Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1253/17.0T9AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CASTELA RIO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
NOTIFICAÇÃO PARA IDENTIFICAÇÃO DO CONDUTOR
ACTUAÇÃO NEGLIGENTE
Nº do Documento: RP201802211253/17.0T9AVR.P1
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 7/2018, FLS 71-77)
Área Temática: .
Sumário: I – Nas contra-ordenações só é punível o facto praticado com dolo ou nos casos especialmente previstos na lei com negligência.
II – O arguido a quem não é imputada uma actuação por dolo ou negligencia, não pode ser condenado.
III – Não tendo sido alegado que o dono do veículo soubesse quem era o condutor do mesmo, no momento da prática da infracção rodoviária, e não tivesse informado nos termos do artº 171º6 CE, actuando pelo menos com negligência, não pode ser responsabilizado nos termos do artº 171º8 CE.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Na 1ª Secção Judicial / Criminal do TRP acordam em Conferência os Juízes no Recurso Penal
1253/17.0T9AVR.P1 vindo do Juiz 1 da Secção Criminal da Instância Local de Aveiro com origem no Processo de Contra-Ordenação estradal 916194221 de 2014 do DT da GNR de SJM
PARTE I - RELATÓRIO

A decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (infra ANSR) de 23-9-2015 a fls 13VS-14 aplicou à Arguida B..., Unipessoal, LDA, pessoa colectiva n.º ......... com sede social na ..., ..., ..º, sala .., Porto, a coima de € 180,00 pela prática de uma contra-ordenação prevista e punível pelas normas conjugadas dos arts 171-6-8 e 4-2 do Código da Estrada.

Inconformada, em 19-11-2015 a fls 17-22 = 23-28 a ARGUIDA impugnou judicialmente tal decisão e, remetidos os autos ao Ministério Público na Comarca de Aveiro, após vicissitudes várias para determinar o tribunal territorialmente competente, a final foi o processo tornado presente ao Juiz 1 da Secção Criminal da Instância Local de Aveiro para apreciação da Impugnação Judicial admitida por Despacho de 02-8-2017 a fls 98 complementado pelo Despacho de 12-9-2017 a fls 141 – por ser ter oposto a Arguida à decisão da Impugnação Judicial por simples Despacho ut art 64-2 do RGC- e pelo Despacho de 25-9-2017 a fls 192 e VS, pelo que se realizou Audiência de Julgamento em 09-10-2017 a fls 206-208 que culminou na SENTENÇA de 16-10-2017 a fls 210-215 que negou provimento à Impugnação Judicial assim mantendo a decisão impugnada.

Inconformada com o decidido, em tempo a ARGUIDA interpôs RECURSO pela Declaração de interposição com MOTIVAÇÃO a fls 219-230 rematada com as sgs 38 CONCLUSÕES [1]:

A) «O recurso é interposto nos termos do disposto no nº 2 do artº 73º do RGCO, por estarem em causa questões que se afiguram manifestamente necessárias à melhoria da aplicação do direito e à uniformização da jurisprudência, por traduzirem erros jurídicos grosseiros e traduzirem uma errónea aplicação do direito.

B) Ao presente processo foi atribuída natureza urgente, nos termos do artº 103º nº 2 da alínea b) do CPP) – apesar de longe estar a data em que se verificaria tal facto.

C) Nada na lei geral nem na especial (RGCO) justifica essa atribuição, nem o nº 2 do artº 103º do CPP (mais concretamente a alínea b)) tem aplicação neste tipo de processos.

D) A possibilidade de atribuir natureza urgente a processo deste tipo - impugnação judicial de decisão de autoridade administrativa, em processo de contraordenação, apenas cominada com coima – não está legalmente prevista, nem no CPP, no RGCO, nem em qualquer outra legislação especial.

E) Nem tal possibilidade resulta da norma legal invocada para fundamentar a pretendida aceleração processual, que se aplica apenas a “actos de inquérito e de instrução, debates instrutórios e audiências relativamente aos quais for reconhecido, por despacho (...), vantagem em que o seu início, prosseguimento ou conclusão ocorra sem aquelas limitações” (as impostas pela norma geral da prática dos actos constante do nº1 do artº 103º do CPP).

F) Ora, a proximidade do prazo de prescrição dos factos imputados à recorrente (que nem se verificava) e as causas de interrupção e suspensão desse prazo não justificam que o processo tenha natureza urgente e que os prazos corram em férias judiciais (como resulta do artº 104º daquele diploma legal).

G) Entendimento diverso é inconstitucional, violando as mais basilares garantias constitucionais consagradas, designadamente, no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

H) Baseando-se no facto de “no presente caso, o mandato se encontra conferido a três advogados distintos”, para justificar também a decisão de aceleração processual, desconsiderou o Tribunal o direito de qualquer pessoa escolher o Advogado que em cada momento e para cada caso ou diligência entenda mais conveniente ou adequado, mais preparado, para o representar, nomeadamente em processo judicial, especialmente para a fase de audiência de julgamento, é um direito fundamental em qualquer estado de direito democrático, como a República Portuguesa é definida no artigo 2º da Constituição, e está consagrado legislativamente nos artigos 40º a 51º Código de Processo Civil, 61º a 64º do CPP e nos artigos 66º, 67º, 69º e 72º do Estatuto da Ordem dos Advogados, normas estas que pressupõem e consagram esse direito.

I) Violou o presente processo o disposto no artº 103º e 104º do CPP, 40º a 51º Código de Processo Civil, 61º a 64º do CPP e nos artigos 66º, 67º, 69º e 72º do Estatuto da Ordem dos Advogados, 20º e 208º da CRP.

J) Violou ainda o presente processo, o disposto no artº 61º do RGCO, quanto à competência territorial do Tribunal.

K) Tendo a decisão proferida pela ANSR, determinado que os factos porque entenderam condenar a recorrente ocorreram no “DESTACAMENTO DE TRÂNSITO DE S J MADEIRA, Rua ... nº ., SJM SÃO JOÃO DA MADEIRA, – COMARCA DE AVEIRO”.

L) Fácil seria concluir que, para conhecer do presente recurso o Tribunal competente era o Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Competência Genérica de São João da Madeira, sendo o Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Local Criminal de Aveiro territorialmente incompetente.

M) Omitiu ainda este Tribunal que por despacho proferido em 29 de março de 2017, que não foi notificado à recorrente (e só agora esta consultou no sistema informático citius), a Procuradoria da República da Comarca de Aveiro, se havia declarado incompetente e entendido ser competente o Juízo Local Criminal de São João da Madeira.

N) Em face daquele despacho e da obediência às regras da competência territorial, não podia o Tribunal a quo ter ordenado que o processo corresse termos em Tribunal incompetente – desde logo também por violar caso julgado formal.

O) Verificada a sua incompetência e o caso julgado formal da decisão anteriormente proferida por aquele Tribunal de Aveiro, teria que ser dirimido tal conflito.

P) Violou, nesta parte, o processo que culminou com a decisão em recurso, o artº 61º do RGCO e o artº 620º do CPC, aplicável ex vi artº 4º do CPP.

Q) Discordamos da leitura que a ANSR – e também o Tribunal recorrido – fazem dos nºs 5 a 8 do artº 171º, que fundamentou a decisão proferida pelo Tribunal (mas não, como veremos, a decisão da ANSR, que só sumariamente os refere).

R) Notificada a pessoa colectiva (por ser titular do documento de identificação do veículo) para, no prazo de 15 dias úteis, proceder à identificação do condutor, a consequência do incumprimento de tal dever é – di-lo a parte final dos nº 5 e nº 6 (e também do nº 7) daquela norma – prosseguir o processo contra si.

S) Mas, para além desta consequência, acrescenta o nº 8, que quem infringir o disposto nos nºs 6 e 7 é sancionado com coima (prevista no nº 2 do artº 4º).

T) Isto é, se a) a pessoa colectiva não responde à notificação recebida, o processo passa a correr contra ela e fica sujeita ao pagamento da coima prevista no nº 8; b) a pessoa colectiva responde á notificação, informando que não pode identificar o condutor por desconhecer quem efectivamente o conduzia naquela dia, hora e local, e o processo passa a correr contra ela (mas não fica sujeita ao pagamento de qualquer coima).

U) Não quis, por certo, o legislador tratar de forma igual, desiguais atitudes perante notificações de instituições ou agentes de autoridade. Um comportamento – duplamente punido – é nada dizer. Outro – punido também, é informar que não pode identificar, prosseguindo o processo contra si própria.

V) Neste ultimo caso, não há razão que justifique a punição da pessoa colectiva no pagamento de coima, posto que não há norma legal que imponha às pessoas colectivas qualquer registo de utilização dos veículos de que é proprietária.

W) Por esta razão, o comportamento imputado à recorrente, não consubstancia a contraordenação porque foi condenada.

X) Violou também a presente decisão o disposto no artº 171º do Código da Estrada.

Y) Os Tribunais não podem ignorar que por detrás da intervenção da autoridade administrativa estão interesses de natureza pública, cuja realização incumbe àquela, e não ao Tribunal, e que a sua intervenção é a forma de garantir os direitos dos cidadãos.

Z) Não podem os Tribunais substituir-se às autoridades administrativas, mantendo as decisões daquelas a todo o custo, quando ocorram violações das normas que regulam o processo contra-ordenacional.

AA) A decisão condenatória é nula por violação do artº 58º do RGCO e 120º do CPP.

BB) Nada na decisão da ANSR – nem em todo o processo – permite aferir se foi praticada qualquer contraordenação naquele dia, hora e local, sendo que a omissão de tais elementos é causa de nulidade.

CC) A recorrente não esteve naquele Destacamento de Trânsito naquele dia. E, alegando a decisão que a arguida foi notificada para identificar o condutor, certo é que nada diz sobre tal notificação.

DD) A sentença – não podendo fazê-lo – socorrendo-se de elementos constantes do processo – mas não da decisão impugnada – veio dar como provado que a notificação teria ocorrido a 2/10/2014.

EE) Tendo sido notificada nessa data, porque considerou a ANSR na decisão condenatória que a contraordenação teria sido cometida a 31 de outubro?

FF) Nada na decisão dá justificação para aquela data – e a explicação do agente de autoridade que a sentença em crise acolheu, não é razão bastante para considerar o dia 31 de outubro como a data da prática da infração.

GG) A data do auto é gerada informaticamente!

HH) A lei não prevê a imputação de factos ilícitos (muito menos a condenação) com base em datas geradas informaticamente! De que programa informático depende o poder sancionatório do Estado, cujo controlo escapa aos cidadãos e ao próprio Tribunal!

II) A indicação precisa e discriminada dos elementos do citado artº 58º do RGCO constitui elemento fundamental para garantia do direito dos arguidos e só pode ser efectivo com o adequado conhecimento das factos, das normas que integrem e das consequências sancionatórias – o que a decisão em crise não fez.

JJ) Não podia o Tribunal a quo – como fez - substituir-se à autoridade administrativa, compondo o que mal decidiu aquela, mantendo a decisão.

KK) Está ainda aquele processo ferido de nulidade – que o Tribunal a quo não considerou – por ter omitido a a diligência requerida de inquirição de testemunha, por entender que “o seu depoimento não viria alterar em nada o teor da presente decisão”.

LL) Nulidade que o Tribunal a quo também desconsiderou, pois entendeu que por ter sido inquirida a testemunha em audiência de Julgamento, a irregularidade estaria sanada.

MM) Considerando que em sede de defesa a recorrente não admitiu a prática dos factos imputados, impunha-se a inquirição da testemunha arrolada, pelo que não o tendo feito foi cometida nulidade processual prescrita no artº 120º nº 2 alínea d) do CPP, que cometida, aliás, afetaria todos os atos posteriores a tal omissão, nomeadamente, a decisão da autoridade administrativa competente.

NN) Os vícios graves que afectam a decisão impugnada impunham ao Tribunal a remessa do processo à ANSR para inquirição da testemunha e suprimento de todas as demais nulidades aqui apontadas”.» [2]
ADMITIDO o Recurso a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo para este TRP ut arts 73 e 74 do RGCO e 399, 400 a contrario, 401-1-b, 406-1, 407-2-a, 408-1-a e 427 do CPP por Despacho a fls 231 que foi NOTIFICADO a Sujeitos Processuais inclusive nos termos e para os efeitos dos arts 411-6 e 413-1 do CPP, o MINISTÉRIO PÚBLICO apresentou a fls 235-237VS RESPOSTA sem conclusões mas rematada que«… não se mostram violados, de forma alguma, quaisquer preceitos legais ou princípios, designadamente os referidos pela recorrente.»

Em Vista ut art 416-1 do CPP o Exmo Procurador Geral Adjunto apôs a fls 245 III seu «Visto».

Na oportunidade efectuado EXAME PRELIMINAR e colhidos os VISTOS LEGAIS os autos foram submetidos à CONFERÊNCIA.

Como FACTOS PROVADOS o Tribunal a quo enumerou que:

A arguida foi notificada para identificar
No dia 14/05/2014, o condutor da viatura com matrícula ..-JT-.., circulava na AE 1, N/S Km 259,8, em ..., quando cometeu infracção rodoviária.
Na altura a referida viatura estava registada em nome de C... e era objecto do contrato de locação financeira, cujo cliente era a aqui arguida.
Na sequência da infracção cometida foi a arguida notificada para identificar o condutor, a 02/10/2014.
Na sequência dessa notificação entregou na entidade administrativa carta com o seguinte teor:
«É verdade que no dia 14 de Maio de 2014 me encontrava na zona de Aveiro, para junto de família e amigos festejar o meu aniversário.
Ora, na qualidade de aniversariante fiquei em casa para receber os meus filhos e convidados.
Não peguei no carro mas acredito que alguém o tivesse feito para recolher algo que necessitasse para a festa a realizar.
Não pretendo desobedecer a V. Exas e prometo o mais rapidamente possível indagar quem conduziu a viatura nessa hora e local, sendo certo que o transmitirei».
A 31 de Outubro de 201 foi levantado o auto por incumprimento do dever de identificar o condutor do auto ..........
A arguida ao não identificar o condutor da viatura relativamente ao auto ........, agiu omitindo um dever de cuidado que conhecia e de que era capaz.
A arguida apresenta uma situação financeira deficitária.»

Como MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO o Tribunal a quo exarou que:

«O tribunal fundou a sua convicção:
- No auto de notícia de fls. 2 e documentos que o acompanham, a fls. 3 a 6 - notificação ao C..., resposta deste, notificação à arguida e resposta desta.
Destes documentos resulta claro que a arguida, embora tenha respondido à notificação recebida, não o fez de forma efectiva, pois não identificou qualquer condutor.
A testemunha D..., militar da GNR, explicou como se desenrolou o processo de contra-ordenação, confirmando o teor dos documentos juntos. Explicou que decorrido o prazo de 15 dias dado ao utilizador habitual da viatura para se pronunciar quanto ao condutor e não o fazendo este, o sistema informático gera automaticamente um auto, relativamente a essa infracção – incumprimento do dever de não identificação do condutor, sendo a data do auto gerada informaticamente.
Mais disse que nestes casos são sempre levantados dois autos, um relativo à contra-ordenação originária e outra (a que respeitam os presentes autos) por falta de identificação do condutor.
Depôs também a testemunha E..., companheira de F... que admitiu afirmou que o companheiro não conseguiu identificar o condutor autor da infracção pois que, no dia em questão, dia do seu aniversário, várias pessoas conduziram o dito veículo.
Da conjugação de todos estes elementos resulta claro que são verdadeiros os factos vertidos na decisão administrativa, pois resulta claro que, nos 15 dias dados para o efeito, a arguida não identificou o condutor da viatura.
O tribunal fundou ainda a sua convicção nos documentos de fls. 150 e ss dos autos.».
PARTE II - APRECIANDO

A 1ª questão recorrida

Retoma a Recorrente a questão da atribuição ao processo de natureza urgente para reafirmar que inexiste(ia) fundamento legal para tanto e que «entendimento diverso é inconstitucional, violando as mais basilares garantias constitucionais consagradas, designadamente, no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa».

Importa fazer notar que o Recurso que aqui se aprecia é o interposto da Sentença que julgou improcedente a Impugnação Judicial da decisão da autoridade administrativa e na decisão recorrida não há uma só palavra sobre a atribuição de natureza urgente ao presente processo.

Recorde-se que o Despacho de 10-7-2017 a fls. 53 da Mma Juiz 3 do Juízo de Pequena Criminalidade da Comarca do Porto atribuiu «natureza urgente à presente impugnação judicial».

Notificada, a Recorrente veio arguir a nulidade desse Despacho por Requerimento de 12-7-2017 a fls 76-79), arguição que foi indeferida por Despacho de 14-7-2017 a fls. 82-83.

Desses Despachos, de 10-7-2017 e de 14-7-2017, a Arguida interpôs Recurso em 20-7-2017 a fls. 104-111 admitido por Despacho de 17-8.2017 a fls. 115 «a subir a final, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo».

Inconformada com o regime de subida fixado, a Arguida deduziu Reclamação do art 405 do CPP a fls. 4 sgs do apenso próprio. que foi indeferida por Decisão da Ex.ma Vice-Presidente deste TRP, de 22-9-2017 a fls 59-63 daquele apenso, da qual se extracta que:

«No caso em apreço, foi proferido despacho judicial a indeferir a arguição de nulidade do despacho que atribuiu natureza urgente ao processo. Trata-se por isso de um despacho interlocutório, que não põe termo à causa nem conhece do seu objecto.

Ora, o art.º 73.º do DL n.º 433/82 especifica quais as “decisões judiciais que admitem recurso” (epígrafe do artigo). Trata-se de uma enumeração exaustiva.

Com efeito, o n.º 1 daquele art.º apenas permite apenas permite que se recorra de decisões finais proferidas no processo contra-ordenacional – e só de decisões finais que conheçam do recurso interposto da decisão da autoridade administrativa.

Entre as decisões judiciais que admitem recurso para o Tribunal da Relação, o art.º 73.º não prevê nem as decisões judiciais interlocutórias, nem as decisões judiciais proferidas no âmbito da impugnação a que alude o art. 55.º do mesmo diploma.

Aliás, se nem todas as decisões finais são recorríveis, por maioria de razão se impõe a conclusão da inadmissibilidade de recurso dos despachos interlocutórios.
(…)
No caso em apreço, a decisão impugnada não respeita a decisão final proferida no processo contra-ordenacional, nem procede à rejeição liminar da impugnação judicial da decisão administrativa, não se enquadrando, por isso, em qualquer das previsões do n.º 1 do art.º 73.º do RGCO.

Assim sendo, a decisão impugnada é insusceptível de recurso para este Tribunal, o que, embora não constitua objecto da presente reclamação, constitui um pressuposto da questão suscitada.
Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação”.

Ficou, assim, definitivamente decidido que o Despacho recorrido (que atribuiu natureza urgente à presente impugnação judicial) não admite Recurso.

Uma decisão (Despacho ou Sentença) transita em julgado, formando caso julgado, quando, por não ser já susceptível de alteração ou revogação mediante reclamação ou recurso ordinário (já porque não foi impugnada, já porque, tendo-o sido, se esgotaram os meios de impugnação), se tornou definitiva, esgotando-se, então, o poder jurisdicional.

Se o Código de Processo Penal não regula o caso julgado, tão pouco o faz o RGCO e por isso é geralmente aceite que o respectivo regime deve resultar da conjugação das pertinentes normas do processo civil (ex vi arts 41 do RGCO e 4 do CPP) com as especificidades do processo penal [3].

O actual Código de Processo Civil (aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho) regula a matéria em termos muito idênticos aos que constavam dos artigos 671.º e segs. do anterior Código.

Assim, o caso julgado material está agora previsto no artigo 619.º, nos seguintes termos:
Artigo 619.º
Valor da sentença transitada em julgado
1 - Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.
2 - Mas se o réu tiver sido condenado a prestar alimentos ou a satisfazer outras prestações dependentes de circunstâncias especiais quanto à sua medida ou à sua duração, pode a sentença ser alterada desde que se modifiquem as circunstâncias que determinaram a condenação.

Por seu turno, o artigo 620.º do novo CPC define o caso julgado formal:
Artigo 620.º
Caso julgado formal
1 - As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.
2 - Excluem-se do disposto no número anterior os despachos previstos no artigo 630.º.
No caso sub judice, trata-se de uma decisão que incidiu sobre a relação processual e por isso fez caso julgado formal.

Ora, sendo inadmissível, como bem decidiu a Ex.ma Vice-Presidente desta Relação, Recurso do Despacho que atribuiu natureza urgente ao presente processo, não pode a Arguida/Recorrente submeter à sindicância do Tribunal Superior a mesma questão, agora pela via do Recurso da Sentença que julgou a Impugnação Judicial da decisão da autoridade administrativa, contornando assim o obstáculo que é a inadmissibilidade legal do Recurso interlocutório.
A 2ª questão recorrida

Pela mesma via de Recurso da Sentença que julgou improcedente a impugnação da decisão da autoridade administrativa, veio a Arguida questionar a competência do Tribunal em razão do território, sustentando que o Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Local Criminal de Aveiro é, territorialmente, incompetente.

Compulsados os autos, facilmente se verifica que, sobre essa questão, foram proferidas decisões que se contrariam entre si.

O Juiz 1 do Juízo de Competência Genérica de Estarreja da Comarca de Aveiro decidiu em 04-7-2017 a fls 46-47 que o Tribunal era «incompetente em razão do território para a apreciação do presente recurso, sendo competente o tribunal da área da residência da Arguida, a saber o Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto».

Notificados os Sujeitos Processuais e remetidos os autos àquele Tribunal, o Juiz 3 do Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto decidiu em 10-7-2017 a fls 53 que «para efeitos da apreciação da competência territorial do Tribunal é pertinente conhecer os termos da notificação que foi efectuada à recorrente», melhor dizendo, importava saber qual a «entidade policial/localidade» onde a Arguida deveria proceder à identificação do condutor do veículo automóvel ..-JT-.. que, no dia 14-5-2014, teria cometido infracção rodoviária.

Obtida a informação pertinente, foi proferido o Despacho de 14-7-2017 a fls. 83-84 pelo qual se declarou «territorialmente incompetente para conhecer do recurso em causa» o Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto, determinando-se a remessa dos autos «à Comarca de Aveiro, Juízo Local, Secção Criminal, por ser a competente».

Essa decisão transitou em julgado como é, expressamente, reconhecido no Despacho de 06-10-2017 a fls. 204 e, remetidos os autos ao Juízo Local Criminal de Aveiro, aí se procedeu ao julgamento da Impugnação Judicial da decisão da autoridade administrativa.

Por conseguinte, também aqui, a Recorrente vem ressuscitar uma questão que está, definitivamente, resolvida, sendo que, o Recurso não uma é uma espécie de “percurso vertical” em que se (re)discute tudo [4].
As 3ª e 4ª questões recorridas

A Recorrente não só questiona a existência da contra-ordenação pela qual foi acoimada como argui a nulidade da decisão recorrida «por violação do artº 58º do RGCO e 120º do CPP» (conclusão BB)).
Duas são, pois, as questões que se impõe apreciar e decidir:
- se a Sentença recorrida está ferida de nulidade;
- se a atitude omissiva da Arguida configura a contra-ordenação que lhe foi imputada.

Se bem interpretamos as palavras da Recorrente, a decisão recorrida seria nula porque o tribunal se teria substituído à autoridade administrativa, «compondo o que mal decidiu aquela» (conclusão JJ)), pois a decisão da ANSR não permite aferir «se foi praticada qualquer contra-ordenação naquele dia, hora e local, sendo que a omissão de tais elementos é causa de nulidade» (conclusão CC)), uma vez que «a indicação precisa e discriminada dos elementos do citado artº 58º do RGCO constitui elemento fundamental para garantia do direito dos arguidos e só pode ser efectivo com o adequado conhecimento dos factos, das normas que integrem e das consequências sancionatórias – o que a decisão em crise não fez» (conclusão II)).

Além disso, o processo da autoridade administrativa seria nulo «por ter omitido a diligência requerida de inquirição de testemunha, por entender que «o seu depoimento não viria alterar em nada o teor da presente decisão» (conclusão KK)).

A apreciação da questão assim equacionada passa, necessariamente, por determinar os requisitos a que deve obedecer a decisão da autoridade administrativa que encerra a fase administrativa do processo de contra-ordenação e da Sentença ou Despacho que incide sobre a impugnação judicial dessa decisão.

Tais requisitos estão definidos no art 58 do RGCO e, além das indicações mencionadas nos n.os 2 e 3, que aqui podemos ignorar, são os seguintes:

a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.

Do confronto da norma citada com a correspondente norma do processo penal (art 374 do CPP) extrai-se a conclusão de que a decisão da autoridade administrativa segue, basicamente, a estrutura da sentença penal.

No entanto, dada a natureza de tal decisão - que, sendo uma decisão punitiva (correspondendo-lhe uma sanção, a coima, de carácter pecuniário), pode vir a transmutar-se em Acusação - e da fase que encerra (uma fase que partilha de algumas das características de um procedimento administrativo [5], como a celeridade e simplicidade processual), aceita-se que possa haver uma “menor exigência” na fundamentação [6], no sentido de que esta não tem que ser tão exaustiva como na sentença penal.

Daí que a fundamentação possa ser feita por remissão para algumas peças do processo, como o auto de notícia ou o “parecer” ou “proposta de decisão” do instrutor, desde que devidamente fundamentada, e a discussão das razões de facto e de direito que fundamentam a condenação possa ser abreviada [7].

Não sendo a decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima uma Sentença e havendo norma no RGCO a definir os requisitos dessa decisão, em princípio, não se justificará chamar à colação o art 374 do CPP [8].

Ora, diversamente do que se estabelece neste último preceito legal quanto à fundamentação da Sentença (exigindo-se que dela conste a enumeração dos factos provados e não provados), no art 58 do RGCO, apenas, se exigea descrição dos factos imputados”, não tendo que constar da decisão da autoridade administrativa a enumeração dos factos não provados [9].
Reconhece-se que a fundamentação (na decisão da autoridade administrativa) cumpre as mesmas funções que a fundamentação da Sentença penal (por um lado, conferir força pública inequívoca - autoridade e convencimento - ao referido acto e, por outro lado, facultar a sua fundada impugnação, tudo no sentido de que a fundamentação há-de permitir a transparência da decisão), mas, desde que contenha as razões, de facto e de direito, que levaram à condenação (na sanção principal, que é a coima, e/ou na sanção acessória), de forma a permitir ao condenado um juízo de oportunidade e/ou conveniência quanto à impugnação judicial da decisão condenatória e, posteriormente, caso haja impugnação, possibilitar ao tribunal que a vai apreciar conhecer o iter lógico e racional de formação dessa decisão, está satisfeita a exigência legal.

Lê-se na decisão da ANSR:
«Analisando a defesa apresentada importa salientar que a infracção pela qual a Arguida vem acusada é a não identificação do condutor do veículo no momento da prática da infracção, no prazo de 15 dias úteis, após a sua notificação para o efeito.»

Cumpre desde logo esclarecer que o facto de o auto ter sido levantado ao titular do documento de identificação do veículo se deveu à não identificação do condutor à data em que foi registada a infracção, o que, tal como referido na defesa apresentada, resultou da carta enviada pela Arguida ao Comandante do Destacamento de Trânsito de S. João da Madeira, onde alega que iria diligenciar no sentido de apurar quem era o condutor que praticou a infracção, nada mais tendo sido apresentado até à presente data.

Ora, não tendo identificado o autor da contra-ordenação, a Arguida incorreu na prática da infracção ora em análise nos termos do art. 171.º nº 6 do Código da Estrada».

É manifesto que a Recorrente não ficou impossibilitada de ponderar «acerca da oportunidade de apresentação de impugnação judicial» e por isso impõe-se concluir que não ocorre a primeira das nulidades arguidas.

Quanto à arguição de nulidade (da decisão da autoridade administrativa) por não ter inquirido a testemunha indicada pela Arguida com o argumento de que «tendo em conta a infracção em causa, o seu depoimento não viria alterar em nada o teor da presente decisão».

O art 50 do RGCO assegura ao arguido a possibilidade de se pronunciar sobre a contra-ordenação imputada e a(s) sanção(ões) em que incorre.

Nas contra-ordenações rodoviárias, o arguido apresenta a defesa por escrito (art 175-2 do CE.

Em qualquer caso, o direito de audição inclui a faculdade de indicar testemunhas e outros meios de prova.

Tem-se entendido que só a falta de audição do Arguido constitui nulidade (sanável) da decisão da autoridade administrativa [10].
O art 59 do RGCO estabelece a regra da recorribilidade da decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima.

Tal como no processo penal é possível o Recurso da decisão em matéria de facto, no processo contra-ordenacional, na fase judicial, a Lei confere ao Arguido o direito, não só a ver reapreciada a decisão administrativa que aplicou a coima, mas a um verdadeiro julgamento dos factos que lhe são imputados.

Significa isto que o Tribunal que conhece da Impugnação Judicial comummente dita Recurso [11] de aplicação de coimas tem poderes de jurisdição plena: por um lado, não está limitado pela prévia definição do Direito efectuada na decisão recorrida, podendo anulá-la; por outro lado, pode mesmo substituir-se à Administração na aplicação da coima.

O Tribunal conhece directamente dos factos em causa, da sua qualificação jurídica e avalia, com autonomia, o quantum da medida a aplicar [12], se for esse o caso.

Mantendo ou alterando a condenação, deve o juiz fundamentar a sua decisão, tanto no que concerne à matéria de facto como à aplicação do direito e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção (art 64-4 do RGCO).

Nesta fase, se compete ao Ministério Público promover a prova dos factos que considere relevantes para a decisão, cabe ao juiz determinar o âmbito da prova a produzir (art 72).

Daí as exigências impostas pelo art 58 à decisão de aplicação da coima ou das sanções acessórias pelas autoridades administrativas.

Recebido o recurso, a autoridade administrativa envia os autos, não ao Tribunal competente, mas ao Ministério Público, que decidirá do destino a dar-lhes.

Se o Ministério Público fizer os autos presentes ao juiz, com esse acto, a decisão da autoridade recorrida converte-se em acusação.

Na Audiência de Julgamento (se o juiz não decidir do caso através de simples Despacho), a prova produzida não é documentada (art 66 do RGCO), mas não há razão alguma para que se afaste a aplicação de princípios como o da livre apreciação da prova, da investigação ou da vinculação temática do tribunal.

A testemunha que a Arguida pretendia fosse ouvida na fase administrativa do processo acabou por prestar depoimento na audiência realizada (cfr. acta de fls. 206-208) e por isso, tal como se refere na decisão recorrida, uma eventual irregularidade teria ficado sanada.
A 5ª questão recorrida

A Recorrente sustenta que o comportamento que lhe foi imputado «não consubstancia a contraordenação porque foi condenada», uma vez que do disposto nos n.os 6 a 8 do artigo 171.º do CE resultaria o seguinte (conclusões T) e W)):

a) se a pessoa colectiva não responde à notificação recebida, o processo passa a correr contra ela e fica sujeita ao pagamento da coima prevista no nº 8;

b) se a pessoa colectiva responde à notificação, informando que não pode identificar o condutor por desconhecer quem efectivamente o conduzia naquela dia, hora e local, o processo passa a correr contra ela (mas não fica sujeita ao pagamento de qualquer coima).

O texto das normas em causa é cristalino e por isso não são legítimas quaisquer dúvidas interpretativas.

Está provado que, no dia 14.05.2014, a viatura automóvel de matrícula ..-JT-.., circulava na AE 1, N/S Km 259,8, em ..., e, nessas circunstâncias de tempo e lugar, o seu condutor cometeu infracção rodoviária.

Nessa ocasião, a propriedade da referida viatura estava registada em nome de C... e era objecto de contrato de locação financeira, sendo locatária a sociedade Arguida.

Desconhecendo-se quem era o condutor, cai-se na previsão do n.º 5 do artigo 171.º do CE que reza assim:
«5 - Quando o agente da autoridade não puder identificar o autor da contraordenação e verificar que o titular do documento de identificação é pessoa coletiva, deve esta ser notificada para, no prazo de 15 dias úteis, proceder à identificação do condutor, ou, no caso de existir aluguer operacional do veículo, aluguer de longa duração ou locação financeira, do locatário, com todos os elementos constantes do n.º 1 sob pena de o processo correr contra ela, nos termos do n.º 2».

Foi em cumprimento desse comando que a Sociedade Arguida foi notificada, no dia 02.10.2014, para identificar o condutor que conduzia a viatura nas aludidas circunstâncias e, nos termos do n.º 6 do citado artigo 171.º, devia fazê-lo no prazo de 15 dias úteis.

Porém, a sociedade Arguida respondeu apenas que «É verdade que no dia 14 de Maio de 2014 me encontrava na zona de Aveiro, para junto de família e amigos festejar o meu aniversário. | Ora, na qualidade de aniversariante fiquei em casa para receber os meus filhos e convidados. | Não peguei no carro mas acredito que alguém o tivesse feito para recolher algo que necessitasse para a festa a realizar. | Não pretendo desobedecer a V. Exas e prometo o mais rapidamente possível indagar quem conduziu a viatura nessa hora e local, sendo certo que o transmitirei», o que não se descortina no processo ter a Arguida transmitido.

É certo que a consequência jus contra-ordenacional do incumprimento do dever de identificação do art 171-6-7 do CE é estatuída no art 171-8 do CE conforme o qual «Quem infringir o disposto nos n.os 6 e 7 é sancionado nos termos do n.º 2 do artigo 4.º», vale dizer, «… é sancionado com coima de € 120 a € 600 …».

É certo ter sido ao abrigo desse dispositivo legal que a ANSR aplicou à Arguida a coima de € 180,00 e o Tribunal a quo confirmou a decisão administrativa por sua vez confirmada pela Sentença recorrida que, todavia, não podem subsistir porque:

Decorrendo do art 133 do CE («Nas contraordenações rodoviárias a negligência é sempre samcionada») na sequência do art 8-1 do RGC Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência») que a responsabilidade contra-ordenacional só pode ser subjectiva, vale dizer, por dolo ou negligência, por acção ou por omissão que o seu agente seja capaz de praticar por si só [13],

A Sentença recorrida, tal como a Decisão Administrativa sobre a qual aquela recaiu, nunca imputaram à Arguida que alguma tivesse a seu tempo sabido e, por isso, podido informar o DT da GNR de SJM quem era o condutor que praticou a infracção rodoviária no dia 14-5-2014, antes pelo contrário conforme teor supra citado da resposta da Arguida à notificação.

Ora é de exigir aquela alegação de facto – sob pena de insuficiência de alegação que é questão logicamente prévia ao vício de confecção lógica «insuficiência para decisão da matéria de facto provada» do art 410-2-b do CPP - para se precludir inadmissível responsabilidade contra-ordenacional objectiva tanto mais que o art 176-6-7, diversamente da presunção ilidível do art 171-2 [14] conjugado com o art 135-2, todos do CE não contém presunção legal de culpa do agente.
PARTE III - DECIDINDO

1. No provimento do Recurso da Arguida B..., Unipessoal, LDA, revoga-se a Sentença recorrida.

2. Sem tributação ut art 513-1 do CPP a contrario por inexistência de decaimento in totum.

3. Notifiquem-se os Sujeitos Processuais conforme art 425-6 do CPP.

4. Transitado, remeta-se o processo a título definitivo ao Juiz 1 da Secção Criminal da Instância Local de Aveiro.

Porto, 21 de Fevereiro de 2018
Castela Rio
Lígia Figueiredo
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[1] Delimitadoras de objecto do Recurso e poderes de cognição deste TRP - sem prejuízo do conhecimento de questão oficiosa - ex vi consabidas Jurisprudência reiterada dos Tribunais Superiores e Doutrina processual verbi gratiae JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V, pgs 362-363, ACD do Plenário das Secções Criminais do STJ 7/95 de 19.10.95 in DR I-A de 28.12.1995, ASTJ de 17.9.1997 in CJS 3/97, ASTJ de 13.5.1998 in BMJ 477 pág 263, ASTJ de 25.6.1998 in BMJ 478 pág 242, ASTJ de 3.2.1999 in BMJ 484 pág 271, ASTJ de 28.4.1999 in CJS 2/99 pág 196, GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, III, 3ª edição, Verbo, 2000, pág 347, ASTJ de 01.11.2001 no proc. 3408/00-5, SIMAS SANTOS, LEAL HENRIQUES, Recursos em Processo Penal, 7ª edição, Rei dos Livros, Maio de 2008, pág 107 e, mais recentemente, ASTJ de 27-5-2010 in www.dgsi.pt.
[2] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital oportunamente enviado com o processo.
[3] A mais evidente das quais será a que decorre dos efeitos que tem, nomeadamente no caso julgado, a publicação de lei nova mais favorável, sobretudo a lei nova que descriminaliza o facto típico.
[4] Como alerta J.M. DAMIÃO DA CUNHA, O Caso Julgado Parcial – Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Estrutura Acusatória, Publicações Universidade Católica, Porto 2002, pág 514.
[5] Importa, no entanto, sublinhar que o processo de contra-ordenação, mesmo na sua fase inicial (que decorre no âmbito da competente autoridade administrativa) não tem a natureza de um procedimento administrativo no sentido de “sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua execução”.
O processo de contra-ordenacão participa funcionalmente dos mesmos fins do inquérito em processo penal, sendo-lhe subsidiariamente aplicável o normativo processual penal.
Apesar de ser corrente designar as decisões das autoridades administrativas aplicadoras de coimas como “decisões administrativas”, também não suscita controvérsia a afirmação de que o processo de contra-ordenação, mesmo na sua fase administrativa, é uma realidade distinta do processo administrativo.
[6] Diz-se vg nos ARC de 03.10.2012, de 20.06.2012 e de 21.09.2011 que “no processo de contra-ordenação, em sede de fundamentação da decisão administrativa não é de exigir o rigor formal nem a precisão descritiva que se exige numa sentença judicial”, que “a lei não define qual o âmbito ou rigor da fundamentação que aqui se impõe, mas tem-se entendido que não se impõe aqui uma fundamentação com o rigor e exigência que se impõem para a sentença penal, no art.° 374º, n.º 2, do C. Proc. Penal”, ou que “a matriz subjacente à fundamentação de uma decisão administrativa em processo de contra-ordenação consente um modo sumário de fundamentar do qual se possa concluir: a) que quem decidiu não agiu discricionariamente; b) que a decisão tem virtualidade para convencer os interessados e os cidadãos em geral da sua correcção e justiça; e c) que o controlo da legalidade do decidido, nomeadamente, por via de recurso, não é prejudicado ou inviabilizado pela forma que tomou”.
[7] Quanto ao exame crítico das provas na decisão da autoridade administrativa, embora prevaleça o entendimento de que tal análise se impõe, não é um entendimento pacífico, argumentando-se a favor da tese oposta, justamente, que o art 58 do RGCO não a exige expressamente, limitando-se a exigir a indicação das provas, e que a decisão administrativa que aplica uma coima não é uma sentença nem se lhe pode equiparar, pelo que não há que chamar à colação o art 374 do CPP.
[8] Assim vg o TRG, de 24.09.2007 in www.dgsi.pt.
[9] Neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações”, UCE, pág 238.
[10] Cfr. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, UCE, 2011, pág. 210, e jurisprudência aí citada.
[11] Por comodidade visto que, apesar de ser essa a designação que a Lei utiliza para a Impugnação Judicial da decisão da autoridade administrativa, em bom rigor, não há nenhum Recurso, pois não há (ainda) uma decisão judicial.
[12] Mas sem prejuízo da proibição da reformatio in pejus.
[13] Como notado no ARP de 08-02-2017 destes Relator e Adjunta no processo 232/14.4Y2VNG.P2.
[14] ARL de 28-9-2010 de Jorge Gonçalves com Carlos Espírito Santo no processo 1106/09.6TAPDL.L1-5, e ARL de 18-4-2017 de Artur Vargues com Jorge Gonçalves no processo 3719/16.0T8OER.L1-5, ambos in www.dsgsi.pt.