Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ÉLIA SÃO PEDRO | ||
| Descritores: | ARGUIDO LEGITIMIDADE RECURSO NULIDADE | ||
| Nº do Documento: | RP201512096412/13.2TDPRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 12/09/2015 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REC PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Só quando exista fundada suspeita da prática de um crime é que é obrigatória a constituição de arguido e a sua falta na fase de inquérito constitui a nulidade prevista no artº 120º 2 al. b) CPP. II - A nulidade resultante da falta de constituição de arguido apenas por ele pode ser arguida. | ||
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| Decisão Texto Integral: | Recurso Penal 6412/13.2TDPRT.P1 Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório 1.1. B…, ofendido devidamente identificado nos autos acima referenciados, recorreu para este Tribunal da Relação do despacho do Sr. Juiz de instrução que decidiu não pronunciar a arguida C… e, consequentemente, ordenou o arquivamento dos autos (INSTRUÇÃO n.º 36/2015, da Comarca do Porto, Porto, Instância Central, 1ª Secção de Instrução Criminal – J1), formulando as seguintes conclusões (transcrição): 1. Tudo com o maior respeito por diferente opinião, não podemos admitir que o Juiz de Instrução tenha admitido a Instrução para depois a condicionar com um enorme prejuízo para o Recorrente. 2. Entre a falta de interesse na instrução, isto durante o debate, até ao prescindir de prova/testemunhal foi um tormento. 3. Quando uma instrução vai ao ponto de desvalorizar a prova que serve de motivo à sustentação da própria instrução realmente alguma coisa não está bem. 4. Por ventura é normal um Tribunal aceitar a instrução para depois condicionar à indiferença? 5. Prescindindo do que é mais importante e que é a prova e a realização de uma instrução segura e consistente? 6. Isto não pode ser normal e por isso repudiamos. 7. Depois a falta de constituição de arguido/ do arguido. 8. Foi o aqui Recorrente a denunciar uma situação médica contra pessoa certa e determinada (a denunciada melhor designada nos autos), isto por considerar mais do que evidente premência criminal e com implicações para a vida e saúde do Requerente os actos praticados por tal pessoa, tudo conforme resulta patente da participação apresentada pelo Recorrente junto aos autos. 9. Ao fazê-lo o Recorrente logo aqui criou/atribuiu queixa contra determinada pessoa em relação à qual existia fundada suspeita da prática de um crime. 10. Não fosse esta a interpretação do Recorrente como explica o próprio Tribunal da Instrução ao admitir a Abertura da Instrução (por força do arquivamento do Ministério Publico) e dar-lhe a importância judicial que deu, o Recorrente ainda estava por perceber o que realmente se passa com o processo. 11. Não foi por acaso que o próprio Juiz de Instrução atribuiu ao processo e à pessoa da denunciada responsabilidade criminal ao instruir o processo. 12. O problema é que durante a Instrução o Douto Juiz apercebe-se, e bem, da falta de constituição da denuncia como arguida e o que faz, 13. Mandar constituir aquela como arguida (ver fls..., dos autos). 14. Fez Isto pelo simples facto de que o Ministério Publico, não o fez. 15. E aqui cria-se um caso de enorme gravidade processual. 16. Até podemos admitir o caso da importância e de tal proeminência, de tal falha processual, para arguido. 17. Não fosse o Juiz, o próprio Juiz dar-lhe importância para a Instrução e por consequência para o Assistente. 18. Interrompendo a Instrução para se dar lugar a Constituição da Denunciada em Arguido. 19. E só depois, e consequentemente, o prosseguimento do processo. 20. Portanto, a nosso ver o Juiz deu importância para a instrução tal facto. 21. E sobre esta matéria recorremos ao Acórdão n. 1/2006, como poderíamos recorrer a tantos outros), que de forma clara e inequívoca sempre refere que a falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120.º n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal. 22. Por tal ato e facto, o Recorrente resolveu requerer ao Juiz de Instrução vício invocando para tal, tal nulidade. 23. Como resultado, 24. Todos os actos praticados e não praticados quer durante, quer posteriores à audição da denunciada, sem tal constituição como arguida, 25. Por considerarmos não praticados de utilidade processual. 26. Os praticados sem qualquer utilidade jurídica processual. 27. A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios da constituição de arguido até porque desobrigou a arguida em deveres a que por tal procedimento estava obrigada, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade resulta em nulidades, sem qualquer valor processual/judicial, tornando inválido o actos em que se verificaram, bem como os que dele dependeram e puderam afectar. Em consequência, 28. O pior é que, 29. O juiz de instrução indeferiu tal invocação de nulidade pelas razões que constam em despacho com o n.º 351392293, datado de 4/5/2015 a fls. 169. 30. A nosso ver a constituição de arguido constitui um ato fundamental (com um alto teor material e uma natureza formalmente indispensável para o bom prosseguimento de um qualquer processo Criminal. 31. Já assim reza a Lei de Autorização (Lei na 43/86, de 26 de Setembro no seu artigo 2, nº 2, alínea 8). 32. Já o artigo 57°, nº 1 do CPP quem assume a qualidade de arguido e que é aquele contra quem for requerida instrução. 33.E que não venha o Sr. Juiz de Instrução dar apenas importância ao interesse do arguido e só aquele, como causa de pedir tal vício, e de recorrer a tal faculdade. 34. Ao Tribunal de Instrução pede-se e exige-se mais. 35. O Tribunal a quo, ao admitir a instrução logo aí admitiu a possibilidade de estarmos perante uma situação de importância criminal com mediação/intervenção do Assistente porque é a ele que se destina a instrução e seu interesse. 36. Pode parecer que há algumas contradições nisto que alegamos mas não há. 37. O que se pretende dizer é que os motivos que levaram ao Juiz de Instrução a não considerar o ato do Ministério Publico são os mesmo que levaram a admitir a instrução e pelos vistos segundo tal Juiz para o Ministério Publico não são suficientes para obrigar tal instituto a constituir a denunciada como arguida mas são suficientes para submeter a queixa/processo à instrução? 38. São este tipo de discricionariedades/arbitrariedades que não compreendemos e daí pedimos a sempre tão soberana apreciação/decisão de V. Fxas. 39. Quanto, ainda, aos argumentos apresentados pelo Tribunal a quo ao referir-se aos artigos 58º e 120 nº2 al. d) do CPP, com o devido respeito, tal explicação "não diz a bota com a perdigota". 40. Diz o Juiz que assiste ao arguido e apenas a este a arguição ao vício e à nulidade. 41. Com o devido respeito, não estamos de acordo. 42. A razão pela qual a Lei atribui a uma pessoa a faculdade de se constituir arguido não é porque é um criminoso ou porque comete um crime apenas porque há indícios, suspeitas ou denuncias acerca daquela pessoa ter podido ter cometido um crime e por conseguinte através da constituição de arguido a pessoa poderá, assim, defender-se de tais factos. 43. Ou seja, são direitos processuais que a pessoa denunciada tem ao seu dispor para se defender. 44. Mas isto acarreta, também, deveres e esses já não dizem respeito, apenas, à pessoa denunciada mas sim a quem a denunciou e a quem acompanha, investiga e prossegue o inquérito de um determinado processo. 45. Portanto, não é verdade quando a constituição de arguido lhe dá apenas "regalias processuais" obriga-o a deveres que consideramos indispensáveis e irrevogáveis para que, através, desses mesmos deveres, permita ao lesado/denunciante chamar a si direito de ver os seus direitos atribuídos. 46. Por assim dizer, a insuficiência de Inquérito ou de Instrução se não tiverem sido praticados actos legalmente obrigatórios e que que reputam de essencial importância para a descoberta da verdade, isto é uma nulidade, 47. Essa nulidade está prevista no Código do Processo Penal 48. E pode ser invocada no interesse do Assistente. 49. Isto no que diz respeito aos actos praticados ou não praticados em que o prejudicam, como é o caso. 50. Podemos entre outros autores invocar a este respeito Henriques Gaspar" quanto à insuficiência processual". * 1.3. Respondeu o MP junto do Tribunal “a quo”, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, formulando, por seu turno, as seguintes conclusões: 1ª – O recorrente requer a nulidade da não constituição de arguida na fase de inquérito alicerçada na letra da lei antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto; 2ª - Com tal alteração, agora só pode ser obrigatoriamente constituído arguido pessoa determinada contra a qual haja suspeita fundada da prática de crime, e esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal. 3ª – O MP titular do inquérito, na sua livre convicção e regras da experiência, entendeu não haver suspeita fundada para constituir arguida a pessoa determinada denunciada pela recorrente. 4ª – Pelo que não se verificou in casu a requerida nulidade. 5ª – A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. 6ª – E é formada pelo conjunto dos actos que o juiz entende levar a cabo para prossecução da finalidade da instrução. 7ª – Valendo na fase de instrução o mesmo conceito de indícios suficientes da fase de inquérito. 8ª – Na sua livre convicção e regras da experiência, em despacho fundamentado de facto e de direito, o M.mo JIC proferiu o douto despacho recorrido, que nos merece total concordância. 9ª – Não houve, pois, violação de qualquer norma jurídica pelo M.mo Juiz de Instrução Criminal. * 1.4. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. 1.5. Deu-se cumprimento ao disposto no art. 417º, 2 do CPP, tendo o recorrente respondido, justificando a anterior tomada de posição. 1.6. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento. 2. Fundamentação 2.1. Matéria de facto O despacho recorrido é do seguinte teor (transcrição): “Dispõe no nº 1 do art.º 308º do CPP que se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho e não pronúncia. Despacho que começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais que possa conhecer, nº 3 da citada disposição legal. Ora, despacho, nos termos da al. b) do nº 1 do art.º 97º do CPP, é decisão judicial que conhece de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termos ao processo fora do caso previsto na alínea anterior. Ou seja, a decisão instrutória é um despacho que conhece de questão interlocutória. Não é uma sentença, nem equiparado. E como se diz no Ac. do S. T. J. in C.J., ano XVI, t.2, pg. 19: nas decisões "não devem constar factos inócuos,..., nem factos que alterem a responsabilidade do arguido, se não constarem da acusação", mas, conforme reza no Ac. do S. T. J. de 03/04/91, proc. nº 41612, "a lei apenas exige a motivação ou fundamentação, no sentido de permitir ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz", ou ainda como refere Marques Ferreira, in Jornadas de Direito Processual Penal, 229-230: "os motivos de facto que fundamentam a decisão não são nemos factos provados, nem os meios de prova, mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido...". Não se trata aqui, nesta fase processual, de factos provados ou não provados, indiciados/imputados ou não indiciados/imputados como numa sentença, sob pena de violação, com a pronúncia, do princípio fundamental em que assenta todo o direito penal: da presunção de inocência, pois, como refere Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, pág. 356, no comentário a este princípio: "A dúvida sobre a culpabilidade do acusado é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim". Trata-se, tão só e apenas nesta fase de, como refere a lei, art. 308º, nº 1 do CPP, "recolha, ou não de indícios". E como refere José da Costa Pimenta, CPP anotado, pg. 35 e ss: "indício é a circunstância certa através da qual se pode chegar em indução lógica, a uma conclusão acerca da existência ou inexistência de um facto que se há-de provar" - "o indício, para o ser verdadeiramente, tem de conduzir a um convencimento - um convencimento que esteja acima de qualquer dúvida razoável, sob pena de, desnecessariamente, se enxovalhar a dignidade das pessoas ". E indícios suficientes são aqueles que relacionados e conjugados, persuadem o juiz da culpabilidade do arguido, fazendo antever, com razoável grau de probabilidade a sua ulterior condenação. Esta decisão instrutória deve ser precedida por um juízo de prognose, devendo, como atrás referido, apenas fazer constar “os motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados, nem os meios de prova, mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido”. Princípios em que assenta e assim se elabora a presente decisão, designadamente, no seu formalismo, e assim se elaborando. Declarada aberta a instrução, veio a arguida arguir a nulidade por falta de narração factual no rai de que dependa a aplicação de uma pena, fls. 138, limitando-se à discordância relativamente ao arquivamento. Como já subentendido no meu despacho de admissão, carece de fundamento a alegada irregularidade. Basta percorrer o requerimento de instrução para se avaliar da falta de fundamento, já que o mesmo descreve os factos, diz quais são e imputa-os à arguida na forma negligente. Poder-se-á dizer que o mesmo não é exemplar, nomeadamente quanto ao elemento subjectivo, mas tal não é motivo de rejeição. Como se diz no Ac. Rel. Porto, de 04.02.2015, em que é relatora Dr.ª Élia São Pedro: “Não deve ser rejeitado por inadmissibilidade legal o RAI, apresentado pelo assistente, por falta do elemento subjetivo (dolo) do crime imputado se esse elemento resultar implicitamente e de modo inequívoco da descrição dos factos que constituem o elemento objetivo do crime, nele efetuado.” – proc. 83/08.5TAMTR.P1. Como ainda no Ac. da mesma Relação, datado de 17.11.2010, em que é relator Dr. José Manuel Araújo Barros, nº do documento RP2010111783/08.5TAMTR.P1: “Não deve ser rejeitado o requerimento para abertura da instrução [RAI] que, embora desajeitado, prolixo e confuso, mencione todos os factos que integram o tipo do crime imputado ao arguido, cabendo ao juiz de instrução, em eventual despacho de pronúncia, ordenar, sintetizar e clarificar os mesmos”. Consequentemente indefere-se a arguida irregularidade do RAI. A fls. 167 veio o assistente arguir a nulidade de insuficiência de inquérito por falta de constituição e interrogatório da arguida em sede de inquérito, e, assim, também, por falta de posteriores diligências essenciais. Porque solicitava a nulidade de todo o processado posterior e a repetição de atos de inquérito, por aceleração processual, foi decidida tal nulidade, indeferindo-se por falta de fundamentação, fls. 169. E na verdade, além de não assistir ao assistente legitimidade para arguir a falta de interrogatório da arguida, cuja efetivação se mostra a fls. 163, “a falta de realização desse interrogatório (inobservância do contraditório) só pode ser arguida pelo arguido e não pelo assistente”, Ac. RP, Relator Dr. Melo Lima, Proc. nº 1634/11.3TASTS.P1, também “a obrigatoriedade da constituição como arguido, no âmbito de um inquérito, restringe aquela obrigatoriedade aos casos em que haja suspeita” de uma pessoa ter praticado um crime. A conclusão do Acórdão de fixação de jurisprudência 1/2006 deve ser atualizada, face à nova redação do preceito legal (art.º 272º, n.º 1 do CPP), no sentido em que se reporta a obrigatoriedade de constituição e interrogatório de arguido apenas aos casos de fundada suspeita da prática de um crime. Ac. RP, Relator Dr. Coelho Vieira, Proc. Nº 1022/09.1tavnf. Veja-se, por último, nº 1 do art.º 57º do CPP. Consequentemente, enformando-se a decisão já proferida a fls. 169, pelos termos e fundamentos desta e dos ora referidos, indefere-se, por total falta de fundamentação, a nulidade arguida pelo assistente. Inexistem outras nulidades, exceções ou questões prévias que obstem à decisão. Não se conformando com o despacho de arquivamento deduzido a fls. 97 a 107 dos autos, veio o assistente B… requerer a abertura de instrução, pugnando pela pronúncia da arguida C…. Foi produzida prova testemunhal, fls. 154 a 159. Cumpre apreciar e decidir. Nos termos do art.º 127º do CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. Vaz Serra, em “Direito Probatório Material”, Boletim do Ministério da Justiça, n° 112 pág., 99, diz que «ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [...] ou de uma prova de primeira aparência». "A livre convicção não significa apreciação segundo impressões ou inexistência de pressupostos valorativos, objetivos, determinados pela experiência comum das coisas sentidas pelo homem médio; significa que o tribunal deve apreciar os factos com distanciamento, ponderação e capacidade crítica, afastando subjetivismos injustificáveis ou conclusões arbitrárias; significa fundamentar o que se dá como provado - Lições de Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, II, pg. 27. E “exame crítico da prova significa análise e declaração da aptidão ou inaptidão da prova para suportar uma decisão; ao fim e ao cabo é a declaração da atendibilidade a certas provas e refutação de outras; a razão por que umas são mais credíveis que as outras e merecem maior aceitação; é a explicação do processo de convicção provatória. A exigência deste exame surge como um autêntico remédio contra o arbítrio e assegura que o processo se pautou por regras de seriedade e rigor.” – Ac. STJ de 19.10.05, proc. 1941/05, 3ª secção, www.pgdlisboa.pt. Assim, claramente resulta que nas intervenções cirúrgicas ao assistente sempre esteve presente, além da arguida, um outro cirurgião, relatório cirúrgico de fls. 22 e 23 e depoimento a fls. 158. Como ainda resulta que a segunda intervenção cirúrgica a que o assistente foi sujeito foi devido a queixas de dor no 2º dedo (compatíveis com compressão do nervo mediano) e achados na EMG, e não por qualquer inflamação ou edema – relatório médico de fls. 18 e depoimento de fls. 155, nem de que a inflamação ou edema derive de má prática clínica por parte da arguida, cfr. o mesmo relatório médico de fls. 18 (avaliado e reavaliado posteriormente ao ato cirúrgico sem qualquer inflamação ou edema). À luz dos considerandos expostos, e atento os elementos probatórios, concluímos inexistir no caso concreto uma possibilidade séria de condenação em julgamento do arguido - requisito essencial para qualquer despacho de pronúncia, art.º 308º, nº 1 do CPP. Da matéria fáctica carreada para os autos na sequência das diligências investigatória realizadas não resulta indícios que permitam alicerçar uma pronúncia contra a arguida. Contrapostos assim os factos e as respetivas declarações do ofendido e das testemunhas e respetivos relatórios médicos e cirúrgicos, temos que, não existem nos autos uma probabilidade séria que possa culpabilizar a arguida nos termos imputados, pelo que não a pronuncio e ordeno o arquivamento dos autos. Fixo a taxa de justiça devida pela realização da instrução em duas (2) UCs, sem prejuízo do apoio judiciário concedido a fls. 62. Notifique.” 2.2. Matéria de direito O assistente recorre do despacho de não pronúncia, fundamentalmente por entender que o indeferimento da nulidade processual por si arguida – não constituição da denunciada como arguida, na fase de inquérito – é ilegal. A invocada nulidade - que enquadra no art. 120º,2 al. d) do CPP - decorre, no seu entender e como referimos, do facto de a denunciada nunca ter sido constituída arguida na fase de inquérito. Com efeito, durante o inquérito, a denunciada, apesar de ter sido ouvida pelo Procurador Adjunto (fls. 86 dos autos) na qualidade de denunciada, não foi constituída arguida. Findo o inquérito, o MP ordenou o seu arquivamento, nos termos do art. 277º,2 do CPP, com o fundamento de não resultarem indícios suficientes da prática de qualquer ilícito criminal – fls. 106. O queixoso requereu a sua constituição como assistente nos autos e a abertura da instrução e, a fls. 160, foi proferido despacho ordenando se procedesse “à constituição de arguida” da denunciada C…, o que foi feito a fls. 163. O assistente veio então arguir a nulidade de “insuficiência de inquérito”, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, pedindo a nulidade de todos os actos praticados no inquérito e na instrução (“quer durante quer posteriores à audição da denunciada, sem tal constituição como arguida”), ordenando-se a sua repetição. Por despacho de fls. 169, a referida arguição de nulidade invocada pelo assistente foi indeferida pelo Juiz de Instrução e foi reapreciada e mantida no despacho de não pronúncia. Neste despacho entendeu-se não haver nulidade, com a seguinte argumentação: “(…) A fls. 167 veio o assistente arguir a nulidade de insuficiência de inquérito por falta de constituição e interrogatório da arguida em sede de inquérito, e, assim, também, por falta de posteriores diligências essenciais. Porque solicitava a nulidade de todo o processado posterior e a repetição de atos de inquérito, por aceleração processual, foi decidida tal nulidade, indeferindo-se por falta de fundamentação, fls. 169. E na verdade, além de não assistir ao assistente legitimidade para arguir a falta de interrogatório da arguida, cuja efetivação se mostra a fls. 163, “a falta de realização desse interrogatório (inobservância do contraditório) só pode ser arguida pelo arguido e não pelo assistente”, Ac. RP, Relator Dr. Melo Lima, Proc. nº 1634/11.3TASTS.P1, também “a obrigatoriedade da constituição como arguido, no âmbito de um inquérito, restringe aquela obrigatoriedade aos casos em que haja suspeita” de uma pessoa ter praticado um crime. A conclusão do Acórdão de fixação de jurisprudência 1/2006 deve ser atualizada, face à nova redação do preceito legal (art.º 272º, n.º 1 do CPP), no sentido em que se reporta a obrigatoriedade de constituição e interrogatório de arguido apenas aos casos de fundada suspeita da prática de um crime. Ac. RP, Relator Dr. Coelho Vieira, Proc. Nº 1022/09.1tavnf. Veja-se, por último, nº 1 do art.º 57º do CPP. Consequentemente, enformando-se a decisão já proferida a fls. 169, pelos termos e fundamentos desta e dos ora referidos, indefere-se, por total falta de fundamentação, a nulidade arguida pelo assistente. (…)”. Vejamos então. Na decisão instrutória recorrida foram invocadas duas razões para afastar a invocada nulidade: (i) o assistente não tem legitimidade para arguir a nulidade da falta de constituição de arguido; (ii) só há obrigação de constituição de arguido quando haja fundado suspeita da prática de um crime. A conclusão do Ac. do STJ para Fixação de Jurisprudência n.º 1/2006, de 23-11-05 (“a falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui nulidade prevista no art. 120º, 2, al. d) do CPP”) deve ser actualizada face à nova redacção do preceito legal (art. 272º, 1 do CPP, na redacção da Lei nº. 48/2007, de 29.08), no sentido de que a obrigatoriedade de constituição e interrogatório de arguido apenas existe nos casos de fundada suspeita da prática de um crime. A nosso ver, todas as razões invocadas na decisão recorrida estão certas. É efectivamente verdade que a nulidade resultante da falta de constituição do arguido apenas pode ser por ele arguida. As razões deste entendimento constam do acórdão citado no despacho recorrido - acórdão desta Relação, de 23-05-2012, proferido no processo 1634/11.3TAS.P1: “Destarte, dir-se-à em jeito de conclusão: quem poderia reclamar da falta de audição (por inobservância do contraditório) seria o arguido, por violação do processo equitativo, do processo devido (due process). In casu, porém, quem reclama a falta de audição do arguido é quem através dela pretenderia obter prova que sustentasse a acusação deduzida. Dizer: uma subversão prática do princípio das garantias de defesa que a Constituição da República procura salvaguardar.”. Efectivamente, a falta de constituição de arguido e de audição, nessa qualidade, em nada contende com interesses legítimos do denunciante, nem (neste caso) o recorrente os invoca. A invocação do recorrente (na conclusão 57), procurando mostrar um interesse legítimo na arguição da nulidade, é vaga e de sentido obscuro: “Portanto não é verdade que a constituição de arguido lhe dá apenas “regalias processuais”, obriga-o a deveres que consideramos indispensáveis e irrevogáveis para que, através, desses mesmos deveres, permita ao lesado/denunciante chamar a si direito de ver os seus direitos atribuídos”. Como se vê, não esclarece o recorrente quais os concretos direitos que só pode exercer se a denunciada for constituída arguida e em que medida esses direitos ou interesses legítimos são lesados sem essa constituição. E também não se vê que tipo de interesse legítimo do denunciante tenha sido lesado pela falta de constituição da denunciada como arguida, pois o MP fez as diligências de prova que lhe pareceram pertinentes e nem sequer no recurso o recorrente imputa ao inquérito qualquer omissão nesse sentido. Ora, como decorre do n.º 1 do art. 120º do CPP, as nulidades processuais dependentes de arguição apenas podem ser arguidas “pelos interessados”, isto é, por quem tenha interesse nessa arguição ou, dito de outro modo, por aqueles cujos bens jurídicos são protegidos pela norma processual violada. Daí que nada haja a censurar à primeira razão invocada pela decisão recorrida para não declarar a arguida nulidade. A segunda razão invocada no despacho recorrido também não merece censura, como vamos ver. Com efeito, de acordo com a lei actual, aplicável ao presente processo, não é sempre obrigatória a constituição de arguido, na fase do inquérito, mesmo que este corra contra pessoa determinada – cfr. art. 58º, 1, a) do CPP. O artigo 58º, 1, a) do CPP, começou por ter a seguinte redacção: (…) é obrigatória a constituição de arguido logo que: “(…) Correndo inquérito contra pessoa determinada, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal.” Com a Lei n.º 48/2007, de 29/8, o art. 58º, 1, a) do CPP foi alterado, passando a ser obrigatória a constituição de arguido logo que: “ (…) Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita da prática de crime, esta prestar declarações perante qualquer entidade judiciária ou órgão de polícia criminal. (…) ”. Verifica-se assim que onde antes se dizia “correndo inquérito contra pessoa determinada” agora se diz “correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita da prática de crime”. Deste modo, e de acordo com a referida alteração, passou a ser legalmente admissível, em inquérito dirigido contra pessoa determinada, o MP ouvir o denunciado sem o constituir arguido, caso entenda que não existe suspeita da prática de crime, nomeadamente porque os factos que lhe são imputados não integram a prática de qualquer ilícito penal. Foi exactamente o que ocorreu neste processo, onde, com total coerência, o MP não constituiu a denunciada “arguida” e, a seu tempo, ordenou o arquivamento do inquérito, por entender que os factos denunciados não integravam qualquer ilícito. Não ocorreu assim qualquer nulidade no decorrer do inquérito, perante a posição assumida pelo MP, pois entendendo este Magistrado que os factos denunciados não integravam qualquer tipo de ilícito, não tinha a obrigação de constituir a denunciada como arguida nos autos. Deste modo, a segunda razão invocada no despacho recorrido também não merece censura. Do exposto decorre ainda que a referida alteração da Lei é bastante para que o Acórdão para Fixação de Jurisprudência do STJ n.º 1/2006, de 23-11-2005 (“a falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui nulidade prevista no art. 120º, 2, al. d) do CPP”) deva ser interpretado à luz do direito actualmente vigente. E, portanto, só quando exista fundada suspeita da prática de um crime a falta de constituição de arguido, na fase de inquérito, constitui a nulidade prevista no art. 120º, 2, al. b) do CPP. Desta feita, também este fundamento invocado no despacho recorrido não merece qualquer censura. Finalmente impõe-se sublinhar que, a nosso ver, são exactas as premissas onde a decisão recorrida assentou a sua conclusão e que as razões invocadas pelo recorrente não são concludentes. Não existe, desde logo, qualquer contradição em admitir-se o requerimento para abertura de instrução e, simultaneamente, não se reconhecer a nulidade invocada (falta de constituição de arguido, na fase do inquérito). O despacho que admite liminarmente a abertura de instrução não se pronuncia sobre as fundadas suspeitas da prática do crime. Tal resulta do disposto no artigo 287º, 3 do CPP que só prevê a sua rejeição por extemporaneidade, incompetência do juiz, ou inadmissibilidade legal da instrução. Não pode, pois, inferir-se da existência de um despacho que recebe o requerimento para abertura de instrução, a existência de suspeitas da prática de um crime, uma vez que esse aspecto não faz parte do elenco das situações que devem ser, nessa ocasião, apreciadas. Acresce que a decisão instrutória de não pronúncia confirmou a qualificação jurídica dos factos denunciados, ou seja, que os mesmos não permitiam imputar à denunciada a prática de qualquer ilícito: “Da matéria fáctica carreada para os autos – diz o despacho – na sequência das diligências investigatórias realizadas não resulta indícios que permitam alicerçar uma pronúncia contra a arguida” – fls. 182. Ou seja, após a instrução verificou-se que, afinal, não havia indícios bastantes para imputar à (então já arguida – mas por força de um outro preceito legal – o art. 57º, 1 do CPP), qualquer ilícito penal. Portanto, e como parece evidente, não existe qualquer contradição entre o despacho que não rejeitou liminarmente o requerimento para abertura de instrução e a falta de constituição de arguida durante o inquérito, por se ter ordenado o arquivamento deste, com fundamento na falta de indícios da prática de qualquer ilícito pela denunciada. Deve ainda referir-se que o recorrente não tem razão ao invocar o art. 57º, 1 do CPP, para justificar a arguida nulidade processual. É verdade que o art. 57º, 1, do CPP nos diz que “assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for requerida a instrução num processo penal”. Mas também é verdade que a nulidade que o recorrente invocou (não ter havido constituição de arguido) foi localizada no inquérito, ou seja, antes de ter sido requerida a abertura de instrução. A nulidade invocada decorria, mais concretamente, da violação do art. 58º,1, a) do CPP, regulando a obrigatoriedade da constituição do arguido na fase de inquérito. Assim, não tem qualquer sentido invocar o art. 57º, 1 do CPP (considerando arguido todo aquele contra quem é requerida instrução em processo penal) para fundamentar uma nulidade ocorrida durante o inquérito. De resto, o citado art. 57º, 1 do CPP não foi violado pois, na fase de instrução, a denunciada foi constituída efectivamente arguida, sem que para tal tivesse sido necessário ajuizar da existência de uma suspeita fundada, mas por mera decorrência de ter sido requerida instrução. Improcedem, assim, todas as críticas dirigidas ao despacho recorrido, devendo em consequência negar-se provimento ao recurso. 3. Decisão Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em negar provimento ao recurso. Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido. Porto, 09/12/2015 Élia São Pedro Donas Botto |