que 1 hora terá sido prestada já fora do período de referência.
Assim, no primeiro período anual a considerar o limite mínimo foi ultrapassado, mas no segundo período não o foi, segundo as nossas contas ficamos em 24 horas, e por isso em menos 11 do que era o mínimo (e nesta parte o recurso procede) e no terceiro período ficamos em 14 horas, mas podemos admitir 16 visto que o lapso não é pretendido corrigir pela Ré em seu prejuízo, e assim temos mesmo 19 horas em falta. Em suma, temos 30 horas em falta.
Não tendo o Autor contra-alegado nem suscitado a ampliação do objecto do recurso da Ré, nem tendo sequer, antes da interposição do recurso, pedido a correcção do valor considerado pelo Mmº Juiz para fazer as contas da retribuição devida pelas horas em falta, usaremos o mesmo valor, e assim temos €5.76 x 30 horas = €172,80.
Procede assim parcialmente o recurso da Ré.

Tendo decaído parcialmente, cada uma das partes, em cada um dos recursos, são os vencidos, na proporção, responsáveis pelo pagamento das custas – artigo 527º nº 1 do CPC.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam os juízes que compõem esta Secção Social:
I. Conceder provimento parcial ao recurso do Autor e em consequência revogam a sentença recorrida na parte que absolveu a Ré dos demais pedidos, substituindo-a nessa parte pelo presente acórdão que julgando a acção parcialmente procedente, declara que o Autor se encontrou vinculado à Ré por contrato de trabalho por tempo indeterminado desde 15.10.2007 até 14.10.2011, declarando igualmente que o Autor foi nesta última data ilicitamente despedido, e em consequência condenam a Ré a pagar-lhe a quantia de €4.140,40 (quatro mil e cento e quarenta euros e quarenta cêntimos) e a condenam ainda a pagar ao Autor a quantia a apurar em liquidação do presente acórdão correspondente às retribuições que o Autor teria normalmente auferido desde 8.9.2012 até à data do trânsito em julgado deste acórdão, com desconto das quantias que o Autor tenha eventualmente auferido a título de subsídio de desemprego pelo mesmo período, as quais deverão ser entregues pela Ré à Segurança Social.
II. Mais acordam em julgar parcialmente procedente o recurso da Ré e em consequência revogam a sentença recorrida na parte em que a condenou a pagar ao Autor a quantia de duzentos e sete euros e cinquenta e três cêntimos (207,53€) referente às horas de formação não ministradas, substituindo a sentença nessa parte pelo presente acórdão que condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de €172,80 (cento e setenta e dois euros e oitenta cêntimos) a título de horas de formação não ministradas. Mantém-se a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor €5.904,00 referente ao complemento de advocacia, relativo aos meses de Outubro de 2009 a Outubro de 2011.
III. Mais acordam condenar ambas as partes, em cada um dos recursos, na proporção do respectivo decaimento.

Porto, 2.6.2014
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
Fernanda Soares
___________
[1] O Mmº Juiz optou, por evidentes e justificadas razões de celeridade processual, por reproduzir fotograficamente o teor dos contratos e de outros documentos. Tal modo importa a interrupção do texto com a inutilização de várias páginas. O teor essencial relevante dos documentos não obriga à reprodução de cabeçalhos nem logótipos, e por isso vamos apenas reproduzir, em texto corrido, o teor das cláusulas contratuais e comunicações documentadas.
[2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo 2103, Almedina, pp.126-127.
[3] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo 2103, Almedina, pp.127-128.
[4] Cfr. JOÃO AVEIRO PEREIRA, in O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil, O DIREITO, 2009, Tomo II, a págs. 318 a 320, nomeadamente; e Ac do STJ de 20/11/2003, de 8/3/06, de 13/7/06, disponíveis em www. dgsi.pt
[5] Temos em vista a redacção do Código de Processo Civil constante da republicação em anexo ao DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelos seguintes diplomas: DL 180/96, de 25-9; DL 125/98, de 12-5; L 59/98, de 25-8; DL 269/98, de 1-9; DL 315/98, de 20-10; L 3/99, de 13-1; DL 375-A/99, de 20-9; DL 183/2000, de 10-8; L 30-D/2000, de 20-12; DL 272/2001, de 13-10; DL 323/2001, de 17-12; L 13/2000, de19-2; DL 38/2003, de 8-3; DL 199/2003, de 10-9; DL 324/2003, de 27-12; DL 53/2004, de 18-3; L 6/2006, de 27-2; DL 76-A/2006, de 29-3; L 14/2006, de 26-4; L 53-A/2006, de 29-12; DL 8/2007, de 17-1; DL 303/2007, de 24-8; DL 34/2008, de 26-2; DL 116/2008, de 4-7; L 52/2008, de 28-8; L 61/2008, de 31-10; DL 226/2008, de 20-11; L 29/2009, de 29-6; DL 35/2010, de 15-4; L 43/2010, de 3-9; L 52/2011, de 13-4; L 63/2011, de 14-12; L 31/2012, de 14-8; L 60/2012, de 9/11 e L 23/2013, de 5/3.
[6] DL n.º 242/88 de 7 de Julho e Portarias n.º268/97 de 18 de Abril, (Estágios Profissionais do Instituto de Emprego e Formação Profissional) com as alterações introduzidas pelas Portarias n.º 1271/97 de 26 de Dezembro, nº 814/98 de 24 de Setembro, nº 286/2002 de 15 de Março e 282/2005, de 21 de Março, e DL n.º 205/96, de 25.10 (regime jurídico do contrato de aprendizagem).
[7] Sobre a questão do que se deve entender por trabalho independente, veja-se Ana Lambelho, no artigo já citado, páginas 331 a 334, do qual citamos: “O problema está, pois, em saber como se afere que o exercício é independente se, por definição, o estagiário tem muito pouca autonomia. Ele não tem, necessariamente, autonomia técnica, isto é, precisa de orientação sobre o modo como executar a tarefa ou atividade, pois está a aprender”.
Veja-se ainda o parecer da Ordem dos Advogados, de 3.8.2012, cujas conclusões transcrevemos:
“Em face do acima exposto a Ordem dos Advogados considera que o regime dos estágios profissionais extracurriculares, aprovado pelo decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de Junho, não é aplicável ao estágio de acesso à profissão de advogado, dado que
1- A actividade profissional do advogado, mesmo que exercida em regime de subordinação jurídica, é, pela natureza dos actos próprios que a integram e pelo dever de a exercer com independência, uma actividade cuja essência corresponde a trabalho independente.
2- Por isso, tendo a lei de autorização legislativa excluído, expressamente, os "estágios que correspondam a trabalho independente" e tendo a formulação adoptada, pelo n.º 2 do art. 2º do decreto-lei autorizado, desrespeitado, de forma contraditória e incongruente, o que, em termos jurídicos, corresponde a trabalho independente, é seguro concluir que o regime do Decreto-Lei n.º 66/2011 é inaplicável ao estágio de acesso à profissão de advogado.
3- Pois é juridicamente impossível exercer, exclusivamente por conta própria, todas as tarefas ou actividades inerentes ao estágio, dado que um estágio profissional, pelas suas próprias natureza e função, exige e requer sempre que o estagiário exerça as tarefas ou actividades inerentes ao estágio de forma assistida e orientada, pela entidade promotora, constituindo assim a exigência do dito requisito de exercício exclusivamente por conta própria uma contradição inconcilável, nos seus próprios termos, que gera a impossibilidade jurídica do próprio conceito normativo.
4- E o fazer depender a noção de estágio que corresponda a trabalho independente do requisito de o estagiário ter ou não cumprido a obrigação de declaração de início de actividade deixaria à mercê da vontade do destinatário da norma a aplicação de um conceito normativo, ficando a aplicação do regime do Decreto-Lei n.º 66/2011 ou a exclusão dessa aplicação dependente, em exclusivo, da vontade do próprio estagiário.
5- Além disso, a exigência do requisito consistente em o estagiário ter ou não cumprido a obrigação de declaração de início de actividade conduz a situações absurdas, pois o regime do Decreto-Lei n.º 66/2011 seria ou não aplicável ao mesmíssimo estágio de acesso à profissão de advogado, consoante o advogado estagiário tivesse ou não entregue a referida declaração de início de actividade,
6- Acresce que o Estatuto da Ordem dos Advogados já regula o estágio profissional para acesso à profissão de advogado, e, havendo uma lei própria que o regula, tendo em conta as características e a natureza da actividade da própria profissão, é essa lei própria e especial que se aplica.
7- Por outro lado, a aplicação do regime do Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de Junho, implicando a celebração de um contrato de estágio, determinaria um condicionamento inevitável e inaceitável na liberdade fundamental de aceder à profissão de advogado, dado que o contrato de estágio pressupõe necessariamente um acordo voluntário de vontades, no caso entre a entidade promotora e o estagiário, e, caso a Ordem dos Advogados não se dispusesse a "contratar" determinado candidato, como estagiário, este ficaria impedido de aceder ao exercício da profissão regulada.
8- Por último, a prossecução do objectivo de se evitar a prestação de trabalho não remunerado, através do recurso a estágios profissionais extracurriculares, não se verifica, nem é susceptível de se verificar no estágio de acesso à profissão de advogado, desde logo porque a realização de tal estágio é, legal e indeclinavelmente, obrigatória e, portanto, nunca pode ser encarada como uma forma encapotada de a entidade promotora ou o patrono recorrerem à prestação de trabalho sem o remunerar, ao contrário do que sucede com as empresas que não são obrigadas a admitir candidatos a estágios profissionais e que, portanto, poderão ser tentadas a obter a prestação de trabalho não remunerado, por essa via”.
[8] Regulado ultimamente pelo DL 396/2007 e Portaria 1497/2008.
[9] Cfr. Direito das Obrigações, 6ª ed., pág. 64.
[10] Cfr. Código Civil Anotado, 2ª ed. Vol. 1, pág. 298; em sentido idêntico, António Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil, Tomo I, 2ª ed., 2000, pág. 247.
[11] E não vamos aplicar nenhuma disciplina específica do contrato a termo, porque qualificámos a vinculação contratual entre as partes como por tempo indeterminado.
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Sumário a que se refere o artigo 663º, nº 7 do actual CPC:
I. O contrato de estágio profissional celebrado antes da entrada em vigor do DL 66/2011 de 1.6, fora dos casos até então especialmente regulados pela lei, está sujeito ao princípio da liberdade contratual previsto no artigo 405º do Código Civil, desde que dele se possa retirar como objectivo essencial a aquisição de conhecimentos em contexto real de trabalho, que habilitem o estagiário ao ingresso ou reingresso no mercado de trabalho, segundo o princípio da liberdade de trabalho, e portanto não apenas como condição para poder trabalhar para quem concede o estágio, e desde que se verifique que são insuficientes para a aquisição desses conhecimentos os mecanismos de averiguação da capacidade do trabalhador (período experimental) e o cumprimento das obrigações de formação profissional de que são beneficiários os trabalhadores.
II. Instituindo o empregador um complemento de advocacia consistente no pagamento do valor das quotas devidas à Ordem dos Advogados pelos advogados que com ele mantêm um vínculo de trabalho por tempo indeterminado, cujo fundamento é garantir que tais profissionais possam exercer, em beneficio do empregador e no cumprimento das suas funções, actos próprios da profissão de advogado, tal complemento deve ser pago também aos advogados contratados a termo certo que para e em benefício do empregador exercem actos próprios da sua profissão, encontrando-se portanto em situação comparável, não constituindo a natureza temporária ou definitiva do vínculo laboral razão objectiva suficiente para justificar diferença de tratamento.

Eduardo Petersen Silva
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).