Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FILIPE CAROÇO | ||
Descritores: | CONVENÇÃO DE CHEQUE CHEQUE FALSIFICADO RESPONSABILIDADE DO BANCO SACADO E DO SACADOR | ||
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Nº do Documento: | RP201103102102/08.6TBOAZ.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/10/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA. | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - No âmbito da convenção de cheque, além da obrigação principal de pagamento, recaem sobre o banco sacado deveres acessórios, entre os quais o de verificar cuidadosamente o cheque apresentado, nele se incluindo a conferência da assinatura do sacador. II - O banco sacado é, em princípio, responsável pelos prejuízos decorrentes do pagamento de um cheque falsificado, já que se presume a sua culpa, por se tratar de responsabilidade contratual. III - O banco só se eximirá da sua responsabilidade se ilidir tal presunção, provando que agiu sem culpa, demonstrando que actuou com a diligência que lhe era exigível ou que a culpa é exclusiva do sacador. IV - Provando-se culpa efectiva de ambos, a responsabilidade pode ser repartida entre o banco e o cliente nos termos do n.º 1 do art.º 570.º do Código Civil. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 2102/08.6TBOAZ.P1 – 3ª Secção (apelação) Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis Relator Filipe Caroço Adj. Desemb. Teresa Santos Adj. Desemb. Maria Amália Santos Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. B…, L.DA sociedade por quotas com sede na Rua …, Oliveira de Azeméis, instaurou acção declarativa sob a forma de processo sumário contra A- C…, então detida no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, sito na Rua …, apartado …., ….-… …; e B- D…, S.A., com sede na …, nº .., ….-… Porto, alegando, essencialmente, o seguinte: Em Junho de 2000 a A. admitiu a 1ª R. ao seu serviço, como assalariada, atribuindo-lhe as funções de realização de todas as diligências administrativas que tinham lugar na sociedade, como sejam a emissão de facturas, notas de crédito e de débito, e operações de tesouraria, tais como pagamentos, recebimentos e emissão de cheques, e demais expediente do escritório. No início do mês de Abril de 2001 o gerente da A. apercebeu-se que a 1ª R. emitiu vários cheques da sociedade, falsificando a sua assinatura ou outros dizeres, e depositou-os numa conta pessoal dela, aberta na E…, agora D…, assim se apropriando das respectivas quantias, deixando cópias desses cheques na empresa, com a menção de estarem passados à ordem de vários clientes da A. Utilizou, assim, entre Setembro de 2000 e Março de 2001, cinco dezenas de cheques, no valor total de esc.18.339.580$00 (€ 91.477.43), que, em diversos valores parciais e sucessivos assim titulados, por acção do Banco sacado, transitou para a conta pessoal da 1ª R. A A. entrou então numa situação económica difícil devido à actuação da 1ª R. e às dificuldades próprias da conjuntura económica que o sector da construção civil então já atravessava. Vários daqueles cheques, no valor de esc.13.768.777$00 (€ 68.678,37), não tinham a assinatura do legal representante da A., F…, mas a sua imitação que nem sequer se assemelha à original constante da ficha de cliente junto da entidade sacada. Ao ter debitado o pagamento de tais cheques a terceiros, que não continham a assinatura do representante legal da A., o Banco constituiu-se na obrigação de indemnizar a A. por todas essas quantias, indevidamente pagas, mas recusou-se a fazê-lo. A 1ª R. é responsável pela totalidade dos valores de que indevidamente se apropriou. E terminou o articulado inicial deduzindo o seguinte pedido: «Nestes termos e nos demais de direito deve a presente acção ser julgada procedente e em consequência a 1ª Ré C… condenada a pagar à Autora a quantia de 91.477.43 € (noventa e um mil e quatrocentos e setenta e sete euros e quarenta e três cêntimos), sendo o banco 2° Réu D… condenado solidariamente com esta ao pagamento da importância de 68.678,37 € (sessenta e oito mil e seiscentos e setenta e oito euros e trinta e sete cêntimos), quantias essas sempre acrescidas de juros à taxa legal, calculados por economia desde a citação dos Réus e até integral pagamento, com custas e procuradoria». (sic) Citados, cada um dos R.R. contestou a acção em articulado autónomo. A 1ª R. C… alegou ter vontade de assumir um plano de pagamento a favor do A. para ressarcimento dos prejuízos que lhe causou, mas acrescentou que não dispõe de rendimentos ou de outros meios que permitam pagar os montantes devidos. Considera o montante exigido pela A. excessivo para as condições económicas da R. e concluiu assim: «Nestes termos, e nos melhores de direito, deve a presente acção ser julgada parcialmente não provada e improcedente, e em consequência ser a R. absolvida de pagar a quantia requerida pela A., tudo com as consequências legais, e condenando-se a A. como litigante de má fé, em multa e indemnização condigna». (sic) O R. D… impugnou parcialmente os factos, alegando, designadamente, o seu desconhecimento relativamente à autoria da assinatura do sacador aposta nos quarenta cheques que estão na base da sua alegada responsabilidade, assinatura que, aliás, é muito semelhante à que consta na ficha de abertura da conta sacada da A. E por isso o Banco pagou os cheques. Foi a A. que, negligentemente, atribuiu funções de responsabilidade a uma funcionária que, pela sua idade e sem antiguidade na empresa, não devia desempenhar. E não protegeu os cheques. A contestante enviou sempre os extractos de conta, comprovativos de todos os movimentos da sua referida conta que reflectiam, a débito, o pagamento de todos aqueles cheques. Defendendo que a conduta do Banco foi diligente, concluiu no sentido de que a acção deve ser julgada improcedente, com absolvição do 2º R. do pedido. A A. respondeu ao que considerou ser matéria de excepção alegada em ambas as contestações, mas reforçando a argumentação explanada na petição inicial e concluindo com a improcedência das excepções e com a reafirmação do pedido. Dispensada a audiência preliminar, o tribunal proferiu despacho saneador tabelar e elaborou factos assentes e base instrutória, posteriormente rectificados com base em despacho proferido na audiência de julgamento. Teve lugar a discussão da causa, que terminou com prolação de respostas à matéria da base instrutória, de que não houve reclamação. As partes não discutiram o aspecto jurídico da causa. O tribunal elaborou sentença, cuja decisão tem o seguinte teor: «Nos termos que se expõem, julgo a acção procedente e: 3.1. Condeno a R., C…, a pagar Autora, “B…, Lda”, a quantia de € 91.477,43, acrescida dos juros à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento. 3.2. Condeno o Réu, “D…”, solidariamente com a R. C…, a pagar à Autora, “B…, Lda”, a quantia de € 68.678,37, acrescida dos juros à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento. …». (sic) É desta decisão que apela agora a 2ª R., formulando as seguintes conclusões: «1ª) O presente recurso tem por objecto demonstrar que, no caso dos autos, ocorreu culpa do lesado e que esta culpa, no confronto com a culpa do Banco, deve conduzir a que a indemnização a conceder não ultrapasse vinte e cinco por cento dos danos sofridos. 2ª) Devidamente enunciada, a questão de direito de que depende o conhecimento do recurso, é esta: Sendo a responsabilidade do Banco uma responsabilidade que se funda na culpa presumida por não ter logrado fazer a prova de que não agiu com culpa, o que pesa mais: a culpa presumida do Banco ou a culpa provada do lesado que, ao fim de escassos dois meses de relação laboral com a 1ª R., confiou a esta as funções de responsabilidade de emitir cheques, sem exercer sobre ela qualquer controlo, ao ponto mesmo de ter omitido a análise dos extractos mensais que foram recebidos na sociedade e que atestavam débitos de valores que, ultrapassando os limites do inconcebível, levaram à insolvência da firma? 3ª) Esta questão resolve-se no sentido de que a culpa presumida do Banco quase nada pesa ou pesa muito pouco no confronto da grave culpa provada da Recorrida. 4ª) E, quase nada pesando ou pesando muito pouco, o respeito do comando do art.º 570° do Código Civil obriga a que se atribua à culpa concorrente da Recorrida não menos de setenta e cinco por cento do prejuízo que sofreu e à culpa concorrente do Recorrente não mais de vinte e cinco por cento daquele mesmo prejuízo; 5ª) Decidindo como decidiu, o Acórdão recorrido violou o disposto no art.° 570° do Código Civil – violação que é tanto mais chocante quanto é certo que omitiu completamente a ponderação da culpa do lesado para fulminar o Banco com as consequências da totalidade de um dano que tem por exclusiva fonte, insiste-se, uma culpa presumida». (sic) Termina defendendo que deve ser concedido provimento ao recurso no sentido de ser o D… condenado em não mais de 25% do dano sofrido pela recorrida. A A. ofereceu contra-alegações defendendo a manutenção do julgado. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.II. O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do acto recorrido, delas retirando as devidas consequências, e não sobre matéria nova, excepção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 660º, nº 2, 684º e 685º-A, do Código de Processo Civil, na redacção que foi introduzida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, aqui aplicável). Questão a decidir: - Saber se a A. deve comungar da responsabilidade --- e em que medida ---atribuída na sentença exclusivamente às R.R. pelo pagamento dos cheques efectuado pela recorrente e cuja assinatura do sacador a 1ª R. falsificou. * III.É a seguinte a matéria de facto considerada provada na 1ª instância: A) A autora dedicava-se à manufacturação de caixilharias de alumínio, tendo a sua sede e instalações em …, Oliveira de Azeméis e como gerente, o seu sócio, F…. B) A 1.ª ré era assalariada da autora desde Junho/2000, tendo por funções realizar todas as diligências administrativas que tinham lugar na sociedade, a qual emitia os vários documentos onde se suportava a contabilidade, emitindo as facturas, notas de crédito e de débito, efectuando todas as operações de tesouraria, pagamentos, recebimentos, emitindo cheques e todo o demais expediente do escritório. C) A autora, em Junho de 2000, tinha 8 funcionários, sendo a 1.ª ré a única funcionária afecta à função administrativa. D) A 1.ª ré apresentava aos gerentes da autora os vários elementos que entendia necessários para o dia-a-dia da autora, por forma a que os assinassem e/ou rubricassem, consoante o caso, existindo uma grande confiança na 1.ª ré depositada pelo gerente da autora. E) No início do ano de 2001, o gerente da autora detectou a existência de irregularidades no procedimento da 1.ª ré, tendo apurado que esta emitiu vários cheques da autora, os quais depositava numa conta bancária por si titulada. F) A autora era titular da conta n.º ……..., aberta no balcão do G…, ora 2.º réu, situado na …, em S. João da Madeira. G) A 1.ª ré era titular de uma conta bancária na E…, agência de S. João da Madeira, ora 2.º réu, à qual correspondia o n.º ………... H) Sobre a conta da autora referida em F) foram emitidos e sacados os cheques a seguir enumerados, os quais foram depositados na conta bancária titulada pela 1.ª ré, identificada em G), e efectivamente debitados da conta titulada pela autora, os quais apresentam no verso, manuscrito, em algarismos, o número da conta da 1.ª ré: 1. cheque n.º …….., no valor 470.000$00, emitido em 13/02/2001; 2. cheque n.º ………., no valor de 190.275$00, emitido em 19/03/2001; 3. cheque n.º ……….., no valor de 262.423$00, emitido em 15/09/2000; 4. cheque n.º …….., no valor de 303.801$00, emitido em 22/02/2001; 5. cheque n.º …….., no valor de 155.165$00, emitido em 22/02/2001; 6. cheque n.º …….., no valor de 205.365$00, emitido em 26/02/2001; 7. cheque n.º …….., no valor de 265.323$00, emitido em 28/02/2001; 8. cheque n.º …….., no valor de 317.372$00, emitido em 07/03/2001; 9. cheque n.º …….., no valor de 312.178$00, emitido em 15/03/2001; 10. cheque n.º …….., no valor de 190.275$00, emitido em 12/03/2001; 11. cheque n.º …….., no valor de 190.044$00, emitido em 29/01/2001; 12. cheque n.º …….., no valor de 190.275$00, emitido em 12/02/2001; 13. cheque n.º …….., no valor de 500.000$00, emitido em 05/02/2001; 14. cheque n.º …….., no valor de 684.680$00, emitido em 10/12/2000; 15. cheque n.º …….., no valor de 247.949$00, emitido em 20/12/2000; 16. cheque n.º …….., no valor de 463.211$00, emitido em 15/12/2000; 17. cheque n.º …….., no valor de 282.455$00, emitido em 22/12/2000; 18. cheque n.º …….., no valor de 282.455$00, emitido em 26/12/2000; 19. cheque n.º …….., no valor de 111.150$00, emitido em 27/12/2000; 20. cheque n.º …….., no valor de 684.680$00, emitido em 21/11/2000; 21. cheque n.º …….., no valor de 463.211$00, emitido em 06/12/2000; 22. cheque n.º …….., no valor de 684.680$00, emitido em 04/12/2000; 23. cheque n.º …….., no valor de 425.000$00, emitido em 02/01/2001; 24. cheque n.º …….., no valor de 555.442$00, emitido em 15/01/2001; 25. cheque n.º …….., no valor de 478.800$00, emitido em 16/01/2001; 26. cheque n.º …….., no valor de 330.651$00, emitido em 15/01/2001; 27. cheque n.º …….., no valor de 383.040$00, emitido em 22/01/2001; 28. cheque n.º …….., no valor de 500.000$00, com data de débito do extracto de 12/02/2001; 29. cheque n.º …….., no valor de 317.372$00, emitido em 26/01/2001; 30. cheque n.º …….., no valor de 161.646$00, emitido em 16/03/2001; 31. cheque n.º …….., no valor de 190.275$00, emitido em 19/03/2001; 32. cheque n.º …….., no valor de 190.275$00, emitido em 15/03/2001; 33. cheque n.º ………., no valor de 190.275$00, emitido em 16/02/2001; 34. cheque n.º ………., no valor de 354.175$00, emitido em 05/09/2000; 35. cheque n.º …….., no valor de 205.550$00, emitido data não apurada; 36. cheque n.º ………., no valor de 250.550$00, emitido em 20/03/2001; 37. cheque n.º …….., no valor de 684.680$00, emitido em 15/11/2000; 38. cheque n.º …….., no valor de 684.680$00, emitido em 21/11/2000; 39. cheque n.º ………., no valor de 364.070$00, emitido em 07/11/2000; 40. cheque n.º ………., no valor de 755.665$00, emitido em 06/11/2000; 41. cheque n.º ………, no valor de 496.257$00, emitido em 05/09/2000; 42. cheque n.º ………., no valor de 210.343$00, emitido em 20/09/2000; 43. cheque n.º ………, no valor de 525.170$00, emitido em 17/10/2000; 44. cheque n.º ………., no valor de 496.567$00, emitido em 01/11/2000; 45. cheque n.º ………, no valor de 264.423$00, emitido em 09/10/2000; 46. cheque n.º ………., no valor de 210.190$00, emitido em 30/11/2000; 47. cheque n.º ………., no valor de 149.390$00, emitido em 15/12/2000; 48. cheque n.º ………., no valor de 478.800$00, emitido em 10/01/2001; 49. cheque n.º ………., no valor de 604.321$00, emitido em 24/10/2000; e 50. cheque n.º …….., no valor de 470.000$00, emitido em 28/02/2001. I) A autora, à data dos factos, entrou em situação económica difícil devido à actuação da 1.ª ré e à conjuntura económica difícil que o sector da construção civil passou e passa e para a debelar, a autora despediu pessoal e tentou recorrer a empréstimos bancários, no que não foi bem sucedida, vindo a encerrar em 2004/2005. J)No âmbito do processo crime – comum colectivo – que correu termos no 2.º Juízo Criminal deste tribunal, sob o n.º 121/01.2TAOAZ, onde a 1.ª ré figurou como arguida, foi esta, por acórdão já transitado em julgado, absolvida da prática do crime de furto qualificado pelo qual estava acusada, tendo ali sido decidido: “(…) 3.2. condenar a arguida como autora material de um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos art.ºs 217º, nº 1 e 218º, nº 2, al. a), do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; 3.3. Condenar a arguida como autora material de um crime de falsificação de documentos, previsto e punível pelo art.º 256.º, nºs 1, al. a) e 3, do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; 3.4. Em cúmulo jurídico, condená-la na pena única de 4 anos de prisão; (…)”. K) No acórdão proferido no aludido processo crime foram dados como provados os seguintes factos: “A assistente, sociedade B…, Lda, dedica-se à manufactura de caixilharias de alumínio, tendo a sua sede e instalações em …, nesta comarca, sendo sócio-gerente F…. Tinha a assistente como sua assalariada a arguida, desde Junho de 2000, a qual tinha como funções realizar todas as diligências administrativas da sociedade. Pese embora a contabilidade fosse realizada por entidade externa, a mesma era suportada pelos vários documentos do dia-a-dia emitidos pela empresa, através da arguida. Assim a arguida emitia as necessárias facturas, notas de crédito e de débito, bem como todas as operações de tesouraria, pagamentos e recebimentos, emissão de cheques e demais expediente do escritório. A assistente é uma empresa de pequena dimensão, tendo oito funcionários em Junho de 2000 e a única pessoa para o aludido controlo administrativo era a arguida que, sozinha, realizava todas as operações atrás mencionadas. A arguida apresentava aos gerentes da sociedade os vários elementos que entendia necessários para o dia-a-dia, para que estes o assinassem ou rubricassem, consoante o caso. Tendo em conta a natureza da assistente e as circunstâncias concretas em que operava a arguida, existia grande confiança na pessoa desta, que o gerente da sociedade nela depositava. No início do mês de Abril de 2001, o gerente da sociedade detectou a existência de irregularidades no procedimento da arguida, enquanto funcionária da empresa. Assim, a arguida emitiu vários cheques da sociedade que directamente depositava na conta dela, com o n.º …………., da E…, agência de S. João da Madeira, sem que tais valores lhe pertencessem ou alguma vez lhe fossem devidos. Na contabilidade a arguida deixava cópias desses cheques, com a menção de estarem passados à ordem de vários clientes da assistente. Quando indagada pelos gerentes da assistente sobre o destino daqueles cheques, a arguida exibia a cópia integralmente preenchida, com o nome do portador do cheque, assim os convencendo de que se tratava de cheques emitidos a favor dos clientes da sociedade. Com tal procedimento, a arguida locupletou-se e fez suas as seguintes quantias, todas por si depositadas na sua referida conta da E… de S. João da Madeira: Cheque n.º …….., no valor 470.000$00, com data de emissão de 13/02/2001; Cheque n.º ………., no valor de 190.275$00, com data de emissão de 19/03/2001; Cheque n.º ……….., no valor de 262.423$00, com data de emissão de 15/09/2000; Cheque n.º …….., no valor de 303.801$00, com data de emissão de 22/02/2001; Cheque n.º …….., no valor de 155.165$00, com data de emissão de 22/02/2001; Cheque n.º …….., no valor de 205.365$00, com data de emissão de 26/02/2001; Cheque n.º …….., no valor de 265.323$00, com data de emissão de 28/02/2001; Cheque n.º …….., no valor de 317.372$00, com data de emissão de 07/03/2001; Cheque n.º …….., no valor de 312.178$00, com data de emissão de 15/03/2001; Cheque n.º …….., no valor de 190.275$00, com data de emissão de 12/03/2001; Cheque n.º …….., no valor de 190.044$00, com data de emissão de 29/01/2001; Cheque n.º …….., no valor de 190.275$00, com data de emissão de 12/02/2001; Cheque n.º …….., no valor de 500.000$00, com data de emissão de 05/02/2001; Cheque n.º …….., no valor de 684.680$00, com data de emissão de 10/12/2000; Cheque n.º …….., no valor de 247.949$00, com data de emissão de 20/12/2000; Cheque n.º …….., no valor de 463.211$00, com data de emissão de 15/12/2000; Cheque n.º …….., no valor de 282.455$00, com data de emissão de 22/12/2000; Cheque n.º …….., no valor de 282.455$00, com data de emissão de 26/12/2000; Cheque n.º …….., no valor de 111.150$00, com data de emissão de 27/12/2000; Cheque n.º …….., no valor de 684.680$00, com data de emissão de 21/11/2000; Cheque n.º …….., no valor de 463.211$00, com data de emissão de 06/12/2000; Cheque n.º …….., no valor de 684.680$00, com data de emissão de 04/12/2000; Cheque n.º …….., no valor de 425.000$00, com data de emissão de 02/01/2001; Cheque n.º …….., no valor de 555.442$00, com data de emissão de 15/01/2001; Cheque n.º …….., no valor de 478.800$00, com data de emissão de 16/01/2001; Cheque n.º …….., no valor de 330.651$00, com data de emissão de 15/01/2001; Cheque n.º …….., no valor de 383.040$00, com data de emissão de 22/01/2001; Cheque n.º …….., no valor de 500.000$00, com data de débito do extracto de 12/02/2001; Cheque n.º …….., no valor de 317.372$00, com data de emissão de 26/01/2001; Cheque n.º …….., no valor de 161.646$00, com data de emissão de 16/03/2001; Cheque n.º …….., no valor de 190.275$00, com data de emissão de 19/03/2001; Cheque n.º …….., no valor de 190.275$00, com data de emissão de 15/03/2001; Cheque n.º ………., no valor de 190.275$00, com data de emissão de 16/02/2001; Cheque n.º ………., no valor de 354.175$00, com data de emissão de 05/09/2000; Cheque n.º …….., no valor de 205.550$00, emitido data não apurada; Cheque n.º ………., no valor de 205.550$00, com data de emissão de 20/03/2001; Cheque n.º …….., no valor de 684.680$00, com data de emissão de 15/11/2000; Cheque n.º …….., no valor de 684.680$00, com data de emissão de 21/11/2000; Cheque n.º ………., no valor de 364.070$00, com data de emissão de 07/11/2000; Cheque n.º ………., no valor de 755.665$00, com data de emissão de 06/11/2000; Cheque n.º ………., no valor de 496.257$00, com data de emissão de 05/09/2000; Cheque n.º ………., no valor de 210.343$00, com data de emissão de 20/09/2000; Cheque n.º ………., no valor de 525.170$00, com data de emissão de 17/11/2000; Cheque n.º ………., no valor de 496.567$00, com data de emissão de 01/11/2000; Cheque n.º ………, no valor de 264.423$00, com data de emissão de 09/10/2000; Cheque n.º ………., no valor de 210.190$00, com data de emissão de 30/11/2000. Este cheque foi assinado por F… mas só pelo valor de 10.190$00 sendo que, posteriormente, a arguida inscreveu nele o n.º 2 e a palavra duzentos para passar a ser 210.190$00; Cheque n.º ………., no valor de 149.390$00, com data de emissão de 15/12/2000. Este cheque foi assinado por F… mas só pelo valor de 49.390$00 sendo que, posteriormente, a arguida inscreveu nele o n.º 1 e a palavra cento para passar a ser 149.390$00; Cheque n.º ………., no valor de 478.800$00, com data de emissão de 10/01/2001; Cheque n.º ………., no valor de 604.321$00, com data de emissão de 24/10/2000; e Cheque n.º …….., no valor de 470.000$00, com data de emissão de 28/02/2001. A arguida fez assim sua a quantia total dos cheques que gastou em proveito próprio, nomeadamente em roupas, jantares familiares em restaurantes tidos como caros, tratamentos de beleza, corporais (emagrecimento), roupas que dava à família e outros bens de luxo. Para fazer suas, como fez, as descritas quantias não hesitou em preencher pelo seu próprio punho todos os valores e dizeres de cada um dos cheques, bem como escrever pelo seu próprio punho a assinatura do legal representante da assistentes, F…, nos cheques cujas cópias constam de fls. 52, 54, 60, 62, 66, 68, 74, 78, 80, 84, 86, 96, 98, 100, 102, 104, 106, 108, 110, 112, 119, 121, 176, 178, 180, 182, 184, 185, 186, 188, 189, 191, 193, 194, 195, 197, 199, 201, 203, 205, 207, 209, 211, 213, 215, 217, 218, 220, 221, 223, 225, 227, 229, 233, 235, 241, 243, e 244-verso, aqui todos por reproduzidos. Os de fls. 56, 58, 64, 70, 76, 82, 88, 90, 92, 114, 116, 231, 237 e 239, também aqui dados como reproduzidos, estavam assinados por F…, fazendo parte do conjunto de 18 cheques já por este previamente assinados. A arguida agiu voluntária e conscientemente com o propósito de se apoderar, como efectivamente se apoderou, das referidas quantias bem sabendo que as mesmas não lhe pertenciam e que agia contra a vontade da assistente. Mais se provou: A assistente à época dos factos entrou em situação económica difícil devido à actuação da arguida e à conjuntura económica difícil que o sector da construção passou e passa. Para a debelar, a assistente despediu pessoal e tentou recorrer a empréstimos bancários, no que não foi bem sucedida, vindo a encerrar há cerca de 2/3 anos. Provou-se ainda: Actualmente a arguida afirma-se disponível para proceder ao pagamento de quantias mensais de € 150/200 à assistente, bem como para providenciar pelo pagamento parcial do montante total em dívida, recorrendo a um empréstimo bancário; nada tendo feito, até à audiência, para ressarcir a assistente. Está também provado (…)”. L) A autora constituiu-se assistente no processo-crime identificado, tendo, em 14/01/2004, no seu âmbito apresentado o seu pedido de indemnização civil, demandando os ora réus, o qual foi admitido por despacho datado de 09/03/2004. M) Por despacho proferido em 18/01/2005, data da audiência de julgamento, foi decidido remeter a parte civil para os meios comuns. N) No período de tempo referido em H), o 2.º réu enviou à autora os extractos comprovativos de todos os movimentos efectuados na conta bancária identificada em F). 7.º) O réu ao receber os cheques mencionados em 1.º no momento da sua apresentação a pagamento, não procedeu à verificação da assinatura neles aposta com a assinatura constante da ficha de assinaturas da conta identificada em F), o que se impunha por a assinatura deles constante não se assemelhar à do legal representante da autora. * IV.Considerando-se definitivamente assente a referida matéria de facto, por falta de impugnação, entremos na matéria jurídica objecto da apelação. Como é sabido, o cheque é um documento --- título cambiário --- em regra normalizado, à ordem ou ao portador, do qual consta uma ordem dirigida por um cliente ao seu banqueiro, junto do qual é suposto o emitente possuir fundos disponíveis, para efectuar um determinado pagamento, à vista, ao seu legítimo portador, a um terceiro ou até ao próprio mandante; título esse que deve satisfazer necessariamente os requisitos contemplados no art.º 1º da LUCH (Lei Uniforme sobre Cheque) sob pena de não produzir efeito como cheque (art.º 2º da mesma lei). Se o cheque pressupõe a existência, junto do Banco, de fundos de que o sacador ou emitente possa dispor (provisão), tal título assume autonomia relativamente à relação jurídica subjacente à constituição da respectiva provisão, encontrando-se assim na base da emissão de um cheque, duas relações jurídicas distintas: a “relação de provisão” e o “contrato ou convenção de cheque”. E é esta última relação contratual que aqui está em causa, pois enquanto a primeira pode radicar num depósito, numa abertura de crédito, numa conta corrente, num desconto, num mútuo, etc., tendo como efeito caracterizador a disponibilidade de certos fundos que se conservam na posse do Banco, mediante o qual se constituirá entre o cliente e a instituição bancária uma relação jurídica obrigacional ou creditícia, já no segundo contrato se legitima a emissão do cheque, através da qual a entidade bancária acede a que o cliente/sacador mobilize os fundos disponíveis na conta de depósito à ordem[1]. A convenção de cheque pode ser expressa ou tácita (art.º 3º da LUCH), traduzindo-se, nessa segunda hipótese, no facto de o banqueiro pôr uma caderneta de cheques à disposição do cliente ou de lhe facultar impressos para operar a sua requisição, surgindo assim normal e intimamente ligada a um contrato de abertura de conta. Sem dúvida, está em causa a responsabilidade da 2ª R. por eventual incumprimento do contrato de cheque, assim, nos devendo situar no âmbito da responsabilidade contratual pela falta de cumprimento da obrigação (art.ºs 798º e seg.s do Código Civil). O Decreto-lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, que regula o processo de estabelecimento e o exercício da actividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras (art.º 1º, nº 1), sob o Título “Regras de Conduta”, estabelece que “as instituições de crédito devem assegurar aos clientes, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência” (art.º 73º). E no que concerne às relações com os clientes, “os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados” (art.º 74º). Da convenção de cheque decorrem direitos e deveres recíprocos, com base numa relação de confiança mútua: o depositante/sacador fica com o direito de mobilizar os fundos existentes à sua disposição no Banco, através da emissão de cheques, enquanto o sacado se obriga a pagar até ao limite da provisão. É obrigação do cliente do Banco, sacador, além de verificar regularmente o estado da sua conta e cuidar pela boa ordem, conservação e escrituração da sua caderneta ou livro de cheques, guardá-lo zelosamente, pondo-o a salvo de apropriações ilegítimas e a coberto de falsificações da assinatura do titular da conta, e de dar imediatamente notícia de eventual perda ou extravio. Traduz-se, pois, tal obrigação, no cumprimento de um dever de diligência, de uma prestação de facto, que, em princípio, deve ser pontualmente satisfeita pelo próprio devedor. Ao Banco cabe a obrigação de cumprir as ordens do cliente e de zelar pelos seus interesses. É seu dever principal efectuar o pagamento do cheque. Na sequência da celebração do contrato de cheque, o Banco é obrigado a pagar os cheques apresentados, quando estes foram emitidos por clientes, quando para tanto forem utilizados os impressos próprios e quando haja provisão[2]. “É o Banqueiro um emprestador profissional especializado, não um mutuante qualquer, muito menos um amador ou aprendiz de feiticeiro… O Banqueiro por obrigação, mais do que ninguém, deve assegurar-se, por todos os meios ao seu alcance, do cabal e rigoroso exercício da actividade a que se votou”[3]. A par deste dever de pagamento, o Banco está vinculado a outros deveres colaterais em relação àquela obrigação primária, como «o dever de rescindir o contrato de cheque em caso de utilização indevida, o dever de observar a revogação do cheque, o dever de esclarecer um terceiro que reclame informações sobe essa revogação, o dever de verificar cuidadosamente os cheques que lhe são apresentados, o dever de não pagar em dinheiro o cheque para levar em conta, o dever de informar o cliente/sacador sobre o destino e tratamento do cheque especialmente sobre a pessoa do apresentante. Concretizando, refere-se no dito acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.11.2000, com base em estudo de Sofia Galvão[4]: «Dentre estes deveres ditos colaterais ou acessórios destaca-se o de verificar cuidadosamente os cheques apresentados a pagamento. O sacado deve, antes de proceder ao pagamento do cheque, tomar as devidas precauções, respeitantes umas ao próprio cheque em si, outras à provisão e outras ao portador. Em relação ao cheque propriamente dito, o sacado deve verificar a sua regularidade, mediante: - o exame do impresso e de todos os requisitos do cheque; - averiguação da regular sucessão de endossos (não sendo porém obrigado a verificar a assinatura dos endossantes – art. 35º da LUCH); - conferência da assinatura do sacador, comparando-a com o original constante de documento arquivado no banco. O controlo da assinatura do sacador é feito mediante a comparação/confronto entre a assinatura que figura sobre o cheque e o “specimen” fornecido pelo titular da conta e constante da respectiva “ficha”. Na determinação do seu conteúdo, porém, as exigências não podem ser exageradas – “o negócio de cheques é fundamentalmente um negócio de massas”». E, mais adiante, acrescenta, «... Assim, de um modo geral, o Banco cumpre o seu dever de fiscalização quando se convence, de modo que corresponde às exigências do trânsito em massa, que o cheque, pela sua aparência exterior, dá a impressão de ser verdadeiro». Não pode ser censurado o banqueiro por não ter, por exemplo, detectado a assinatura do sacador se esta estava bem imitada, não integrando ilícito o pagamento de um cheque que tem a aparência de regularidade, assim sucedendo quando a irregularidade e/ou a falsificação ou a anomalia não possam evidenciar-se a um primeiro exame do título. Mas, uma vez detectado qualquer indício de anormalidade acerca da autenticidade do título, deverá a entidade bancária sobrestar no pagamento e pedir uma confirmação ao seu cliente. Isto porque a aparência que justifica a liberação do banqueiro desaparece em caso de anomalia[5]. Quanto à provisão, o sacado deve verificar a sua existência, através do exame do saldo da respectiva conta bancária. A legitimação através da regular sucessão de endossos (cheques à ordem) ou pela simples posse de título (cheques ao portador) não quer dizer que o sacado não deve proceder de boa fé, como princípio geral do cumprimento das obrigações e do exercício dos direitos (nº 2 do art. 762° do Código Civil). Por este motivo, não se pode considerar válido o pagamento feito ao portador que o sacado saiba, ou deva saber que não era o verdadeiro titular do cheque. Assim, o sacado deve, pelo menos em situações em que a segurança o aconselhe, identificar o portador. A este respeito, 1º § do art.º 34° da LUCH determina que “o sacado pode exigir, ao pagar o cheque, que este lhe seja entregue munido de recibo passado pelo portador”. Esta assinatura é geralmente passada no verso do cheque ou na folha anexa, mas é possível um simples recibo em separado[6]. Para que recaia sobre o devedor a obrigação de indemnizar o prejuízo causado ao credor, é necessário que o não cumprimento lhe seja imputável: isto mesmo resulta do art.º 798º do Código Civil, que os vários pressupostos se devem reunir para o efeito: o facto objectivo (acção o omissão), a ilicitude, a culpa, o prejuízo sofrido pelo devedor e o nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo. A ilicitude resulta, na responsabilidade contratual, da relação de desconformidade entre a vontade devida (a prestação debitória) e o comportamento observado[7]. A culpa, na responsabilidade contratual, presume-se do devedor --- art.º 799º, do Código Civil. Mais especificamente, no âmbito da responsabilidade civil pelo pagamento de cheques falsificados têm-se delineado três correntes jurisprudenciais[8], sendo que uma delas se tem vindo a sedimentar, dominando na maior parte da jurisprudência e da doutrina. Segundo a dita tese, o Banco R. deve, em princípio, arcar com os prejuízos decorrentes de ter debitado um cheque forjado. Só não responderá se alegar e provar factos suficientes que permitam afastar a presunção legal de culpa. O Banco depositário assume a responsabilidade pelos danos resultantes de um levantamento indevido derivado de documento falsificado, a não ser que o mesmo Banco prove que o depositante agiu com dolo ou negligência, caso em que a responsabilidade pode ainda ser repartida entre depositante e o banco, segundo o grau de responsabilidade de cada um deles[9]. Com efeito, o Banco só se exime da responsabilidade total pelos prejuízos sofridos pelo cliente se: - conseguir provar que agiu sem culpa, ou seja, no caso concreto, com a diligência que lhe era exigível e, assim, afasta a citada presunção legal; - conseguir provar a culpa exclusiva do cliente/lesado (sem conseguir, todavia, demonstrar que agiu com a prudência que lhe era exigível) e tanto basta para se eximir ao dever de indemnizar por força do disposto no art.º 570º, nº 2, do Código Civil (porque a mencionada presunção de culpa a cargo do Banco é afastada pela mera prova da culpa do lesado); - provando-se negligência sua (para além da presunção de culpa), se provar, igualmente, negligência do cliente/depositante, demonstrando-se, portanto, que ambos concorreram para a produção do resultado – caso em que a responsabilidade indemnizatória pelos danos sofridos poderá ser repartida entre ambos, de harmonia com o preceituado no citado nº 1 do art.º 570º do Código Civil. Assim, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.3.1998[10], acolheu-se a responsabilidade do Banco pelo pagamento de cheque falsificado, sempre que este não consiga provar que o depositante agiu com culpa, ou seja, o Banco sacado terá de provar que, mesmo verificando cuidadosamente a assinatura aposta no cheque, não podia ter dado pela sua falsificação, recaindo sobre si o ónus da prova da culpa do cliente e de inexistência de culpa da sua parte[11]. O citado acórdão daquele Alto Tribunal de 3.7.2008 sintetiza como única forma de afastar a responsabilidade do banqueiro a prova, a efectuar por ele de que usou de toda a diligência que é exigida a uma pessoa “medianamente cuidadosa, atendendo à especialidade das diversas situações”, sendo que “por homem médio” não se entende o puro cidadão comum, mas o modelo de homem que resulta do meio social, cultural e profissional daquele indivíduo concreto, isto é, “o homem médio que interfere como critério da culpa é determinado a partir do círculo de relações em que está inserido o agente”, como ensina Almeida Costa[12]. Pelo acórdão desta Relação de 7.2.2008[13] decidiu-se que da celebração do contrato de cheque deriva uma obrigação recíproca de diligência para ambas as partes: o titular da conta tem a obrigação de guardar cuidadosamente os cheques e de dar imediato conhecimento ao banco de qualquer extravio; este tem a obrigação de cumprir as ordens do cliente e de zelar pelos interesses do mesmo. O risco do que possa ocorrer na conta do cliente, quando não haja culpa deste, cabe ao banqueiro, também por este correndo o risco do aparecimento de cheques falsificados, com a assinatura muito semelhante à autêntica. Tal responsabilidade (do Banco) pode, porém, ser afastada provando que agiu sem culpa e que foi a conduta negligente do depositante que contribuiu decisivamente para se verificar o pagamento irregular. Pedro Fuzeta da Ponte[14] refere que “em regra, devem ser os bancos depositários a arcar com os prejuízos decorrentes do pagamento de cheques com a assinatura falsificada do sacador, podendo, porém, subtrair-se a tal responsabilidade se conseguirem provar que agiram sem culpa e que foi a conduta negligente do depositante que contribuiu decisivamente para o irregular pagamento verificado”. A culpa do devedor é apreciada nos termos gerais da responsabilidade civil (nº 2 do art.º 799° do Código Civil), o que significa que vigoram para a responsabilidade contratual tanto os critérios de fixação de imputabilidade estabelecidos no art.º 488° daquele código, como o princípio básico de que a culpa do devedor se mede em abstracto, tendo como padrão a diligência típica do bonus pater familias e não em concreto, de acordo com a diligência habitual do obrigado[15]. Mais recentemente, em Itália, divergindo da posição tradicional, vem-se definindo a tendência para colocar o risco a cargo do titular da conta[16]. Colocada a questão jurídica nos referidos termos, abeamus a fabulis, propiora videamus. Presumida que está a culpa da 2ª R., terá ela ilidido essa presunção? A resposta é negativa. A 2ª R. omitiu um dos deveres de diligência a que estava adstrita. Ao receber da 1ª R., em cada momento, cada um dos cheques atrás mencionados, estava obrigada a proceder à verificação da assinatura do emitente, representante legal da A., por conferência com aquela que o mesmo emitente deixara na ficha de abertura da conta sacada, identificada sob a al. F) dos factos provados. Não efectuou essa verificação. E se a tivesse realizado poderia ter constatado a falsificação da assinatura e evitado o prejuízo da A., pois, como também ficou demonstrado, as assinaturas constantes daqueles cheques não se assemelha à assinatura do representante legal da demandante. Com efeito, não apenas por força da referida presunção de culpa da 2ª R., mas também porque ficou demonstrada a sua culpa concreta, efectiva, esta demandada não pode deixar de responder pelo prejuízo causado à B…, L.da. Importa agora saber se com a culpa efectiva do Banco concorre qualquer grau de culpa da A., através de factos que àquele cumpria demonstrar. Nos termos do citado art.º 570º, nº 1, “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”. A recorrente alinha as seguintes ideias para defender a co-responsabilização da A. lesada: - Todos os cinquenta cheques foram emitidos e pagos entre Setembro de 2000 e o mês de Março de 2001; - Admitida em Julho de 2000 nos serviços da A., a 1ª R. já tinha, em exclusivo, funções administrativas correspondentes à emissão de documentos da contabilidade Código Civil, designadamente para tratar da emissão de cheques e pagamentos. - Por ter a confiança do representante da A., a 1ª R. dava-lhe a assinar o que entendesse; - Que foi a recorrida que, através do seu gerente, no início do ano de 2001 detectou a existência de irregularidades no procedimento da lª R.; e - Que o Banco enviou sempre, entre Setembro de 2000 e Março de 2001 os extractos relativos à conta bancária que foi objecto do saque de todos e cada um dos cinquenta cheques falsificados. Vejamos. A 1ª R. foi admitida como assalariada da A. em Junho de 2000, e não no mês de Julho como alega a recorrente. Uma diferença de um mês, no máximo, mas que pode ser de alguns dias ou mesmo apenas de um dia… Sem relevância, portanto. A idade da C… não consta do elenco dos factos provados, pelo que a desconhecemos. Mas mesmo admitindo que tinha apenas “vinte e poucos anos”, como refere a recorrente, daí não pode extrair-se que fosse pessoa incompetente, inábil ou incapaz para tratar dos assuntos da contabilidade que lhe foram confiados. A recorrente não demonstrou factos ou circunstâncias que, sendo conhecimento da A., permitissem concluir que a 1ª R. não merecia a sua confiança e atribuição das funções a que ficou vinculada na empresa. Não é seguro que não seja das pessoas com mais experiência e competência, e em quem é depositada, por isso, a maior confiança, que muitas vezes provêm as condutas mais desleais e lesivas dos interesses alheios. Nada impede que se admita um jovem adulto ou um adulto de qualquer idade para o exercício directo de normais funções administrativas, mesmo em exclusividade, quando nada se conheça que desabone as qualidades do cidadão normalmente educado, responsável e respeitador. Não é de esperar que uma jovem mulher a quem se atribuiu um trabalho remunerado, dois ou três meses depois do início da sua prestação laboral --- tempo suficiente para criar uma ideia sobre as suas competências e qualidades pessoais --- passe a falsificar a assinatura do representante legal da sociedade. E não é necessário um grande esforço para encontrar nas mais diversas empresas comerciais profissionais da faixa etária da 1ª R. com maiores responsabilidades funcionais, designadamente ao nível da gestão. Por outro lado, a 1ª R. começou e continuou a emitir os cheques com a assinatura falsificada com aposição de valores compatíveis com os valores que uma pequena empresa de alumínios da construção civil normalmente pratica no pagamento aos seus fornecedores, fazendo crer à A., através dos seus representantes, que esse era o destino dos cheques, ao deixar cópia dos mesmos na contabilidade com a menção de estarem passados à ordem de vários clientes da recorrida. E foi indagada pelos representantes da sociedade sobre o destino daqueles títulos, aos quais respondia com a exibição de cópia integralmente preenchida com o nome do portador do cheque, assim os convencendo de que se tratava de cheques emitidos a favor de pessoas determinadas, dando a aparência da existência de relação comercial causal. Nestas circunstâncias, ao contrário do que a recorrente alega, não há alheamento nem indiferença à “sangria de valores”[17] feita pela 1ª R., e não é difícil decorrer um período de cerca de meio ano no giro comercial e financeiro de uma empresa, com toda a complexidade dos seus negócios, os seus créditos e os seus débitos sob variação constante, sem que a gerência se aperceba que o dinheiro saído da sua conta bancária não teve um destino compatível com as regras de uma gestão corrente normal. A própria C… enganava os representantes da A., por isso tendo sido condenada também por crime de burla. De outro passo ainda, a A., como cliente do Banco a quem confiou o depósito do seu dinheiro, confia também que este respeite a convenção de cheque e não pague os cheques em que não constem as assinaturas autorizadas, reveladas na forma da ficha bancária, maxime quando seja detectável assimetria entre aquela assinatura e a que, efectivamente, contar de cada cheque. A remessa regular dos extractos de conta para a A. apenas faz notar que o dinheiro estava a sair da empresa, já não que o seu destino era consentâneo com o seu interesse social. E quando dúvidas existiram, a explicação dada pela 1ª R. era aceite, sem que esta aceitação mereça censura… havia contas para pagar, como há em qualquer empresa comercial. E vem de caminho ter presente que foi a própria A. que, ainda no princípio do ano de 2001 detectou a existência de irregularidades no procedimento da l.ª R., pondo fim à sua acção, o que denota investigação interna, por certo precedida de suspeição e avaliação de circunstâncias, numa acção que não poderia ter-se esgotado num acto ou num dia, antes se desenvolvendo ao longo de algum tempo considerável. Embotados que ficam os argumentos da apelante, é hialino que as R.R., a quem cabia o ónus da prova, não lograram demonstrar qualquer facto que permita fazer concluir pela existência de culpa da A. lesada, qualquer acção ou omissão negligente, merecedora de censura aos olhos do bonus pater familias. Donde decorre que a R. recorrente é responsável nos termos estabelecidos na sentença recorrida, sem qualquer concorrência de culpa da A. Com efeito, improcede a apelação. * V.SUMÁRIO (art.º 713º, nº 7, do Código de Processo Civil) I- No âmbito da convenção de cheque, além do dever principal de pagar o cheque emitido pelo cliente, recaem sobre o Banco deveres acessórios, entre os quais figura a obrigação de verificar cuidadosamente os cheques que lhe são apresentados a pagamento e na qual se inclui a conferência da assinatura do sacador, comparando-a com o original constante de documento arquivado no banco. II- Por se tratar de responsabilidade contratual, é de presumir a culpa do Banco sacado (art.º 799º, nº 1, do Código Civil), sendo dele o ónus da prova de que agiu com a diligência que lhe era exigível, portanto, sem culpa, e que esta é exclusivamente imputável ao seu cliente. III- Configurando-se a possibilidade de concorrência de culpas (art.º 570º, nº 1, do Código Civil) do Banco e do cliente pela apresentação a pagamento de cheques falsificados, esta só existe se houver prova efectiva de comportamento negligente de ambas as partes, demonstrando-se que ambas contribuíram culposamente para a produção do resultado danoso, sendo do Banco o ónus da prova da culpa do cliente, e deste último o ónus da prova da culpa efectiva do Banco. * VI.Pelo exposto, de facto e de Direito, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente e, em consequência, mantém-se a sentença recorrida. * Custas da apelação pela apelante.* Porto, 10 de Março de 2011Filipe Manuel Nunes Caroço Teresa Santos Maria Amália Pereira dos Santos Rocha ________________ [1] V.d., entre outros, José Maria Pires, in “O Cheque”, pág. 29. [2] Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.11.2000 e de 28.4.2005, Colectânea de Jurisprudência Sup., T.s III e II, 108 e 114, respectivamente. [3] José António Lopes Cardoso, in “Alguns Aspectos da Responsabilidade do Banqueiro”, 30 de Maio de 1985 – “Temas de Direito Comercial”, pág. 222. [4] In “Contrato de Cheque”, Lisboa, 1992, pág. 68 --- mas cuja doutrina é de igual modo abordada por José Maria Pires, in “Direito Bancário”, 2º Vol., Rei dos Livros, pág. 333. [5] Cf. referido aresto de 9.11.2000. [6] Cf. José Maria Pires, ob. e pág. cit. [7] Vide, sobre este assunto, v.g., Antunes Varela, in Direito das Obrigações, Vol. II, 6ª edição, pág. 93. [8] Cf. José Maria Pires, in “Direito Bancário”, 2º Vol., Rei dos Livros, pág. 335. [9] José Maria Pires, ob. cit., pág. 334. [10] In B.M.J. nº 475/710, citado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.11.2000. [11] Idem, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Maio de 1996 e de 3 de Julho de 2008, Colectânea de Jurisprudência Sup., T. II, p. 82 e T. II, 155, respectivamente. [12] In Direito das Obrigações, 9ª ed., pág. 535. [13] In www.dgsi.pt. [14] In Da Responsabilidade Civil dos Bancos Decorrente do Pagamento de Cheques com Assinaturas Falsificadas”, Revista da Banca, nº 31, págs. 65 a 81, citado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.7.2008, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. II, pág. 155. [15] Antunes Varela, in “Direito das Obrigações”, Vol. II, 6ª ed., pág.s 98 e seg.s. [16] António Caeiro, Nogueira Serens e Sofia Galvão, citados num dos acórdãos que vimos acompanhando, mais uma vez o do Supremo Tribunal de Justiça, de 9.11.2000. [17] Usando a expressão da própria recorrente. |