Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
930/13.0TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ MANUEL DE ARAÚJO BARROS
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE RESOLUÇÃO DE ACTO PELO ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
Nº do Documento: RP20180510930/13.0TVPRT.P1
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º132, FLS.183-189)
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos da ressalva constante do nº 2 do artigo 27º do CIRE, a decisão que julgue procedente a impugnação de resolução de acto pelo administrador da insolvência impor-se-á, quanto às questões que tenha apreciado, a todos os credores que pretendam atacar tal acto com os fundamentos da impugnação pauliana.
II - Essa autoridade de caso julgado justifica-se pela feição colectiva que o CIRE conferiu àquela resolução, estendendo a sua eficácia a todos os credores do insolvente.
III - Se, na sentença proferida em incidente de impugnação de resolução operada pelo administrador da insolvência, de partilha em que interveio a insolvente, se decidiu que nesta foram a cada um dos interessados atribuídos valores equivalentes ao respectivo quinhão, da mesma não tendo decorrido diminuição da garantia patrimonial dos credores, não poderão tais questões voltar a ser apreciadas em acção pauliana intentada por qualquer destes contra os intervenientes na referida partilha.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 2ª SECÇÃO CÍVEL – Processo nº 930/13.0TVPRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Cível do Porto – Juiz 4
SUMÁRIO
(artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
RELATÓRIO
Banco B…, SA, intentou acção com processo comum contra C…, D… e E…, pedindo que fosse reconhecido à autora o direito a executar no património dos segundos réus o imóvel que identifica na petição inicial, declarando-se ineficaz e sem qualquer efeito, relativamente ao autor, partilha efectuada pelos réus.
Estribou o seu pedido, em síntese, nos seguintes factos: é portadora de uma livrança subscrita por uma sociedade e avalizada pela 1ª ré; face ao vencimento e não pagamento da referida livrança e à declaração de insolvência da sociedade subscritora da mesma, reclamou o seu crédito no processo de insolvência, o qual veio a ser reconhecido e graduado como comum; em 26 de Maio de 2010, a 1ª ré apresentou-se à insolvência, que veio a ser declarada por sentença de 28 de Maio de 2010; na petição inicial de apresentação à insolvência, a 1ª ré confessou-se devedora do banco autor da quantia titulada pela livrança, no montante de capital de 123.628,71€; o processo de insolvência foi encerrado por insuficiência de bens, não tendo sido ressarcido nenhum dos credores; foi indeferido o pedido de exoneração do passivo formulado pela 1ª ré; em 10 de Dezembro de 2008, os réus celebraram entre si a escritura de partilha de bens por óbito de F…, marido da 1ª ré e pai dos 2º e 3º réus; nos termos da escritura de partilha, o património do falecido, composto por 2 verbas, ficou dividido atribuindo-se o imóvel aos réus filhos e a quota da sociedade insolvente supra referida à ré viúva; a 1ª ré declarou ter recebido de tornas 9.346,07€, quantia esta que de facto nunca recebeu; o crédito da autora é anterior ao acto de partilha, estando os réus de má-fé, como demonstra o facto de, apenas 13 dias após a partilha, a ré viúva, adjudicatária da quota, ter pedido a insolvência da sociedade.
Regularmente citados, apresentaram-se os réus a contestar. Excepcionaram a caducidade do direito a impugnar, por terem decorrido mais de 5 anos desde a realização do negócio que a autora veio atacar, tendo por referência a data da citação da ré, em 17 de Dezembro de 2013. Também excepcionaram o caso julgado, porquanto no processo de insolvência da ré viúva foi declarada a resolução da partilha em benefício da massa insolvente e, impugnada aí a mesma pelos ora réus, foi proferida sentença favorável a estes. Mais impugnaram parte dos factos em que a autora fundamentou o seu pedido, sustentando não se verificarem os pressupostos da impugnação pauliana.
A autora replicou, defendendo a não procedência das excepções pelos réus deduzidas.
Foi realizada audiência prévia, na qual foram julgadas improcedentes as excepções da caducidade e do caso julgado, definido o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
Após a realização do julgamento, foi proferida sentença que condenou “os réus a verem procedente a impugnação da partilha da fracção autónoma designada pelas letras AO do prédio urbano descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 89 (à data) e inscrito na matriz urbana de … sob o artigo 1698º, devendo esse imóvel, em resultado disso, ser restituído ao património da herança indivisa aberta por óbito de F…, ou a poder ser executada no património dos réus D… e G…, na medida necessária à satisfação do crédito da autora até ao limite da meação que caberia à ré G…, estando autorizada a autora a praticar todos os actos, consentidos por lei, para conservação da garantia patrimonial”.
Inconformados, vieram os réus interpor recurso, admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Juntaram as respectivas alegações.
A autora contra-alegou.
Foram colhidos os vistos legais.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1. FACTOS
A) O autor é portador de uma livrança subscrita pela sociedade H…, Lda., vencida em 5 de Fevereiro de 2010 e avalizada pela ré C….
B) A sociedade H…, Lda., veio a ser declarada insolvente em 2 de Fevereiro de 2009.
C) O processo de insolvência prosseguiu com a liquidação do activo, ascendendo a massa insolvente a €301.000,00.
D) O aqui autor reclamou o seu crédito no dito processo de insolvência, crédito este que veio a ser reconhecido e graduado como comum.
E) Face aos valores dos créditos reclamados e graduados antes do crédito do autor, o aqui autor não vai receber qualquer importância no âmbito daquele processo.
F) Em 26 de Maio de 2010, a ré C… apresentou-se à insolvência, a qual veio a ser declarada por sentença de 28 de Maio de 2010.
G) Na petição inicial de apresentação à insolvência, a ré C… confessou ser devedora ao banco autor da quantia titulada pela livrança.
H) O banco autor reclamou créditos no dito processo, que foram reconhecidos pela senhora administradora de insolvência e que foram judicialmente homologados.
I) A ré C… não é titular de qualquer outro bem além da reforma mensal de cerca de €500,00.
J) O processo de insolvência veio a ser encerrado por insuficiência de bens, não tendo sido ressarcido nenhum dos credores.
K) A ré C… viu indeferido o pedido de exoneração do passivo restante.
L) Dada a declaração de insolvência da sociedade subscritora e da avalista C…, o banco aqui autor deu aquele título em execução no processo que corre termos pela 2ª secção do 2º Juízo de Execução do Porto, sob o nº 6797/10.2YYPRT, apenas contra os demais obrigados cambiários.
M) No âmbito daquela execução foram julgadas procedentes as oposições deduzidas pelos executados I… e J…, pelo que os autos apenas prosseguem contra o executado K…, não tendo sido localizados quaisquer bens pertencentes a este executado.
N) O banco autor não recebeu ainda qualquer quantia.
O) Em 10 de Dezembro de 2008, todos os réus celebraram entre si uma escritura de partilha de bens por óbito de F…, marido da ré C… e pai dos réus varões.
P) Nos termos da referida escritura, o património do falecido era constituído por duas verbas: uma fracção autónoma designada pelas letras “AO” do prédio urbano descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o nº 89 e à data inscrito na matriz urbana de … sob o artigo 1698; uma quota do valor nominal e atribuído de €171.960,58 no capital social da sociedade H…, Lda., pessoa colectiva nº ………, com sede na Rua …, nº …, no Porto.
Q) Nos termos da escritura de partilha, a quota foi atribuída à 1ª ré e a fracção autónoma aos segundos réus, estando registada tal aquisição na Conservatória do Registo Predial do Porto.
R) Nos termos da dita escritura, a ré C… declarou ter recebido de tornas €9.346,07.
S) A livrança referida em A) foi subscrita e avalizada aquando da celebração de um contrato de crédito em conta corrente com caução curto prazo, celebrado entre o banco aqui autor e a sociedade H…, Lda., em 20 de Maio de 1993, contrato este objecto de várias posteriores alterações em 24 de Março de 1997, 10 de Setembro de 1997, e 1 de Fevereiro de 2008, sendo que aquando da última alteração foi entregue ao banco autor nova livrança caução, também esta avalizada pela ré C….
T) Nos termos do contrato, o banco concedia à dita sociedade H…, Lda., um mútuo, sob a forma de facilidade de crédito, no montante de €250.000,00.
U) A abertura de crédito consistia na disponibilização a crédito até ao montante acordado na conta de depósitos à ordem nº …………. de que a sociedade era titular junto do banco autor, por contrapartida a débito numa outra conta aberta em nome da mesma sociedade e que apenas podia ser debitada por transferências ordenadas por escrito pela sociedade H…, Lda., desde que por força dessa movimentação, o saldo da referida conta não ultrapassasse o montante máximo do crédito disponibilizado.
V) Em 23 de Dezembro de 2008, 13 dias após a outorga da escritura de partilha, a ré C… requereu a insolvência da sociedade H…, Lda.
W) Em 2004, a sociedade apenas apresentou como resultado líquido do exercício a quantia de €17.312,24.
X) Em 2007, apresentou resultados líquidos negativos de €970.535,50.
Y) Na Assembleia Geral de 31 de Março de 2008 foi considerada urgente a necessidade de obtenção de um financiamento de montante inferior a €1.000.000,00 para colmatar necessidades de tesouraria e relançar a empresa.
Z) A ré C… foi gerente da sociedade até Junho de 2008.
AA) À data da partilha, o valor real da quota partilhada era inexpressivo ou próximo do zero.
A estes factos, relacionados como apurados na sentença recorrida, acresce que, como resulta comprovadamente de documento junto aos autos, reconhecido por ambas as partes, nos autos que correram por apenso ao processo de insolvência da ré C… e sob o registo nº 972/10.7TJPRT-E, os réus opuseram-se à resolução da partilha aí declarada pela administradora da massa insolvente, tendo sido proferida sentença que julgou procedente essa impugnação.
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2. CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES DE RECURSO
1. O digno Magistrado a quo, considerou provados factos que não o deveriam ser (“valor nulo da quota”) e não considerou provados outros diversos factos que o deveriam ser.
2. A não consideração do valor da quota foi deliberada em oposição a sete opiniões fundamentadas, sustentando-se em apenas uma contrária, minoritária dentro de uma comissão colegial de peritos judiciais.
3. Deve, pois, ser considerado provado o valor da quota partilhada em 222.638,69€, conforme estipulado pela maioria qualificada do colégio de peritos, pelo que a partilha foi completamente legítima.
4. Deve ser considerado provado que a Ré C… não tinha qualquer conhecimento da vida interna e financeira da empresa, sendo o seu interesse o valor que recebia mensalmente.
5. Deve ser considerado provado que a partilha se efectuou com o objectivo de, contrariando o argumento do gerente K…, obter o reatar do pagamento da mensalidade à D. C….
6. Deve ser considerado provado que o negócio relativo à partilha é oneroso, pelo que não se aplica qualquer presunção de má-fé nem esta foi comprovada pelos Autores, como é seu ónus.
7. Deve ser considerado como não provado o momento em que o valor do financiamento foi entregue à empresa, não se provando assim o requisito da anterioridade do crédito em relação ao acto impugnado.
Termos em que requer, e nos mais de Direito doutamente supridos por V. Exa:
a) Seja declarada a excepção de caso julgado na primeira instância, nos termos dos artigos 580.º e 501.º do CPC, sendo os Réus absolvidos da instância;
b) Se assim não se entender, o que desde já não se concede, seja a presente acção pauliana considerada não provada e declarada totalmente improcedente, por não preenchimento dos requisitos de exercício constantes dos artigos 610.º e 612.º do CC.
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3. DISCUSSÃO
3.1. Uma nota prévia de congratulação, ao constatar que ainda há recorrentes que levam a sério o ónus de alegar e formular conclusões previsto no nº 1 do artigo 639º do Código de Processo Civil. Indicando de forma sintética os fundamentos do recurso. Assim nos poupando à, infelizmente cada vez mais usual, transmutação do que deveriam ser as conclusões em prolixa repetição, mais ou menos encurtada, das alegações.
Pedem os recorrentes a absolvição da instância, na procedência da excepção de caso julgado. Sem prescindir, a absolvição do pedido, por se não verificarem os pressupostos da impugnação pauliana.
3.2. Abordemos a questão da existência ou não de caso julgado.
Os réus opuseram à pretensão da autora a sentença proferida na impugnação que deduziram à resolução da partilha em causa pela administradora da massa insolvente, que correu por apenso ao processo de insolvência da ré C…, sob o registo nº 972/10.7TJPRT-E.
O senhor juiz a quo afastou o caso julgado, em virtude da ausência de identidade de sujeitos, de pedidos e de causas de pedir na presente acção e naquela. Para efeito do que analisou as mesmas à luz dos preceitos dos artigos 580º e 581º do Código de Processo Civil.
3.2.1. Não nos parece que tenha encetado o caminho mais apropriado, ao ignorar a previsão do artigo 127º do CIRE, que equaciona especificamente a questão que importa apreciar. Dispondo, sob a epígrafe “impugnação pauliana” - «1 - É vedada aos credores da insolvência a instauração de novas acções de impugnação pauliana de actos praticados pelo devedor cuja resolução haja sido declarada pelo administrador da insolvência. 2 - As acções de impugnação pauliana pendentes à data da declaração da insolvência ou propostas ulteriormente não serão apensas ao processo de insolvência, e, em caso de resolução do acto pelo administrador da insolvência, só prosseguirão os seus termos se tal resolução vier a ser declarada ineficaz por decisão definitiva, a qual terá força vinculativa no âmbito daquelas acções quanto às questões que tenha apreciado, desde que não ofenda caso julgado de formação anterior. 3 - Julgada procedente a acção de impugnação, o interesse do credor que a tenha instaurado é aferido, para efeitos do artigo 616.º do Código Civil, com abstracção das modificações introduzidas ao seu crédito por um eventual plano de insolvência ou de pagamentos».
Para mais bem explicitar a razão de ser deste preceito, transcreve-se o ponto 41 do Preâmbulo do DL nº 53/2004, de 18 de Março, que aprova o CIRE – “A finalidade precípua do processo de insolvência - o pagamento, na maior medida possível, dos credores da insolvência - poderia ser facilmente frustrada através da prática pelo devedor, anteriormente ao processo ou no decurso deste, de actos de dissipação da garantia comum dos credores: o património do devedor ou, uma vez declarada a insolvência, a massa insolvente. Importa, portanto, apreender para a massa insolvente não só aqueles bens que se mantenham ainda na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles actos, que se mostram prejudiciais para a massa. A possibilidade de perseguir esses actos e obter a reintegração dos bens e valores em causa na massa insolvente é significativamente reforçada no presente diploma. No actual sistema, prevê-se a possibilidade de resolução de um conjunto restrito de actos, e a perseguição dos demais nos termos apenas da impugnação pauliana, tão frequentemente ineficaz, ainda que se presuma a má fé do terceiro quanto a alguns deles. No novo Código, o recurso dos credores à impugnação pauliana é impedida, sempre que o administrador entenda resolver o acto em benefício da massa. Prevê-se a reconstituição do património do devedor (a massa insolvente) por meio de um instituto específico - a resolução em benefício da massa insolvente -, que permite, de forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais a esse património.”
Lembremos que a impugnação pauliana é facultada ao credor como meio para este defender a sua posição contra os actos praticados pelo devedor que impeçam ou dificultem a satisfação do seu crédito. Os quais podem ser impugnados pelo credor, caso se verifiquem os requisitos gerais estabelecidos no artigo 610º do Código Civil: a existência de um crédito; a anterioridade do crédito em relação ao acto impugnado ou a existência de fraude preordenada; o acto afectar a garantia patrimonial do credor. E que, como preconizado no artigo 616º desse código, com ela se visa não a anulação do acto impugnado mas tão só a sua ineficácia relativa em relação ao credor impugnante, mediante a restituição dos bens ao património do devedor na medida do interesse do daquele.
Já o instituto do caso julgado pretende evitar a repetição de uma mesma causa, definida por tripla identidade: de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (cfr. o artigo 581º do CPC). A autoridade do caso julgado realça a impossibilidade da discussão em nova acção de questão que se considera definitivamente resolvida naquela (cfr. os artigos 580º, nº 2, e 621º do CPC). Como refere Miguel Teixeira de Sousa, in O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ nº 325, pág. 171 – “quando o objecto processual anterior é condição para a apreciação do objecto processual posterior, o caso julgado da decisão antecedente releva como autoridade de caso julgado material no processo subsequente; quando a apreciação do objecto processual antecedente é repetido no objecto processual subsequente, o caso julgado da decisão anterior releva como excepção do caso julgado”. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, 3ª Edição, Vol. III, pág 94, esclarece que “a razão da força e autoridade do caso julgado é a necessidade da certeza do direito, da segurança das relações jurídicas”. Na sequência do que, ibidem, pág. 143, ao analisar a questão da relevância dos fundamentos da decisão, sustenta que a concepção de que a força do caso julgado se deva ater à parte dispositiva da sentença tem de sofrer restrições, defendendo nomeadamente que “há que atender aos fundamentos ou motivos para interpretar devidamente a parte dispositiva, isto é, para fixar, com precisão, o sentido e alcance desta parte”. Nessa esteira, o sumário do acórdão do STJ de 12.07.2011 (Moreira Camilo), in dgsi.pt – “ (…) IV - Tem-se entendido que a determinação dos limites do caso julgado e a sua eficácia passam pela interpretação do conteúdo da sentença, nomeadamente, quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado; V - Relativamente à questão de saber que parte da sentença adquire, com o trânsito desta, força obrigatória dentro e fora do processo – problema dos limites objectivos do caso julgado –, tem de reconhecer-se que, considerando o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, há que alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada”. O que é secundado no acórdão do STJ de 12.01.2010 (Hélder Roque), ainda ibidem – “o caso julgado forma-se, em princípio, sobre a decisão contida na sentença ou no acórdão, e não sobre as razões que determinaram o juiz a atingir as soluções que deu às várias questões que teve de resolver para chegar à conclusão final, a menos que se tenha de recorrer à respectiva parte motivatória para reconstituir e fixar o seu verdadeiro conteúdo, em virtude de a fundamentação da sentença ou do acórdão constituir um pressuposto lógico e necessário da decisão”. Ainda no mesmo sentido, o acórdão da Relação de Guimarães de 12.07.2011 (Helena Melo), ibidem – “tanto na excepção do caso julgado como na autoridade do caso julgado na determinação dos seus limites e eficácia deve atender-se não só à parte decisória mas também aos respectivos fundamentos”.
3.2.2. Vejamos de que forma estes princípios gerais relativos à figura da impugnação pauliana e do instituto do caso julgado se vêem entrelaçando no âmbito do direito falimentar. Tomando como ponto de partida a constatação de que os actos praticados pelo insolvente prejudiciais à massa falida tendencialmente se repercutem na esfera jurídica de todos os seus credores.
O artigo 157º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa admitia a impugnabilidade em benefício da massa falida de todos os actos susceptíveis de impugnação pauliana nos termos da lei civil. Mais aí se determinava, nos artigos 159º e 160º, que a acção de impugnação pauliana podia ser instaurada tanto pelo liquidatário judicial como pelos credores. E que, mesmo quando instaurada apenas por algum destes, a sua procedência aproveitava a todos os credores, vindo a reverter para a massa falida. Tínhamos assim esta denominada acção pauliana colectiva, que coexistia com a impugnação pauliana singular, regulada na lei geral, que apenas aproveitava ao credor que a intentava.
Com o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, abreviadamente CIRE, sentiu-se necessidade de encontrar mecanismo mais célere de tutelar os interesses dos credores contra os actos de dissipação do património do devedor. Dando-se ao administrador da insolvência a possibilidade de resolução dos negócios em benefício da massa insolvente. Sendo que a utilização de tal faculdade, cuja eficácia se estende a todos os credores da insolvência, vem necessariamente a prejudicar a acção que qualquer deles intente visando a impugnação pauliana do acto resolvido. Na lógica do que fica também prejudicada a possibilidade de extensão a todos os credores dos efeitos de qualquer das acções por um deles singularmente intentada. Assim, a par da prevalência da resolução sobre a impugnação pauliana singular, o CIRE afastou a impugnação pauliana colectiva, já que a função que cabia a esta passou a concretizar-se através da resolução em benefício da massa. Não tendo o administrador sequer legitimidade para propor a acção de impugnação pauliana, reservada aos credores, nos casos restritos previstos no artigo 127º desse código. Nesse sentido, Gravato de Morais, Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina, 2008, págs. 197 e 198; CURA MARIANO, Impugnação Pauliana, Almedina, 2004, pág. 272, e CATARINA SERRA, O Regime Português da Insolvência, Almedina, 2012, pag.110. Bem como os acórdãos da Relação de Coimbra de 11 de Março de 2014 (Luís Cravo), de 10 de Julho de 2014 (Arlindo Oliveira) e de 22 de Setembro de 2015 (Carlos Moreira), todos in www.dgsi.pt.
Temos assim que, no CIRE, a par da resolução, meio mais expedito reservado ao administrador da insolvência, de feição colectiva, se manteve a acção pauliana, cuja eficácia é circunscrita à esfera jurídica de cada um dos credores que a ela recorrer. Coerentemente, como claramente se esclarece no supra transcrito trecho preambular, neste novo código, o recurso dos credores à impugnação pauliana é impedida, sempre que o administrador entenda resolver o acto em benefício da massa. Resolução esta que, além de permitir de forma mais expedita e eficaz a destruição de actos àquela prejudiciais, dado o seu cariz colectivo, inutiliza a eficácia da acção pauliana intentada por qualquer dos credores.
Fica-nos, no entanto, uma terceira hipótese, expressamente precavida e regulada pelo legislador do CIRE no nº 2 do artigo 127º, de a resolução vir a ser declarada ineficaz. Caso em que se optou pela repristinação das acções de impugnação pauliana intentadas pelos credores. Ressalvando, todavia, o concernente às questões apreciadas na decisão que declare essa ineficácia, que terá força vinculativa no âmbito daquelas acções.
Sendo neste ponto que cumpre extrair as devidas consequências, no caso ora em apreço. Como já atrás concluímos, a resolução tem eficácia que se estende a todos os credores. Feição colectiva que se manterá no caso de a mesma vir a ser impugnada. Pelo que, coerentemente, as decisões proferidas sobre as questões que vierem a ser suscitadas nessa acção de impugnação da resolução se deverão impor a todos os credores. Sendo esse o alcance da ressalva do nº 2 do artigo 127º, quanto às questões que tenham sido definitivamente apreciadas pela decisão que julgou ineficaz a resolução. Na verdade, se na improcedência da impugnação da resolução se mantém a eficácia desta a todos os credores, não teria lógica que, no caso da sua procedência, fosse retirada sem mais essa eficácia, permitindo a cada um dos credores voltar a discutir, em acção pauliana por si intentada, questão já naquela conhecida. Compreensivelmente, já não estarão abrangidas por essa ressalva as decisões que declarem ineficaz a resolução sem conhecerem da questão de fundo relativa à existência ou não dos pressupostos da acção (ou resolução) pauliana. Como as que negassem essa eficácia à resolução, por falta de alguns dos pressupostos previstos nos artigos 120º a 123º do CIRE, que não afastem também o direito de exercer a acção pauliana por parte dos credores. Assim, por exemplo, os constantes do artigo 123º relativos à forma da resolução e ao prazo em que esta deve ser efectuada.
No caso em apreço, na decisão proferida no apenso E à insolvência da ré C…, foi julgada procedente a impugnação que os ora réus, aí impugnantes, fizeram da resolução declarada pela administradora da insolvência. Nessa sentença, julgaram-se provados os factos articulados na petição inicial e aderiu-se à fundamentação de facto e de direito alegada pelos impugnantes. A qual versava nomeadamente os valores equivalentes da quota e do bem imóvel partilhado e o não ter da partilha decorrido qualquer diminuição da garantia patrimonial dos credores (cfr. documentos juntos com a contestação, a fls 261 e sgs).
Por tudo o exposto, verifica-se a excepção do caso julgado, na apontada especial feição que lhe é conferida pelo artigo 127º, nº 2, do CIRE, por referência aos preceitos dos artigos 580º e 581º do Código de Processo Civil.
Devendo os réus ser, como tal, absolvidos da instância – artigos 576º, nºs 1 e 2, e 577º, alínea i), do Código de Processo Civil.
III
DISPOSITIVO
Acorda-se em, na procedência do recurso, absolver os réus da instância.
Custas pela recorrida - artigo 523º do Código de Processo Civil.

Notifique.

Porto, 10 de Maio de 2018
José Manuel de Araújo Barros
Filipe Caroço
Judite Pires