Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00038009 | ||
Relator: | ORLANDO NASCIMENTO | ||
Descritores: | RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS HIPOTECA VOLUNTÁRIA SEGURANÇA SOCIAL INCONSTITUCIONALIDADE GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS | ||
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Nº do Documento: | RP200505020551119 | ||
Data do Acordão: | 05/02/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I- O Tribunal Constitucional ao declarar inconstitucionais, com força obrigatória geral, os privilégios creditórios da Segurança Social, garantidos por privilégio imobiliário geral – Acórdãos nºs 462/2002 e 363/20002, de 17.7 – não procedeu a qualquer limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, não sendo de sufragar o entendimento que os créditos hipotecários de instituições bancárias só gozam de prioridade na graduação, em confronto com os créditos previdenciais, se a hipoteca voluntária foi constituída e inscrita no registo em data anterior à do vencimento dos créditos do Estado e da Segurança Social. II- Os créditos bancários garantidos por hipoteca voluntária devem ser graduados, antes dos créditos do Estado, por impostos, e da Segurança Social, por contribuições. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação do Porto. 1. RELATÓRIO No âmbito da execução para pagamento de quantia certa que o BANCO B.......... S.A., com sede no Porto, move contra C........................ e D..................., residentes em ...., Arganil, tendo sido penhorados um bem imóvel e uma quota social, nos termos do disposto no artigo 865º do Código de Processo Civil, foram reclamados os seguintes créditos: A) O Ministério Público reclamou um crédito do Estado no valor de € 771,47 relativo ao não pagamento do IRS do ano 2000, a vencer juros de mora desde 9/2/2004; B) O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social reclamou um crédito sobre a executada por falta de pagamento de contribuições do regime da segurança social de trabalhadores independentes no valor de € 10.355,13, por referência aos meses de Dezembro de 1994 a Janeiro de 2004, acrescido de juros de mora contados até Março de 2004 em € 5.641,88; C) A Caixa Geral de Depósitos S.A. reclamou créditos provenientes de mútuos celebrados com ambos os executados garantidos por hipoteca do imóvel penhorado nos montantes de: - € 17.596,53, de capital relativo ao 1º empréstimo, acrescido de juros de mora vencidos até 19/07/2004 de € 330,16, dos juros vincendos e de despesas no montante de € 4; - € 27.213,72, de capital relativo ao 2º empréstimo, acrescido de juros de mora vencidos até 19/07/2004 de € 762,93, dos juros vincendos e de despesas no montante de € 485,75; - € 25.000, de capital relativo ao 3º empréstimo, acrescido de juros de mora vencidos até 19/07/2004 de € 745,95, dos juros vincendos e de despesas no montante de € 5. Esses créditos não foram impugnados. O Mm.º Juiz, considerando os normativos legais aplicáveis e interpretando os Acórdãos n.ºs 362/2002 e 363/2002 do Tribunal Constitucional, in DR, I Série A, 16.10.2002, no sentido de só determinarem a graduação do crédito hipotecário, cuja hipoteca foi constituída e inscrita no registo anteriormente ao vencimento dos créditos do Estado e da Segurança Social, antes destes, procedeu à seguinte graduação de créditos, quanto ao imóvel penhorado: 1.º O crédito reclamado pelo E.......... identificado em B) no que concerne às contribuições relativas ao período até 27/11/1996 e respectivos juros de mora; 2.º O crédito reclamado pela F........ identificado em C.1.) relativo ao período desde 27/11/1997 e o vencimento do IRS de 2000 reclamado pelo Ministério Público; 3.º O crédito reclamado pelo Ministério Público identificado em A); 4.º O crédito reclamado pela F...... identificado em C.1.) relativo ao período posterior ao vencimento do IRS de 2000 reclamado pelo Ministério Público; 5.º O crédito reclamado pelo E.......... identificado em B) no que concerne às contribuições relativas ao período entre 28/11/1996 e 22/08/1997 e respectivos juros de mora; 6.º O crédito reclamado pela F........... identificado em C.2.). 7.º O crédito reclamado pelo E............ identificado em B) no que concerne às contribuições relativas ao período entre 23/08/1997 e 23/05/2002 e respectivos juros de mora; 8.º O crédito reclamado pela F........... identificado em C.3.); 9.º O crédito reclamado pelo E......... identificado em B) no que concerne às contribuições relativas ao período a partir de 24/05/2002 e respectivos juros de mora; 10.º A quantia exequenda. Inconformada com essa decisão, dela interpôs recurso a F................ S.A., recebido como apelação, pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que gradue em primeiro lugar os créditos hipotecários por si reclamados, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões: 1.ª O presente recurso vem interposto da Sentença de Verificação e Graduação de Créditos proferida a fls. dos autos, na qual foi graduado em primeiro lugar o crédito reclamado pelo E.............. e em segundo lugar o crédito reclamado pela F.............., S.A. 2.ª A reclamação de créditos da F................., S.A., ora recorrente, deu entrada na Secretaria do Tribunal a quo em 20 de Julho de 2004 visando o pagamento coercivo de três créditos hipotecários que a F........ detém sobre os executados. 3.ª Tais hipotecas incidem sobre o prédio penhorado nos autos de execução, e encontram-se registadas, a favor da F........., na Conservatória do Registo Predial de Góis pela inscrição C - 1 sob a Apresentação 01/271196, pela inscrição C - 2 sob a Apresentação 05/220897 e pela inscrição C-3 sob a Apresentação 05/230502, tendo esta sido posteriormente convertida em definitiva pelo Av.01 à C - 3 sob a Apresentação 11/230702 e ampliada pela inscrição C-4 sob a Apresentação 12/230702. 4.ª Vieram igualmente reclamar os seus créditos o E............... (.......) relativamente a contribuições devidas e o Ministério Público em representação da Fazenda Nacional, relativamente a dívidas de IRS. 5.ª Ambos os créditos reclamados gozam de garantia emergente de Privilégio Creditório Imobiliário Geral. 6.ª Na verdade, o artigo 111º do Código do IRS e o artigo 11º do DL 103/80 de 9 de Maio, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário neles conferido à Fazenda Pública e à Segurança Social, respectivamente, preferem à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil, foram declarados inconstitucionais, por violação do artigo 2º da Constituição da República Portuguesa [Cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 362/2002 e 363/2002 de 17/07/2002, publicados no Diário da República I série - A, de 16/10/2002]. 7.ª Sendo certo que os referidos Acórdãos não procederam a qualquer limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, pelo que estes Acórdãos não podem ser interpretados restritivamente. 8.ª Efectivamente, a interpretação efectuada na douta sentença proferida dos Acórdãos citados continua a violar o Princípio da Confiança ínsito no Princípio do Estado de Direito Democrático, plasmado no artigo 2.º da CRP, pois que fere a exigência da existência de um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas jurídicas que lhe são criadas. 9.ª Acresce que, a sentença proferida afecta igualmente o Principio da Segurança, pela neutralização das garantias reais da reclamante Caixa, face a um ónus oculto do qual a Recorrente não pode ter conhecimento, face ao principio da confidencialidade tributária. 10.ª E o privilégio creditório imobiliário geral da Segurança Social, além de não se encontrar sujeito a qualquer limite temporal, não tem qualquer conexão com o bem sobre qual incide esta garantia. 11.ª Pelo que, a excessiva amplitude deste privilégio creditório imobiliário geral cria uma lesão desproporcionada no comércio jurídico, pois a Segurança Social dispõe de meios adequados a garantir os seus créditos, designadamente a hipoteca legal, sem necessidade de lesar interesses e direitos de terceiros, neste caso a recorrente. 12.ª Por outro lado, a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, de harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 686.º do Código Civil. 13.ª Resultando claro que a hipoteca é uma garantia real especial, incidindo sobre bens específicos e determinados, cedendo apenas sobre créditos que gozem de privilégio especial ou com registo anterior. 14.ª O que não sucede no caso sub júdice, pois quer o crédito reclamado pelo Ministério Público, quer o crédito reclamado pelo E................, apenas gozam de privilégio imobiliário geral e não registado. 15.ª Pelo que devem estes créditos ser graduados após os créditos reclamados pela Recorrente [Acórdão do STJ de 05/02/2002 in CJ de 2002, Tomo I, pág. 71], pois que “A norma do art. 751.º do CC regula o regime, apenas, dos privilégios imobiliários previsto no CC, ou seja, os privilégios imobiliários especiais... não se aplica aos privilégios imobiliários gerais criados por diplomas posteriores ao CC, que encontram o seu regime no art. 749.º...”. 16.ª Sendo certo que, e os privilégios imobiliários gerais apenas são susceptíveis de prevalecerem relação a titulares de créditos comuns [Cfr. Acórdão n.º 2175/2000, proferido a 31.10.2000 in www.dgsi.pt.]. 17.ª Deste modo, deve a Sentença de Verificação e Graduação de Créditos ser substituída por outra que gradue em primeiro lugar, os créditos reclamados pela F................, S.A., em segundo lugar o crédito reclamado pelo Ministério Público e em terceiro o crédito reclamado pelo E.................. . 18.ª Constando em primeiro lugar o crédito da ora recorrente na Sentença de Verificação e Graduação de Créditos dos presentes autos, em conformidade a legalidade e o respeito à Constituição da República Portuguesa. O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida. O E.................... contra-alegou, pugnando também pela confirmação da sentença recorrida. 2. FUNDAMENTAÇÃO A) OS FACTOS A matéria de facto a considerar é a acima descrita, sendo certo que a questão submetida ao conhecimento deste Tribunal se configura essencialmente como uma questão de direito. B) O DIREITO APLICÁVEL O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 660.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso). Apesar da extensão das conclusões do apelante, supra descritas, a questão submetida à apreciação deste Tribunal consiste, tão-somente, em saber se o Tribunal a quo ao graduar, antes dos seus créditos garantidos por hipoteca registada, créditos anteriores do Estado e da Segurança Social que apenas beneficiavam de privilégio imobiliário geral, fez correcta aplicação do disposto na lei civil, em especial os art.ºs 686.º e 751.º do C. Civil, e respeitou a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante dos Acórdãos n.ºs 362/2002 e 363/2002 do Tribunal Constitucional, in DR, I Série A, 16.10.2002, relativa ao privilégio imobiliário geral estabelecido por lei em benefício de créditos do Estado por dívidas de I. R. S. e da Segurança Social por dívidas de contribuições. Vejamos. I. O crédito hipotecário e os créditos com privilégio no sistema do C. Civil. A hipoteca, cujo registo é da natureza constitutiva (art. 687.º do C. Civil), confere ao credor que dela beneficia “…o direito de ser pago pelo valor de certas coisa imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”. Nos termos deste preceito, sem prejuízo dos créditos que gozem da prioridade de registo, só os créditos com privilégio especial podem obter pagamento antes dos créditos hipotecários. Os créditos com privilégio imobiliário (é deste que se trata) especial são apenas os previstos nos art.ºs 743.º (por despesa de justiça feitas relativamente aos bens móveis em causa) e 744.º (por contribuição predial e por impostos de transmissão dessas coisas). O C. Civil prevê privilégios mobiliários gerais (art.º 736.º) e especiais (art.º 738.º) mas, quanto aos privilégios imobiliários, apenas os especiais. Relativamente a estes estabelece o art.º 751.º do C. Civil que são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre eles (direito de sequela) e preferem à hipoteca ainda que anterior. A ratio de um tal sistema de convivência entre créditos hipotecários e créditos com privilégio imobiliário especial, situa-se, no dizer de P. Lima e A. Varela no facto de a segurança da hipoteca como base do crédito imobiliário ser “… bastante afectada pela existência, no nosso direito anterior, de múltiplos privilégios creditórios, os quais não estão sujeitos a registo. O Código Civil reagiu contra esta proliferação de privilégios, sacrificando alguns deles e valorizando, assim, a hipoteca” [C. Civil anotado, vol I, 3.ª ed., anotação ao art.º 686.º, pág. 675]. II. A instituição dos privilégios imobiliários gerais. Posteriormente, relativamente aos créditos da Segurança Social por contribuições, o Dec. Lei n.º 512/76 de 03/07 (art.º 2.º) e depois dele o Dec. Lei n.º 103/80 de 09/05 (art.º 11.º) instituíram um privilégio imobiliário geral. E o mesmo veio a ser instituído pelo Dec. Lei n.º 442-A/88 de 30/11 (art.º 104.º) e depois pelo Dec. Lei n.º 198/2001 de 03/07 (art.º 111.º) relativamente aos créditos do Estado por dívidas de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS). III. A jurisprudência. Durante muito tempo, na prática dos tribunais portugueses, os créditos do Estado e da Segurança Social assistidos por tais privilégios imobiliários gerais, foram graduados à frente dos créditos com hipoteca, a qual se viu, mais uma vez desvalorizada. Alguma jurisprudência, entretanto, orientou-se no sentido de que os créditos do Estado e da Segurança Social assistidos por tais privilégios imobiliários gerais, devem ser graduados nos termos do disposto no art.º 749.º do C. Civil, que dispõe para os privilégios creditórios gerais, não beneficiando do disposto no art.º 751.º do C. Civil, que dispõe apenas para os privilégios imobiliários especiais previstos no C. Civil (e é essa a actual redacção do art.º 751.º do C. Civil na redacção do Dec. Lei n.º 38/2003 de 08/03) e não podendo, em consequência, ser graduados antes dos créditos hipotecários [Ac. STJ de 18/12/85, in BMJ 352-280 e de 17/01/95, in Col. J., Tomo I, pág. 22; o Ac. STJ de 05/02/02, in Col. J. Tomo I, pág. 71.] [Cfr. o Ac. desta Relação de 26/01/04, in Col. J., I, pág. 170, para um crédito do IEFP]. IV. A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. O Tribunal Constitucional, no exercício das suas funções no domínio da fiscalização concreta da constitucionalidade, declarou inconstitucionais os preceitos supra referidos, instituidores dos privilégios imobiliários gerais em causa, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral neles conferido ao Estado e à Segurança Social prefere à hipoteca, nos termos do art.º 751.º do C. Civil (Acórdãos n.ºs 160/2000, 354/2000,109/2002, 128/2002, 132/2002, 193/002 e decisão sumária n.º 67/2002 de 07/03/2002), tendo declarado a inconstitucionalidade dos mesmos, com força obrigatória geral, por violação do art.º 2.º da Constituição “…na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à Fazenda Nacional (Acórdão 362/2002) à segurança social (Acórdão 363/2002) prefere á hipoteca, nos termos do artigo 751.º do Código Civil”. V. A decisão em recurso. O Tribunal a quo interpretou as referidas declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral nos seguintes termos: “De forma a adequar a decisão relativa à graduação dos créditos a estas declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, devemos graduar antes dos créditos do Estado e da Segurança Social o crédito hipotecado, cuja hipoteca foi constituída e inscrita no registo anteriormente ao vencimento dos créditos do Estado e da Segurança Social” e, nessa sua decisão, obteve a concordância da Segurança Social (personificada em Instituto) e do Ministério Público, que reclamou créditos do Estado em representação deste. Desta discorda a apelante, por entender que procede a uma limitação dos efeitos de declaração de inconstitucionalidade, não admissível (conclusões 7.ª e 8.ª) e que, de qualquer modo, o crédito hipotecário só cede perante créditos que gozem de privilégio imobiliário especial, não sendo aplicável o disposto no art.º 751.º do C. Civil (conclusões 12.ª e 13.ª). VI. A apreciação dessa decisão. A questão da inaplicabilidade do disposto no art.º 751.º do C. Civil aos privilégios imobiliários gerais em causa, afigura-se-nos prejudicada pela declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, pelo que a questão a apreciar é apenas a primeiramente referida. E quanto a esta afigura-se-nos assistir razão á apelante. As decisões do Tribunal Constitucional em causa têm o seguinte texto: - Acórdão n.º 362/2002, “Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do art.º 2.º da Constituição, da norma constante, na versão primitiva, do art.º 104.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, e, hoje, na numeração resultante do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, do seu artigo 111.º, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à Fazenda Pública prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751.º do Código Civil”; - Acórdão n.º 363/2002, “Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no art.º 2.º da Constituição da República, das normas constantes do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, e do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 512/76, de 3 de Julho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à segurança social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751.º do Código Civil”. Em nenhuma dessas decisões encontramos referências ao momento do nascimento (à anterioridade ou posterioridade) de quaisquer dos créditos em causa. A declaração de inconstitucionalidade respeita à “…interpretação segundo a qual o privilégio geral … conferido …prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751.º do Código Civil”. Assim, uma interpretação restritiva dessas decisões no sentido de que os créditos com privilégio imobiliário geral só cedem perante o crédito hipotecário anteriormente constituído ou de que só prevalece perante estes o crédito hipotecário cuja hipoteca foi constituída e inscrita no registo anteriormente a eles, não contém no texto das decisões um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (art.º 9, n.º 2 do C. Civil). E o mesmo acontece quanto aos fundamentos dessas decisões. No Acórdão n.º 362/2002, citando o Acórdão n.º 160/2000, depois de se referir que o princípio da confiança, ínsito na ideia do Estado de direito democrático, postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, escreve-se: “Por outro lado o princípio da confidencialidade tributária impossibilita os particulares de previamente indagarem se as entidades com quem contratam são ou não devedores ao Estado ou à segurança social. Ora, não estando o crédito da segurança social sujeito a registo, o particular que registou o seu privilégio, uma vez instaurada a execução com fundamento nesse crédito privilegiado, ou que ali venha reclamar o seu crédito, pode ser confrontado com uma realidade - a existência de um crédito da segurança social - que frustra a fiabilidade que o registo naturalmente merece.”. E reportando-se, mais uma vez, quer aos créditos da segurança social quer aos da Fazenda Pública, “…em ambos os casos são atingidos terceiros a quem não é acessível o conhecimento, nem da existência do crédito, em virtude de estar protegido pelo segredo fiscal, nem da oneração pelo privilégio, devido à inexistência de registo”. Também no Acórdão n.º 363/2002, citando o Acórdão n.º 193/2002, se escreve, “o princípio da confidencialidade tributária impossibilita os particulares de previamente indagarem se as entidades com quem contratam são ou não devedoras ao Estado ou à segurança social”. E mais á frente, citando o Acórdão n.º 109/2001, refere-se que,”o princípio da confiança é violado na medida em que, gozando o privilégio de preferência sobre os direitos reais de garantia, de que terceiros sejam titulares, sobre os bens onerados, esses terceiros são afectados sem, no entanto, lhes ser acessível o conhecimento da existência do crédito, protegido que está pelo segredo fiscal, quer do ónus do privilégio, devido à inexistência de registo”. O Tribunal Constitucional, ao declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, em parte alguma, quer das decisões quer dos seus fundamentos, atribui relevância à anterioridade de qualquer dos créditos, antes o fazendo relativamente ao seu conhecimento por terceiro. A anterioridade dos créditos do Estado ou da segurança social que beneficiam do privilégio imobiliário geral é irrelevante face aos interesses da protecção da confiança e da certeza nos direitos e nas expectativas. Ainda que anteriores, o cidadão titular do crédito hipotecário não os podia conhecer e é esse desconhecimento que bule com o princípio da confiança e gera incerteza no comércio jurídico. Não tem aqui qualquer aplicação o princípio ínsito no brocardo “potior in jure qui prior in tempore” o qual, de resto, também estava afastado das normas que instituíram os privilégios imobiliários em causa. E trata-se de figuras jurídicas diferentes. No caso da hipoteca, de um direito real de garantia, com sequela sobre o bem (art.ºs 686.º, 687.º e 721.º do C. Civil) e no caso dos privilégios imobiliários gerais de uma preferência no pagamento que incide sobre todos os imóveis do devedor, no acto de execução dos mesmos, em que aquela sequela não existe (art.º 733.º e 751.º do C. Civil, este a contrário). No seguimento dos Acórdãos desta Relação de 15/12/03, in Col. J. III, pág. 187 e de 26/01/04, in Col. J., I, pág. 170, procedem, pois, as conclusões da apelante, revogando-se a sentença recorrida e graduando-se em primeiro lugar os créditos hipotecários reclamados pela apelante. As consequências desta decisão sobre a graduação dos restantes créditos, por não constituir objecto da apelação, serão apreciadas pelo Tribunal a quo. 3. DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando a sentença recorrida e graduando-se em primeiro lugar os créditos hipotecários reclamados pela apelante. As consequências desta decisão sobre a graduação dos restantes créditos, por não constituir objecto da apelação, serão apreciadas pelo Tribunal a quo. Sem custas (art.º 14, n.º 1 do Dec. Lei n.º 324/2003 de 27 de Dezembro). Porto, 2 de Maio de 2005 Orlando dos Santos Nascimento José António Sousa Lameira José Rafael dos Santos Arranja |